JOÃO CARLOS TAVEIRA
Nasceu em Caratinga-MG, aos 17 de setembro de 1947. Em 1969 mudou-se para Brasília, onde trabalhou na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e na Viação Aérea São Paulo (VASP). De 1987 a 1989 foi diretor da Divisão de Desporto, Lazer e Turismo, na Administração do Núcleo Bandeirante, no Governo José Aparecido de Oliveira. De 1999 a 2002 trabalhou com o Engenheiro e Físico Paulo Gontijo, na organização de algumas obras literárias e na construção do Templo da Ciência. Com formação em Letras Neolatinas, trabalha como revisor e coordenador editorial. Como poeta, publicou seis livros: O Prisioneiro (1984), Na Concha das Palavras Azuis (1987), Canto Só (1989), Aceitação do Branco (1991), A Flauta em Construção (1993) e Arquitetura do Homem (2005).
Tem pronta para publicação toda a sua poesia, reunida de 1984 a 2004. Já apareceu em importantes antologias no Brasil e no Exterior, entre as quais: Antologia da Nova Poesia Brasileira, 1992, de Olga Savary, Chão Interior, 1992, de Eliseu Mol, Alma Gentil, 1994, de Nilto Maciel, Cronistas de Brasília, 1995, de Aglaia Souza, Caliandra – Poesia em Brasília, 1995, de Mário Viggiano, A Poesia Mineira no Século XX, 1998, de Assis Brasil, Poesia de Brasília, 1998, de Joanyr de Oliveira, A Literatura Brasiliense, 1999, de Wilson Pereira, Antología de la Poesía Brasileña, 2001, de Xosé Lois García (Santiago de Compostela, Espanha), Poetas Mineiros em Brasília, 2002, de Ronaldo Cagiano, Pensamentos da Literatura Brasileira, 2002, de Napoleão Valadares, Trilhos na Cabeça, 2003, de Albert von Brunn (Messina, Itália), Poemas para Brasília, 2004, de Joanyr de Oliveira.
Figura no Dicionário de Poetas Contemporâneos, de Francisco Igreja, no Dicionário de Escritores de Brasília, de Napoleão Valadares, na Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, na História da Literatura Brasiliense, de Luiz Carlos Guimarães da Costa. Pertence à Academia Brasiliense de Letras, à Academia de Letras do Brasil, à Associação Nacional de Escritores e ao Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, de que foi vice-presidente. É membro do Conselho de Cultura do FAC, na Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal. Em 1994 recebeu a Medalha do Mérito Cultural de Brasília.
"A contenção rigorosa do verso de João Carlos Taveira também me lembra algo de Rilke no seu despojamento para a indagação do mistério, o reverso do olhar."
FAUSTO CUNHA
"Taveira consegue a maturidade do verso e do silêncio. A música de uma viagem incandescente entre Minas e o amor, passando pelo mundo. Poesia contida, densa, dútil, serenamente humana." CARLOS NEJAR
"Embora muito subjetivo, Taveira é muito representativo de sua região cultural: Minas Gerais. Como a poesia dos seus contemporâneos, a sua poesia é transparente, alheia à cor violenta da poesia nordestina do modernismo. Ou mesmo a paulista verde-amarela de Cassiano Ricardo".
CASSIANO NUNES
VEJA E LEIA:
CATEDRAL SIMBÓLICA DE MARGARIDA – ENSAIOS – sobre CRUZ E SOUSA – texto de João Carlos Taveira
Ver>>>> AQUARELAS DAS PALAVRAS (sobre a poesia de OLEG ALMEIDA), por JOÃO CARLOS TAVEIRA - ENSAIOS
Ver também >>HAICAIS de JOÃO CARLOS TAVEIRA>>
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RETRATO ÍNTIMO
Jarbas Junior
Taveira, amigo, é poeta conciso
e eficaz; quando recebe a musa,
sua inspiração reflui profusa,
vulcânica, o verso avulta preciso!
Sua índole lírica de origem lusa
tem o ímpeto varonil do improviso!
Alter-ego oposto ao de Narciso!
Lembra a dicção da arte Andaluza!
Ilustre João Carlos Taveira:
aedo, vate, bardo e rapsodo!
Qualquer epíteto denomina
o seu talento de alma altaneira,
expressão autêntica de todo
esse engenho de natureza divina!
Brasília, 28/04/2001.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Ano 8 – Número 12 – Maio 2000. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 2000.
Exilado
A Fábio Lucas
I
Vim dos caminhos
de Minas
para o mundo.
Vim, do susto
e da vertigem,
desfazer abismos.
Vim, e aqui estou,
com meus arreios,
buscando halo
e cavalo
para o itinerário.
Trago, nas mãos,
calos e fuligens,
e, no peito,
um mapa
inconcluso.
II
Deixei os vales,
as colinas
de Minas
pelo asfalto
destas ruas,
pelo acrílico
das janelas.
Deixei-me, menino,
perdido nos rubis
dos cafezais.
Deixei-me no homem
que me divide
e me acompanha.
III
Lembro da infância,
das cabras,
improvisadas
montarias.
Meu norte
se divisa
na tessitura
de uma nuvem.
Lembro. Lembro
das estâncias,
rútilas paragens
de bois e vento.
Na tarde sempiterna,
entre automóveis,
ainda de lembrança
me argamasso.
Poema de aniversário no. 6
O tempo
com suas gôndolas,
abertas lucarnas ao vento,
esculpe a pele, a carne,
o cerne do ser
que em mim
se faz e pássaro.
Diante do futuro,
estou completo:
meio peixe
meio pássaro
neste pouco corpo
em que velejo.
Porém, sou homem e voz
dentro da concha:
libertam-me o peixe
que inventei na pedra
e os mares desesperados
que sulquei na terra
com minhas penas
e escamas de esmeraldas.
