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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

FERREIRA GULLAR

 

(1930-2016)

 

Ferreira Gullar (José Ribamar Ferreira), nasceu no dia 10 de setembro de 1930, na cidade de São Luiz, capital do Maranhão.

 

[Eleito membro da Academia Brasileira de Letras em outubro de 2014].

 

Vive no Rio de Janeiro (RJ), desde 1951. Sua obra “A Luta Corporal” (1954) revela um grande poeta, de difícil classificação, fora dos cânones em voga após o modernismo e a Geração 45, nos primórdios do que viria a ser o movimento concretista (a partir de 1956). Já estava com Reynaldo Jardim no SDJB –Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, orientando as vanguardas literárias e artísticas do país.

 

Foi no final da década de 50 que o conheci, justamente na redação do SDJB, onde eu passei a publicar ensaios e poemas sob o pseudônimo de da,nirham:eRos. Participamos de uma mostra de poesia de vanguarda em Belo Horizonte, a convite de Célio César Paduani: ele com seus não-objetos, eu com os poegoespaços. [Por certo, nunca recebemos de volta as peças enviadas para a exposição...]

 

A última vez que nos vimos, foi na sede da UNE, quando ele lançava um cordel. Eu fui depois para Argentina. Veio então a diáspora pós 64. Auto-exilei-me na Venezuela e perdi contato com o poeta. Cheguei a enviar-lhe livros meus mas nunca mereci dele uma resposta. Acossado pelos admiradores, demandado o tempo todo por jornalistas e estudiosos, não deve ter tempo para responder cartas...  Mas a minha admiração pela obra dele, mesmo irregular e tão diferenciada quanto a estilos e formatos, continua intacta. De certa forma, toda a minha geração é devedora da vertente de A Luta Corporal.

 

Aqui apresentamos uma seleção de poemas de Ferreira Gullar, de uma edição peruana cedida por nossos amigos de Lima —em particular o poeta Manuel Pantigoso e Lucia Velloso da Silveira (diretora do Centro de Estudios Brasileños).

 

Antonio Miranda

 

 

Livros de poesia: Um pouco acima do chão, 1949; A luta corporal, 1954; Poemas, 1958; João Boa-Morte, cabra marcado para morrer (cordel), 1962; Quem matou Aparecida? (cordel), 1962; A luta corporal e novos poemas, 1966; História de um valente, (cordel, na clandestinidade, como João  Salgueiro), 1966; Por você por mim, 1968; Dentro da noite veloz, 1975; Poema sujo, 1976; Na vertigem do dia, 1980; Crime na flora ou Ordem e progresso, 1986; Barulhos, 1987; O formigueiro, 1991; Muitas vozes, 1999; Poemas reunidos:Toda poesia, 1980.

 

“superar o caráter unidirecional da linguagem, rompendo com a sintaxe verbal”.
 Ferreira Gullar

 

“... sempre estou recomeçando do zero.”
FERREIRA GULLAR

 

Veja também o ensaio: Dois títulos capitais na obra de Ferreira Gullar - por Antonio Miranda

>>>FERREIRA GULLAR: “reflexões sobre o poético”, por Hildeberto Barbosa Filho

 

 

Leia tb:  FERREIRA GULLAR – Depoimento: COMO NASCEU O "POEMA SUJO"

O BANQUETE - A Ferreira Gullar

 

 

 

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL

 Veja também>>> POÈMES EN FRANÇAIS

EN ITALIANO

See also: TEXTS IN ENGLISH & PORTUGUESE

Veja também: Poesia Visual (neoconcretismo)

POESIA INFANTIL

 

 

 

 

GULLAR, FerreiraAutobiografia poética e outros textos.  Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2015.  159 p.  16x23 cm.  ISBN 978-85-8217-607-8  “ Ferreira Gullar “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

“A literatura só ter sentido se mudar alguma coisa, nem que seja  a minha própria vida”.

 

“A verdade, porém, é que dei curso à minha própria busca poética, que me levaria a mergulhar num universo semântico e formal situado nas antípodas da linguagem geométrica da arte concreta”.

Era como se a linguagem não existisse antes do poema: a feitura do poema seria a invenção da própria linguagem, que nasceria com ele, nova, sem passado”. 

 

Trata-se não de subestimar a técnica, o domínio da expressão poética, e sim de torna-la uma sabedoria do corpo”.

 

 

 

De
Ferreira Gullar
EM ALGUMA PARTE ALGUMA
Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2010. 
140 p.   ISBN  978-85-03-01095-5


"(...)
         o poeta inventa
         o que dizer
 e que só
         ao dizê-lo
                   vai saber
o que
         precisava dizer"
                                     FG


Metapoético, Gullar se explica sem definir-se...  Ou escapa pela tangente:


"Fica o não dito por dito."  E deixa um rastro de afirmações indefinidas, próprias de sua poesia. Insinua para apontar as respostas impossíveis. O mestre Alfredo Bosi reitera: "O sentimento do limite é intenso e atravessa  esta última escrita de Ferreira Gullar. Conferida a graça provisória da fala, "por mais que diga/ e porque disse/ sempre restará/ no dito o mudo/ o por dizer/ já que não é da linguagem/ dizer tudo".

