MYRIAM FRAGA
(1937-2016)
Escritora, poeta, jornalista e biógrafa. Tem 20 livros publicados, entre poesia e prosa. Pertence à Academia de Letras da Bahia e ao Conselho de Cultura do Estado. Participou de várias Antologias no Brasil e exterior, tendo poemas traduzidos para o inglês, francês e alemão. Entre suas recentes publicações: Sesmaria e Femina (poesia), Jorge Amado, Castro Alves, Luis Gama e Carybé (literatura infantil), Leonídia – a musa infeliz do poeta Castro Alves (biografia). É diretora da Casa de Jorge Amado, em Salvador, Bahia, Brasil.
“A poesia de Myriam Fraga insere-se nesta vertente que não apela para o tom confessional do sujeito que canta. Poesia de grande força expressiva, épica e dramática, configura um que se coloca em constante estado de alerta para colher e acolher os resíduos de acontecimentos que constituem a história coletiva através d de seus personagens e seus mitos. “ (...) “E, nesta perspectiva, o tempo e a memória constituem importantes vertentes da poesia desta autora, transformando-se em uma temática que perpassa os vários poemas: Guardo a memória / Do mundo / E amadureço / Intemporal e etérea /No que teço.” EVELINA HOISEL
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
Veja também>>> POÈMES EN FRANÇAIS
POEMS IN PORTUGUESE AND ENGLISH
De
Myriam Fraga
OS DEUSES LARES
Monotipias de Calasans Neto.
Salvador: Edições Macunaíma / Artes Gráficas, 1991.
formato 29x21 cm. Não informa sobre o número de exemplares da tiragem,
nem dá outras informações sobre a edição.
2
De que serve a memória
— fuso e roca —
farta de prodígios,
tinjo e lavo
o fio das meadas,
o fio desta vida
lavo com água e
mornos sais
o corpo
e enquanto afagas
tua remota cicatriz
tuas
chagas enigmáticas,
heroicos feitos, falos
eu refaço
as feridas
minhas — doces talhos
de incruentas batalhas.
FRAGA, Myrian. Femina. Salvador, Bahia: Fundação Casa de Jorge Amado; COPENE, 1996. 140 p. (Casa de Palavras Série Poesia, 5) 15x21 cm. ISBN 85-7278-010-6 Capa: Carybé. Os espelhos.. Óleo sobre tela. Col. Bibl. Antonio Miranda
Cão de caça
Da primitiva pureza
Me despojam,
Da fúria inocente
E natural
E me fabricam de cólera
E arremesso,
Como um punhal,
Ou nítida azagaia.
E me fabricam de olfato
E de inclemência,
Uma garra no tempo,
Um ríctus no selvagem
Mundo feroz
Onde rastejo e salto,
Assim me ensinam e faço.
Lição de estraçalhar
Num claro mapa,
Repito este traçado
E risco o espaço
Entre o instinto e o ato.
Pedagogia de súbitas cruezas
Onde a morte é didática
Racional.
Solário
Neste verão um doce
Revolver de feridas,
Um dedo passeando,
Aligeirado, nas chagas.
Neste verão de luz
E cor
Um travo amargo,
Como se todos os verões
Doessem
Subitamente na carne.
Poemas extraídos de O ESCRITOR – Revista da UBE – União Brasileira de Escritores, n. 116, agosto de 2007, cujo editor é o poeta Izacyl Guimarães Ferreira.
CARNIVALE
Porque a carne
É a carne
E tudo mais é fraco
A vida se renova
A cada novo acaso.
Será mesmo a alegria
O gole mais amargo
De um Pierrot que a si mesmo
Reconhece palhaço?
Ó espelho. Ó espelho,
Cada dias mais baço,
Que alvo contorno é este,
Que disfarce
Afasta deste rosto
O ríctus de cansaço?
Nas se é apenas um rito,
Se é apenas passagem,
Um frenesi, um espasmo,
Um galope de cascos,
Rutilantes, no asfalto.