TAVEIRA, João Carlos. A Imposição do poema. Jaboatão, PE: Editora Gurararapes EGM, 2015. 30 p. ilus. col. Editor: Edson Guedes de Moraes. 20,5x13 cm. Edição artesanal, tiragem limitadíssima. Ex. bibl. Antonio Miranda
VEJA O E-BOOK:https://issuu.com/antoniomiranda/docs/jo__o_carlos_tavera
COMUTAÇÃO
O meu peito magnético
de amperagem difusa,
tem um centro energético,
que a voltagem recusa
sentida.
É o coração mecânico
que, repetidamente,
corta a minha corrente
no painel eletrônico
da vida.
Mas, na caixa de objetos,
eu guardo os sonhos todos:
parafusos e diodos,
e os males mais secretos
também.
E esse curto-circuito,
que envolve o meu sistema,
eu resolvo num poema,
espontâneo, gratuito,
que vem.
(do jornal POIÉSIS Literatura, Pensamento & Arte,
n. 248, jan/fev de 2017, p. 5)
ANTIELEGIA
João Carlos Taveira
homenagem ao poeta Manoel de Barros
no dia de seu falecimento
Manoel de Barros está morto.
Mas eu já faço um reparo:
Manoel de Barros não morreu.
Morrer, como, se ainda
está vivinho da silva
no coração das crianças,
no desvelo de bichos, de pássaros
e de homens puros?
Hoje, 13 de novembro,
chove fininho e devagar
na cidade de Lúcio Costa,
no mesmo instante
em que Manoel de Barros
se transformou em nuvem,
borboleta ou qualquer coisa
de encantar bem-te-vis.
Este homem, meus amigos,
não é de morrer assim
sem mais nem menos.
Traz no seu jeito
de menino tímido
qualquer coisa de espanto,
qualquer silêncio de pedra.
O poeta, nele, há muito se eternizou
e está solidificado em pérola,
feito diamante incrustado
na tristeza da ostra.
Outra coisa: Manoel de Barros
aprendeu a esperteza
dos caramujos
e deve estar destecendo
palavras de beleza
para inventar estrelas
no chão áspero da rua.
Afirmo e reafirmo,
minha canção é de alegria
para festejar a metamorfose:
Manoel de Barros
escapou ileso
da irmandade dos homens
e virou passarinho.
Brasília, 13 de novembro de 2014.
VEJA O E-BOOK:
TAVEIRA, João Carlos. A Imposição do poema. Jaboatão, PE: Editora Gurararapes EGM, 2015. 30 p. ilus. col. Editor: Edson Guedes de Moraes. 20,5x13 cm. Edição artesanal, tiragem limitadíssima
TAVEIRA, João Carlos. O prisioneiro. 2ª. edição revista. Brasília, DF: Thesaurus, 2014. 86 p. 14x21 cm. Arte da capa: Tagore Alegria. Revisão: Anderson Braga Horta. Diagramação: Salomão Sousa. Prefácio de Cassiano Nunes. “Edição comemorativa 30 anos” ISBN 978-85-409-0394-4 “ João Carlos Taveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
ROTINA
Não sou velho,
não sou moço,
nem cansado,
nem o oposto.
Sou apenas um composto
de refratários estilhaços
que se espalham,
todas as manhãs,
no espelho do banheiro.
Mas o que seria de mim,
sem essa força que tende
sempre a conduzir,
para o alto,
os meus ideais de artista?
O que seria de mim
sem espelho, sem rosto,
sem essas manhãs altruísticas?
Sol-posto?
ANTAGONISMO
Não quero essa fúria
que me impele
para o exercício do gesto,
nem esse gesto côncavo
que me torna
enfurecido.
Prefiro a mobilidade
de um inseto prisioneiro,
cujo desespero
transcende
a concha da mão
que o esmaga.
Lago Paranoá e Ponte JK – foto de Robson Corrêa de Araujo
POEMA DA MATURIDADE
(Nos 50 anos da Capital)
Brasília
JOÃO CARLOS TAVEIRA
Brasília abre as asas
sob o céu,
na imensidão do espaço
sobre nós.
Brasília tece uma canção
de amor,
na gradação do azul
de nossa voz.
Há nessa geometria
de acalantos
pequenos sons e arpejos
simultâneos...
Há vida após a vida
em cada traço,
no refazer do sonho
que sonhamos.
BRASLIA REVISITADA
A ADIRSON VASCONCELOS
JOÃO CARLOS TAVEIRA
Que sei de ti?
Que sei de mim?
Volto às origens
de tudo: barro.
Tumulto e barro
mal comprimidos
no largo espaço
do meu espanto.
Vagas lembranças
de um pé-de-vento
e o redemunho
varrendo sonhos.
Desde o começo
desta epopeia,
homens e bichos
se circunscreverem
em puídos mapas,
em utopias
de sonhadores
do amanhã.
Volto ao passado,
vejo o presente
e a solidão
frutificada.
Poemas publicados originalmente na REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE DISTRITO FEDERAL Ano XI, N. 8, Brasília , 2017.
O poeta JOÃO CARLOS TAVEIRA, anfitrião de uma das sessões magnas da I BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASILIA (de 3 a 7 de setembro de 2008), no auditório do Museu Nacional de Brasília.
Fortuna crítica: leia texto de Jarbas Júnior sobre a obra de João Carlos Taveira
Extraído de:
2011 CALENDÁRIO poetas antologia
Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2010.
Editor: Edson Guedes de Morais
/ Caixa de cartão duro com 12 conjuntos de poemas, um para cada mês do ano. Os poetas incluídos pelo mês de seu aniversário. Inclui efígie e um poema de cada poeta, escolhidos entre os clássicos e os contemporâneos do Brasil, e alguns de Portugal. Produção artesanal.
Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y Trad. Xosé Lois García
Edicións Laiovento
Santiago de Compostela, 2001
PÁSSARO NOTURNO
Verdes tempos
verdes campos
verdes muitas vidas
pelos olhos verdes
de minha esperança.
