Nasceu no Rio de Janeiro, em 1952. É professor titular de Literatura Brasileira da Faculdade de Letras da UFRJ, tornando-se sucessor da cátedra anteriormente ocupada por Alceu Amoroso Lima e Afrânio Coutinho. Doutor em Letras pela mesma Universidade.
Poeta com muitos livros publicados, destacando-se Todos os ventos (poesia reunida, 2002), que obteve os prêmios da Fundação Biblioteca Nacional, da Academia Brasileira de Letras e do PEN Clube para melhor livro do gênero publicado no país em 2002.
Ensaísta autor de 3 livros, dentre eles João Cabral; a poesia do menos, ganhador de 3 prêmios nacionais, dentre eles o Sílvio Romero, atribuído pela ABL em 1987. Em 2001, organizou a Poesia completa de Cecília Meireles, na edição comemorativa do centenário de nascimento da escritora. Em 2003, publicou Escritos sobre poesia & alguma ficção, reunindo cerca de 50 artigos e ensaios.
Autor de mais de três centenas de textos (poemas, contos, ensaios) publicados nos principais periódicos literários do país e do exterior. Sobre sua obra já escreveram favoravelmente ensaístas como Benedito Nunes, José Guilherme Merquior, Eduardo Portella, Alfredo Bosi, Antônio Houaiss, Sergio Paulo Rouanet José Paulo Paes, André Seffrin, Ivo Barbieri, Fábio Lucas e Ivan Junqueira, entre outros.
Eleito em junho de 2004, tornou-se o mais jovem membro da Academia Brasileira de Letras: http://www.academia.org.br/
Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília – I BIP, com a palestra de encerramento do Simpósio de Crítica de Poesia, na UnB.
SUPLEMENTG (Suplemento Literário de Minas Gerais.)- Belo Horizonte, Maio/Junho 2018. Edição no. 1.278. Diretor Jaime Pedro Gouvêa. ISSN 0102-06x. C No. 10 740
COLÓQUIO
Em certo lugar do país
se reúne a Academia do Poeta Infeliz.
Severos juízes da lira alheia,
sabem falar vazio de boca cheia.
Este não vale. A obra não fica.
Faz soneto, e metrifica.
E esse aqui, o que pretende?
Faz poesia, e o leitor entende!
Aquele jamais atingirá o paraíso.
Seu verso conté m a blasfêmia e o riso.
Mais de três linhas é grave heresia,
pois há de ser breve a tal poesia.
E o poema, casto e complexo,
não deve exibir cenas de nexo.
Em coro a turma toda rosna
contra a mistura de poesia e prosa.
Cachaça e chalaça, onde se viu?
Poesia e matéria de fino esmeril.
Poesia é coisa pura.
Com prosa ela emperra e não dura.
REVISTA DA ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL. Ano 2, Número 3, jan./ju.. 2020 Brasília, DF: Editora Cajuína,
2020. 124 p. Presidente: Flavio R. Kothe. ISSN 2674-8495
Serra de Gravatá – in: https://www.google.com/
SONETO SIDERAL
Para Maria Lecticia e José Paulo Cavalcanti
Navego em meio à mansidão do espaço,
viajar, eu sei, não passa de quimera.
Pergunto em vão: “No Céu, o que é que eu faço?”.
E sinto em mim a pulsação da Terra.
Diviso o vulto azul do meu planeta,
nuvens que o embalam numa densa lã,
e pouco a pouco o arco-íris da palheta
cobre de cor o corpo da manhã.
Não lembra a Terra uma laranja: um pêssego
de núcleo duro e suavidade externa,
que acorda em mim tudo de humano, nesse go-
-zo de saber que enfim um chão me espera.
Beleza cósmica maior não há
que aquela serra lá de Gravatá.
Rio de Janeiro, 6/1/2020
*
Página ampliada e republicada em setembro de 2023
SECCHIN, Antonio Carlos. João Cabral de ponta a ponta. Recife: Companhia Editora de Pernambuco - Cepe, 2020. 568 p.
16 x 22 cm. ISSN 978-65-86616-23-1
Ex. bibl. Antonio Miranda, autografado pelo autor.
Edição compilando edições anteriores, com acréscimo de vários capítulos, um deles – extraordinário – com uma entrevista com JCMN por quem estuda a obra dele há várias décadas. Aqui apresentamos a Apresentação da obra (Nota Editorial) , com os propósitos e novidades o Sumário para que nossos leitores conheçam as dimensões e o conteúdo, com a nossa entusiasta recomendação, para que adquiram um exemplar da obra. É a maior e mais completa que existe em nosso universo da crítica literária!
O PRISMA DE MUITAS CORES. Poesia de Amor portuguesa e brasileira. Organização Victor Oliveira Mateus. Prefácio Antônio Carlos Cortes. Capa Julio Cunha. Fafe: Amarante: Labirinto, 2010 207 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
Sete anos de pastor
Penetro Lia, mas Raquel é quem me move,
e faz meu corpo desatar toda alegria.
Se tenho Lia, minha pele não navega
nada além de nada em névoa fria.
Sete anos galopando em Lia e tédio,
sete anos condenado ao gozo escuro.
Raquel me tenta, e se me beija Lia
minha boca é não, e minha mão é muro.
Labão, o puto, perdoai-me nesse instante,
adoro a dor que doer em minha amante.
Vou cravar-lhe um punhal exausto e certo,
doar seu sangue ao livro e à ventania.
Quieta Lia será terra em que os cavalos
vão pastar, sob a serra e o deus do dia.
ANTOLOGIA POÉTICA DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Alberto da Costa e Silva. Antonio Carlos Secchin. Antonio Cícero. Carlos Nejar. Domício Proença Filho. Geraldo Carneiro. Geraldo Holanda Cavalcanti. Marco Lucchesi. Brasília: Câmara dos Deputados, 2020. 204 p. ISBN 978-65-87317-06-9
Ex. bibl. Antonio Miranda
"Á noite, o giro cego..."