E ao estridente soar
Das guitarras em pânico,
O tempo se desdobra
Em mil estilhaços
Fragmentos de nada...
Ó Deusa Carnivale,
Embala nos teus braços
A alegria dos tristes,
Este embaraço
Do sorriso que se perde
Em carmim e alvaiade.
No rescaldo da festa
Recolhe os pedaços
Deste deus que é delírio
Mas que é também fracasso
Breve
Todo ardor será cinza
Somente a enigmática
Face nos espelhos
Recompondo o disfarce.
CHUVA
Reminiscências
A inquietar
Como a chuva nos vidros.
Sol que avança,
Inexorável,
O tempo, com suas marcas,
Sua umidade em rios,
Dissolvendo a paisagem,
Seu mofo, sua
Insidiosa presença
Escorrendo da tarde.
Um gotejar sinistro,
O salitre
Infiltra-se nas frestas
Reacendendo feridas.
Ó coração,
Não te atormentes,
Não te levantes contra mim,
Esquece.
Fêmina. Salvador: FCJSA; Copene, 1996. p. 109)
VIAGEM A MARROCOS
Para Zélia e Jorge Amado
Na cara o vento sul
— Ou será o simum?
O balançar ondeado
Dos camelos.
Fez, Rabat e Casablanca,
Terracota sutil de Marrakesh,
A cristalina fonte
Em meio à pedra.
Azilah, tuas sílabas
Adejam como aves,
Como asas roçando
Em minha face.
O meu deus é ninguém,
Morreu menino e é doce
Como um fruto,
Como as águas de Oxum
Lavando-me as feridas.
Guarda para mim,
Azilah,
Tuas tâmaras mais doces,
Mais secretas...
Um minarete escreve
Linhas tortas
No canto que se enrola
Pela tarde.
Como um risco de giz
Meu caminho é um círculo,
As caravanas passam...
No regaço
O cão, morto, não ladra.
Fêmina. Salvador: FCJSA; Copene, 1996. p. 121-122)
De
POESIA REUNIDA
Salvador: Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2008. 496 p.
ISBN 978-85-7196-088-6
Ressaca
A ressaca é como vinho
Passada a embriaguês
Resta um co(r)po vazio
Corpo
O corpo,
Esta ilusáo,
A transparência
Onde o tempo se inscreve,
A esculpida
Relembrança
— o não vivido.
O corpo,
Este completo desfrutar-se,
Onda, peixe, sereia,
De barbatanas selvagens
Como facas.
Corpo — o corpo,
Território do nunca,
Inigualável
País do meu espanto.
De todos os espantos.
(des)encontros, naufrágios,
Precipícios.
Pássaro-fêmea, carne
Colada em moldura,
Pele, poro.
De
Myriam Fraga
Sete poemas, de amor e desespero,
de Maria de Póvoas, também chamada
Maria dos Povos, à partida do poeta
Gregório de Mattos para o degredo em Angola.
Salvador: Edições Macunaima, 1995. Formato 30x11 cm
III
Maria de Póvoas,
Maria dos Povos,
Maria, alma ardente
E as mãos tão vazias...
Que vida enganosa
A tua, Maria,
Tecendo as esperas,
Somando as partilhas,
O sexo em chamas
E a fala macia.
Maria... a cinza na testa,
A oração na madrugada,
Maria, um lobo na espreita,
Um verso como cilada,
O amor é como veneno,
Como sombra na calçada,
Assombração que faz medo,
Maria, é só um poeta
Caminhando pela estrada
E a noite esconde o segredo
De tua pele alvoroçada,
De tua língua, de seus dedos.
Somente um poeta
E a chama
Que te confunde e reclama
O ontem já tão distante...
Tantos dias, longos anos,
Maria, tanto abandono,
Somente o vento nas folhas
E no peito... desenganos.
