MYRIAM FRAGA
Myriam Fraga was born I 1937, in Bahia, Brazil. Her poetry has appeared first in many of the Brazilian periodicals and reviews. She has published many books of poetry, of which the most important are: Sesmaria, O Rison a Pele, As Purificações and A Lenda do Pásaro que Roubou o Fogo. She writes a week column on cultural events fro A TARDE, the most important daily of he Northern Brazil, and is member of the Academy of Letters of Bahia.
From
Myriam Fraga
Seis poemas
Six Poemas by Myriam Fraga
Traslated by Richard O´Connell.
Ilustração de Calasans Neto.
Salvador: Edições Macunaima, 1985
Impresso por Artes Gráficas e Ind. Ltda.
MINOPAUTA
Não te mires no espelho
Côncavo das virtudes.
Esquece o labirinto.
Não cogites,
Devora
MINOGRAM
Don't look
In the concave mirror
Of virtue.
Forget the labyrinth.
Don't think,
Devour.
RETÓRICA
Quem dirá o que é o mal
E o que é o bem
Se todas as coisas se tocam
E se devoram
— Alfa Ômega —
E no final
É a mesma terra suja
De ninguém?
RHETORIC
Who can say what's bad
Or what's good
If all things impinge
And devour each other
— Alfa Omega —
If in the end
It's the same
Dirty world?
PENELOPE
Hoje desfiz o último ponto,
A trama do bordado.
No palácio deserto ladra
O cão.
Um sibilo de flechas
Devolve-me o passado.
Com os olhos da memória
Vejo o arco
Que se encurva,
A força que o distende.
Reconheço no silêncio
A paz que me faltava,
(No mármore da entrada
Agonizam os pretendentes).
O ciclo está completo
A espera acabada.
Quando Ulisses chagar
A sopa estará fria.
PENELOPE
Today I undid
The last thread of the web.
In the palace
Deserted
A dog is barking.
The humming of arrows
Brings back the past.
I see in my mind
The bow curving
Back on itself,
The arm that distends it.
In silence I find
The peace I have lacked
(In the marble hall
The suitors lie groaning).
The circle is complete,
The waiting ended.
When Ulysses arrives
The soup will be cold.
BANQUETE
O vinho
Que eu bebo
E o preço
De um homem.
O prato que eu como,
Sem fome,
E o salário
Da fome
De um homem.
Mas,
O sonho que eu travo
Com fúria nos dentes
E somente a metade
Do sonho
De um homem.
BANQUET
The wine
That I drink
Is the price
Of a man.
The meal that I eat
Without appetite
Is the wage
Of a man
Who is hungry.
But
The dream that I weave
Grinding my teeth
Is only half
Of a dream
Of a man.
INQUISIÇÃO
Costuraram sua boca
Com alfinetes
E ele dizia que NÃO
E perguntavam.
E cortaram seus dedos
E o lançaram
Bem no fundo do poço
E ele dizia que não, que não, que não
E seus cabelos cresciam como chamas.
INQUISITION
They stitched his mouth
With pins
And he still said NO
And they questioned him.
They cut off his fínger-tips
And dropped him
Into the deepest pit
And he still said no, he said no, he said no
And his hair grew like flames.
TRAJETÓRIA
Eu,
Que decepei a cabeça
De Holofernes
E apascentava os leões
Com vinhos de Marsala.
Eu,
Que dormi com Pizarro
Numa tenda encarnada,
Sacerdotisa do jaguar
E da serpente emplumada.
Eu,
Maria, a Sanguinária,
Isabel, a Católica,
Rainha destronada
Inocente e assassina.
Hoje masco chicletes
Perfumados a menta,
Estrela absoluta
Dos filmes de pornô.
TRAJECTORY
I,
Who cut off the head
Of Holofernes,
And tamed with wine
The lions of Rome.
I,
Who slept with Pizarro
In a red tent,
Priestess of the jaguar
And the plumed serpent.
I,
Bloody Mary,
Catholic Isabel,
A queen dethroned,
Innocent, assassin.
Today I chew
Mint-flavored gum
Superstar,
Queen of hard porn.