À noite, o giro cego das estrelas, errante arquitetura do vazio, desperta no meu sonho a dor distante de um mundo todo negro e todo frio.
Em vão levanto a mão, e o pesadelo de um cosmo conspirando contra a vida me desterra no meio de um deserto onde trancaram a porta de saída.
Em surdina se lançam para o abismo nuvens inúteis, ondas bailarinas, relâmpagos, promessas e presságios,
sopro vácuo da voz frente à neblina. E em meio a nós escorre sorrateira a canção da matéria e da ruína.
SECCHIN, Antonio Carlos.Hálito das Pedras. Organização Diego Mendes Sousa. Guaratinguetá, SP: Penalux, 2019. 162 p. 14 x 21 cm. (Série: “Item de Colecionador.)“Orelha” do livro por Fábio de Sousa Coutinho. Tiragem: 80 exs. assinados pelo autor e organizador.
FELIZ ANO NOVO
Finalmente comprará sua mansão.
Será engolida pela fome de um tufão.
Viverá uma intensa fantasia,
desfeita a meia hora do meio-dia.
Encontrará o amor de sua vida:
inerte, num esquife de partida.
Ganhará muito dinheiro,
para a doença desgasá-lo por inteiro.
Chegará sorrindo ao Céu sonhado.
Mas é domingo. O portão está fechado.
RECEITA DE POEMA
Um poema que desaparecesse
à medida que fosse nascendo,
e que dele nada então restasse
senão o silêncio de estar não sendo.
Que nele apenas ecoasse
o som do vazio mais pleno.
E, depois que tudo acabasse,
morresse do próprio veneno.
AUTORRETRATO
Um poeta nunca sabe
onde sua voz termina,
se é dele de fato a voz
que no seu nome se assina.
Nem sabe se a vida alheia
é seu pasto de rapina,
ou se o outroé que lhe invade
com voragem assassina.
Nenhum poeta conhece
esse motor que maquina
a explosão da coisa escrita
contra a crosta da rotina.
Entender inteiro o poeta
é bem malsinada sina:
quando o supomos em cena,
já vai sumindo na esquina,
entrando na contramão
do que o bom senso lhe ensina.
Por sob a zona da sombra,
navega em meio à neblina.
Sabe que nasce do escuro
a poesia que o ilumina.
VOZES DE AÇO.XXI Antologia Poética de Diversos Autores. Homenagem ao Acadêmico Antonio Carlos Secchin. Organização, Montagem e Editorial Jean Carlos Gomes. Volta Redonda, RJ: PoeArt Editora, 2019. 102 p. ilus. fotos. p&b e col.
15x 21 cm.
ISBN 978-65-5031-008-0 Inclui textos e fotos de poetas brasileiros contemporãneos de varias parte do Brasil.
Inclui também a homenagem a Antonio Carlos Secchin, com textos sobre o autor escritos por João Almino, Jean Carlos Gomes, Marisa Lajolo, Alexandra Vieira de Almeida, Álvaro Alves de Faria, Anderson Braga Horta, Dados biográficos, Antonio Miranda, Antonio Torres, Claudia Manzolillo, Igor
Fagundes, Luiz Otavio Oliani.José Eduardo Degrazia, Ricardo Vieira Limae Sonia Maria Mzzei. Entrevista, Comentários e poemas do homenageado.
SECCHIN, Antonio Carlos. Percursos da poesia brasileira. Do século XVIII ao XXI. 1a. edição, 1a. reimpressão. Belo Horizonte, MG: Autentica Editora Editora UFMG, 2018. 368 p. Inclui bibliografia. ISBN SSSS978-85-513-0302-3 (Autêntica); ISBN 978-85-423-0256-1 (Editora UFMG).
Obra essencial para a compreensão do período mais significativo da poesia brasileira, em que Secchin elabora uma “história informal” baseada em quarenta anos de sua experiência como professor, crítico e poeta, e bibliófilo, de forma erudita, mas comunicativa. Um ensaio essencial do texto literário numa perspectiva teórica e histórica, de maneira seletiva, mas representativa de nossa melhor tradição poética. De Tomás Antõnio Gonzaga a Paulo Henriques Britto, “o desleitor de João Cabral” de Melo Neto. Indispensável.
Extraído de
POESIA VIVA em revista. v. 6 / Leda Miranda Hühne et al. Rio de Janeiro: Uapê, 2010.
166 p.
O BANQUETE
A Ferreira Gullar
Entre mesuras, talheres e finezas,
um garçom serve a morte sobre a mesa.
"Quente ou fria?" indaga-me sereno,
e seu olhar tem a doçura de um veneno.
"Para o começo, o que quer?
A que matou o guarda? Frango à la bière7.
A massa, se preferir algo bem quente,
vai logo arder, em caldeirão, al dente.
Como planeja arrematar a refeição?
Numa bala? Presunto com melão?
Caso queira coisa rápida e gelada,
sugiro uma fina fatia do nada."
E num gesto incisivo e severo
— como se marca um boi a ferro —
adoçou a insípida vida: pôs no prato O prazer do suicida.
Pensar na morte é provar o necessário
destempero entre patrão e operário:
um deseja macarronada à mesa,
outro inclui até o vento na despesa.
Ela morte nos expulsa porta a fora:
o contrato já passou da hora.
E como nada tenho que lhe apeteça
não me concede aumento ou hora extra.
0 garçom mal anota o que lhe digo:
tudo que peço vai entrando no olvido.
Ao contemplar a carteira magra e preta,
com 10% da voz insinua uma gorjeta.
Faço agora o meu pedido?
Não morrer: desnascer — nunca ter sido.
