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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

POÉSIE BRÉSILIENNE EN FRANÇAIS
Coordination de ARICY CURVELLO

FERREIRA GULLAR 

FERREIRA GULLAR 

 

O TRABALHO DAS NUVENS 

Esta varanda fica

à margem

da tarde. Onde nuvens trabalham

 

A cadeira não é tão seca

e lúcida, como

o coração.

Só à margem da tarde

é que se conhece

a tarde: que são as

folhas de verde e vento, e

o cacarejar da galinha e as

casas sob um céu: isso, diante

de olhos.

 

e os frutos?

e também os

frutos. Cujo crescer altera

a verdade e a cor

dos céus. Sim, os frutos

que não comeremos, também

fazem a tarde

              ( a vossa

tarde, de que estou à margem).

 

Há, porém, a tarde

do fruto. Essa não roubaremos:

                       tarde

em que ele se propõe a glória de

não mais ser fruto, sendo-o

mais: de esplender, não como astro, mas

como fruto que esplende.

 

E a tarde futura onde ele

arderá como um facho

efêmero!

 

Em verdade, é desconcertante para

os homens o

trabalho das nuvens.

Elas não trabalham

acima das cidades: quando

há nuvens não há

cidades: as nuvens ignoram

se deslizam por sobre

nossa cabeça: nós é que sabemos que

deslizamos sob elas: as

nuvens cintilam, mas não é para

o coração dos homens.

 

A tarde é

as folhas esperarem amarelecer

e nós o observarmos.

 

E o mais é o pássaro branco que

voa -  e que só porque voa e o vemos,

voa para vermos. O pássaro que é 

branco

não porque ele o queira nem

porque o necessitemos:

o pássaro que é branco

porque é branco.    

 

Que te resta, pois, senão  

aceitar?

        Por ti e pelo

pássaro pássaro.   

 

 

LE TRAVAIL  DES  NUAGES

 

Cette véranda est

en marge de

l ‘ aprés-midi. Où des nuages travaillent.

 

La chaise n’ est  pas si sèche

et lucide, que

le coeur.

À  peine  en marge de l’ aprés-midi

c’ est qu’ on connaît

l’ aprés-midi: ce sont les

feuilles  de vert et vent, et

le glousser de la poule et les

maisons sous un ciel: cela devant

des yeux.

 

Et les fruits ?

et aussi les

fruits. Dont grandir altère

la vérité et la couleur

des ciels. Oui, les fruits

que nous ne mangeons pas, eux aussi

ils font  l’ aprés-midi

                    (votre

aprés-midi duquel je suis en marge.)

 

Il y a toutefois, l’ aprés-midi

du  fruit. Celui-là

ne volerons pas ;

             aprés-midi

dans lequel il se propose la gloire de

ne plus être fruit, quoiqu’ il en soit  encore

plus: de briller, pas comme astre, mais

comme un fruit qui brille.

 

Et l’ aprés-midi futur où il

brûlera comme un flambeau

éphémère !

 

En vérité, il est déconcertant pour

les hommes le

travail des nuages.

Ils ne travaillent pas

au-dessus des villes: quand

il y a des nuages il n’ y a pas

de villes: les nuages ignorent

s’ ils glissent au-dessus de

notre tête: c’ est nous qui savons que

nous glissons sous elles: les

nuages brillent mais ce n’ est pas pour

le coeur des hommes.

 

L’ aprés-midi est

les feuilles attendent de jaunir

et nous les observons.

 

Et plus, c’ est l’ oiseau blanc qui

vole  ¾  et parce qu’il vole et nous le voyons

il vole pour que nous le voyions. L’ oiseau qui est

blanc

non parce qu’il le veut, non

parce que nous en avons besoin :

l’oiseau qui est blanc

parce qu’ il est blanc.

 

Que te reste-t-il, donc, sauf

accepter?

Pour toi et pour

l’oiseau oiseau.

