ARMANDO FREITAS FILHO
(Armando Martins de Freitas Filho, Rio de Janeiro RJ, 1940). Teve publicado seu primeiro livro de poesia, Palavra, 1960/1963, em 1963. Trabalhava, na época, como colaborador dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil, função a que se dedicaria até 1994. Conciliou sua produção poética com cargos públicos como os de Assessor do Departamento de Assuntos Culturais do MEC, na área de literatura, entre 1974 e 1990 e Assessor do Núcleo de Estudos e Pesquisas - NEP, ligado à Presidência do IBAC - FUNARTE, em 1994. Em 1986 recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro 3x4 (1985). Seguidor da tradição poética modernista e fortemente influenciado pelas obras de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, Freitas Filho faz versos elaborados, repletos de imagens impactantes. Suas obras poéticas mais recentes são Duplo Cego (1997) e Fio Terra (2000).
Fonte: www.itaucultural.org.br
“Armando Freitas Filho ejecuta montajes de predominio fonético. El poema Rural es un breve movimiento de un conocido episodio de la vida del campo. Hay en este poema repercusiones fónicas que «pluralizan» la individualidad física del bucy (boi) (plural de boi: boiada). Es lo que demuestra el paso de boiada a boiágua (montaje de boi y água) que denota sed y aridez. El paso de «canto» a «cântaro» da «boicântaro» y el paso de la letra b de barro a c de cano da « boicarro». Son fusiones de una economía rítmica admirable.” MÁRIO CHAMIE
“Fiquei entusiasmado com a poesia de Armando Freitas Filho quando li o livro “palavra” (capa de Ruben Gerchman), lançado no Rio de Janeiro, onde eu também morava, em 1963. Identifiquei-me com a “lavratura” do poeta porque também praticava, naquele tempo, o mesmo pós-concretismo, com o mesmo recurso “palavra-puxa-palavra” que Mario Chamie logo teorizou. Redescubro-o em minha estante de poesia, resgato seus (a meu juízo) melhores poemas daquele livrinho inaugural do poeta, em seus vinte e três anos de idade. Hoje ele é um poeta notável, com uma técnica depurada que já se antevia.”
Antonio Miranda.
Veja também: ARMANDO FREITAS FILHO: W - Poema-objeto em homenagem a Franz Weissmann
Ver também>>> ANA CRISTINA CESAR REVISITADA: três olhares distintos, por CARLITO AZEVEDO e LEONARDO MATINELLI – ENSAIOS – Inclui textos de SEBASTIÃO UCHOA LEITE, CACASO e ARMANDO FREITAS FILHO.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
Poemas de Armando Freitas Filho em ITALIANO
Veja POEMAS ERÓTICOS de Armando Freitas Filhos>>
CANTO DO MURO AZUL
No escuro
O muro articula
Severa arquitetura
De íntima tessitura
E circula viajante:
Noturno andante
Vento no cimento
(Lento)
Muro em movimento
Pedra rutura
Azul textura
Líquida tela
Aquarela.
GRAVURA
Incontida vulva
A jato
Valva
Azul-carnívora
Incluso vulto
(de peixe oculto
em amplexo
múltiplo
e convexo).
SONETO NÚMERO 1
O sexo imprime no corpo
A velocidade de outro corpo:
Camaleão partido em silêncio
Leão de bronze, flagelo.
Roendo a praia de carne
Unha e garra quando onda
Doem na areia, pele adentro
Rosto sem pausa no vento
Abismo de louça escavado
Fracionado pelo espasmo
O leite rosna abafado
Sono ou sonho decepado?
Vácuo, escalo, resvalo
Longe de mim, fraturado.
CORPO
Acrobata enredado
Em clausura de pele
Sem nenhuma rutura
Para onde me leva
Sua estrutura?
Doce máquina
Com engrenagem de músculo
Suspiro e rangido
O espaço devora
Seu movimento
(Braços e pernos
Sem explosão).
Engenho de febre
Sono e lembrança
Que arma
E desarma minha morte
Em armadura de treva.
De
Armando Freitas Filho
Dual
Capa de Rubens Gerchman
Rio de Janeiro: Edição Praxis, 1966. 76 p
LUA-DE-MEL
Magro e amargo
um corpo distende
cercado de treva
tato mais dente
rebenta a flora
trevo de carne
travo de terra
segreda: sente
um braço
que abraça
uma perna
que arrasta
corpo: um furo
segrega rente
o corpo futuro
germina: doente.