Apagar de mim a memória inteira,
regressar à árvore de que fui cadeira,
sentir um bico de bem-te-vi esfomeado,
mas jamais mofar no almoxarifado.
Assim de modo bem pouco alto-falante
a vida se esgarçaria como a ponta de um barbante.
Acabar então, canoa seca sem direito a porto.
E partir de mim, confortavelmente morto.
*******************
SECCHIN, Antonio Carlos.Desdizer e antes. Rio de Janeiro: Topbooks, 2017. 211 p. 15,5x223 cm. Projeto e ilustração da capa: Waltercio Caldass, com finalização de Miriam Lerner. ISBN 978-85-7475-266-2 Ex. bibl. Antonio Miranda
"Destroço à teia, a trama da palavra,
mantendo à fala em que me escondo."
ANTONIO CARLOS SECCHIN
Valeu a pena esperar! O livro voltou ao remetente, reenviado acabou no meu endereço. Eu mereço!!! O "Desdizer e antes", do Secchin, com muito depois. Pura metapoesia, com humor leve e experimental, de bom caráter: "não espere muito de mim", desdiz-se o poeta, criatura que esperei tanto e que tanto se afigura! Quem se diz "cópia pirata de um desejo alheio"... Pirata é o meu desejo de plagiá-lo ao elogiá-lo, e não consigo, meu querido amigo! Diz-nos que "Um poeta nunca sabe onde sua voz termina", falsa modéstia para um acadêmico da ABL! Íntimo de Pessoa, Drummond e Cecília, além de aprofundar-se no discurso poético de João Cabral de Melo Neto! E os supera à sua maneira... Secchin é sem fim! "Tem um lado com / Tem um lado zen". Um lado sim, um sem ou também, só dele, de mais ninguém! Aquele "lado sem /mesmo acompanhado"!...
Sim: "Toda linguagem / é vertigem, farsa, verso fingido" (...) em que ele confessa: "e me deponho, inverso, no subsolo do discurso."
Curso pleno,
Fico por aqui, pois ele já vai longe, inalcançável.
Cinco poemas do livro, entre os metapoemas. Mais, no livro, para seus seguidores.
NA ANTESSALA
Espalhei dezoito heterônimos
em ruas do Rio e Lisboa.
Todos eles, se reunidos,
não valem um só de Pessoa.
Trancafiei-me num mosteiro,
esperando de Deus um dom.
O que Ele me deu foi pastiche
da poesia de Drummond.
Ressoa na minha gaveta
um comido de versos reles.
Em coro parecem dizer:
Não somos Cecília Meireles.
O desavisado leitor
não espere muito de mim.
O máximo, que mal consigo,
é chegar a Antonio Secchin.
CINZAS
Talvez o verão tenha queimado os frutos.
As mãos, ressequidas, apenas recolhem restos.
Cinzas, ardores, ossos.
Havia ali,
não se lembra?,
um rumor de desejo,
que nenhuma palavra salva:
todo poema é póstumo.
Botei a boca no mundo,
não gostei do sabor. Ostras e versos
se retraem
ao toque ácido das coisas tardias.
Na sombra insone do meu quarto,
o vazio vigia, na espreita do que não há:
por aqui passaram
pássaros que não pousaram. Fui traído
por ciganas, arlequins e cataclismos.
De nada me valeram
guardar relâmpagos no bolso,
agarrar nas águas as garrafas náufragas.
LINHA DE FUNDO
Assim meio jogado pra escanteio,
volto ao poema, este local do crime.
Mas é o desprezo que melhor exprime
aquilo que no verso eu trapaceio.
Se pouco do que digo me redime,
cópia pirata de um desejo alheio,
revelo a ti, leitor, o que eu anseio:
um abutre no cadáver do sublime.
A matéria é talvez muito indigesta,
me obriga a convocar um mutirão
para acabar com toda aquela festa
de pétalas e plumas de plantão.
Memória derrubada pelo vento,
quero aqui só lembrar o esquecimento.
AUTORRETRATO
A Flávia Ampan
Um poeta nunca sabe
onde sua voz termina,
se é dele de fato a voz
que no seu nome se assina.
Nem sabe se a vida alheia
é seu pasto de rapina,
ou se o outro é que lhe invade,
numa voragem assassina.
Nenhum poeta conhece
esse motor que maquina
a explosão da coisa escrita
contra a crosta da rotina.
Entender inteiro o poeta
é bem malsinada sina:
quando o supomos em cena,
já vai sumindo na esquina,
entrando na contramão
do que o bom senso lhe ensina.
Por sob a zona da sombra,
navega em meio à neblina.
Sabe que nasce do escuro
a poesia que o ilumina.
RECEITA DE POEMA
Um poema que desaparecesse
à medida que fosse nascendo,
e que dele nada então restasse
senão o silêncio de estar não sendo.
Que nele apenas ecoasse
o som do vazio mais pleno.
E depois que tudo matasse
morresse do próprio veneno.
SECCHIN, Antonio Carlos. Cantar amigo. Rio de Janeiro: Topbooks, 2017. 47 p. 9x13 cm "Orelha" do livro por José Mario Pereira. ISBN 978-85-74752-67-9 Tiragem: 250 ex. autografados pelo autor. Ex. bibl. Antonio Miranda
"Ao prazer do autor por tais companhias soma-se, para o leitor, o prazer do texto." JOSÉ MARIO PEREIRA
LÊDO LIDO (aos oitent´anos do poeta)
Indagador obsessivo,
Na memória mora um arquivo,
Que se acende, imperativo,
Toda vez que o texto é vivo.
Num sopro superlativo,
Faz do poema um vocativo,
Convocando o ser esquivo
Para o mundo substantivo,
Inventado pelo crivo
Da canção de Ledo Ivo.
Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2004
EM NOME DA ALEGRIA
Em nome da alegria me desarmo,
E tudo vira festa em volta à mesa,
Nesta homenagem a Maria do Carmo,
De Limoeiro a sempre Baronesa.
