auparishtaka
A noite se penteia com dois pentes
(o sono e o sonho) e eu penso no teu sexo
tentando aproximá-la com mil lentes
o apalpá-lo às vezes feito um cego
(que seios nus acendem luas doidas
de cães obstinados por mordê-las?)
decerto eu comeria as nuvens todas
e beberia o álcool das estrelas
na máquina do espaço (tanjo os dedos
na cabeleira cósmica) sonâmbulo
seu te penetro a carne onde os segredos
(da boca ao ventre e da cintura às nádegas)
mas gozo dentro do meu próprio escândalo
descendo as mãos até a raiz das águas
2º.
onde tu não estás? (sempre te vejo
como um bicho no cio ou feito um pássaro
na gaiola de vidro atrás do espelho)
onde tu não estás? (em tudo é dentro
se me afasto do tempo estás no espaço
(porque sais dos lugares onde eu entro
para em mim te encontrares sempre) às vezes
eu atravesso a sombra do teu rosto
como quem cruza um túnel (mexo as fezes
que entre nós dois o coração tem posto)
porém é farta de pecado e suja
que te quero à lembrança que te ama
(que porco eu sou fuçando a tua vulva
cheirando a peixe sobre o mar da cama?
coito in / ver / tido
Sobre duzentas almofadas postas
em seu colchão (já livre de mil panos)
o amor se deita e (sobre mim) de costas
deixa que eu tente possuir seu anus
(vou penetrando devagar) molhado
está meu pênis de saliva) desço
pelo avesso da carne) do outro lado
(a dois dedos da vulva) eu reconheço
que aquela região (o amor suporta
a dor do seu prazer) estava in tata
e (violento) arrombo a sua porta
como se um bárbaro (se fosse
no seu corpo um aríete) !ó mata-
me” (diz o amor) “que o gozo dói de doce”
2º.
por detrás o prazer é diferente
do gozo pela frente (e pela boca
e nas mãos e nas) toda a carne é pouca
para tanto desejo (pela frente
o amor ao próprio amor se satisfaz)
mas é diverso o coito por detrás
de fêmea (é como os animais copulam)
existe um cio por detrás (um jeito
de puxar os cabelos quando ondulam
como crinas) e o gozo insatisfeito
precisa de mais gozo para ser
em sua plenitude e goza mais
(se uma só vez o amor acontecer
é preciso que seja por detrás)
templo de kandarya ou maquiné
A lembrança da carne me faz homem
na noite sem ninguém (eu telefono
para os fantasmas) meu amor tem fome
e sede (sonho que antecede ao sono)
Leio Vatsyayana (Os Kama Sutra)
se a luz divide a sombra em quatro partes
o teu corpo é a quinta (ó imagem ultra-
violeta) e mais cinquenta e nove artes
do Manual hindu (ó aforismos
sobre o meu coração) sobre o teu ventre
poreja o ar gelado (ó gota entre
a gruta que se funde em seus abismos)
água entre o espaço e o tempo (entre os limites
do meu desejo) as estalactites
2º.
(agulhas em silêncio) pedra curva
retida pela abóboda (teus dedos
são ausentes de mim feito uma chuva
suspensa) como o céu debruça estrelas
(de quartzo) desprendes teus cabelos
(cortinado de terras) sobre as temas
dos teus seios (penetro os doze dígitos
da câmara profunda e salitrosa)
templo de Kandarya (ó edifício
de lábios e de pétalas) a rosa
da Lapa (descoberta com seus fósseis)
eis a cor dos cristais em que te despes
e gozas na parede qual se fosses
pintada em teu prazer (poses rupestres)
[mais poemas no livro...]
ACCIOLY, Marcus. Nordestinados. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora; Recife: FUNDARTE, 1986. 226 p. ilus. 13,5x21 cm. ISBN 85-03-00068-7 Capa: Jair Pinto sobre pintura de Georia O´Keeffe. Xilogravuras de Aluizio Braga. Projeto gráfico de Sylvia Dubeux. “Prêmio Recife de Humanidades 1972”, Col. A.M. Edição comercial ilustrada, bem cu’idada. Ex. bibl. Antonio Miranda
O Sertão
A — O Sertão principia
Depois que acaba a terra,
Ou, sendo mais exato,
Onde começa a peda.
E segue o Sertão-Alto;
Pajeú, Moxotó,
Onde termina o mundo
E então começa o sol.
Ou desce o Sertão-Baixo
Do Rio São Francisco,
Que ostenta uma paisagem
De pássaros e bichos.
Embora o tempo durma
Os sonos da estiagem,
Nas curtas invernadas
O verde abre a folhagem.
E quando as águas descem
Das cabeceiras curvas,
A pedra ressuscita
Lavrada pelas chuvas.
A Caatinga
T — Há mais diversidade
Entre a Caatinga e o Agreste
Do que entre a Caatinga
E o Sertão do Nordeste.