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De
MYRIAM FRAGA
SESMARIA
Gravuras de Calazans Neto
Salvador: Edições Macunaima, 2000
O SOCORRO
O vento trouxe a notícia
Na corcova.
Dromedário do silêncio,
O vento,
Mensageiro de inventos.
O cristal da mensagem
É um búzio oco
Onde assenta o milagre.
Flauta que se desdobra
Ao ansioso sopro
Da espera.
A fúria explode em velas
Do outro lado
Do deserto-oceano.
Rompe o muro,
Meridiano azul que nos separa
Do sibilante recado.
O vento,
Tração de animal louco
Pelo mar,
Trouxe a esperança
Nos cascos,
Trouxe o grito
De guerra
E o pressentido sinal.
Coagulado nos poros
Do vazio, o alarme,
Súbitas letras de sal
Na tarde.
De
Myriam Fraga
A LENDA DO PÁSSARO
QUE ROUBOU O FOGO
Ilustrações: Calasans Neto
Salvador: Edições Macunaíma, 1983. s.p.
Formato xxx A edição, de 2000 exs, inclui
um disco LP em separado, com poemas de
Myriam Fraga musicalizados por Carlos Pita..
UMA ESTÓRIA SEM NOME
Esta estória não tem nome,
Esta estória não tem jeito,
É só um risco no escuro
É só o traço do açoite.
Este canto é como o sangue
Navegando nos meus longes,
Sou eu o Pássaro, o alcance
Do gesto além do horizonte.
Busco o fogo, busco a chama
Para além do meu cansaço
O que busco é só o começo
Sua imagem,
Sua exata partitura,
E o salto além da voragem.
Onde vou vai o meu pássaro.
O FEITICEIRO CEGO
O feiticeiro cego, o xamã,
O sábio decifrador do búzios,
O pajé, o agoureiro
Adivinho das vísceras,
O que sabe o segredo das ervas,
O relicário
Dos últimos venenos.
Este. O que move a roda escura
Dos dias. Dos teus dias.
Este. O do vinho. O profundo
Silente. O que te deu a asa
E o poderoso destino de subir
Aos mais altos sendeiros.
O que te deu o poder
Do fero bico adunco
E à leveza das asas.
E as garras. As garras.
O que te deu o voo
E o destino de pássaro.
FRAGA, Myriam. As purificações ou O sinal de Talião. Poesia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Brasília: Instituto Nacional do Livro – INL, 1981. 91 p. (Coleção Poesia Hoje, v. 44) 14x21cm. Capa: Eduardo Francisco Alves. Col.. A.M.
DESALENTO
Pelo girar das estrelas
Pelos
Astrolábios que crescem
No jardim,
Pelas agulhas cruéis,
Rodopiantes,
Sei que não há norte
Nem princípio.
Este navio existe
Mas o porto
É uma pedra no fundo
Do impossível.
Velas turvas do acaso,
Que intranquilo
É este mar que devoro
E não tem fim.
LINHAGEM
O passado é um rio
Onde naufraga
A barca escura
Dos homens.
Tenho a chave do tempo
E os pilares da ponte,
Sou meu guia.
Anfiarau e Tirésias
Me adivinho
E entre sombras caminho.
Guardo a memória
Do mundo
E amadureço,
Intemporal e eterna
No que teço.
FRAGA, Myriam. O risco da pele. Poesia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: Instituto Nacional do Livro – INL, 1979. 91 p. (Coleção Poesia Hoje, v. 27) 14x21cm 155 p. Capa: Eugenio Hirsch sobre pintura de Amedeo Modigliani. “Orelha” por Mário da Silva Brito. Col.. A.M.
Cão de Caça
Da primitiva pureza
Me despojam,
Da fúria inocente
E natural
E me fabricam de cólera
E arremesso,
Como um punhal,
Ou nítida azagaia.