Verdes anos
verdes danos
verdes nossos passos
de retorcidos pés
neste verde avião plano.
Verdes desenganos
verdes vossos olhos
visigóticos.
Sou assim, senhora
vosso amante
e pássaro concentrado
em verdes noites
de um verão tranqüilo.
NOVA POÉTICA
A José Santiago Naud
Canto, só canto,
dores ao vento,
meu desencanto,
só fingimento.
Canto e descanto,
vão instrumento,
o nobre pranto,
do estro, do inverno.
O meu ofício?
Só, nutro o belo,
e tudo é nada,
puro artifício,
coisa inventada,
onde o revelo.
SENTIMENTO MINEIRO
A Hildo Honório do Couto
Minas está aqui,
dentro e fora de mim,
com seu vasto galope,
corpo se fosse um fardo.
Minas está em mim,
anterior ao verso,
paisagem sem cavalo,
halo que se desfaz.
Minas está, enfim,
ao rente do meu dorso,
abismo que resiste,
lâmina do meu susto.
SIGNOS
Um pássaro hipocampo,
no abismo da vertigem:
lanterna do meu sangue,
coágulo da origem.
Um peixe me bifurca,
com lâminas de fogo,
e o outro, em mim, resiste,
sem regras para o jogo.
Um boi me sobrevoa,
mugindo para a lua,
em cujo espanto penso,
pasto palavra nua.
Mas um cavalo sonha,
e em pêlo me confrange,
com vôos e sobrevôos
do homem para o anjo.
BASTIDOR
A Solimar de Oliveira, in memoriam
Fico-me aqui: sozinho, só,
so(l)zinho de tão pouca luz,
que a sombra do meu dia é pus
dentro da vida – eterna mó.
Moída a carne, os ossos nus,
os olhos viram cinza e pó,
só sobra a cisma sobre o dó
que faz em mim ponto de cruz.
Fico-me só: mas não perdido,
tecendo sonho em vão tecido,
pois que não sou o ser que lavra.
Além de mim, um outro tece
a mesma voz e a mesma prece,
das quais me faço na palavra.
DESMISTIFICAÇÃO N. 2
Não, já não te busco,
pétala de luz,
dentro da canção.
Teço meu soluço,
dentro do tumulto,
flauta em construção.
Voam os pardais,
pensos pedestais,
lírios sobre o chão.
Somos dois extremos,
que o amor, sem remos,
navegou em vão.
SONETO DE ASPIRAÇÃO
Quero prender-te, amada, no meu verso,
que teço no silêncio e na neblina,
onde sejas, do centro do universo,
a métrica resvés e cristalina.
Mas antes, neste sonho, me alicerço
no ritmo desenhado na retina,
para que possas, feita bailarina,
tecer no meu olhar um riso terso.
Quero prender-me a ti e, nesse laço,
poder gravar em nós, em tom fugace,
a música e a palavra num só traço.
Depois, rompendo a teia do disfarce,
que existe entre teu corpo e meu abraço,
hei de tecer na luz a tua face.
IMPROVISO PARA FLAUTA DOCE
Voar, vencer o mar,
ó pássaro de seda,
voar e não cantar
cetim de plumas tredas.
Voar, ganhar o ar,
em redes, sedes, brisas,
depois, buscar, no mar,
as claras águas lisas.
Voar, alçar as asas,
falenas sobre as casas,
as conchas turvas, tortas...
Voar, deixar as fráguas,
os rios, frias mágoas,
que em mim são águas mortas.
Poemas extraídos do livro A Flauta em Construção. Brasília: Thesaurus, 1993. 93 p.
TAVEIRA, João Carlos. A flauta em construção; poesia. Brasília: Thesaurus, 1993. 64 p. “ João Carlos Taveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Arte gráfica: Edson Guedes de Moraes
– Editora Guararapes – PE - 2016
SOBRE O LIVRO Arquitetura do Homem DE JOÃO CARLOS TAVEIRA
É João Carlos Taveira um exímio artesão da palavra poética, reinventando a tradição sem perda da contemporaneidade. Verso musical, sonoro, rítmico, construído a partir de uma conjunção feliz de tema e expressão poética.
Ronaldo Costa Fernandes
Há algumas qualidades na palavra poética de João Carlos Taveira que me parecem fundamentais e que, infelizmente, se não exagero, andam a rarear na praça: o cuidado com a forma —seja gramatical, seja versifica— e a convicção, a consciência de que palavra não é som apenas, nem tão-somente traços na tela da página.
Anderson Braga Horta
Com a publicação de Arquitetura do Homem, a Thesaurus Editora coloca no mercado a obra de um dos autores de maior nomeada da literatura brasileira. João Carlos Taveira há muito vem se destacando no cenário da literatura nacional não só pela obra sólida, de solene coerência construtiva e temática, mas, também, pela firme atuação na consolidação de várias entidades culturais da Capital.
Salomão Sousa
O poeta, em sua solidão, demonstra a paciência do observador, deixando-se impregnar pela poesia que lhe traz o cotidiano. Taveira não é só uma pessoa de sólida formação cultural, como um poeta sensível que aprofunda pensamentos e os expressa com uma sapiência madura. Seu trabalho traduz, na sonoridade dos diversos tipos de rima, a necessidade de seu canto por palavras.... (...) O mais recente livro de Taveira, “Arquitetura do homem” permanece com a musicalidade dos versos, e atinge tal maturidade de expressão que se torna mesmo difícil mencionar exemplos. Gerson Valle
"Minha surpresa de hoje é João Carlos Taveira, cujo livro "Arquitetura do homem", agora lançado, passa a ocupar uma posição de vanguarda em nossa literatura. Não se trata de estreante, mas de poeta que deixara de publicar livros há 12 anos e agora retorna o seu domínio da palavra, que já existia antes, mas parecia desaparecido."