Recife-Rio, como transpor barreiras?
Trens, automóveis, aviões e barcos?
Qualquer distância se torna pequena
Para expressar o meu afeto a Marcos.
Capibaribe, afluente dos sonhos,
Que traz nas águas o que vive e passa,
Trouxe pra mim a amizade sem fim
De Maria do Carmo e Marcos Vilaça.
UM JANTAR EM LISBOA
Vinte e sete de setembro
Neste Solar dos Presuntos:
Bela festa da amizade,
É dádiva estarmos juntos.
Se o vinho traz a verdade,
Primeiro me vem à ideia
Erguer com felicidade
Um brinde à querida Ecléa.
Respeitando o protocolo
Na sequência deste enredo,
Levantemos nossa taça
Na celebração de Alfredo.
Não é possível esquecer
Cá na terra lusitana
Brilho e beleza que vêm
Da doce figura de Ana.
Mas retornando ao Brasil
O coração mais se ufana,
Porque além de Alfredo e Edla
Eis aqui também Viviana.
Ponte Brasil-Portugal:
Quem há de abrir bom caminho?
O Pedro Alvares Cabral
E João Pereira Coutinho.
É uma inconteste verdade
Que melhor editor não há:
Vivas e braços erguidos
A nosso Jorge Reis-Sá.
Então, sabendo que em verso
Deve uma história ter fim,
Assina embaixo de tudo
Vosso escrevente Secchin.
Lisboa, 27 de setembro de 2014
Obs.: referências ao casal Ecléa, Alfredo e a sua filha Viviana Bosi; e aos portu¬gueses Ana e Jorge Reis-Sá, ele escritor e editor; João Pereira Coutinho, colunista e escritor.
Extraído de: 2011 CALENDÁRIO poetas antologia Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2010.
Editor: Edson Guedes de Morais / Caixa de cartão duro com 12 conjuntos
de poemas, um para cada mês do ano. Inclui efígie e um poema de cada
poeta, escolhidos entre os clássicos e os contemporâneos do Brasil, e alguns
de Portugal. Produção artesanal. A capa reproduz uma foto do
poeta Antonio Miranda na adolescência (circa 1950).
Antonio Carlos Secchin TODOS OS VENTOS Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002
ISBN 85-209-1299-0
No princípio do princípio
meu início.
Na derivada do nada
minha estada.
No compasso da mudez
minha nudez
"DE CHUMBO ERAM SOMENTE DEZ SOLDADOS"
A José Maurício Gomes de Almeida
De chumbo eram somente dez soldados,
plantados entre a Pérsia e o sono fundo,
e com certeza o espaço dessa mesa
era maior que o diâmetro do mundo.
Aconchego de montanhas matutinas
com degraus desenhados pelo vento,
mas na lisa planície da alegria
corre o rio feroz do esquecimento.
Meninos e manhas, densas lembranças
que o tempo contamina até o osso,
fazendo da memória um balde cego
vazando no negrume do meu poço.
Pouco a pouco vão sendo derrubados
as manhãs, os meninos e os soldados.
ARTES DE AMAR
A Suzana Vargas
paixão e alpinismo sensasão simultânea
de céu e abismo
paixão e astronomia mais do que contar estrelas
vê-las
à luz do dia
amor antigo e matemática equação rigorosa:
um centímetro de poesia
dez quilômetros de prosa
CONFESSIONÁRIO
A Cláudio Murilo
Não posso dar-me em espetáculo.
A platéia toda fugiria
antes mesmo do segundo ato.
Um ator perplexo misturaria
versos, versões e fatos.
E um crítico, maldizendo a sua sina,
rosnaria feroz
conta minha verve
sibilina.
Antonio Miranda e Antonio Carlos Secchin nas palestras
de encerramento do I Simposio Internacional de Poesia,
na Universidade de Brasília, parte da I Bienal Internacional
de Poesia de Brasília, dia 5 de setembro de 2008.
ANTONIO CARLOS SECCHIN : UM FESTSCHRIFT PARA O MESTRE
Festschrift é o termo alemão para um livro em homenagem a um pesquisador, a uma figura ilustre. Geralmente, um reconhecimento em vida para celebrar um personagem da academia, da ciência, da literatura por sua carreira vitoriosa. É exatamente o caso de Antonio Carlos Secchin, ao aposentar-se da Universidade Federal do Rio de Janeiro no auge de sua trajetória de professor, poeta e crítico e pela excepcionalidade de ter conquistado uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.
Antonio Carlos Secchin: escritas e escutas é justamente (!!!) o tributo de amigos, ex-alunos, admiradores e escritores de suas relações. Livro em edição fora do comércio, sem editora, sem catalogação na fonte, sem ISBN, mas bem impresso, certamente exemplares limitados para circulação restrita.
Reúne depoimentos, homenagens e estudos. Nomes conhecidos como o poeta Adriano Espinola, a antologista Edla Van Steen, o poeta e acadêmico (da ABL) Ivan Junqueira e muitos outros dão seu testemunho e apresentam textos sobre a obra poética e literária de Secchin, sem deixar de referir-se também ao bibliófilo da literatura brasileira.
Mas não se trata de uma retirada. Ainda jovem (expressão que irrita a muitos...), no caso dele revela sua maturidade numa fase criativa de sua vida, com a certeza de que vamos seguir disfrutando de muitas de suas contínuas empreitadas na poesia, na crítica, nos estudos bibliográficos, em pesquisas, discursos, ensaios, resenhas e textos de sua tão prolixa mas profunda produção. Sem esquecer de sua extraordinária capacidade de comunicação oral, de seu diálogo inteligente e vivaz, de sua convivência fraterna.