E me fabricam de olfato
E de inclemência,
Uma garra no tempo,
Um ríctus no selvagem
Mundo feroz
Onde rastejo e salto,
Assim me ensinam e faço.
Lição de estraçalhar
Num claro mapa,
Repito este traçado
E risco o espaço
Entre o instinto e o ato.
Pedagogia de súbitas cruezas,
Onde a morte é didática
Racional
Salvador, 1964.
FRAGA, Myriam. Sesmaria. Poemas. Salvador: Imprensa Oficial da Bahia, 1969. 119 p. 16x23 cm Capa: Floriano Teixeira. Col. A.M.
NOTURNO
Da balaustrada da noite
Se debruça
Pantera na tocaia do imprevisto.
Estende com vagar
As suas patas,
Na felina postura
Sobre as rotas do, mar
E a salgada colheita.
Volta o úmido focinho
E a corcova simétrica
Aos ventos do sul
Que lhe arrefecem o pelo
Os olhos corroídos
De sombras e naufrágios.
FRAGA, Myriam. Rainha Vashti. Ilustrações Olga Gómez. Salvador, BA: A Roda Teatro de Bonecos Edições, 2015. 144 p. ilus. ISBN 978-85-63597-02-1 “ Myriam Fraga “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Sala do palácio real do rei Ashuero. Escravos amontoam riquezas em grandes caixas de ferro. Decoram a sala com
plantas raras, frutos, animais. No centro, e no alto, o trono vazio. Colunas com capitéis encimados por figuras de touros ajoelhados. De um lado e do outro do trono um coro de sátrapas, figuras mascaradas e perfeitamente iguais, como
num friso. Figuras humanas pintadas de branco, de preto e de dourado, completam a decoração, como estátuas vivas.
CORIFEU
Uma história que se conta
É como um livro sem data,
Escrita que se adelgaça
Nos longes do entendimento.
Esquecimento e lembrança
Unidos na mesma festa,
Perdidos na mesma dança.
Um reino que se esfumaça,
É só um ponto no mapa,
Somente um sonho, mais nada.
Como uma nuvem que passa,
Como chama que se apaga,
Os moinhos da memória
Giram no rumo do vento,
E as areias do silêncio
Encobrem o rumo traçado
Nos escondidos do tempo.
CORO DOS SÁTRAPAS
Palavras ... Palavras ... Palavras ...
São grades de cristal, são arabescos,
Palavras são marcas desenhadas,
Nas paredes da sala
São aranhas famintas, com suas patas,
Tecendo nas trevas do palácio
As tentações do esplendor que se desata.
Celebremos a púrpura e seu destino
No malefício das noites consteladas
De sois extintos e estrelas apagadas.
Que volteiem os bailarinos nessa hora,
Rasguem-se os véus, desatem-se as volúpias,
Que o sangue lave a mesa do banquete
E nas entranhas decifre-se: morte e vida.
****
A poeta Myriam Fraga, Diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado fazendo a apresentação do poeta e escritor Antonio Miranda na Academia de Letras da Bahia, no dia 2 de dezembro de 2009..
CINCO POETAS: Florisvaldo Mattos, Godofredo Filho, Fernando da Rocha Peres, Carvalho Filho , Myriam Fraga. Salvador: Edições Macunaima, s.a. 85 p. 17 x 23 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
Os Retratos
(1964)
I
Na matemática severa
Das imagens
Em retângulo brilhante
A face,
Preservada.
Aqui o tempo é um esmalte claro
E o traço outrora impreciso
É perfeito e mineral.
Somente extinta aparência
Vislumbrada além do morto
Confinado
Nos retratos.
II
Precisão de esquadro
Olho de lente,
Nítido traço.
Sobre a superfície
A linha traçada,
E a face polida
Apenas instante
Entre a exata pausa
E o tempo
recomeçado.
III
Em luz e sombra agora
O contemplado
Rosto de antigamente
Exato e raro.
Tudo que foi
Aqui está enterrado.