Antonio Olinto |
Navio fantasma
Brusca, a barca trafega
nas trevas da existência.
Sem trégua, o timoneiro
avança. E, na dormência
de músculos e artérias,
atinge o magma, o centro
do abismo de existir,
fora de si e dentro.
As velas retorcidas,
a que ventos sucumbes,
nos vendavais da dor,
ao gozo e seus vislumbres?
Há tantos sóis e luas
na árdua travessia!
Melhor não fora o porto
que a vida oferecia?
A vida não deságua
em lisos acalantos?
E não floresce a pedra
nas águas de seus prantos?
Ó velas desfraldadas,
de que sonhos se nutrem
a ânsia dos navios,
a fome dos abutres?
Profissão de fé
Amar o metro e a música
na construção do verso,
e a música do verso
na palavra incendida.
Buscar e amar o som
dos hiatos e, ao fim,
dar contenção ao ritmo
com que constróis o verso.
O poema —esse abismo
sem face— há de surgir
na forma clara e exata
das impressões concretas.
Mas amar sobretudo
a precisão do verbo:
pedra fundamental
de tua criação. |
Teorema
Ódio, te desconstróis na sombra dos dias,
entre o prazer e o largo de um sorriso
que se esboça feito cata-vento
(o triunfo subjaz nos intervalos do sol),
para dissimular a fonte e a fraude do não-ser.
(Um homem à beira do abismo
pode assimilar estorvos, cardiopatias,
resquícios de febre, cicatrizes na alma,
restos de infância agregados ao susto,
ao desjeito do corpo e do cansaço.)
Uma nesga de alegria talvez inibisse
lembranças, chicotes, castigos, escombros
de memória, restos de paisagem,
noites feitas e refeitas no descuido
de uma vida que se fez do espanto.
(Um homem —sem mágoas, sem nódoas—
pode perseverar sobre o menino.
Mas haverá vitória —ou prêmio de consolação—
sobre seu inventário de angústias,
sobre seus anseios de libertação?) |
Cantata para baixo profundo
I
Senhor, velai
por mim, velai
por Vosso filho
crucificado
entre ladrões,
espertalhões,
pobres ovelhas
já desgarradas
de Vosso exército.
II
Velai por mim,
que amordaçado
não tenho voz
nem mesmo força
para vencer
os inimigos
de Vossa casa
hoje invadida
pelos abutres.
III
Senhor, aqui
é o meu refúgio:
rude canção
(um sol sem luz)
em que me esvaio
em asperezas
para louvar
o Vosso nome,
o Vosso nome.
IV
Velai, Senhor,
pelo meu verso
de pé quebrado,
pelos deslizes
de alguns vocábulos,
pela sintaxe
mal construída
a conspurcar
a língua Pátria.
V
Senhor, olhai
as minhas rimas
tão pobrezinhas,
minhas metáforas
e socorrei
o metro, o ritmo
com que me empenho
em construir
esta oração.
VI
Velai, também,
por meus irmãos
na Poesia,
os sonhadores
do Vosso reino
aqui na Terra,
os construtores
do belo belo
e de outros sóis.
Cavatina
O amor, senhora,
fere no peito
feito cutelo
de vil carrasco.
A luz do sol
se faz ausente
rente à agonia
do ser-não-ser.
Passam-se os anos
e a sombra cresce
nesse interstício
da vida breve.
Os poetas José Fernandes, Antonio Miranda e João Carlos Taveira na Biblioteca Nacional de Brasília, durante a homenagem ao poeta goiano Affonso Felix de Souza, em set. de 2009.
TAVEIRA, João Carlos. A flauta em construção; poesia. Brasília: Thesaurus, 1993. 64 p. 13,5x20,5 cm. Col. A.M.
SONATA N° 44, em mim menor
Tenho nas mãos um vazio,
no peito, mudo, um gemido,
que são as marcas de estio,
de tempo em mim construído.
Traço por traço me lavra,
nervura que já não vibra,
mas teço, fibra por fibra,
dentro da carne, a palavra.
Trago nas mãos, transversal,
ríspida flauta de vento,
em cujas notas, de sal,
construo o meu instrumento. |
|
Em Louvor ao Poeta
Jarbas Júnior*
Autoria do quadro: Andréia Pessoa -
Técnica: óleo sobre tela:50X60 cm
Poeta é título, brasão de grandeza humana, artista dotado de todas as outras sensibilidades, talento criativo por excelência, alma capaz de ouvir e entender estrelas. Sonho, imaginação, sentimento, ideal, crença: cabe o Olimpo todo em sua lira e o homem comum das ruas também. Intérprete das Vozes interiores, arauto dos mitos, vive entre as Flores do mal e os lírios do campo; traz Vida nova para as Almas mortas. Poeta sem adjetivos, para quem é digno do cognome. Como Píndaro para Alexandre Magno, como Bashô para o Japão (onde o poeta não se curva para o Imperador). Poeta só! Quem é? É o poeta João Carlos Taveira! Ministro? Doutor? Magistrado? Tem investiduras, dinheiro, prestígio político, poder? Não. Poeta unicamente, leu? Não sabe a Arquitetura do Homem? (sua mais recente obra) Ele vive a poesia de suas Poesias; culto, sensível, lúcido espírito! Notável artista da palavra, poeta em tempo integral. Mas a poesia não se revela sem sacrifícios necessários e indispensáveis, sem obstinada dedicação ao Belo e ao Bem; pois a Arte poética exige dor, coragem, desapego, vontade de ser Píton de Endor, cúmplice dos deuses, de Apolo délfico principalmente. É estigma ou condição: poeta não deve ter nem facilidades nem regalias materiais. Camões, por exemplo. Pois, quando conheci o poeta João Carlos Taveira na Thesaurus Editora, pensei: mais um aposentado rico de Brasília, de vida financeira tranqüila, agora, valente beletrista pronto para ofuscar o Parnaso inteiro com as suas Obras poéticas, ledo engano; o poeta nem jornalista era, vivia de revisões. Quer dizer, um bardo em estado puro, sem privilégios, sinecuras, e nem editora de projeção nacional. Autor, porém, dos primorosos poemas de Arquitetura do Homem, versos que são revelações inspiradas do título acima, o DNA lírico da condição humana, do código verbal formador do discurso poético; o Antropocentrismo da capa simboliza que o poeta é a medida real, entre Bergson e Kant, de todas as artes e utopias.