Teórico, experimental em confronto com seu lirismo de compromisso e vida. Andou pelo soneto, pelo neoconcretismo, pelo cordel e fundou o poema sujo em que depura seu discurso.

Um novo livro de Ferreira Gullar é sempre um acontecimento! E mais agora que acaba de ser laureado pelo Prêmio Camões, o maior da língua portuguesa.

 

Sem explicar-se, o poeta maranhense fala-nos da poesia:


FALAR

A poesia é, de fato, o fruto
de um silêncio que sou eu, sois vós,
por isso tenho que baixar a voz
porque, se falo alto, não me escuto.

A poesia é, na verdade, uma
falta ao revés da fala,
como um silêncio que o poeta exuma
do pó, a voz que jaz embaixo
do falar e no falar se cala.
Por isso o poeta tem que falar baixo
baixo quase sem fala em suma
mesmo que não se ouça coisa alguma.

 

Aliás, confessa o poeta: "apenas fulge / em alguma parte alguma / da vida."

 

=================================================================

 

ANTONIO MIRANDA VISITA FERREIRA GULLAR

 

Aconteceu no dia 25 de agosto de 2011, na casa do poeta em Copacabana, Rio de Janeiro. Em verdade, um reencontro, quase cinco décadas depois. Conheciam-se da redação do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e em atividades na sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), quando Gullar lançou seus livros de cordel de linha política militante.  Gullar foi exilado e viveu em vários países e, depois, Antonio Miranda auto-exilou-se na Venezuela, por 7 anos (de 1966 a 1972). Um reencontro emocionante. Falaram dos amigos da época (Reynaldo Jardim, Roberto Pontual, José Guilherme Merquior, etc) e trocaram livros. O pretexto da visita foi pedir desculpas pela não realização da homenagem ao 80 anos do poeta, que era a proposta da II Bienal Internacional de Poesia de Brasília, que foi transferida por causa da crise no final do governo do DF em 2010, ano dos 50º anversário da Capital Federal, e pelo cancelamento da referida Bienal em 2011, por falta de recursos. Gullar queria saber os motivos da suspensão e ventilou-se, metaforicamente, uma razão: como no stanilinismo, o que vale é a versão, não são os fatos...  E Gullar escreveu um poema e deu um autógrafo no “Livro dos Poetas” de seu colega e conterrâneo. Veja:



 

=================================================================

 

De
GULLAR, Ferreira. 
Ossos e vozes 
Guaches, nanquins e gravuras [de] Giancarlo Bonfanti.   Rio de Janeiro: Contracapa, 2010.   72 p. ilus. Retratos de Gullar em p&b e composições em cores sobre páginas duplas, dobradas.  Formato 28x23 cm; impressão sobre papel Scheufelen BVS 170 g/m2, em novembro de 2010, 1.500 exemplares na cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro dos quais seis, acompanhados de um guache, um nanquim e três gravuras, seis, acompanhados de um nanquim e três gravuras, todos eles de Giancarlo Bonfanti, foram encadernados, respectivamente numerados de I a VI, VII a XII, e 1 a 18, assinados e acondicionados em caixas revestidas de tecido. ISBN 978-85-7740-086-7 (encadernado).  (LA)   A edição convencional é vendida em livrarias. ISBN  978-85-7740-087-4 (brochura) Col. A.M.  (EE)

 

 

EXTRAVIO

 

Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?

Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.

Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.

Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.

Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em cada olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.

Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala. 

 

 

FRUTAS

Sobre a mesa de domingo
(o mar atrás)
duas maçãs e oito bananas num prato de louça
São duas manchas vermelhas e uma faixa amarela
com pintas de verde selvagem:
uma fogueira sólida
acesa no centro do dia.
O fogo é escuro e não cabe hoje nas frutas:
as chamas do que está pronto e alimenta

 

 

 

De
Ferreira Gullar / Siron Franco
A VIDA BATE
Buenos Aires: IMPSAT, 1999.
 s.p. ilus. col.  28 x 28 cm.


Gullar em sua plenitude, em sua maturidade poética... Sabe-se que ele começou pelo fim: com a Luta Corporal, sessenta anos atrás, desde uns versos discursivos até o delírio final do livro, em que desintegrava a linguagem, diluía os sentidos e atomizava o discurso e a razão do poema. Passou ao neo-concretismo , chegou a engajar-se no poema cordel-político, atravessou pelo "poema sujo", fez "barulhos"  e outras fases e nos revela agora este poeta absoluto, síntese de todas as tendências e propostas anteriores...  Estes três poemas a seguir revelam um poeta em sua plenitude, com o domínio formal e o conteúdo ajustado à sua expressão mais comunicativa em todos os sentidos, longe de hermetismos e experimentalismos ornamentais. Viva Gullar!!!