Em branco e preto
A soma revelada
Do que outrora foi vida
E hoje é distância.
IV
Preso num só movimento
Pela rede de seus ácidos,
Colado em fotografia
O corpo,
Animal estático.
Folha esmagada
Na página,
Vegetal branco
trilobite.
Vírus dormindo apagado
Em sua lâmina de vidro.
Jornal da Manhã
(1965)
Na boca a trave
E o travo,
Cristal amargo
Da derrota.
No rosto a linha
Ou rastro,
Lágrima escura
Da pálpebra esmagada.
Nas mãos — a tinta,
Pólen sombrio
De estrábicas corolas.
Cotidiano pão
A mensagem de medos
E a manchete sangrando
Nos dedos.
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Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y traducción de Xosé Lois García
Santiago de Compostela: Edición Loiovento, 2001.
ELEGIA N. 8
PENÉLOPE
Hoje desfiz o último ponto,
A trama do bordado.
No palácio deserto ladra
o cão.
Um sibilo de flechas
devolve-me o passado.
Com os olhos da memória
Vejo o arco
Que se encurva,
A força que o distende.
Reconheço no silêncio
A paz que me faltava,
(No mármore da entrada
Agonizam os pretendentes).
O ciclo está completo
a espera acabada.
Quando Ulisses chegar
A sopa estará fria.
ABRIL
Escrevo de memória.
A infância é um bolo
Na garganta
E a dor de dividir-se
Nos espelhos.
Que foi feito de mim,
Daquela estória
Que eu me contei um dia
E que perdi?
Escrevo sempre à noite;
Pela manhã apago
E recomeço.
É tão difícil viver,
É tão de açoite
O vento nas vidraças!
É abril e chove
E a terra morta
Onde o lilás floresce
É minha pátria agora,
Meu destino. Insula.
DEZEMBRO
Na mesa do Natal
Duas velas acesas,
Fina luz verberando
O amarelo dos pêssegos.
Era contada sempre
A mesma estória,
Na sombra verde sombra
Dos pinheiros.
Uma estrela de papel,
Entre tâmaras e purpurina,
Apontava o caminho
Aos magos tutelares.
No pátio um leão vermelho
Quebrava nozes com as patas.
ESFINGE
Revesti-me de mistério
Por ser frágil,
Pois bem sei que decifrar-me
É destruir-me.
No fundo não me importa
O enigma que proponho.
Por ser mulher e pássaro
E leoa,
Tendo forjado em aço
Minhas garras,
É que se espantam
E se apavoram.
Não me exalto.
Sei que virá o dia das respostas
E profetizo-me clara e desarmada.
E por saber que a morte
É a última chave,
Adivinho-me nas vítimas
Que estraçalho.
ESTÁTUA
Tudo são memórias,
Tatugens
Na carne.
Que fina erosão
Esculpe
Meus sentidos?
E em cada poro
Desenha
O peso exato
Da mão no meu vestido?
Myriam Fraga, Diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado fazendo a apresentação do poeta e escritor Antonio Miranda; a sessão do evento “Com a Palavra o Escritor” Antonio Miranda, foi transferida para o palacete da Academia de Letras da Bahia (2 de dezembro de 2009).
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TEXTOS EN ESPAÑOL
Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y traducción de Xosé Lois García
Santiago de Compostela: Edición Loiovento, 2001.
PENELOPE
Hoy deshice el último punto,
La trama del bordado.
En el palacio desierto ladra
El perro.
Um silbido de flechas
Me devuelve el pasado.
Con los ojos de la memoria
Veo el arco
Que se curva,
La fuerza que lo extiende.
Reconozco en el silencio
La paz que me faltaba,
(En el mármol de la entrada
Agonizan los pretendientes).
El ciclo está completo
La espera finalizada.
Cuando Ulisis llegue
La sopa estará fria.
Fémina, 1996
ABRIL
Escribo de memoria.