AUTORES BAIANOS: UM PANORAMA; BAHIANISCHE AUOTEREN: EIN PANORAMA; BAHIAN AUTHORS: A PANORAMA; AUTORES BAHIANOS: UN PANOROMA. Organização Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB). Salvador, Bahia: P55 Edições, 2013. 471 p + 10 p. s/ com as biografias dos autores nas quatro línguas. p. 18x25 cm. Inclui textos dos poetas Antonio Risério, Daniela Galdino, Florisvaldo Mattos, Karina Rabinovitz, Kátia Borges, Luis Antonio Cajazeira Ramos, Myriam Fraga, Roberval Pereyr e Ruy Espinheira Filho e traduções ao alemão, inglês e espanhol. Col. A.M.
CABALA
("As purificações ou 0 sinal de talião", 1981)
Perhaps for me
Good luck is enough,
Having gambling dice is enough,
Cutting the deck is enough
In the figure of the hanged man.
Perhaps for me
The silken skein is enough,
Three women seated in the parlor
Around the same spindle.
Life is a crooked thing
Written in straight lines,
The same secret line
I divine on my palm.
CABALA
("As purificações ou O sinal de talião", 1981)
Talvez para mim
Baste a sorte,
Bastem dados de jogar,
Baste o corte do baralho
Na figura do enforcado.
Talvez para mim
Baste a seda da meada,
As três sentadas na sala
Em volta da mesma roca.
A vida é uma coisa torta
Escrita com linhas certas,
A mesma linha secreta
Que adivinho em minha palma.
ENDOWMENT
("A lenda do pássaro que roubou o fogo", 1983)
I have my childhood and a dull echo of
drums in the dark.
I also have the howling in the silence, treasures
I destroy. Old junk snaps its secrets and
there is a taste of salt and tears and exile.
I have a bow and arrow of the luminaries of heaven.
I have the sunshine, a hard look like a spike. And
the more I sow the more I destroy, harvests of the
unpredicted.
This god is vital, this god, as necessary as
a swan. A god like a shower of gold,
like a bull crowned with leaves, fruits and roots.
The rest I make up myself. This journey, this
infinite delight. This bundle of flames. And this
bird, destructive and crude, in the bowels.
CABEDAL
("A lenda do pássaro que roubou o fogo", 1983)
Eu tenho a minha infância e um eco surdo de
tambores no escuro.
Eu tenho ainda o uivo no silêncio, tesouros que
destruo. Velhos trastes estalam seus segredos e
há um gosto de sal e lágrimas e degredo.
Eu tenho um arco e a seta dos luzeiros do céu.
Eu tenho a luz do sol, olho duro de espiga. E
quanto mais semeio mais destruo, searas do imprevisto.
Este deus é preciso, este deus, necessário como
um cisne. Um deus como uma chuva de ouro,
como um touro coroado de folhas, frutos e raízes.
O resto eu própria invento. Esta viagem, este
infinito delírio. Esta clave de chamas. E este
pássaro destruidor e bruto nas entranhas.
BOUNDARY
("A lenda do passaro que roubou o fogo", 1983)
My destination is the country of the dark horizon.
The homeland of the banned. The allotment of castaways.
The last bastion of suicides.
I pause on the threshold of absolute silence,
on the precipice where mad centipedes lurk awaiting
my fall.
I, who drank the magnetized blood of the earth,
of the bittersweet wine of tears and dew.
I, the chosen one, the anointed, the noted; he who
bears in the flesh the caress of ink in the subtle design of
ritual painting.
Just yesterday, on the lake, there floated my face and
beauty was a halo crowning my brow.
Yesterday was the journey, delirium, vertigo.
Oh pain! Ingratitude of men, today for me
they clouded the mirrors, and my face of shadow
and horror and scars is like a fiery residue
of bonfires dying.
Oh tragic destiny to be victor and vanquished.
Punished by dreaming beyond, by surpassing the dream and,
like the wind, mad and prophetic, destroying yourself.
What remains of me will be the mark, the memory, the seal;
the syllable perhaps of an imprecise feat. Trail of
feathers, ashes, on the face of the Sun
Like an ailing cyclops, I kneel and surrender,
in a basket, my head to the jackals.
Spattered with stars and blackberries, I close the
cage of absurd birds and enclose myself for
ever, invisible and abstract bird with the throat
of aurora pulsing inclemency.
And I reinvent the spring of this corner like cowbells,
like water chimes.