BOIADA
Amplo o campo
lança um plano:
brando, o rebanho
aplaina o pasto
palmo a palmo
abrupta boiada
bronca, espalha
o gado, escoa
boi brabo brota
aos borbotões: ecoa
maciça massa
a madorra amarra
a marcha— massuda
manada passa
apressa o passo
cresce aos trancos
os touros chucros
chusma de chifres
chuços, cacos
se crevam crus
no acre chão nu
os cascos, escavam
oco barulho soco
de patas, ensebado
baralho de corpos
gemem as juntas
maço de ossos
galopa o magote
o troto entorpece
a tropa, trôpego
o gado em grupo
estanca aos solavancos:
brutos pés de pau
rijos no piso fixo
toscas estacas fortes
curral.
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MADEMOISELLE FURTA-COR
Por esta fresta te espreito
Por esta fenda te desvendo
Por esta fresta
cravo
sonda contra esponja
e babo
e te penetro
teso e reto, e por inteiro
o teu corpo se entreabre:
porta e perno, caixa e coxa
Por esta fenda
tenda
de pele que se franze
e rasga
eu me adentro
feito de espera e de esperma
e espremo —te aporto— e exprimo
toda a cor da carne do amor que escrevo.
Por estafenda me espreito
Por estafenda me desvendo.
De A mão livre (1979)
CÉLULA
A alma é um absoluto fora-da-lei
assaltante contumaz do corpo
com pé-de-caba-fantasmático
que entra-e-sai, a alma é ah!
instantâneo em qualquer disfarce:
aparência de água, ar
insinuação de mercúrio
cara enluvada por meia de náilon
capuz sem furos, avessa e celofane
sombra que a luz seca, vice-versa.
(De Duplo cego, 1997)
De
Armando Freitas Filho
SOL E CARROCERIA
Serigrafias de
ANNA LETYCIA
Rio de Janeiro: Lithos Edições de Arte, 2001
Edição artesanal de 130 exs. com as assinaturas dos autores.
Dia 24 de janeiro de 1998
Com a barba por fazer. Vou em frente cantando, cortando dias,
perdido e solto, em cenário provisório, para sempre ou até quando?
Crusoé com sua palmeira; sem sexta-feira, todo dia é domingo. Filho
único não tem direito nem a Caim. Rosto cerrado que se espeta. O vigor
que resta é este, que cresce até depois da morte e chega à flor da
pele, grisalho. Os espelhos não funcionam mais, o narciso quebrou
estilhaçadissimamente, e no fundo infinito sem referência, sem nenhum
compromisso com a própria imagem, não aparar mais nada, não se
deter, sentir o tempo todo, o tempo passando. Ir a pique na correnteza,
nessa água que não lava, mas marca com suas linhas, sujo de mim
mesmo, suado, usado.
De
Lar,
São Paulo: Companhia das Letras, 2009
ISBN 978-85-359-1466-5
Armando Freitas Filhas é um dos (raros) poetas que eu (re)leio sem jamais esgotá-lo. Alguns poetas são rasos, outros profundos, mas ele é desdobrável, peça cubista, inesgotável. Lar, é sua obra-prima, imperfeita, inacabada, que devora as próprias vísceras. Memorialística, dissecante, exorcista. “Pelo retrovisor”, “moto-contínuo”. Quem não leu, não sabe o que perdeu, mas há quem o leia sem saber o que leu: ele não é para todos, mas devia ser. ANTONIO MIRANDA
Começar a escrever era descrever.
Descrever era desmanchar o que está escrito.
O que estava à vista, parado
no pensamento, no jardim
e reescrever, de outra forma
em outra fôrma, o novo curso e rasgo.
Escrever é desespera e espera.
(...)
Confesso.
Diante da cara mascarada
por treliça e sombra.
De carne, pecador. Passivo, ativo
meia, bronha, pegação:
pêra, uva, maçã no rosto, na boca.
Passo ambíguo no corredor.
Murmurado, entre paredes
minto com o corpo genuflexo
mas provocador, com o joelho ossudo
já castigado na madeira dura.