La infância es un pastel
En la garganta
Y el dolor de dividirse
En los espejos.
¿Qué fue de mí,
De aquella historia
Que yo me conte un día
Y que perdí?
Escribo siempre por la noche;
Por la mañana apago
Y recomienzo.
ίEs tan difícil vivir,
azota tanto
el viento en las vidrieras!
Es abril y llueve
Y la tierra muerta
Donde las lilás florecen
Es mi patria ahora,
Mi destino. Isla.
DICIEMBRE
En la mesa de Navidad
Dos velas encendidas,
Fina luz reverberando
El amarillo de los melocotones.
Siempre se contaba
La misma historia,
En la sombra verde sombra
De los pinos.
Una estrella de papel,
Entre dátiles y purpurina,
Indicaba el camino
A los magos tutelares.
En el pátio un león rojo
Rompía nueces con las patas.
LA ESFINGE
Me revesté de misterio
Por ser frágil,
Pues bien se que decifrarme
Es destruirme.
En el fondo no me importa
El enigma que propongo.
Por ser mujer y pájaro
Y leona,
Habiendo forjado en acero
Mis garras
Se espantan
Y se aterran.
No me exalto.
Se que vendrá el día de las respuestas.
Y me profetizo clara y desarmada.
Y por saber que la muerte
Es la última llave,
Me adivino en las víctimas
Que despedazo.
ESTATUA
Todo son memorias
Tatuajes
En la carne.
¿Qué fina erosión
Esculpe
Mis sentidos?
¿Y en cada poro
Dibuja
El peso exacto
De la mano em mi vestido?
Fémina, 1996
|
AUTORES BAIANOS: UM PANORAMA; BAHIANISCHE AUOTEREN: EIN PANORAMA; BAHIAN AUTHORS: A PANORAMA; AUTORES BAHIANOS: UN PANOROMA. Organização Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB). Salvador, Bahia: P55 Edições, 2013. 471 p + 10 p. s/ com as biografias dos autores nas quatro línguas. 18x25 cm. Inclui textos dos poetas Antonio Risério, Daniela Galdino, Florisvaldo Mattos, Karina Rabinovitz, Kátia Borges, Luis Antonio Cajazeira Ramos, Myriam Fraga, Roberval Pereyr e Ruy Espinheira Filho e traduções ao alemão, inglês e
espanhol. Col. A.M.
CABALA
("As purificações ou O sinal de taliao", 1981)
Tal vez para mí
Baste la suerte,
Basten dados de arrojar,
Baste el corte de baraja
En la carta del ahorcado.
Tal vez para mí
Baste el hilo en la madeja,
Las tres sentadas en corro
En torno a la misma rueca.
La vida es algo torcido
Escrito en líneas derechas,
La misma línea secreta
Que adivino en mi palma.
CAUDAL
("A lenda do pássaro que roubou o fogo", 1983)
Tengo mi infancia y un eco sordo de
tambores en lo oscuro.
Tengo también el aullido del silencio, tesoros que destruyo. Viejos trastes estallan sus secretos y hay un sabor de sal y lágrimas y destierro.
Tengo un arco y la flecha de los luceros del cielo.
Tengo la luz del sol, ojo duro de espiga. }
Ycuanto más siembro, más destruyo, mieses de lo imprevisto.
Este dios es preciso, este dios, necesario como
un cisne. Un dios como una lluvia de oro,
como un toro coronado de hojas, frutos y raíces.
El resto yo misma me lo invento. Este viaje, esteinfinito delirio. Esta clave de llamas. Y este
pájaro destructor y bruto en las entrañas.
LÍMITE
("A lenda do pássaro que roubou o fogo", 1983)
Mi destino es el país del oscuro horizonte.La patria de los proscritos.
El erial de los náufragos.
El reducto final de los suicidas.
Me detengo en el umbral del silencio absoluto,
al borde del precipicio donde alacranes alucinados acechan
mi caída.