Sem querer, querendo, acabei participando, por fora, nesta quase resenha, deste livro que me foi dedicado pelo autor em sua recente visita a Brasília. E do qual retiro e compartilho com os nossos milhares de internautas um poema seu que está na contra-capa:
Autoria
Por mais que se escoem
coisas para lata do lixo
clipes, cãibras, suores
restos do dia prolixo
por mais que a mesa imponha
o frio irrevogável do aço,
combatendo o que em mim contenha
a linha flexível de um abraço
sei que um murmúrio clandestino
circula entre o rio de meus ossos:
janelas para um mar-abrigo
de marasmos e destroços.
Na linha anônima do verso,
aposto no oposto de meu sim,
apago o nome e a memória
num Antônio antônimo de mim.
(Texto publicado em 21/06/2011, depois de tê-lo como membro da banca de doutorado do (agora doutor) Oto Reifschneider, cuja tese sobre Bibliofilia, defendida na Universidade de Brasília, também inscreve sua condição de bibliófilo. Do amigo Antonio Miranda)
De Antonio Carlos Secchin ELEMENTOS Poesia
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1983.
78 p. (Coleção Poesia Hoje, v. 73)
A seguir, textos extraídos de um exemplar dedicado pelo autor à poeta Marly de Oliveira, em 1988, agora no acervo da Biblioteca Nacional de Brasília
O real é miragem consentida,
engrenagem da voragem,
língua iludida da linguagem
contra a sombra que não peço.
O real é meu excesso.
VER
O dia. Arcos da manhã
em nuvem. Riscos de luz
como vidros arriados.
O claro. A praia armada
entre a sintaxe do verde.
Áreas do ar. Aves
navegando as lajes
do azul.
"DESARMO O RUMO DE MEU DIA FINDO"
A Angela Beatriz de Carvalho
Desarmo o rumo de meu dia findo,
escura fonte que guardou meu sono,
e pressinto os lábios de uma noite vindo
nas âncoras quebradas pelo som do outono.
Eu quero um campo em que as sílabas do vento
me tragam o espaço da manhã tombada.
Quero um tempo novo além do tempo
distraído pelas mãos da madrugada.
E não impeço a terra que já se prepara
num silêncio curvo que anuncia as naves.
E me arremesso a essa praia clara
como um domingo pousado sobre o voo das aves.
SECCHIN, Antonio Carlos. Poema para 2002. Rio de Janeiro: Cacto – Arte e Ciência, 2002. 15x21 cm. Ilustração de Renato Rezende. Edição como “presente para o autor, em ocasião de seus 50 anos, por isso o corte da tela em 50 fragmentos e tiragem de 50 exemplares, numerados de I a V e de 1 a 45, todos assinados pelo autor e pelo pintor.” Direção editorial: Cláudia Ahimsa, Capa e projeto gráfico: Robson Phoenix. Projeto da ilustração: Cláudia Ahimsa. Carpintaria (das capas confeccionadas em madeira): João Ribeiro Neto; acabamentos de marcenaria: W. Gomes Coimbra. Encadernação Ateliê Luiz Fernando Machado (SP). Col. A.M. (LA)
Caxumba, catapora, amigdalite,
miopia, nevralgia, crise asmática.
Dor de dente, dor de corno, hepatite,
diabete, arritmia e matemática.
Helenas, Marianas e Marcelos,
tomate, hipocondria e chicória,
sacerdotes, baratas, pesadelos,
calvície, dentadura e desmemoria.
Pé quebrado, verso torto, ruim de bola,
nervoso, nariz grande, cu de ferro.
Desastrado, imprudente e noves fora
muita prosa pr´um gozo quase zero.
E para coroar todos os danos,
benvindos sejam os meus cinquenta anos.
SECCHIN, Antonio Carlos.50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2006. 84 p. (50 poemas escolhidos pelo autor) 13x21 cm. ISBN 8586276-91-X No frontispício uma xllogravura de Ana Botelho e fotografia do poeta na capa. Col. A.M. (EA)
OU
você pode me pisar
que nem confete
você pode me morder
que nem chiclete
você pode me chupar
que nem sorvete
você pode me lanhar
que nem gilete
só não pode proibir
que nem piquete
se eu quiser escapulir
que nem pivete
“O REAL É MIRAGEM CONSENTIDA”
O real é miragem consentida,
engrenagem da voragem,
língua iludida da linguagem
contra o espaço que não peço.
O real é meu excesso.
SECCHIN, Antonio Carlos.Todos os Ventos. Antologia poética. Seleção e prefácio de Arnaldo Saraiva. Vila Nova de Famalicão, Portugal: Edições Quasi, 64 p. (Biblioteca “Arranjos para assobio”). 13,5x20,5 cm. ISBN 989-552-148-0 Col. A.M.
“não tenho tempo para ser eterno”
A. C. Secchin
TRÊS TOQUES
1) Paciência!
O processo desse amor
já caiu em exigência.
2) Impaciência
Amor é bicho precário.
Eu queria avançar no romance,
e você me cortou no sumário.
3) Dialética
Acho que assim
resolvo o nosso problema.
Tiro você da vida
e boto você no poema.
CARNEIRO, Geraldo.Discurso de posse Sr. Geraldo Carneiro. Recepção Sr. Antonio Carlos Secchin. Sessão solene extraordinária do dia 31 de março de 2017. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2017. 36 p. 16x23 cm.
Poeta, ensayista, crítico literario, novelista, profesor universitario de literatura brasileña. Doctor en Letras por la Universidad Federal de Rio de Janeiro. Especialista en la obra de João Cabral de Melo Neto. Autor de varios poemarios entre los que se destacan Elementos y Todos los Vientos (con el que obtuvo el premio Pen Club de Brasil, w003, como mejor libro de poesía).
De Antonio Carlos Secchin
TODOS LOS VIENTOS
Mérida, Venezuela: Ediciones Gitanjali - CONAC, 2009
Traducciones de Yhana Riobueno.