Trata-se de um livro de arte, em louvor da obra extraordinária de Siron Franco. Difícil um poeta sobreviver ao lado de um artista da magnitude do goiano Siron Franco! Difícil não ser apenas legenda ou rodapé... mas Gullar tem brilho próprio, marca seu território mesmo quando generosamente se volta para a louvação de um artista parceiro. Quando vão dar a ele o Prêmio Nobel? Felizmente já chegou ao Prêmio Camões em 2010, antes tarde do que nunca!!!

ANTONIO MIRANDA

 

nós, latino-americanos

Somos todos irmãos
mas não porque tenhamos
a mesma mãe e o mesmo pai:
temos é o mesmo parceiro
que nos trai.

Somos todos irmãos
não porque dividamos
o mesmo teto e a mesma mesa:
divisamos a mesma espada
sobre nossa cabeça.

Somos todos irmãos
não porque tenhamos
o mesmo berço, o mesmo sobrenome:
temos um mesmo trajeto
de sanha e fome.

Somos todos irmãos
não porque seja o mesmo sangue
que no corpo levamos:
o que é o mesmo é o modo
como o derramamos.

 


traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
         — que é uma questão
         de vida ou morte —
                  será arte?


uma voz

Sua voz quando ela canta
me lembra um pássaro mas
não um pássaro cantando:
lembra um pássaro voando

 

 

 

GULLAR, Ferreira.  Barulhos. GULLAR, Ferreira.   Poemas.   3 ed   Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.   93 p.  14x20,5 cm.    Col. Bibl. Antonio Miranda  

POEMA POROSO

 

De terra te quero;

                    poema,

e no entanto iluminado.

 

                              De terra

o corpo perpassado de eclipses,

poroso

poema

de poeira —

          onde berram

suicidas e perfumes;

                           assim te quero

sem rosto

e no entanto familiar

                            como o chão do quintal

(sombra de todos nós depois

          e antes de nós

quando a galinha cacareja e cisca).

 

                            De terra,

onde para sempre se apagará

          a forma desta mão

          por ora ardente.

 

 

MEU POVO, MEU ABISMO

 

Meu povo é meu abismo.

Nele me perco:

a sua tanta dor me deixa

surdo e cego.

 

Meu povo é meu castigo

meu flagelo:

seu desamparo,

meu erro.

 

Meu povo é meu destino

meu futuro:

se ele não vira em mim

veneno ou canto —

                              apenas morro.

 

 


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MAIS POEMAS DE GULLAR

 

Neste leito de ausência em que me esqueço

desperta o longo rio solitário:

se ele cresce de mim, se dele cresço,

mal sabe o coração desnecessário.

 

O rio corre e vai sem ter começo

nem foz, e o curso,que é constante, é vário.

Vai nas águas levando, involuntário,

luas onde me acordo e me adormeço.

 

Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:

duplo espelho - o precário no precário.

Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,

de silêncio em silêncio me apodreço.

 

Entre o que é rosa e lodo necessário,

passa um rio sem foz e sem começo.

 

 

* * *

 

Fluo obscuro de mim, enquanto a rosa

se entrega ao mundo, estrela tranqüila.

Nada sei do que sofro.

O mesmo tempo

que em mim é frustração, nela cintila.

 

E este por sobre nós espelho, lento,

bebe ódio em mim; nela, o vermelho.

 Morro o que sou nos dois.

O mesmo vento

que impele a rosa é que nos move, espelho!

 

 

 

Galo Galo

 

O galo

no saguão quieto.

 

Galo galo

de alarmante crista, guerreiro,

medieval.

 

De córneo bico e

esporões, armado

contra a morte,

passeia.

 

Mede os passos. Pára.

Inclina a cabeça coroada

dentro do silêncio.

-que faço entre coisas?

-de que me defendo?

 

Anda

no saguão.

O cimento esquece

o seu último passo.

 

Galo: as penas que

florescem da carne silenciosa

e o duro bico e as unhas e o olho

sem amor. Grave

solidez.

Em que se apóia

tal arquitetura?

 

Saberá, que, no centro

de seu corpo, um grito

se elabora?

 

Como, porém, conter,

uma vez concluído,

o canto obrigatório?

 

Eis que bate as asas, vai

morrer, encurva o vertiginoso pescoço

donde o canto, rubro, escoa.

 

Mas a pedra, a tarde,

o próprio feroz galo

subsistem ao grito.