No canto, no cerco do nicho, cara
a cara, com a pergunta embalsamada
no hálito de incenso e alho
na escuta de mão dupla e respirações
contiguas, pronto para a penitencia
para o amor do corpo musculoso
do Cristo, na missa, em cima do altar
para a missão de amar os país
para rezar até derreter, arranhado
pela pureza áspera do padre
diante da aridez de Deus.
(...)
Onde minha mãe acaba
comigo, e eu começo, onde
meu pai, no quarto escuro
se move sobre ela, murmura
e se altera, onde eu, de novo
despido, não esbarro, passo
no corredor estreito, entre
os dois raspando, onde ela para
e ele recomeça, onde eu cresço
onde ela espera o arremesso dele
meu, onde eu, onde ela, onde ele
onde nos, apertados, apartados, curtos
nos cruzamos, com a luz apagada?
Laço
O que não sei de onde veio
vem do meu pai, do pai dele
do silencio de um, próximo
superposto ao do outro, longe.
Silencio de retrato antigo
ouvido por quem não o conheceu
a não ser vazado através
do filho que me fez de carne
e chega ao neto, ao filho
do seu filho, e a meu filho.
Escritório irritante
Não acho nada, nem o que não
procuro, nenhum livro se abre
e os que se abrem, raivosos
não prestam para o momento.
Se apertam nas estantes, se
embaralham, fora de ordem
se precipitam, suicidas
mortos, amarrotados, muitos.
Não os lerei mais, morri
com eles, minhas marcas
no pó das passadas páginas
se desbotam, os personagens
idem, a flor no papel de poema
se fecha, furada por traças.
Imagem extraída de
DIAS-PINO, Wlademir. A lisa escolha do carinho (Rio de Janeiro: Edição Europa, s.d.
20,5x20,5 cm. 33 f. ilustradas (Coleção Enciclopédia Visual). Inclui versos de
poetas brasileiros
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TEXTOS EN ESPAÑOL
Traducciones de Adolfo Montejo Navas*
CUERPO
Acróbata enredado
En clausura de piel
Sin ninguna rotura
¿Hacia dónde me lleva
Su estructura?
Dulce máquina
con engranaje de músculo
Suspiro y rugido
El espacio devora
Su movimiento
(Brazos y piernas
sin explosión).
Fábrica de fiebre
Sueño y recuerdo
Que arma
Y desarma mi muerte
En armadura de tiniebla.
MADEMOISELLE TORNASOLADA
Por esta grieta te acecho
Por esta hendidura te descifro
Por esta grieta
clavo
sonda contra esponja
y babeo
y te penetro
tieso y recto, y por entero
tu cuerpo se entreabre:
puerta y pierna, caja y muslo
Por esta hendidura
tienda
de piel que se pliega
y rasga
yo me adentro
hecho de espera y de esperma
y oprimo -te aprieto- y exprimo
todo el color de la carne del amor que escribo.
Por esta grieta me acecho
Por esta hendidura me descifro.
CÉLULA
El alma es um absoluto fuera de la ley
asaltante contumaz del curpo
com palanqueta-fantasmagórica
que entra y sale, el alma es ¡ah!
instantâneo em cualquier disfraz:
apariencia de agua, aire
insinuación de mercúrio
cara enguantada por media de naylon
capucha sin agujeros, aviesa y celofán
sombra que la luz seca, viceversa.
(De Duplo cego, 1997)
*Extraídos de Correspondencia celeste. Nueva poesía brasileña (1960-2000). Introducción, traducción y notas de Adolfo Montejo Navas. Madrid: Árdora Ediciones, 2001 – Obra publicada com o apoio do Ministério da Culta do Brasil.
VOCABULARIO DEL POEMA
(Ángel Crespo)
Boi: buey; boiada: boyada; escoa: esurre, mana; pro: hacie el; ar: aire; chifre: cuerno; chofre: golpetazo, choque.
Rural
Plural de boi:
boiada
boiada boi
bovino boi
nada bóia
boi, boiágua
escoa
do campo
pro canto
boicântaro
se amolda
deságua
e crava
no ar
sua cara:
chifre de chofre
rompe, o barro
boicarro.
* Texto y poema extraído de CHAMIE, Mario. “Poema-praxis: un acontecimiento revolucionario.” In: REVISTA DE CULTURA BRASILEÑA, Tomo III, Número 9, junio 1964, p. 171-199.