Vejo muito nas academias tantas de Brasília, bravos versejadores de namoro com a poesia e, com raras exceções, não sabem soneto nem verso livre. Escrevem e publicam prosa fraca em forma de poema, aleijados de ouvido, ignoram os artifícios mágicos da rima na melodia da estrofe. (É só lembrar da “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias.) E nesta proposição do ritmo ligado ao sortilégio verbal, observo no estilo do poeta João Carlos Taveira: decassílabos perfeitos, sóbria elegância metafórica, sintaxe harmoniosa, bastante qualidade no lavor do soneto. Poeta tão distante desses poetastros de arcádia. Inteligência vivaz, voz de grande declamador e de baixo-barítono (expert em óperas). Afável, grande e nobre. Tem defeitos? Talvez, fora do soneto!
Poeta João Carlos Taveira empolga também como crítico de literatura da estirpe e têmpera de Agripino Grieco. Honesto, justo e veraz. Admiro essas vidas dedicadas à Poesia. Quarenta anos de colóquio com as Musas, tantos livros lidos. Às vezes, homenagens, lauréis, prêmios da ABL ou de concursos literários; triunfos miúdos, o sonho do sucesso, da consagração nacional ainda longínquo, o público leitor pequeno local; quem sabe em outra edição venha o reconhecimento. Mas isso só decepciona quando a vaidade é imensa, do tamanho da empáfia, do ego inflado de balão, da soberba enfatuada. Sei o poeta João Carlos Taveira exemplo de êxito relativo e nobilitante nessa questão, sua poesia não depende de exterioridades levianas, dos aplausos efêmeros de circunstância, é resultado do que ele sente e é, ao escrevê-la: poeta! O que vem depois do poema concebido, é destino, Claro enigma, Caminho para a distância; o Sentimento do mundo que julgue! Porque sua natureza de poeta se realiza por si mesma, é congênita, é sua tendência íntima inata. Não precisa ele de palco iluminado, mídia, Estética da vida, para ser suficiente e expressivo. Sísifo mais do que Narciso! Pois a realização de um soneto antológico vale mais do que Mil e uma noites de autógrafos, porque nada supera a glória de criar uma obra-prima, compensa Cem anos de solidão! O poeta João Carlos Taveira é admirável por isso, seu intelecto, cultura, conhecimento, intuição, espiritualidade que põe a serviço da Poesia, da Mensagem que tira dela, da sua Invenção de Orfeu; o que lhe importa é o livro Arquitetura do Homem ter Alguma poesia... o resto é silêncio!
Brasília, 6-5-2007.
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* É poeta, romancista e professor de Literatura.
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Taveira entre poetas e amigos (Nilto Maciel)
VIGGIANO, Alan. A fortuna crítica de João Carlos Taveira: poesia aquém e além. Brasília: Edições André Quicé, 2012. 300 p. 15x21 cm
A leitura de A Fortuna Poética de João Carlos Taveira (Brasília: Editora André Quicé, 2012), de Alan Viggiano, me deixou a sensação de que vale a pena escrever. Se apenas um ou outro leitor se debruçar sobre determinada publicação, mesmo assim o autor poderá sorrir e dizer: fui lido, compartilhei o meu pensamento, o meu sentimento, a minha experiência de vida, a minha memória. Se nenhum crítico aparecer para dizer isto ou aquilo dessa obra, não faz mal. A crítica é necessária, mas a arte pode prescindir dela. Se nenhum jornalista se lembrar daquele compêndio, nem mesmo no dia do lançamento, também não faz mal, pois tudo é transitório. Mas, se o lerem dez, vinte ou cem pessoas, o autor terá sido ungido pelos deuses. Melhor ainda se essas criaturas forem Anderson Braga Horta, Antonio Roberval Miketen, Antonio Carlos Osorio, Antonio Olinto, Ático Vilas-Boas da Mota, Cassiano Nunes, Esmerino Magalhães Júnior, Gerson Valle, Heitor Martins, Henriques do Cerro Azul, José Santiago Naud, Hilda Mendonça, Jarbas Júnior, José Geraldo Pires de Mello, José Jeronymo Rivera, Jota Marinho, Leda Maria Vilaça, Margarida Patriota, Napoleão Valadares, Omar Brasil, Ronald Figueiredo, Ronaldo Cagiano, Ronaldo Costa Fernandes, Salomão Sousa, Wilson Pereira e tantos outros cujos nomes não se faz necessário mencionar agora. E foi isso o que aconteceu com João Carlos Taveira. Não só isso, pois tais seres especiais (que germinam poesia ou prosa literária) elaboraram artigos e estudos da maior importância (e que estão reunidos no volume aqui resenhado).
Um deles é Esmerino Magalhães Jr. Digo é, embora tenha partido há alguns anos, pois tanto é real a sua presença entre nós que no livro de Alan Viggiano a sua palavra se sobreleva. E ele, sábio que era, poeta que era (ou é?), também sabia ler a poesia dos contemporâneos. Como se capta neste trecho: “ainda existem poetas que conhecem a tradição, a gramática dos ritmos, a marcenaria dos versos, a cunhagem das palavras-moedas, e que respeitam esses valores na medida em que se transformam em fôrma, que os usam com singularidade e mestria, quando querem, quando a inspiração lhes dita, desprezando tanto as camisas-de-força quanto os adereços fáceis dos modismos, buscando no olvido aquelas coisas que reviverão como novas, porque eternas, e, nunca estacionando com o tempo, jamais se sentindo realizados, sempre in progress, absorvendo inevitavelmente o zeittgeist, mas, enquanto criam suas coleções de palavras de mármore e música, na angústia das madrugadas, olhando com olhos visionários utopias no amanhã”.