 

Vê-se: o canto é inútil.

 

O galo permanece —apesar

de todo o seu porte marcial—

­só, desamparado,

num saguão do mundo.

Pobre ave guerreira!

 

Outro grito cresce,

agora, no sigilo

de seu corpo; grito,

que sem essas penas

e esporões e crista

e sobretudo sem esse olhar

de ódio,

não seria tão rouco

e sangrento.

Grito, fruto obscuro

e extremo dessa árvore: galo.

Mas que, fora dele,

é mero complemento de auroras.

 

 

 

Vida

 

a minha, a tua,

eu poderia dizê-la em duas

ou três palavras ou mesmo

numa

 

corpo

 

sem falar das amplas

horas iluminadas,

das exceções, das depressões

das missões,

dos canteiros destroçados feito a boca

que disse a esperança

 

fogo

 

sem adjetivar a pele

que rodeia a carne

os últimos verões que vivemos

a camisa de hidrogênio

com que a morte copula

(ou a ti, março, rasgado

no esqueleto dos santos)

 

Poderia escrever na pedra

meu nome

 

gullar

 

mas eu não sou uma data nem

uma trave no quadrante solar

Eu escrevo

 

facho

 

nos lábios da poeira

 

lepra

vertigem

cana

 

qualquer palavra que disfarça

e mostra o corpo esmerilado do tempo

 

câncer

vento

 laranjal

 

(DeO Vil Metal)

 

 

Morte de Clarice Lispector

 

Enquanto te enterravam no cemitério judeu

De S. Francisco Xavier

(e o clarão de teu olhar soterrado

resistindo ainda)

o táxi corria comigo à borda da Lagoa

na direção de Botafogo

E as pedras e as nuvens e as árvores

no vento

mostravam alegremente

que não dependem de nós.

 

Extraído de

 

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TRADUZIR-SE

 

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão;
outra parte é estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
—que é um questão
    de vida ou morte—
    será arte?

(De Na vertigem do dia)

Extraído de:
TROVAS.
  [Seleção de Edson Guedes de Morais]  Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2013.  3 v.  14x9,5 cm.  edição artesanal, tiragem limitada, circulação restrita. Col. bibl. A. Miranda

 

 

Veja também o ensaio: DOIS TÍTULOS CAPITAIS NA OBRA DE FERREIRA GULLAR - Por Antonio Miranda

 

 


Ilustração: Fernando Lopes

 

 

 

 

TRENZINHO DO CAIPIRA – (Poema de Ferreira Gullar)

 

O Trenzinho do Caipira é uma composição de Heitor Villa Lobos e parte integrante da peça Bachianas Brasileiras nº 2. A obra se caracteriza por imitar o movimento de uma locomotiva com os instrumentos da orquestra.[1]

 

Anos depois, a melodia recebeu letra composta por Ferreira Gullar em Poema Sujo:

 

Lá vai o trem com o menino

Lá vai a vida a rodar

Lá vai ciranda e destino

Cidade noite a girar

Lá vai o trem sem destino

Pro dia novo encontrar

Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo mar

Cantando pela serra do luar

Correndo entre as estrelas a voar

No ar, no ar, no ar... (...)

 

 

GULLAR, FerreiraA Luta corporal. Prefácio de Miguel Conde.  São Paulo: Companhia das Letras, 1017. 155 p.  15x22,5 cm.   Capa: Elaine Ramos.   ISBN 978-85-359-2864-8   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

DESCONSTRUÇÃO DO DISCURSO EM GULLAR

        
         Comentário de Antonio Miranda relativa à nova edição do livro e alguns trechos do livro:

         "Adquiri um exemplar de edição original de A Luta Corporal (de 1954) quando vivia no Rio de Janeiro, no final dos anos 50, obra já consagrada pela crítica. Ferreira Gullar estava na redação do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, com Reynaldo Jardim. O livro me impactou profundamente. [Infelizmente, o exemplar extraviou-se , numa época em que saí pelo Brasil e depois por outros países sul-americanos.] Na "luta corporal" com a criação literária Gullar vai do soneto à desintegração da linguagem, como ressalta Miguel Conde no prefácio da edição de 2017: "Gullar deforma as palavras até o limite do irreconhecível, e as distribui pela página de maneira a criar um ritmo plástico, produzido pela alternância entre espaços vazios e blocos de texto." Gullar seguia os ditames mallarmaicos na ação tipográfica que antes exercia numa editora. Ou seja,  como ressalta Conde: "Esses experimentos enfatizam a dimensão sensível do signo verbal, explorando composições visuais e sequências sonoras que desarticulam a ordem discursiva convencional (...)"  (p. 20-21)

 

         Saber-se
         fonte única de si
         alucina.
         FERREIRA GULLAR

 

         Estive com Ferreira Gullar algumas vezes na redação do jornal, ainda na Avenida Rio Branco, na companhia dos amigos Roberto Pontual e José Guilherme Merquior. Numa das visitas estava presente João Cabral de Melo Neto, nosso ídolo supremo. Décadas depois quis homenagear o Gullar na 2ª. Bienal Internacional de Poesia de Brasília, mas impediram sua realização, apesar de já contar com os recursos financeiros. Fui ao apartamento dele em Copacabana, para desculpar-me pelo cancelamento do evento. Foi um encontro solidário, de conterrâneos — somos do Maranhão —, mas saí de lá um tanto desconsolado.