De
Armando Freitas Filho
TOMA DE TIERRA
Prólogo y traducción de
Adolfo Montejo Navas
Barcelon: DVD ediciones, 2000.
ISBN 84-95007-62-2
“Toma de tierra”, com sus 450 versos, es uma de las composiciones de más largo recorrido de la poesia brasileña. Se trata de um tour de force versicular, donde la poesia adquiere a la forma de um diário — con ressonâncias levemente joyceanas —, al tempo que constituye em el diário de um poema. Como contrapeso a este registro, aparece la segunda sección del libro, “En el aire”: 27 poemas com outro campo de fuerzas, outra plomada y, sobretodo, otra respiración, más objetiva.”
BOCA SECA
Suelo de cerámica encarnado escaldante:
losanges, placas, ladrillos, azulejos.
La terraza desiste de ser, siquiera
en el riesgo ávido, espacio de trégua, con sus
equipamientos de sombra, fuente, agapanto.
De sufrir con la inseguridad de las primeras gotas
de alivio de la lluvia, luego chupadas, enjutas.
Y se entrega, vacío y árido, al sol en león
al olor mezclado de tierra y cemento.
BOCA SECA
Chão de cerâmica vermelho escaldante: / losangos, placas, ladri-
lhos hidráulicos. / O terraço desiste de ser, sequer / no risco ávi-
do, espaço de trégua, com seus / equipamentos de sombra, chafa-
riz, agapanto. / De sofrer com a incerteza dos primeiros pingos /
de alívio da chuva, logo chupados, enxutos. / E se entrega, vazio
e árido, ao sol em leão / ao cheiro misturado de terra e cimento.
CIEGO
Traspasando el rojo. Sangre pisada
que ya llega al morado. Lloro en el vano central:
en público, en la casa cadáver, en el fin dei jardín
con su perro durmiente. El cuerpo reloj bomba
que cuanto más se gasta más se carga
y espera. Ojos parados de mi carne
que ven la sed con que la mariposa posa
en la médula de la luz, ni eso - en el halo - tampoco:
en la ilusión del lago. ¿No basta la duración de dos alas
para este debatirse de desesperación?
CEGO
Ultrapassando o vermelho. Sangue pisado / que já chega ao roxo.
Choro no vão central: / em público, na casa cadáver, no fim do jar-
dim / com seu cão dormente. O corpo relógio bomba / que quan-
to mais se gasta mais se carrega / e espera. Olhos parados da minha
carne / que vêem a sede com que a mariposa pousa / no âmago
da luz, nem isso — no halo — também não: / na ilusão do lago. Não
basta a duração de duas asas / para esse debater-se de desespero?
FREITAS FILHO, Armando. Marca registrada: 1966-1969
( poemas – práxis ). Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1970. 71 p. Capa: Emilie Chamie. Apresentação de Mário Chamie na última capa. 13x19 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
HISTORIA-EM-QUADRINHOS
A sombra assanha
o sexo — sonda:
sanha que suga
o corpo no sonho
se afoga na foda:
se afunda e enfia
um falo um faca
feroz se enfronha
refrega nas ruas:
tocaias — feras
do crime acuadas
ferem no escuro
empunham o punhal:
pistolas nas mãos
de metal: metralha
a morte nos muros.
Murro no estômago:
súbito! — um soco
uma cara — crash
quebrada em cacos
feridas nos muros
sem luz — a lua
enleio na treva
se lança no luto:
acende a paisagem
apagada: ôlhofote
no céu de carvão
alvorada de cal.
SENSORIAL
à R.
Pulsam os corpos:
plantas de sangue
sufocadas no chão
sem sol – soluça
sem som a seiva
latejam as setas
do amor na terra
da carne amarga
costuradas celas
de pele e pedra:
prisão de treva
trançada — travo
a mordaça amarra
o beijo à beira
da boca um trevo
se tece e morre.
Lancinante a luta
avança em lentos
lances de corpos
nus: subterrâneos
de seda em transe:
o tato do terremoto
franze os tecidos
e a teia subterrânea
estremece à tona
da terra — explode
expande e escapa
se atira no espaço
um ramo que afere
se rumo florido:
flecha de folhas
sem fim: fincada.
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Página ampliada e republicada em fevereiro de 2022
Página ampliada e republicada em agosto de 2009; ampliada e republicada em março de 2011. Ampliada em junho de 2018
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