Yo, que bebí la sangre imantada de la tierra, el vino dulceamargo de lágrimas y de rocío.
Yo, el elegido, el ungido, el señalado; el que
guarda en la piel la caricia de la tinta en el dibujo sutil de la pintura ritual.
Ayer mismo, en el lago, flotaba mi rostro y
la belleza era un halo coronándome la frente.
Ayer era el viaje, el delirio, el vértigo.
¡Oh, dolor! Ingratitud de los hombres, hoy por mí se turbaron los espejos, y mi rostro de sombray horror y cicatrices es como el rescoldo ardientede hogueras muriendo.
¡Oh, trágico destino de vencer y ser vencido!Castigo de soñar más allá, de rebasar el sueño y,como el viento, alucinado y profetice, destruirse.
De mí quedará la marca, el recuerdo, el sello;
la sílaba tal vez de una gesta imprecisa. Rastro de plumas, ceniza, sobre la faz del Sol.
Como un cíclope enfermo, me arrodillo y entrego,en un canasto, mi cabeza a los chacales.
Salpicado de estrellas y moras silvestres cierro lajaula de los pájaros absurdos y me encierro parasiempre, ave invisible y abstracta, con la gargantade aurora palpitando inclemencia.
Y reinvento la primavera de este canto como cencerros, como campanas de agua.
En el aire, un penetrante aroma de amarilis.
ARS POÉTICA
("Femina", 1996)
La poesía es cosa
De mujeres.
Un trabajo usual,
Reencender de fuegos.
En las esquinas de la muerte,
Enterré la gorda
Placenta enjundiosa
Y caminé serena
Sobre las brasas
Hasta el otro lado
Donde el demonio habita.
La poesía es siempre así:
Una alquimia de fetos,
Un lento destilar
De venenos bajo la piel.
La poesía es el arte
De la rapiña.
No la caza, propiamente,
Sino siempre en las manos
Un destello de sangre.
En vano
Busco mi destino:
En el pájaro descuartizado
La escritura de las visceras.
La poesía como antojos
Como un vientre creciendo,
La piel estirada
De úteros crepitando.
La poesía es esta pasión
Delicada y perversa,
Esta humedad perlada
Que chorrea de mi cuerpo,
Que me empapa la ropa
Como un agua de fiebre.
POSESIÓN
("Femina", 1996)
El poema me tocó
Con su gracia,
Con sus patas de pluma,
Con su aliento
De brisa perfumada.
El poema hizo de mí
Su caballo;
Un encresparse del dorso,
Escalofrío,
Una danza de espejos
Y de espadas.
De repente, sin aviso,
El poema como un rayo
—Eíegbá pombajira!—
Me estremeció con su gracia,
Ardiente como chicote,
Certero como pedrada.
PORTO DE TODOS OS SANTOS. No. 2 – Setembro de 1968 - Revista do Departamento de Educação Superior e daa Cultura, de Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia. Diretor Luis Henrique Dias Tavares. Diretor-Editor Humberto Fialho Guedes.
Capa e vinhetas: Floriano Teixeira. Desenho do título: Maria Dalva. Gravuras: Calasans Neto; Sonia Castro.
Ex. bibl. Antonio Miranda.
potro de cinzas
I
...e este cavalo (rancor)
Com correntes de fogo
O estão travando.
E o estão retalhando
Com o dente frio
Das esporas.
E esta espuma clara
Na sua boca (freios)
São mariposas nascidas
Do-casulo-sua-língua
Lacerada.
(Tesouras de ódio
Navalhas de vento
Mastigam-lhe a carne
Num deslumbramento)
II
Trêmulo (o potro)
Contido nos arreios,
Preservando antigas forças
E estilhaços.
No dorso — o peso.
Pavor
Das ilhargas apertadas.
Sua sombra no chão
Crescida de outra sombra,
E os olhos muito abertos.