         "O que somos não nos ama." FERREIRA GULLAR

 


(Comentário de Antonio Miranda relativa à nova edição do livro.)

Fragmentos significativos do livro A Luta Corporal:

 

         De Sete poemas portugueses

 

         6

 

         Calco sob os pés sórdidos o mito
         que os céus segura — e sobre um caos me assento.
         Piso a manhã caída no cimento
         como flor violentada. Anjo maldito

         (pretendi devassar o nascimento
         da terrível magia) agora hesito,
         e queimo — e tudo é o desmoronamento
         do mistério que sofro e necessito.

         Hesito, é certo, mas aguardo o assombro
         com que verei descer de céus remotos
         o raio que me fenderá no ombro.

         Vinda a paz, rosa-após dos terremotos,
         eu mesmo juntarei a estrela ou a pedra
         que de mim reste sob os meus escombros.

 


 De Um Programa de Homicídio  (fragmento)

 

         As minhas palavras esperam no subsolo do dia; sobre elas chovera, e sóis bebidos trabalham, sem lume, o seu cerne; tempo mineral, eu as desenterro como quem desenterra os meus ossos, as manhãs calcinadas — carvões!

            Queimo-as aqui; e esta fulguração já é nossa, é luz do corpo

construo uma nova solidão para o homem; lugar, como o da flor, mas dele, ferocíssimo!; como o silêncio aceso; a mais nova morte do homem

         construo, com os ossos do mundo, uma armadilha; aprenderás, aqui, que o brilho é vil; aprenderás a mastigar o teu coração, tu mesmo.

 

 

De A fala

 

As frutas sem morte
não as comemos.
                           Essas
que uma outra fome, clara,
segura.
           Essas
suspensas lá onde o silêncio,
não bem como uma árvore
de vidro,
             frutifica.

***********************

 CARNE d´urina
´sóis du fôscu,
                       u brilho
vlãs, irromp-
i´ei chão-sepúlcrar

UNhas da
cega faina
e o corpú sem termo?
e o-ouro da glória
nas fomes felices

fersta da urina!

URR VERÔENS
ÔR
TÚFUNS
LERR DESVÉSLEZ VÁRZENS

13-9-53 

 

 

HUMOR. Caulos ,Carlos Drummond de Andrade, Claudius, Ferreira Gullar, Fortuna,
Henfil, Jaguar, Juarez, Miguel, Millôr Fernandes, Paulo Mendes Campos, Redi,
Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Zélio, Ziraldo. /Poetas e humoristas/      Apresentados por Mario Pedrosa. Coordenação editorial e planejamento gráficoClaudius S. P. Ceccon.   S.l. Raizes Artes Gráficas, 1979. 33x51 cm.  Folhas soltas.   Tiragem: 1000 exs.  Patrocínio Banco do Brasil. Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

            Poster

 

        Ajuda saber que existe
         em algum ponto do mundo
         (na Suiça
?)
         uma jovem de mais ou menos
         um metro e setenta de altura
         com uma aurora em cabelos na cabeça
         e um dorso dourado
                  voraz como a vida.

 

         Ela esteve de pé
         entre plantas e flores
         numa dessas manhãs em que possivelmente
         chovia na Guanabara
                   mas não lá
                   (na Suiça
?)
         onde ela pousou ao sol
         em biquini
         para um fotógrafo profissional.

 

         Aqui está ela agora impressa em cores
         como sonho no papel
         mercadoria à venda fata
         morgana
         que nos chama
         por duas bocas molhadas:
         uma à vista
         a outra escondida,
         ambas fechadas (entre-
                                            fechadas)
         uma que fala (ou
                                   falaria) e sorri
         no meio da aurora, civil,
         e a outra
         calada em muitos lábios
         sob o pano:
         — uma —  a boca diária
         cheirando a dentifrício
         e a outra, avara,
         como o ouro da urina.

 

         Mas nada disso se sabe
         se, do ventre não se ergue a vistaa
         até o rosto onde,
         por duas, esferas azuis,
         de entre pétalas e borboletas,
         do fundo do corpo — nos fita
         a escondida menina da pantera.