Outro leitor fora do comum é o também poeta Salomão Sousa, que se apresenta com um dos mais agudos e robustos estudos contidos no impresso de Alan Viggiano: “Tive sempre a poesia como o momento da convulsão, o instante titânico da explosão. O instante de plena juventude, que procura expelir corpo e mente por todos os poros. E, no entanto, a poesia de João Carlos Taveira vem me mostrar que não é nada disso; que a vida é inflamável, mas a criação – lucidez e equilíbrio – não pode prescindir da consciência”. Noutro parágrafo faz uma revelação: “Taveira se insere dentro de um novo surrealismo, que não se desvincula da experiência dos menestréis, dos condoreiros e da veia eterna (a lírica)”. E arremata: “Taveira não precisa de nenhuma poética, precisa apenas do chamamento que estiver no instante”.
Também Antonio Carlos Osorio, outro grande poeta brasileiro aportado à ilha de Brasília, não se sente receoso de ser preciso (e não precioso) em relação à poesia de Taveira: “quase cede às vezes à tentação do confessionalismo, saudosista ou reflexivo, com a força da emoção que sente e quer transmitir. E de quando em vez se entrega ao puro jogo formal. Mas reage a tempo, e se revigora de novo nas fontes (narinas ou patas) do ‘fogoso animal’, o ‘cavalo verde’ do belo poema de Fernando Mendes Vianna”.
Para encerrar as transcrições, vejamos trecho de artigo escrito por Ronaldo Cagiano: “Poeta que rejeita as ginásticas formais, sem contudo renegar as conquistas do modernismo, Taveira é um poeta clássico, que recepciona em sua engenharia verbal características de vários estilos e tendências”.
A Fortuna Poética de João Carlos Taveira não é apenas uma colheita de artigos ou estudos da obra de Taveira. E poderia sê-lo, com méritos. A coleção é muito mais preciosa do que isso, tanto em informações (para pesquisadores, estudiosos, dicionaristas, historiadores, etc.), como na reprodução de poemas contidos em antologias e revistas literárias, assim como traduzidos para idiomas como espanhol e romeno. Há, ainda, três entrevistas, nas quais o poeta se mostra como ser humano e como artista. Numa delas, que tive a honra de realizar, é recente, de 2011, quando já me encontrava em Fortaleza (depois de viver 25 anos em Brasília, em convivência quase diária com Taveira e outros escritores ditos brasilienses). À pergunta “Você acredita em amizade?”, ele não titubeia: “Não só acredito como não sei viver sem meus amigos”. Pois João Carlos Taveira é poeta de primeira categoria e amigo leal (desculpem a redundância). Que o digam os muitos críticos de sua obra poética. E que o diga Alan Viggiano, esse outro fabuloso ente feito de poesia e amizade.
Fortaleza, 1.º de novembro de 2012.
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TEXTOS EN ESPAÑOL
ETERNA SIESTA
En memoria de Antonio Machado
Tienes una casa con balcón,
plantada en la orilla del Duero,
llena de golondrinas,
unos libros sobre el estante
de tu cuarto
e algunos poemas desparramados
por el suelo.
Tienes una guitarra en tu voz,
plantada sobre notas disonantes,
y un pecho angustiado
e triste, muy triste.
іPero tu música y voracidad
no danzan más bajo el sol
del claro día
en la hermosa tierra de España!
Eres solamente un hombre,
somnoliento y silencioso,
plantado en las orillas del mundo,
bajo el turbio cielo nuestro.
Del libro: Aceitação do Branco, 1991. Traducción del autor.
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Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y Trad. Xosé Lois García
Edicións Laiovento
Santiago de Compostela, 2001
PÁJARO NOCTURNO
Verdes tiempos
verdes campos
verdes muchas vidas
por los ojos verdes
de mi esperanza.
Verdes años
verdes daños
verdes nuestros pasos
de retorcidos pies
en este verde avión plano.
Verdes desengaños
en estos vuestros ojos
visigóticos.
Soy así, señora
vuestro amante
el pájaro concentrado
en verdes noches
de un tranquilo verano.
NUEVA POÉTICA
A José Santiago Naud
Canto, sólo canto,
penas al viento
mi desencanto,
sólo fingimiento.
Canto y descanto,
vano instrumento,
el noble llanto,
de la inspiración, del invento.
¿Mi oficio?
Sólo alimento lo bello,
y todo es nada,
puro artifício
cosa inventada,
donde lo revelo.
(de Aceitação do Branco, 1991)
SENTIMIENTO MINERO
Minas está aquí,
dentro y fuera de mí,
con su profundo galope,
cuerpo si fuese un fardo.
Minas está en mí,
anterior al verso,
paisaje sin caballo,
halo que me deshace.
Minas está, en fin,
al lado de mi dorso,
abismo que resiste
filo de mi susto.
(de A Flauta em Construção, 1993)
TEXTS EN FRANÇAIS
POÈMES EN FRANÇAIS
POEM POUR CHARLOTTE
João Carlos Taveira
Tout est fini.
Je vais à l'infini,
pendant que vous vous préparez
le lit de roses
à mon corps
exhalé.
Voir et ne pas se plaindre.
La vie nous a donné l'amour
et ses possibilités.
Mais nous ne savons pas
du moment fragile
dans lequel l'oiseau
fait son nid.
Pas même le printemps
nous devons nous en vouloir
par malheur
de discordance.
Alors pardonne moi
et soyez heureux.
