| AQUARELAS DE PALAVRAS   João Carlos  Taveira   A leitura do livro de poemas Desenhos a lápis (Scortecci, 2018), de  Oleg Almeida, nos leva imediatamente a duas conclusões simultâneas: trata-se de  uma poesia lírica com laivos de observação social, se vista por um ângulo; e de  uma poesia social com laivos de lirismo, se se aceitar o jogo de palavras aqui  proposto. Porém, como o poema é feito com palavras, segundo Mallarmé, essas  assertivas não estarão de todo incorretas.           Desde o início, a poesia sempre se constituiu  de afirmações contraditórias. É prima em primeiro grau da filosofia. Afinal, é  uma das artes mais democráticas que existem, principalmente após o advento da  escrita, quando deixou o reino exclusivo da fala e do gesto. Os primeiros  poemas surgiram da oralidade e gestualidade humanas, e até em rabiscos  representativos em cavernas e locais favoráveis à sua exibição plástica, algum  tempo antes da invenção de qualquer alfabeto propriamente dito.          Vejamos  o poema de n.º 5   Quem dera compreender          todos esses grafites urbanos,          chamadas de rádio, sinais luminosos,          cartazes impressos em policromia!          Quem dera compreendê-los,          símbolos sugestivos da combustão dos  sentidos,          mas, hoje no noticiário          e amanhã na novela das oito,          eles se tornam o Evangelho          dos tempos que Cristo já vislumbrava.            E assim, a poesia tem sobrevivido à  evolução dos meios de comunicação e aos avanços das moderníssimas tecnologias;  e até mesmo ao tão propalado desaparecimento do livro impresso.           Oleg  Almeida, que também exerce o ofício da tradução, conhece bem o universo e a  matéria-prima do poema, essa fricção consonantal que chamamos de sonoridade,  aliada, consequentemente, ao ritmo que vai desaguar na musicalidade das  palavras. Tanto, que o autor dispensa, em Desenhos  a lápis, o recurso da rima para confirmação da tese aqui proposta. Sua  aspiração, talvez se aproxime do velho axioma filosófico defendido pelo  princípio aristotélico da contradição (“nada pode ser e não ser simultaneamente”).  Na  verdade, os sessenta e cinco desenhos feitos a lápis que compõem o livro são poemas  sem títulos, mas devidamente numerados, como se fossem rascunhos para um ensaio  que se pretende apresentar aos leitores. Ou melhor, como se fossem elementos da  tese e da antítese de uma experiência vívida vivida pelo autor durante certo  tempo de sua vida na cidade de São Paulo. E que agora soam como um canto de  amor à velha pauliceia, para mostrar suas belezas, suas rachaduras, suas vicissitudes,  seus perigos. Sirva-nos  de aporte o poema de n.º 37   Quem afiou sua faca          nas pedras das tuas ruas, quem afiou sua língua na léria das tuas cantinas, quem afiou seu caráter na chaira dos teus dias úteis, nunca te esquecerá por completo, cidade cinza, cidade santa.   Mas  o que torna a leitura deste livro enriquecedora vem também de sua ágil  substantivação. Oleg Almeida, como já foi dito, e não custa repetir, conhece os  percalços do seu ofício. Sabe que o adjetivo muitas vezes é recurso linguístico  de escritores que, no afã de se mostrarem, de se exibirem, acabam tentados a  explicações inúteis e a qualificações desnecessárias, quando usam e abusam do  adjetivo em textos e até mesmo em títulos de artigos ou matérias literárias,  subtraindo do leitor a possibilidade de interpretação. Desenhos a lápis,  podemos concluir, é um livro condensado em 72 páginas, que trata de uma  temática específica, mas que contém grande variedade de assuntos. E, devido a essa  característica, pode ser lido de um só fôlego, como queria Cassiano Nunes. E  isso é um elogio. Oleg Almeida consegue a proeza da síntese no discurso poético,  ao nos comunicar as peculiaridades de sua arte.   Brasília, 21 de  abril de 2018. 
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