 

 

 

RAMOS, Clovis.   Minha terra tem palmeiras... (Trovadores maranhenses) Estudo e antologia.  Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1970.   71 p.   Ex. bibl. Antonio Miranda   

 

 

        A noite, o silêncio invade
a sala e a torna mais calma,
é quando chega a Saudade:
Sherazade de minh´alma!

        A meus ouvidos tristonhos,
chega a voz sumida,
cantando a vida dos sonhos,
que é a vida da minha vida!...

        É tão falaz essa graça
que aos homens Deus ofertou,
que só depois que ela passa,
se sabe que ela passou!

        Findo o amor, espero Alice,
que me possas perdoar
— os que pensei mas não disse
— o que disse sem pensar.

 

 

 

Ouça a música:  www.youtube.com/watch?v=JaifL8nH7RA

 

Na voz de Adriana Calcanhoto: www.youtube.com/watch?v=BSVhZaffYwQ

 

 

TRADUZIR-SE (1981) de FERREIRA GULLAR:

Ouça a música com FAGNER:  www.youtube.com/watch?v=rNioAuSoMAQ

 

 

TEXTOS EN ESPAÑOL
Traducción de Antonio Cisneros 

 

* * *

 

En este lecho de ausencia en que me olvido

despierta el largo río solitario:

si él crece de mí, si de él crezco,

mal sabe el corazón innecesario.

 

EI río corre y va sin tener comienzo

ni estuario, y el curso, que es constante, es vario.

Va en las aguas llevando, involuntario,

lunas donde me despierto y me adormezco.

 

Sobre el lecho de sal, soy luz y yeso:

doble espejo -lo precario en lo precario.

¿Florece un lado de mí? En el otro, al contrario,

de silencio en silencio yo me pudro.

 

Entre lo que es rosa y lodo necesario,

pasa un río sin estuario ni comienzo.

 

 

*  *  *

 

Fluyo oscuro de mí, mientras la rosa

se entrega al mundo, estrella tranquila.

Nada sé de lo que sufro.

El mismo tiempo

que en mí es frustración, en ella brilla.

 

Y este por sobre nosotros espejo, lento,

bebe odio en mí; en ella, lo rojo.

Muero lo que soy en los dos.

El mismo viento

que impele la rosa es que nos mueve, ¡espejo!

 

 

 

Gallo Gallo

 

El gallo

en el quieto zaguán.

 

Gallo gallo

de alarmante cresta, guerrero,

medieval.

 

De córneo pico y

espolones, armado contra la muerte,

se pasea.

 

Mide los pasos. Se detiene.

Inclina la cabeza coronada

dentro del silencio

—¿qué hago entre cosas?

—¿de qué me defiendo?

 

Camina

por el patio.

El cemento olvida

su último paso.

 

Gallo: las plumas que

florecen en la carne silenciosa

y el duro pico y las uñas y el ojo

sin amor. Grave

solidez.

¿En qué se apoya

tal arquitectura?

 

¿Sabrá que en el centro

de su cuerpo un grito

se elabora?

 

¿Cómo,entonces, contener

una vez concluido,

el canto obligatorio?

 

De pronto bate las alas, va

a morir, inclina el vertiginoso pescuezo

de donde el canto, rubro, fluye.

 

Pero la piedra, la tarde,

el mismo gallo feroz

subsisten al grito.

 

Se ve: el canto es inútil.

 

EI gallo permanece -pese

a todo su porte marcial—

­solo, desamparado,

en un patio del mundo.

¡Pobre ave guerrera!

 

Otro grito crece,

ahora, en el sigilo

de su cuerpo; grito

que sin esas plumas

y espolones y cresta

y sobre todo sin esa mirada

de odio,

no sería tan ronco

y sangriento.

Grito, fruto oscuro

y extremo de ese árbol: gallo.

Aunque fuera de él,

es apenas complemento de auroras.

 

 

 

Vida

 

la mía, la tuya,

yo podría decirla en dos

o tres palabras o incluso

en una

 

cuerpo

 

sin hablar de las amplias

horas iluminadas,

de las excepciones, de las depresiones

de las misiones,

de los macizos destrozados como la boca

que dijo la esperanza

 

fuego

 

sin adjetivar la piel

que rodea la carne

los últimos veranos que vivimos

la camisa de hidrógeno

con que la muerte copula

(o a ti, marzo, roto

en el esqueleto de los santos)

 

Podría escribir en la piedra

mi nombre

 

gullar

 

pero yo no soy una fecha ni

una viga en el cuadrante solar

Yo escribo

 

antorcha

 

en los labias del polvo

 

lepra  

vértigo        

 coña

 

cualquier palabra que disfraza

y muestra el cuerpo esmerilado del tiempo

 

cáncer        

viento

naranjal

 

 

(DeO Vil Metal)

 

Muerte de Clarice Lispector

 

Mientras te enterraban en el cementerio judío

de San Francisco Javier

(y el brillo de tu mirada soterrada

se resistía aún)

el taxi corría conmigo al borde de la Laguna

en dirección a Botafogo

Y las piedras y las nubes y los árboles

al viento

mostraban alegremente

que no dependen de nosotros

 

Extraído

--------------------------------------------------------------------------------------------

 

TRADUCIRSE

 

Traducción de Mario Cámara y Paloma Vidal

Una parte de mí
es todo el mundo;
otra parte es nadie:
fondo sin fondo.