Et si tu peux, encore,
donne moi le dernier bisou
quelle minute
n'expire pas
dans l'éternité.
Va et oublie tout!
Brasilia, le 20 septembre 2018.
SONETO DE DESENCANTO
(Désenchantement sonnet)
João Carlos Taveira
J'ai les pieds, j'ai les mains et des absences
que délimitent toucher et paysage;
et j'ai l'angoisse mille et malveillances
du temps accumulé dans mon visage.
J'ai du sens, les yeux et bouche en usage
que m'ont mis dans un monde d'apparences;
j'ai bien gardées toutes les références
dans tous mes délires sans dégrillage.
Et avec des membres, des sens longèves,
mais aussi des pouvoirs surnaturels,
je convertis tous les douleurs en rêves.
Dans la vie presque tout est anormal
que l'humanité impose aux mortels.
Mais je vois que je suis un animal.
"Soneto de desencanto", do livro Arquitetura do homem, Thesaurus, 2005, vertido para o francês, em 23.01.2018, por Jorge Antunes, compositor, professor, jornalista e escritor brasileiro radicado em Brasília.
METHANOIA
João Carlos Taveira
Me voici,
cracher sur la plage
par la bouche d'un poisson.
Me voici,
nu et dépouillé,
prêt pour la traversée.
Et chaque habitant
de la ville choisie,
déjà transformé,
témoignera
de la bonne nouvelle:
la conversion de tous.
C'est le mystère de la foi.
Brasilia, 21 janvier 2018
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTS IN ENGLISH
Poems translated by Janette Reys
ELEGIA PARA O POETA ANTÔNIO ALBINO
A cidade perdeu um habitante,
os pássaros perderam um irmão,
eu perdi um amigo.
Em versos cheios de desejo
e volúpia, Albino cantava o amor
com a alma de menino.
(Os homens são mesmo pouco metafísicos.
Ainda recordo sua têmpera
na estóica luta contra o tempo.)
Mas quem virá nos dizer da saudade
que hoje inaugura sua face de âmbar
no dorso desta ausência?
Livre, o poeta viaja e sonha
com amadas, musas, ninfas...
Sua palavra nos pertence!
Brasília, 23/4/2007.
ELEGY FOR THE POET ANTÔNIO ALBINO
The city lost an inhabitant,
the birds lost a brother,
I lost a friend.
In verses full of desire
and voluptuous, Albino sang love
with the soul of a boy.
(Men are even little metaphysical.
I still remember its temper
in the stoic fight against time.)
But who will come to tell us the longing
which today inaugurates its face of amber
on the back of this absence?
Free, the poet travels and dreams
with loved ones, muses, nymphs...
Your word belongs to us!
Brasília, 04/23/2007.
PEQUENA FÁBULA SOBRE A INVEJA
(Para Natasha Curtes)
O jaburu fala mal do pavão,
porque a beleza o incomoda.
O pavão fala mal do tucano,
porque não sabe voar.
O tucano fala mal do sabiá,
porque não sabe cantar.
E o sabiá, por sua vez,
não fala mal de ninguém...
(Do livro inédito BIOGRAFIA DO INSTANTE)
SMALL FABLE ABOUT ENVY
(To Natasha Curtes)
The jaburu speaks badly of the peacock,
because beauty bothers you.
The peacock speaks ill of the toucan,
because he does not know how to fly.
The toucan speaks ill of the wise bird,
because he does not know how to sing.
And the wise bird, on the other hand,
Do not speak ill of anyone...
(From the unpublished book BIOGRAFIA DO INSTANTE)
VISTA PARCIAL
Sou pouco exato
dentro de mim.
Meu ser se situa
na forma do espanto.
Criei ferrugem
em cada gesto,
e meu pensamento
é corpo adquirido.
Sou muito pouco
de mim mesmo:
visualizo a dor
com os olhos do mundo.
(Do livro O PRISIONEIRO, 1984; 2.ª edição, 2014)
PARTIAL VIEW
I'm not exact
inside of me.
My being is situated
in the form of astonishment.
I created rust
in each gesture,
and my thinking
is body purchased.
I'm very little
of my own:
I visualize the pain
with the eyes of the world.
(From the book O PRISIONEIRO, 1984, 2nd edition, 2014)
CANÇÃO DOMÉSTICA
Aprendo a vida
na construção do dia.
A xícara de café,
a mesa posta
simbolizam um trabalho
doméstico, solitário.
Aprendo o dia
em meu apartamento.
No exercício diário
de ir e vir
entre livros e objetos
vou construindo a vida.
Lentamente
aprendo a morte.
(Do livro CANTO SÓ, 1989)
DOMESTIC SONG
I learn life
in the construction of the day.
A cup of coffee,
the table laid
symbolize a job
domestic, lonely.
I learn the day
in my apartment.
In daily exercise
to come and go
between books and objects
I'm building life.
Slowly
I learn death.
(From the book CANTO SÓ, 1989)
POEMA DE ANIVERSÁRIO N.º 6
O tempo,
com suas gôndolas,
abertas lucarnas ao vento,
esculpe a pele, a carne,
o cerne do ser
que em mim
se faz e pássaro.
Diante do futuro
estou completo:
meio peixe
meio pássaro
neste pouco corpo
em que velejo.
Porém, sou homem e voz
dentro da concha:
libertam-me o peixe
que inventei na pedra
e os mares desesperados
que sulquei na terra
com minhas penas
e escamas
de esmeralda.
(Do livro ACEITAÇÃO DO BRANCO, de 1991)
BIRTHDAY POEM # 6
The time,
with its gondolas,
open windlasses in the wind,
sculpts the skin, flesh,
the core of being
that in me
if it is done and bird.
Looking ahead
I'm full
half fish
half bird
in this little body
in which I sail.
But I'm a man and a voice.
inside the shell:
free the fish
that I invented in stone
and the desperate seas
that I rode the earth
with my feathers
and scales
of emerald.