 

 

 

( Da antologia bilingüe “Poésie du Brésil”, seleção de Lourdes Sarmento, edição Vericuetos, como nº 13 da revista literária francesa  “Chemins Scabreux”, Paris, setembro de 1997.Traduções de Lucilo Varejão, Maria Nilda Miranda Pessoa e outros.)

 

 

 

GULLAR, Ferreira.  Dans la Nuit Véloce.  Choix de poèmes 1950-2001.  Trad. L. Gonçalves et D. Lamaison.  Texte bilingue.   Paris:  Éditions Eulina Carvalho, 2000.    302 p.   14x21 cm.  Ex. bibl. Antonio Miranda

É a mais completa antologia do poeta imortal – membro da Academia Brasileira de Letras – Ferreira Gullar em língua francesa. Por causa dos direitos autorais, vencendo as restrições, aqui vão 3 poemas dele e a recomendação para que cheguem aos originais. Eu tenho dois exemplares, e um estou doando para o acervo da Biblioteca Nacional de Brasília.
ANTONIO MIRANDA

 

 

AS PERAS

 

As peras, no prato,

apodrecem.

O relógio, sobre elas,

mede

a sua morte?

 

Paremos a pêndula. De-
teríamos, assim, a
morte das frutas?

         Oh as peras cansaram-se
de suas formas e de
sua doçura! As peras,
concluídas, gastam-se no
fulgor de estarem prontas
para nada.

               O relógio
não mede. Trabalha
no vazio: sua voz desliza
fora dos corpos.

 

Tudo é o cansaço

de si. As peras se consomem

no seu doirado

sossego. As flores, no canteiro
diário, ardem,

ardem, em vermelhos e azuis. Tudo
desliza e está só.

                        O dia

comum, dia de todos, é a
distância entre as coisas.

 

Mas o dia do gato, o felino
e sem palavras

dia do gato que passa entre os móveis
é passar. Não entre os móveis. Pas-
sar como eu
passo: entre nada.
O dia das peras
é o seu apodrecimento.

 

É tranquilo o dia

das peras? Elas
não gritam, como
o galo.

 

          Gritar
para quê? se o canto
é apenas um arco
efêmero fora do
coração?

 

Era preciso que
o canto não cessasse
nunca. Não pelo
canto (canto que os
homens ouvem) mas
 porque can-
tando o galo
é sem morte.
 
                                               (De A Luta corporal)

 

 

 

 LES POIRES

 

Les poires, sur le plat
pourrissent.

L'horloge, au-dessus d'elles,

mesure

leur mort ?

 

Arrêtons la pendule. Retien
drions-nous, ainsi, la
mort des fruits ?

         Oh, les poires se sont fatiguées
de leurs formes et de
leur douceur ! Les poires
achevées, se gâtent dans
la fulguration d'être prêtes
pour rien.

               L'horloge
ne mesure pas. Elle travaille
dans le vide : sa voix glisse
en dehors des corps.

 

Tout est fatigue

de soi. Les poires se consomment
dans leur repos

doré. Les fleurs, dans le massif
journalier, brûlent,
brûlent, en rouges et en bleus. Tout
glisse et tout est seul.

                               La journée
ordinaire, journée de tous, est la
distance entre les choses.

 

Mais la journée du chat, la féline
et sans paroles

journée du chat qui passe entre les meubles
n'est que passer. Pas entre les meubles. Pas
ser comme je
passe : entre rien.
La journée des poires
c'est leur pourrissement.

 

Est-elle tranquille la journée
des poires ? Elles
ne crient pas, comme
le coq.

 

         Crier

pour quoi faire ? si le chant n'est qu'un arc éphémère hors du cœur ?

 

Il faudrait que le chant
ne cesse jamais. Non pas pour
le chant (chant que les
hommes écoutent) mais
parce qu'en chan
tant le coq
est sans mort.

 

 

 

                TRADUZIR-SE

 

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

 

Uma parte de mim
é multidão:

outra parte estranheza
e solidão.