Una parte de mí
es multitud;

otra parte extrañeza
y soledad.

Una parte de mí
pesa, pondera;
otra parte
delira.

Una parte de mí
es permanente;
otra parte
se sabe de repente.

Una parte de mí
es vértigo apenas;
otra parte,
lenguaje.

Traducir una parte
em outra parte
—que es una cuestión
  de vida o muerte—
  ¿será arte?

 


(De Na vertigem do dia/ En el vértigo del día)

===============================================================

Ferreira Gullar

De
Ferreira Gullar
ANIMAL TRANSPARENTE
 
Traducción y prólogo de Alfredo Fresia
Monterrey, México: La Cabra Ediciones, 2009.
154 p.  ISBN 978-607-497-000-2

 

La poesía de Ferreira Gullar ha sido traducida muchas vez al Español, en diferentes versiones según los traductores. La antología con textos que han sido seleccionados por el autor mismo, y luego con las versiones al castallano  y prologada por Alfredo Fresia incluye poemas de todos los libros del poeta brasileño (excluye apenas su primer libro, los para niños) hasta 1999. Elegimos los dos poemas de "O vil metal (1954-1960)" por seren menos conocidos del público brasileño y estranjero.

"Biografía sí, pero sólo en lo que tiene de común con el resto de los seres humanos. No es un yo individual el que debe ser iluminado: es la condición humana situada en un continente y en un tiempo: la transparencia del animal poético." ALFREDO FRESIA

 

 

Los hechos

 

Entonces el hombre serio entró y dijo: buen día
Entonces el otro hombre serio contestó: buen día
Entonces la mujer seria contestó: buen día
Entonces la chiquilla en el piso contestó: buen día
Entonces todos se rieron de una buena vez
Menos las dos sillas, la mesa, el jarro, las flores, las paredes,
el reloj, la lámpara, el retraio, los libros, el secante, los zapatos, Ias corbatas, las camisas, los pañuelos.

 


Frutas

 

Sobre la mesa del domingo
(el mar detrás)
dos manzanas y ocho bananas en un plato do loza
Son dos manchas rojas y una franja amarilla
con lunares de verde salvaje:
una fogata sólida
encendida en el centro dei día.
El fuego es oscuro y hoy no cabe en las frutas:
llamas,
las llamas de lo que está listo y alimenta

 

GULLAR, Ferreira.  Murmullos.  Traducción de José Morella.   Vitoria-Gasteiz, España: Ediciones Bassarai, 2006.  Ilustración de la portada: AFC MINTXO. 70 p.   ISBN  84-89852-70-7   Col. A.M. 

 

MIRAR

 

lo que yo veo

me atraviesa

                    como al aire

                    el ave

 

lo que yo veo pasa

a través de mí

casi se queda

                    detrás de mí

 

lo que yo veo

— la montaña por ejemplo

bañada de sol —

                    me ocupa

y soy entonces sólo

esa ruda piedra iluminada

o casi

si no fuera

                 porque sé que la veo.

 

 

PINTURA

 

Yo sé que si tocase

con la mano aquel rincón del cuadro

donde arde un amarillo

me quemaría en él

o me habría manchado para siempre de delirio

la yema de los dedos.

 

II BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASÍLIA – Poemário. Org. Menezes y Morais.  Brasília: Biblioteca Nacional de Brasília, 2011.  s.p.  Ex. único.

 

 

Cabe ressaltar: a II BIP – Bienal Internacional de Poesia era para ter sido celebrada para comemorar o cinquentenário de Brasília, mas Governo do Distrito Federal impediu a sua realização.

Ferreira Gullar seria o poeta homenagem da II BIP. Mas decidimos divulgar os textos pela internet.

Ferreira Gullar ia ser o poeta homenageado da II BIP,

 

 

 

Gato pensa?

 

Dizem que gato não pensa

mas é difícil de crer.

Já que ele também não fala

como é que se vai saber?

 

A verdade é que o Gatinho,

quando mija na almofada,

vai depressa se esconder:

sabe que fez coisa errada.

 

E se a comida está quente,

ele, antes de comer,

muito calculadamente,

toca com a pata pra ver.

 

Só quando a temperatura

da comida está normal,

vem ele e come afinal.

 

E você pode explicar

como é que ele sabia

que ela ia esfriar?