BIOGRAFIA
El poema va naciendo
a paso que desafía:
por momentos yo lo llevo
otras veces él me guía.
El poema va naciendo,
mas su cuerpo es prematuro,
letra lenta que incendia
con la caricia de un puño.
El poema va naciendo
sin mano o madre que lo sustente,
y perverso me contradice
insoportablemente.
Chorro que traga y sostiene
el pedazo duro del grito,
el poema va naciendo,
palomo de pluma y granito.
MARGEN
Voy andando hacia la orilla de ese puerto,
entre olores de cigarro y de sardina
y un deseo líquido de partir.
Mi mirada se desliza en el horizonte, queriendo saber
a qué distancia un nombre deja de doler.
Tu nombre, marcado en mi boca
como la pulpa de una pera.
El navío enorme avisa que se va.
Escribo la palabra salto,
y paro en la sal, y no llego al alto.
La noche está flotando
en un grueso aceite de silencio y luz.
Me mojo los pies, pienso en tu nombre: gozo
de un pozo tapado. Insomnio de musgos
a la orilla de aguas redondas.
Me veo en la punta del muelle,
añicos de luz
abriendo la cara del mar.
Destrozos de palabras, pedazos de tu nombre
sílabas que golpean los cascos.
Estoy parado a la orilla de un puerto,
azul y muerte en lo hueco del aire.
LA ISLA
Y miramos la isla señalada
por el gusto de abril que el mar traía
y recorremos nuestro sueño sobre la arena
en un barco sólo de viento y marejada.
Después fue a tierra. Y en la tierra construida
erguimos nuestro tiempo de agua y de partida.
Sonoras gaviotas a domar luces bravias
en nosotros recrean la materia de su canto,
y en esas alas se desparrama nuestra gloria,
de un amor anterior a todo estío,
de un amor anterior a toda historia.
Y seguimos en el camino de ser viento
donde las aves venían a ver si había mayo,
y las marcas espalmadas contra el frío
recubrían de blancura nuestro rumbo.
Y abrimos velas albas que se esconden
de los mapas de un sueño pequeñito,
del inicio de una selva que se explaya
en la distancia entre mí y mi destino.
CANTIGA
Señora, es dolencia tan sin cura
mi querer de vuestros ojos tan distantes,
que digo: es mayor la desventura
ver los ojos sin los ver amantes.
Señora, es dolencia tan largada
mi querer de vuestra boca tan serena,
que hasta el color de la madrugada
es roja de llorar mi pena.
POEMA DEL INFANTE
Es la noche.
Y todo excava todo
en la lengua ambigua que desliza
al esquivo juego.
Amargo cuerpo,
que de mí a mí se hurta
no rechazo tu recorrido
en el hálito de las piedras
que me existen en ti
— estéril dorso entre aguas
estancadas.
La nada, lo cercano, lo poco,
no puedo dividir
de lo que se espera lo que me habita,
y hacer fluir la vía antigua
de un muchacho que midió el lado impuro.
Operario de lo precario,
me limito en ese cuerpo amanecido,
ala y gozo donde la muerte mora.
Mi vida, mapeada y descumplida,
está lista para el precio de esa hora.
De
Antonio Carlos Secchin ESCRITOS SOBRE POESIA & ALGUMA FICÇÃO
Rio de Janeiro: Ed. Uerj, 2003. 301 p.
ISBN 85-7511-035-7
Antonio Carlos Secchin, além de poeta e acadêmico, é um dos mais reconhecidos críticos e ensaístas da área da Literatura e cabe registrar aqui esta obra. Inclui trabalhos sobre Castro Alves, sobre o Romantismo brasileiro, Cruz e Souza, Raul Bopp, João Cabral de Melo Neto, Machado de Assis, Álvares de Azevedo, sobre o Parnasianismo, o Simbolismo e o Modernismo, sobre Davi Arigucci Jr, Jorge de Lima, Cecília Meireles, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Alphonsus de Guimarães Filho, José Castello, José Paulo Paes, Afonso Félix de Sousa, Ferreira Gullar, Neide Archanjo, Marly de Oliveira, Fernando Fortes, Ivan Junqueira, Paulo Hecker Filho, Ana Cristina Cesar, Wally Salomão, Antonio Cícero, Alexei Bueno, Renato Rezende, Fabricio Carpinejar, Arlete Nogueira da Cruz, Ricardo Thomé e João Alexandre Barbosa, além das entrevistas que o poeta Antonio Carlos Secchin concedeu recentemente a vários jornais e revistas. Imperdível.
SECCHIN, Antonio Carlos. João Cabral: uma fala só lâmina. São Paulo: Cosac Naif, 2014. 480 p. ilus. 14,5x23 cm. Projeto gráfico: Paulo André Chagas. ISBN 978-85-405-0764-7 Analisa, livro a livro, toda a obra de João Cabral de Melo Neto, incluindo os textos de seu livro João Cabral: a poesia do menos ( 1985 ) e os ensaios posteriores, revisados, que produziu sobre a poesia cabralina. Secchin é o mais destacado estudioso da obra do poeta pernambucano. “ Antonio Carlos Secchin “ Ex. bib. Antonio Miranda
ANTONIO CARLOS SECCHIN E ANTONIO MIRANDA reencontram-se na FLIPORTO 2009, Porto de Galinhas, Pernambuco, em novembro de 2009.
ANTONIO CARLOS SECCHIN EM BRASÍLIA
Antonio Carlos Secchin pronunciando uma palestra na abertura do I Seminário sobre o Futuro do Livro – O Livro de Arte no Brasil, na Faculdade de Ciência da Informação, Universidade de Brasilia, dia 28 de outubro de 2012. Veja matéria: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=7261
Antonio Miranda e Antonio Carlos Secchin em visita à Chácara Irecê, no Município de Cocalzinho, Goiás, na tarde do dia 28 de outubro de 2012.