(Está assim
Como uma seta. Contida
E aguardando
Seu destino de flecha)
III
Estático.
No ventre o nódulo (grito)
A entranha espezinhada.
A nostalgia do galope,
O frêmito, a tenaz,
O dardo,
As mil espadas.
Assombro
Potro de cinza
Dor de antigas brasas.
(Crescem asa de rancor
Nas suas patas)
IV
Antes (era)
A força virgem,
A incerteza vibrátil,
Relinchos.
Antes (era)
O verde
E o vento — garrote desvairado —
A cornear com a terra
Duramente.
Agora
Um curral de espantos
(medo) e obstinadamente
a DOR.
Certezas destroçadas.
(Um apagado tição
Vibrando apenas
As narinas e as ancas
Assombradas)
V
Flexível e fortíssima
Corrente (CENTAURO)
Lição de fúria,
Agreste alegoria,
Lutam apenas um homem
E seu cavalo
Dentro de um sol talhado
De açoiteiras.
(A gana de vencer
Já nos revela
A mesma bestial
Força domada
Em que eles se entrelaçam
E se incendeiam)
Dedicatória e autógrafo de MYRIAM FRAGA:
TEXTOS EN ESPAÑOL
Traducción de Xosé Lois García
VARGAS & MIRANDA Compiladores. Selección y revisión de textos por Salomão Sousa. TRANS BRASILIANA ANTOLOGÍA 36 MUJERES POETAS DO BRASIL. MARIBELINA – Casa del Poeta Peruano. 2012 134 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
PENÉLOPE
Hoy deshice el último punto,
La trama del bordado.
En el palacio desierto ladra
El perro.
Un silbido de flechas
Me devuelve el pasado.
Con los ojos de la memoria
Veo el arco
Que se curva,
La fuerza que lo extiende.
Reconozco en el silencio
La paz que me faltaba.
(En el mármol de la entrada
Agonizan los pretendientes).
El cielo está completo
La espera finalizada.
Cuando Ulises llegue
La sopa estará fría.
Fémina, 1966.
ABRIL
Escribo de memoria.
La infancia es un pastel
En la garganta
Y el dolor de dividirse
En los espejos.
¿Qué fue de mí,
De aquella historia
Que yo me conté un día
Y que perdí?
Escribo siempre por la noche;
Por la mañana apago
Y recomienzo.
Es tan difícil vivir,
azota tanto
el viento en las vidrieras!
Es abril y llueve
Y la tierra muerta
Donde las lilas florecen
Es mi patria ahora,
Mi destino: Isla.
DICIEMBRE
En la mesa de Navidad
Dos velas encendidas,
Fina luz reverberando
El amarillo de los melocotones.
Siempre se contaba
La misma historias,
En la sombra verde sombra
De los pinos.
Una estrella de papel,
Entre dátiles y purpurina,
Indicaba el camino
A los magos tutelares.
En el pátio un león rojo
Rompía nueces con las patas.
LA ESFINGE
Me revestí de misterio
Por se frágil,
Pues bien sé que descifrarme
Es destruirme.
En el fondo no me importa
El enigma que propongo.
Por ser mujer y pájaro
Y leona,
Habiendo forjado en acero
Mis garras
Se espantan
Y se aterran.
No me exalto.
Sé que vendrá el día de las respuestas.
Y me profetizo clara y desarmada.
Y por saber que la muerte
Es la última llave,
Me adivino en las víctimas
Que despedazo.
ESTÁTUA
Todo son memorias
Tatuajes
En la carne.
¿Qué fina erosión
Esculpe
Mis sentidos?
¿Y en cada poro
Dibuja
El peso exacto
De la mano en mi vestido?
(Fémina, 1966)
*
Página ampliada e publicada em julho de 2024.
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Página ampliada e republicada em janeiro de 2008. Ampliada e republicada em outubro de 2015; ampliada em outubro de 2020; Página ampliada em dezembro de 2020
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