(From the book ACEITAÇÃO DO BRANCO, 1991)
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NEW BRAZILIAN POEMS. A bilingual anthology after Elizabeth Bishop. Translated & edited by Abhay K.. Preface by J. Sadlíer. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2019. 128 p. 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7823-326-6
Includes 60 poets in Portuguese and English.
POEM FOR CHARLOTTE
It's all over.
I leave for infinity,
while you prepare
a bed of roses
for my bloodless
body.
Look and do not complain.
Life has given us love
and its possibilities.
But we do not know
of the fragile moment
when the bird
makes its nest.
Not even the spring
can blame us
for the misfortune
of mismatch.
So, forgive me
and be happy.
And if you can, yet,
give me the last kiss,
that this moment
does not vanish
into eternity.
Go and forget everything!
POEMA PARA CHARLOTTE
Tudo está terminado.
Eu parto para o infinito,
enquanto preparas
o leito de rosas
para o meu corpo
exangue.
Vê e não te queixes.
A vida nos deu o amor
e suas possibilidades.
Mas não sabemos
do frágil instante
em que o pássaro
faz seu ninho.
Nem a primavera
há de nos culpar
pelo infortúnio
do desencontro.
Então, perdoa-me
e sê feliz.
E se puderes, ainda,
dá-me o último beijo,
que o minuto
não se extingue
na eternidade.
Vai e esquece tudo!
?
POEMAS BILÍNGUES DE JOÃO CARLOS TAVEIRA — PORTUGUÊS/ALEMÃO
METANOIA
Ao Padre Marcelo Rossi
Eis-me aqui,
cuspido na praia
pela boca de um peixe.
Eis-me aqui,
nu e despojado,
pronto para a travessia.
E cada habitante
da cidade escolhida,
já transformado,
dará testemunho
da boa nova:
a conversão de todos.
Eis o mistério da fé.
METHANOIE
An Pater Marcelo Rossi
Hier bin ich,
Spucke am Strand
durch den Mund eines Fisches.
Hier bin ich,
nackt und ausgezogen,
bereit für die Überfahrt.
Und jeder Einwohner
der gewählten Stadt,
schon verwandelt,
wird aussagen
der guten Nachrichten:
die Umwandlung aller.
Dies ist das Geheimnis des Glaubens.
POLIEDRO
Ah! Que poema resiste
aos solavancos da carne
e à inútil geometria?
— Paty, Patrícia, Bianca.
Em caracol, na parede,
minha sombra serpenteia
sem álibi nem sursis.
Estou curvo, destravado
ante o desfecho do dia:
nem caça nem caçador.
No entanto, alarde não há
dentro da noite inventada.
É o verbo que reverbera.
— Paty, Patrícia, Teresa.
POLYHEDRON
Ah! Welches Gedicht widersteht er?
zu den Höckern des Fleisches
und nutzlose Geometrie?
— Paty, Patrícia, Bianca.
In der Schnecke, an der Wand,
meine Schattenschlangen
ohne Alibi oder Sursis.
Ich bin gekrümmt, nicht gesperrt
vor dem Ende des Tages:
weder eine Jagd noch ein Jäger.
Rühmen aber gibt es keine
in der erfundenen Nacht.
Es ist das Verb, das nachhallt.
— Paty, Patrícia, Teresa.
POEMA PARA CHARLOTTE
Tudo está terminado.
Eu parto para o infinito,
enquanto preparas
o leito de rosas
para o meu corpo
exangue.
Vê e não te queixes.
A vida nos deu o amor
e suas possibilidades.
Mas não sabemos
do frágil instante
em que o pássaro
faz seu ninho.
Nem a primavera
há de nos culpar
pelo infortúnio
do desencontro.
Então, perdoa-me
e sê feliz.
E se puderes, ainda,
dá-me o último beijo,
que o minuto
não se extingue
na eternidade.
Vai e esquece tudo!
GEDICHT FÜR CHARLOTTE
Alles ist fertig.
Ich gehe ins Unendliche,
während du dich vorbereitest
das Rosenbeet
zu meinem Körper
ausatmete.
Sehen und beschweren Sie sich nicht.
Das Leben hat uns geliebt.
und seine Möglichkeiten.
Aber wir wissen es nicht
der zerbrechliche Augenblick
in dem der Vogel
macht sein Nest.
Nicht einmal im Frühling
Du musst uns die Schuld geben.
durch Unglück
der Nichtübereinstimmung.
Also vergib mir
und sei glücklich
Und wenn Sie noch können,
Gib mir den letzten Kuss
was für eine Minute
nicht aussterben
in der Ewigkeit.
Geh und vergiss alles!
COMIDA TÍPICA
Edgar Degas sabia.
Flávio Kothe sabe.
Bisque de lagosta
e haddock defumado
ao molho pistache e tâmaras
são pratos cheios de gente vazia.
No entanto, frango
com quiabo e angu
é prato típico
da cozinha mineira
que baiano não come.
Edgar Degas virou anjo.
Flávio Kothe descansa
após a feijoada de domingo,
que ninguém é de ferro
nesta terra chamada Brasil.
nesta terra chamada Brasil.
TYPISCHE LEBENSMITTEL
Edgar Degas wusste es.
Flávio Kothe weiß es.
Hummerbiskuit
und rauchte Schellfisch
zu Pistazien-Sauce und Datteln
sind Gerichte voller leerer Menschen.
Jedoch Huhn
mit Okra und Angu
Es ist ein typisches Gericht
von Minas Gerais Küche
welches Bahia nicht isst.
Edgar Degas wurde ein Engel.
Flávio Kothe ruht sich aus
nach dem sonntag feijoada,
dass niemand Eisen ist
in diesem Land namens Brasilien.
Página republicada em dezembro 2007; ampliada e republicada em setembro de 2015. Ampliada em janeiro de 2019. AMPLIADA em fevereiro de 2019
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