SECCHIN: uma vida em letras. Maria Lucia Guimarães de Faria e Godofredo de Oliveira Neto, organizadores. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 548 p. 16x23 cm. (Crítica, Letras e Artes) ISBN 978-85-7108-377-6 Constituído por seções: I - O Ensaista; II – O Poeta; III – O Professor. IV – Entre-Livros. Uma “Síntese cronológica”, uma “Bibliografia” do Autor, as “Legendas das fotos” da vida e trajetória do acadêmico e os dados dos (muitos!) autores dos textos, autoridades da crítica literária, acadêmicos, escritores, poetas e amigos. Sem desmerecer os demais, vão alguns nomes: Nélida Piñon, Alfredo Bosi, Antonio Candido, Benedito Nunes, Eduardo Portela, Claudio Murilo Leal, Carlos Felipe Moisés, Gilberto Mendonça Teles, Ivan Junqueira, Arnaldo Niskier, Adriano Espíndola, Carlos Nejar, Ferreira Gullar, etc, etc e os brasilianistas Charles A. Perrone e Giovanni Ricciardi. Col. A.M.
Extraído de
HOLLANDA, Heloisa Buarque de, seleção e introdução. 26 POETAS HOJE. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976. 206 p. ilus. 18 cm. (Coleção de Bolsos Labor, 1)
Inclui os poetas: Adauto, Afonso Henriques Neto, Ana Cristina César, Antonio Carlos de Brito, Antonio Carlos Sechin, Bernardo Vilhena, Carlos Saldanha, Chacal, Charles, Eudoro Augusto, Flávio Aguiar, Francisco Alvim, Geraldo Eduardo Carneiro, Isabel Câmara, João Carlos Pádua, Leila Miccolis,s Leonardo Fróes, Luiz Olavo Fontes, Ricardo G. Ramos, Roberto Piva, Torquato Neto, Vera Pedrosa, Waly Sailormoon, Zulmira Ribeiro.
Poemas de ANTONIO CARLOS SECCHIN
Tempo: saída & entrada
O tempo de minha avó,
meu feijão era mais sério.
Havia um ou dois óculos
me espiando atrás
de molduras roídas.
Mas eu era feliz,
dentro da criança
o outono dançava
enquanto pulgas vadias
dividiam os óculos.
Dentro da criança,
as pulgas espiavam
o outono vazio,
dividiam minhas molduras
roídas por óculos vadios.
No tempo de meu feijão
minha avó era mais séria.
Ver
O dia. Arcos da manhã
em nuvem. Riscos de luz
como vidros ariados.
O claro. A praia armada.
entre a sintaxe do verde.
Áreas do ar. Aves
navegando as lajes
do azul.
Inventário
um urso caolho
um piano antigo
seu silêncio de madeira
cheio de fugas para brincar lá fora
passarinho morto na janela que nem um tambor
quebrado
Visita
O verso era um abraço salgado
que os peixes telegrafaram.
Era um cisne louco
bicando o amor.
Era o secreto frio
trancado na boca.
Era o tempo roendo os móveis,
os olhos, a conta do gás.
“O meu corpo se entrelaça”
O meu corpo se entrelaça
ao suspiro, e tira e caça
no concreto de um soluço
essa pele decifrada
pelo espaço de meu sangue.
E com fúria e flama
não derrubo que me abarca,
nem rebato à minha posse
as premissas do que sinto:
eu devoro o meu amor,
arbitrário como um cinco.
Aviso
desfiz noivado
vendo sem uso
almofadas soltas
jogo
mesinha mármore rosa
cama sofá arquinha
. . .
Não, não era ainda a era da passagem
do nada ao nada, e do nada ao seu restante.
Viver era tanger o instante, era linguagem
de se inventar o visível, e era bastante.
Falar é tatear o nome do que se afasta.
Além da terra, há só o sonho de perdê-la.
Além do céu, o mesmo céu, que se alastra
num arquipélago de escuro e de estrela.
A Fernando Pessoa
Ser é corrigir o que se foi,
e pensar o passado na garganta do amanhã.
É crispar o sono dos infantes,
com seus braço de inventar as buscas
em caminhos doidos e distantes.
É caminhar entre o porto e a lenda
de um tempo dardejado contra o mar.
Domar o leme das nuvens, onde mora
o mito e a glória de um Deus a naufragar.
. . .
Uma ovelha me ama de repente.
O seu sonso é para o sêmen dos pastores,
que nela vão depondo com cuidado
seu suor, seus capins e seus amores.
Eu a tenho com vigor bem vagaroso,
e sua baba à minha boca se condena,
e tanto meu desejo não se esquiva
quanto mais o seu berreiro me acena.
Amante e amada em grama e gozo confundidos,
as espigas se envergonham, se vergando ao jogo aberto.
Permutamos nossa pele, confidências e ganidos,
e meu pênis se proclama nessa vulva que penetro.
. . .
Há um mar no mar que não me nada
e não se entorna em ser espuma ou coisa fria.
Me sinto cheio de palavra e de formato,
murado em mim sob a ciência desse dia.
Na sonância do que vive,
minha fala é desistência,
e dizer é corroer o que se esquiva,
reter a letra a cicatriz do som vazio.
Sou apenas quinze avos da loucura,
a dar um nome à ironia do que dura.
. . .
Uma palavra, outra mais, e eis um verso,
Doze sílabas a dizer coisa nenhuma.
Esforço, limo, devaneio e não impeço
Que este quarteto seja inútil como a espuma.
Agora é hora de ter mais seriedade,
Senão a musa me dará o não eterno.
Convoco a rima, que me ri de eternidade,
Calço-lhe os pés, lhe dou gravata e um novo terno.
Falar de amor, oh, pastora, é o que eu queria,
Mas os fados já perseguem teu poeta,
Deixando apenas a promessa de poesia,
Matéria bruta que não cabe no terceto.