In the air, a pervasive aroma of amaryllis.
LIMITE
("A lenda do pássaro que roubou o fogo", 1983)
Meu destino é o país do obscuro horizonte.
A pátria dos banidos. A sesmaria dos náufragos.
O reduto final dos suicidas.
Detenho-me no limiar do silêncio absoluto,
à beira do precipício onde lacraias alucinadas espreitam
minha queda.
Eu, que bebi do sangue imantado da terra,
do vinho doce-amargo de lágrimas e de orvalho.
Eu, o escolhido, o ungido, o assinalado; o que
guarda na pele a carícia da tinta no desenho sutil
da pintura ritual.
Ainda ontem, no lago, boiava minha face e
a beleza era um halo coroando-me a fronte.
Ontem era a viagem, o delírio, a vertigem.
Ó dor! Ingratidão dos homens, hoje por mim
turvaram-se os espelhos, e meu rosto de sombra
e horror e cicatrizes é como um rescaldo ardente
de fogueiras morrendo.
Ó trágico destino de vencer e ser vencido.
Castigo de sonhar além de ultrapassar o sonho e,
como o vento, alucinado e profético, destruir-se.
De mim ficará a marca, a lembrança, o sinete;
a sílaba talvez de uma gesta imprecisa. Rastro de
plumas, cinzas, sobre a face do Sol.
Como um ciclope doente, ajoelho-me e entrego,
numa cesta, minha cabeça aos chacais.
Salpicado de estrelas e amoras silvestres, fecho a
gaiola dos pássaros absurdos e encerro-me para
sempre, ave invisível e abstraia, com a garganta
de aurora palpitando inclemência.
E reinvento a primavera deste canto como cincerros,
como sinos dê água.
No ar, um penetrante aroma de amarilis.
ARS POETICA
("Femina", 1996)
Poetry is a
Woman thing.
A common task,
Rekindling the fires.
On the corners of death
I buried the fat
Substantial placenta
And walked serene
On the coals
To the other side
Where the demon dwells.
Poetry is always like that:
An alchemy of fetuses,
A slow porous seeping of
Poisons beneath the skin.
Poetry is the art
Of rapine.
No hunting, as such,
But always on the hands
A flash of blood.
In vain,
I seek my fate:
In the quartered bird
The writing in the entrails.
Poetry as cravings,
As a growing belly,
The skin stretched
With popping wombs.
Poetry is this passion
Delicate and perverse,
This pearly moisture
The runs from my body,
Soaking my clothes
Like fever sweats.
ARS POÉTICA
("Femina", 1996)
Poesia é coisa
De mulheres.
Um serviço usual,
Reacender de fogos.
Nas esquinas da morte,
Enterrei a gorda
Placenta enxundiosa
E caminhei serena
Sobre as brasas
Até o lado de lá
Onde o demónio habita.
Poesia é sempre assim:
Uma alquimia de fetos,
Um lento porejar
De venenos sob a pele.
Poesia é a arte
Da rapina.
Não a caça, propriamente,
Mas sempre nas mãos
Um lampejo de sangue.
Em vão,
Procuro meu destino:
No pássaro esquartejado
A escritura das vísceras.
Poesia como antojos,
Como um ventre crescendo,
A pele esticada
De úteros estalando.
Poesia é esta paixão
Delicada e perversa,
Esta umidade perolada
A escorrer de meu corpo,
Empapando-me as roupas
Como uma água de febre.
POSSESSION
("Femina", 1996)
The poem touched me
With its grace,
With its feathery paws,
With its breath
Of perfumed breeze.
The poem made me
Its horse;
A chill in the spine,
A shiver,
A dance of mirrors
And swords.
Suddenly, without warning,
The poem like lightning
"Elegba, pombajira!"
Touched me with its grace,
Fiery as a whip
Precise as a hurled stone.
POSSESSÃO
("Femina", 1996)
O poema me tocou
Com sua graça,
Com suas patas de pluma,
Com seu hálito
De brisa perfumada.
O poema fez de mim
O seu cavalo;
Um arrepio no dorso,
Um calafrio,
Uma dança de espelhos
E de espadas.
De repente, sem aviso,
O poema como um raio
- Elegbá, pombajira! -
Me tocou com sua graça,
Aceso como chicote,
Certeiro como pedrada.
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