 

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

 

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

 

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

 

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

 

Traduzir uma parte

na outra parte

— que é uma questão

    de vida ou morte —

    será arte?

 

        (De Na Vertigem do dia)

 

 

 

SE TRADUIRE

 

 

Une part de moi
est tout le monde :
l'autre part est personne
fond que rien ne fonde.

 

Une part de moi
est multitude :
et l'autre étrangeté
et solitude.

 

Une part de moi
pèse, médite :
l'autre part
se délite.

 

Une part de moi
déjeune et dîne :
l'autre part
halluciné.

 

Une part de moi
toujours se connaît :
L'autre part
tout soudain se sait.

 

Une part de moi
n'est que tangage :
l'autre part,
langage.

 

Traduire une part

dans l'autre part

- ce qui est une question

  de vie ou mort -

  est-ce l'art ?

 

 

 

NÃO-COISA

 

O que o poeta quer dizer
no discurso não cabe
e se o diz é pra saber
o que ainda não sabe.

 

Uma fruta uma flor
um odor que relume...
Como dizer o sabor,
seu clarão seu perfume?

 

Como enfim traduzir
na lógica do ouvido
o que na coisa é coisa
e que não tem sentido?

 

A linguagem dispõe
de conceitos, de nomes
mas o gosto da fruta
só o sabes se a comes

 

só o sabes no corpo
o sabor que assimilas
e que na boca é festa
de saliva e papilas

 

invadindo-te inteiro
tal dum mar o marulho
e que a fala submerge
e reduz a um barulho,

 

um tumulto de vozes


 

de gozos, de espasmos,

vertiginoso e pleno

 como são os orgasmos

 

No entanto, o poeta
desafia o impossível
e tenta no poema
dizer o indizível:

 

subverte a sintaxe
implode a fala, ousa
incutir na linguagem
densidade de coisa

 

sem permitir, porém,
que perca a transparência
já que a coisa é fechada
à humana consciência.

O que o poeta faz
mais do que mencioná-la
é torná-la aparência
pura — e iluminá-la.

 

Toda coisa tem peso:
uma noite em seu centro.
O poema é uma coisa
que não tem nada dentro,

a não ser o ressoar
de uma imprecisa voz
que não quer se apagar
— essa voz somos nós.

 

 

 

NON-CHOSE

 

Ce que veut dire le poète
cela, du dit, reste en dehors
s'il le dit c'est pour connaître
ce qu'il ne sait pas encore.

 

Une fleur et un fruit
Comment en dire la saveur...
une odeur qui reluit
son parfum et sa lueur ?

 

Comment enfin se transpose
en la logique de l'ouïe
ce qui dans la chose est chose
et dont le sens nous fuit ?

Le langage est rempli
de mots, de noms et d'idées
mais il faut manger le fruit
pour la saveur en goûter

 

en ton corps seul tu as connaissance
de la saveur qui t'a pénétré
qui fait en ta bouche bombance
par ta salive et ton palais

 

et qui tout entier t'enjôle
comme de la mer le clapotis
qui submerge la parole
la réduisant à un bruit,

 

un tumulte sonore
de jouissances, de spasmes,
vertigineux et fort
comme sont les orgasmes

 

Et pourtant le poète
lance un défi possible
et tente dans le poème
de dire l'indicible :

 

la syntaxe il subvertit
|
la parole il explose,
le langage il investit
d'une densité de choses

 

sans pour autant autoriser
qu'il perde sa transparence
puisque la chose est fermée
à l'humaine conscience.

 

Ce que le poète fait
plus que de la mentionner
c'est de la rendre apparence
|
pure - et de l'éclairer.

 

Bon poids pèse toute chose :
une nuit en son centre.
Le poème est une chose
qui n'a rien dans le ventre,

 

la résonance exceptée,
d'une imprécise voix
qui ne veut pas s'effacer
nous sommes cette voix.

 

 

 

 


Página publicada em setembro de 2008.
Ampliada em outubro de 2016.


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