Se o deu frecheiro me jogasse a sua seta,
Eu tinha a chave pra tancar este soneto.
***
Na sequência de sonetos metalinguísticos, hoje apresento “Trio”, inicialmente publicado em 2002 e de novo, bastante modificado, em Desdizer (2017). Cita-se o nome completo de Bilac – Olavo Brás Martins de Guimarães Bilac – como exemplo de alexandrino perfeito, com cesura na sexta sílaba. Também é considerado tecnicamente correto o acentuado na quarta e na oitava. Constatei que os outros dois mais afamados nomes de nosso Parnasianismo, mediante certa manobra (desfazer ditongos em prol de hiatos, no poema assinalados com o extinto, porém, no caso, funcional trema), igualmente formavam alexandrinos. Assim, eu já dispunha, de graça, de 3 dos 14 versos do soneto, rs. Nos demais, referi o tom algo engravatado de alguns poemas, a crença na imortalidade de suas obras, aludi a versos e títulos famosos (“Ser palmeira”, “Vaso grego” e “Vaso chinês”, de Alberto de Oliveira, “Ora (direis) ouvir estrelas”, de Bilac, “As pombas”, de Raimundo Correia”) e por fim contrapus a maestria “domesticada” do poema às forças indomáveis que podem assediar a acomodada rotina de um versejador.
Trio
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac,
que no Parnaso ecoa como voz primeira,
já vê que ali bem cabe, de gravata e fraque,
um poeta que tentou vestir-se de palmeira:
Antônio Marïano Alberto de Oliveira,
que deposita em vaso os versos que semeia,
responde que o futuro esconde da fogueira
Raïmundo da Mota Azevedo Correia.
Poupados do terror que a vida dissemina,
arremessando ao chão as pombas e as estrelas,
declaram que na jaula justa e alexandrina
não há de haver perigo ou plano de perdê-las.
O trio adestra o verso à limpa luz do dia.
Lá fora a fera rosna a fome da poesia.
IARARANA – revista de arte, crítica e literatura. Salvador, Bahia. No. 4– 2000 Ex. bibl. Antonio Miranda
“Repara como a tarde é traiçoeira”
A Luís Antonio Cajazeira Ramos
Repara como a tarde é traiçoeira:
dentro dela se abriga o desengano
desse dia que acabou sendo somente
um resto de boneco, arame e pano.
Previamente me abraçam a noite e o dano
de tudo que não foi compartilhado,
senão como um pão velho sobre a mesa
na espera seca e vã do inesperado.
Não me consola a música do mundo,
nada espero que acene em meu socorro;
se a imagem do presente paralisa,
de passado é bem certo que eu não morro.
Indiferente à sorte ou ao inferno,
não tenha tempo para ser eterno.
Luz
Le jour n´est pas pur que le fond de mon coeur
Racine
A Ivo Barroso
ao ver
o não
que sai
da dor
som
da voz
já vai
no sim
no tom
do céu
não vi
mais luz
do que
no sol
que há
em mim
Aire
Áspera guitarra rasga o ar da praça.
Há um pássaro parado na garganta de Carmen.
Embarca o pássaro na lábia do acaso.
Ácido cenário de pátios e compassos.
Passam rápidos máscaras e presságios.
Espada e Espanha, abraço incendiário,
Cantam alto as artes do espetáculo:
lançar-se à brasa e matar-se no salto.
“De chumbo eram somente dez soldados”
De chumbo eram somente dez soldados,
plantados entre a Pérsia e o sono fundo,
e com certeza o espaço dessa mesa
era maior que o diâmetro do mundo.
Aconchego de montanhas matutinas
com degraus desenhados pelo vento;
mas na lisa planície de alegria
corre o rio feroz do esquecimento.
Meninos e manhãs, dessas lembranças
que o tempo contamina até o osso,
fazendo da memória um balde cego
vazando no negrume de um poço.
Pouco a pouco vão sendo derrubados
as manhãs, os meninos e os soldados.
POESIA VIVA em revista. v. 6/ Leda Miranda Hühne et al. Rio de Janeiro: Uapê, 2010. 166 p. ISBN 978-85-85666-90-3
Ex. enviado (autografado) gentilmente a Antonio Miranda pelos editores Leda e Augusto.
O BANQUETE
A Ferreira Gullar
Entre mesuras, talheres e finezas,
um garçom serve a morte sobre a mesa.
“Quente ou fria?”, indaga-me sereno,
e seu olhar tem a doçura de um veneno.
“Para o começo, o que quer?
A que matou o guarda? Frango à la bière?
A massa, se preferir algo bem quente,
vai logo arder, em caldeirão, al dente.
Como planeja arrematar a refeição?
Numa bala? Presunto com melão?
Caso queira coisa rápida e gelada,
sugiro uma fina faria do nada.”
E num gesto incisivo e severo
— como se marca um boi a ferro —
adoçou a insípida vida:
pôs no prato O prazer do suicida.
Pensar na morte é provar o necessário
destempero entre patrão e operário:
um deseja macarronada à mesa,
outro inclui até o vento na despesa.
Ela morte nos expulsa porta a fora:
o contrato já passou da hora.
E como nada tenho que lhe apeteça
não me concede aumento ou hora extra.
O garçom mal anota o que lhe digo:
tudo que peço vai entrando no olvido.
Ao contemplar a carteira magra e preta,
com 10% de voz insinua uma gorjeta.
Faço agora o meu pedido?
Não morrer: desnascer — nunca ter sido.
Apagar de mim a memória inteira,
regressar à árvore de que fui cadeira,
sentir um bico de bem-te-vi esfomeado,
mas jamais mofar no almoxarifado.
Assim de modo bem pouco alto-falante
a vida se esgarçaria como a ponta de um barbante
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Página ampliada e republicada em novembro de 2023
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