 

 

 

 

Nós, latino-americanos

 

Somos todos irmãos

mas não porque tenhamos

a mesma mãe e o mesmo pai:

temos é o mesmo parceiro

que nos trai.

 

Somos todos irmãos

não porque dividamos

o mesmo teto e a mesma mesa:

divisamos a mesma espada

sobre nossa cabeça.

 

Somos todos irmãos

não porque tenhamos

o mesmo berço, o mesmo sobrenome:

temos um mesmo trajeto

de sanha e fome.

 

Somos todos irmãos

não porque seja o mesmo sangue

que no corpo levamos:

o que é o mesmo é o modo

como o derramamos.

 

 

 

Traduzir-se

 

Uma parte de mim

é todo mundo;

outra parte é ninguém:

fundo sem fundo.

 

Uma parte de mim

é multidão;

outra parte é estranheza

e solidão.

 

Uma parte de mim

pesa, pondera:

outra parte

delira.

 

Uma parte de mim

almoça e janta;

outra parte

se espanta.

 

 

Uma parte de mim

é permanente;

outra parte

se sabe de repente.

 

Uma parte de mim

é só vertigem;

outra parte,

linguagem.

 

Traduzir uma parte

na outra parte

—que é um questão

    de vida ou morte—

    será arte?

 

(De Na vertigem do dia)

 

 

 

BRAZILIAN POETRY 1950-1980.  Edited by Emanuel Brasil and William Jay Smith.            Middletown, Connecticut: Wesleyan University Press, 1983.   187 p.              Ex. bibl. Antonio Miranda

 

Coisas da Terra

 

Todas as coisas de que falo estão na cidade
entre o céu e a terra..
São todas elas coisas perecíveis
e eternas como o teu riso
a palavra solidária
minha mão aberta
ou este esquecido cheiro de cabelo
que volta
e acende sua flama inesperada
no coração de maio.

Todas as coisas de que falo são de carne
como o verão e o salário.
Mortalmente inseridas no tempo,
estão dispersas como o ar
no mercado, nas oficinas,
nas ruas, nos hotéis de viagem.

São coisas, todas elas,
cotidianas, como bocas
e mãos,, sonhos, greves,
denúncias,
acidentes do trabalho e do amor. Coisas.
de que falam os jornas

       às vezes tão rudes
às vezes tão escuras
que mesmo a poesia as ilumina com dificuldade.

Mas é nelas que te vejo pulsando,
mundo novo,
ainda em estado de soluços e esperança.


Things of the Earth

 

All the things I speak of lie in the city
between heaven and earth.
All are things perishable
and eternal like your laughter
words of allegiance
um open hand
or the forgotten smell of hair
that returns
and kindles a sudden flame
in the heart of May.

 

All the things I speak of are of the flash
like summer and salary.
Mortally inserted into time
dispersed like air
in the marketplace, in offices,
streets na hostelries.

They are things, all of them,
quotidian things, like mouths
and hands, dreams, strikes,
denunciations —
acidentes of work or love.  Thigs
talked about in the newspapers
at times so crude
at times so dark
that even poetry illuminates them with difficulty.

But in them I see you, new world,
pulsating,
still sobbing, still hopeful.

Translated by William Jay Smith

 

 

Um sorriso

 

Quando
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas

quando
com meu aceso archote e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel —
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui embaixo
senão colher coma repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?

 

 

A smile

 

When I
with my handes afire
ignite you and below
into a rose
you open

when I

          with my torch burning and blind
penetrate the night of your flower exhaling
urine
and néctar—
what am I seeking
in the fire
here below
ir not to pluck with the abrupt
hand of delirium
another floweer: the smile
higher up
that makes your face shine

                                           Translated by Richard Zenith

 

 

SUBVERSIVA

 

A poesia
quando chega
não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
de qualquer de seus abismos
desconhece o Estado e a Sociedade Civil
desrespeita o Código de Águas
relincha

como puta
nova
em frente ao Palácio da Alvorada.

E só depois
reconsidera: beija
nos olhos os que ganham mal
embala no colo
os que têm sede de felicidade
e de justiça

E promete incendiar o país

 

 

Subversive

 

Poetry
when she comes
respect nothing
Neither father nor mother.
When she struggles
up from one of her abysses
se ignores Society and the State
disdains Water Regulations
he-haws
like a young
whore
in front of the Palace of Dawn.*

 

And only later
does she reconsider: kisses
the eyes of those who eam litte
gathers into her arms
those who thirst for happiness
and justice

And promises to set the country on fire.

 

                    Translated by Willi nam Jay Smith.

 

See and Read  Brazilian poets in English here:

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_ingles/brazilian_poetry_index.html

 

Página ampliada em outubro de 2021

 

 

 

 
 


 

 

 
 
 
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