Um ventríloquo comenta a poesia ocidental —
Sísifo, de Marcus Accioly (*)
por AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA
Alguns poetas exigentes provavelmente olharão esse livro com desdém enquanto os mais liberais poderão ser tomados de um entusiasmo sem limites. Difícil é ler Sísifo sem os preconceitos de uns e a ingenuidade de outros. Quanto aos críticos, poderão considerá-lo um sintoma das transformações recentes da poesia brasileira. Marcus Accioly parte de um projeto ambicioso: em quatrocentos páginas, narrar sua visão do mundo e fazer um comentário da poesia ocidental e brasileira. Começa fundindo os estilos de Dante, na Divina comédia, e de Camões, em Os Lusíadas.
Utiliza-se de todos os efeitos da poesia de vanguarda, incluindo o concretismo e o poema processo. Mistura a mitologia clássica à moderna, então surgem James Dean, Billy Graham, Cassius Clay, Papillon e outros. O efeito, necessariamente, é o de uma obra kitsch.
Vozes e disfarces
Como Sísifo, Marcus Accioly retoma a pedra/poema de outros autores. Ele se contrapõe à secura de João Cabral de Melo Neto, em sua Educação pela pedra (1966), e sua poesia é mais oral que escrita. Procura a “voz” do poema e insiste na palavra “canto”. Há um parentesco entre seu livro e a poesia mais nova que se faz no país: ambos procuram romper um conceito velho de vanguarda, a diferença é que Accioly ainda dá um caráter
“literário” a seu trabalho. É evidente o esforço para criar um espaço poético
próprio. Afora as quedas normais da trajetória de um Sísifo ainda jovem, esse poema se aproxima de Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima: pretende
ser uma súmula estilística e cultural.
A melhor definição para o autor foi dada por ele mesmo no Canto 8: um “ventríloquo”, com cem vozes e disfarces, capaz de comicamente zombar de si e da plateia. Saber qual a verdadeira voz desse poeta é um
trabalho não só de uma análise mais acurada, mas na tarefa a ser desdobrada por ele mesmo em obras posteriores. Como professor, poeta e crítico de sua própria poesia, ele tem todos os instrumentos para realizar esse trabalho.
1 Artigo publicado na revista Veja, 8 de setembro de 1976.
*Extraído de:
SANT´ANNA, Affonso Romano de. Experiência crítica. São Paulo, SP: Editora Unesp, 2014. p. 160-162.
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