Mas essa diferença
Se faz menor ainda
Por ser, Sertão e Agreste,
A zona das Caatingas.
Daí não se distingue
A subdivisão
Que vai arei-Agreste
À pedra do Sertão.
O trecho que é chamado
Caatinga propriamente;
A faixa dos desertos
Ou praias permanentes.
As praias que se estendem
Por toda a região
Que um dia será mar,
E o mar será Sertão.
O Agreste
E — O Agreste se inicia
Onde a Mata termina;
Não por haver fronteiras,
Mas por mudar o clima.
As suas regiões
Se espalham mais avulsas
Doo céu da Borborema
Aos chapadões das Russas.
Com dupla atividade;
Plantio e criação,
Possui um sol mais pássaro
Aceso em seu verão.
Enquanto o agave, o milho,
A palma para o gado,
Divide o Agreste em sítios,
Fazendas e roçados;
Nos antilatifúndios
Das divisões rurais,
Divide o Agreste em sítios,
Fazendas e roçados;
Nos antilatifúndios
Das divisões rurais,
Se plantam, em canteiros,
As flores cereais.
A Mata-Seca
R — Quem vem da Paraíba
Rumo-Capibaribe,
Encontra a Mata-Seca
Em duas se divide;
Os vestígios da mata
Cobrindo as cocurutas,
E o reflorestamento
Dos engenhos de açúcar.
Além de uma paisagem
Demais canavieira;
Capelas, casas-grandes,
Cercados , cambiteiras,
Bagaços sob o sol,
Carros-de-boi cantando,
E as chaminés mais altas
De usinas safrejando.
Quando, de março a agosto,
Na Mata-Seca inverna,
Já se espera, em setembro,
Verão na primavera.
A Mata-Úmida
R — Possui a Mata-Umida
Um chão canavieira
Que é do Capibaribe
Até chegar Barreiros.
As árvores mais altas
Procuram recolher
As chuvas que transformam
A terra em massapê.
Max desde o Ipojuca
Às regiões fronteiras,
Se explora, além das canas,
O ciclo das madeiras.
E enquanto em São Francisco
Vão derrubando as matas,
No Cabo se apresentam
Destilarias, fábricas,
E caminhos de açúcar
De Catende e Trapiche,
Que invadem, como os mangues,
O asfalto do Recife.
O Litoral
A — O Litoral se estende
Dos altos Tabuleiros
Ás praias arenosas
Ornadas de coqueiros;
Ou, de Pontas de Pdra
À beira-mar de Olinda,
Cruzando uma paisagem
De frutas e salinas.
E segue, ao Sul da orla,
Gaibu, Tamandaré
Puiraçu, que chamam
Praia de São José.
Quem desce para o encontro
Das chuvas do caju,
Avista, pelo Norte,
A velha Igarassu;
E as velas afastando
Lá de Itamaracá,
Os homens que nasceram
De frente para o mar.
|
ACCIOLY, Marcus. Érato: 69 poemas eróticos e uma ode ao vinho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990. 107 p.
Ex. bibl. Antonio Miranda
Eu sou o lobo-branco de mim mesmo
(e não a ovelha-negra) eu sou um antro
sem saída de mim (ó minha antro-
pologia de dor) eu sou meu ermo
e meu termo e meu erro (eu sou aquele
que já fui e serei) eu não sou eu
nem sou outro (senão o que viveu
com ar e água e terra e fogo à pele)
sendo tão só eu nunca fui sozinho
10 (avistando meu rosto sobre as águas
me vi dentro de mim) são sem caminho
os mus pés (minha boca fala pelas
mudos) e (furados pelas lágrimas)
meus olhos brilham cegos das estrelas.
É
eu (lobo branco de mim mesmo) bicho
que se autodevora em seu ofício
de ser ou de não ser (eis a canção)
cantei a terra e a guerra (sou o homem
que na areia assinou o próprio nome
20 mas o mar o afogou com a solidão)
não sei quem sou (talvez esteja) penso
que nasci (pois respiro com tal fôlego
que a minha voz é grito no silêncio)
um dia eu me darei comigo morto
e não será tão tarde (a fé eu tenho
que remove palavra) o amor eu sei
que move sol e lua (ó arte e engenho)
eu sou o anjo contra o qual lutei
R
Nasci no aceiro dos canaviais
30 quando (em lugar do sol) a lua a pino
(in)fluiu sobre o mês de meu destino
como nos cães e loucos (meus iguais)
para as margens do mar eu fui menino
e respirei o fôlego das águas
que (s em meus olhos rebentaram lágrimas
o
na minha boca borbulharam )h_in
U
sitiadas ondas (vim para a cidade
na adolescência)_ ó carne camponesa
(ó alma litorânea) onde a beleza
40 é vera & onde bela é a verdade
(morri com minha mãe e meus avós
ós
mas ressuscitarei do tempo em v—)
oz
*
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Página publicada em setembro de 2021