LINDOLFO BELL
(1938—1998)
Nasceu em Timbó, município de Santa Catarina, em 2 de novembro de 1938. Formado pela Escola de Arte Dramática de São Paulo, seu gosto pela poesia veio dos pais, Theodoro e Amália Bell, uma fonte improvável, uma vez que ambos eram lavradores. Essa influência foi definitiva na carreira de Bell, encontrando-se enraizada na vida e nas obras do poeta. Lindolf foi líder do Movimento Catequese Poética, uma iniciativa que levava a poesia às ruas por meio de recitais, permitindo que milhares de pessoas conhecessem essa forma de arte. Esse trabalho deu à Bell um grande reconhecimento, no Brasil e também no estrangeiro. Lindolf Bell é atualmente o maior, o mais constante e importante nome da poesia catarinense.
Obras: 1962 - Os Póstumos e as Profecias; 1964 - Os Ciclos; 1965 – Convocação;
1966 - Curta Primavera; 1966 - A Tarefa; 1967 - Antologia Poética de Lindolf Bell;
1971/1979 - As Annamárias; 1974 – Incorporação; 1980 - As Vivências Elementares; 1984 - O Código das Águas; 1985 – Setenário; 1987 - Texto e Imagem; 1993 – Iconographia; 1994 - Pré-textos para um fio de esperança; 1994 - Requiem. Fonte: Wikipedia.
“Seus versos me despertam uma grande simpatia, pois são realmente vivos, inquietos, denunciadores de um eu dramático e vigilante.”
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, 1963
Estou rodeado de minha dor.
Dentro delas
olho as estrelas,
estraçalhado.
L. B.
Página oficial do poeta, visita obrigatória! http://www.lindolfbell.com.br/
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL / EN FRANÇAIS
See also: TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTS IN ENGLISH
BELL, Lindolf. Requiem. Florianópolis: Oficinas de Arte do MASC – CIC, Fundação Catarinense de Cultura, 1994. 16 páginas em caderno de folhas soltas, com capa com impressão em relevo. “A tiragem é de setenta e um exemplares compostos e impressos por Bebeto em papel vergê e papel artesanal de Patricia Amante [capa]. Autenticados pelo editor, Jairo Schmidt, de 1 a 40 para os subscritores, de 41 a 51 para o poeta, de 52 a 61 para a gravadora e de 62 a 71 para os realizadores da edição. A xilogravura fora de texto é de Isabela Sielski, a programação visual e a capa do editor.” 15x22 cm. Exemplar n. 14/71 “foi especialmente impresso para Jorge Brito”, que cedeu o exemplar para a Col. A.M. (LA)
(fragmento do poema)
Deixar esta identidade real.
Deixar o nome em documentos precários,
deixar impressões na louça diária,
no trinco da porta,
no silêncio, na biografia,
na distribuição de a feios.
Deixar poemas: matéria da alma
que se estriba na solidariedade .
Ausência é só lembrar, só lembrar!
Pouco dizem os restos mortais.
E o que dizem teus princípios imortais.
Mas sendo matéria de consolo
faz pensar
que o destino é suave
apesar de amargo
e a dor dos que Jicam
é apenas uma rua por atravessar.
O som do sino se abre como um leque
no espaço da ausência.
E estremecer as sombras e sentimentos
que a saudade estremece.
Só lembrar, só lembrar.
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PROCURO A PALAVRA PALAVRA
Não é a palavra fácil
que procuro.
Nem a difícil sentença,
aquela da morte,,
a da fértil e definitiva solitude.
A que antecede este caminho sempre de repente.
Onde me esgueiro, me soletro,
em fantasias de pássaro, homem, serpente.
Procuro a palavra fóssil.
A palavra antes da palavra.
Procuro a palavra palavra.
Esta que me antecede
E se antecede na aurora
De na origem do homem
Procuro desenhos
dentro da palavra.
Sonoros desenhos, tácteis,
Cheiros, desencantos e sombras.
Esquecidos traços. Laços.
Escritos, encantos re-escritos.
Na área dos atritos.
Dos detritos.
Em ritos ardidos da carne
e ritmos do verbo.
Em becos metafísicos sem saída.
Sinais, vendavais, silêncios.
Na palavra enigmam restos, rastos de animais,
Minerais da insensatez.
Distâncias, circunstâncias, soluços,
Desterro.
Palavras são seda, aço.
Cinza onde faço poemas, me refaço.
Uso raciocínio.
Procuro na razão.
Mas o que se revela, arcaico, pungente,
eterno e para sempre, vivo,
vem do buril do coração.
RECÔNDITO IMPULSO
Amadureço
na palavra
que amadurece.
Entre fibras, sangue, desejo
que intumesce.
No amor
onde cresço, me acresço:
eis a messe.
Nivelar
é navalhar a liberdade.
E viver é longa estrada,
É recôndita vontade
dita e não dita:
vocábulo,
coágulo.
Amadurecer.
Lúcido,
lúdico.
Na maravilha,
na armadilha.
Amadurecer no âmago.
O âmago amado.
O amargo âmago, amado.
Amadurecer o âmago armado
do tempo esplêndido da alegria.
Mas também de tempo da amargura
que estraçalha
e desconfia.
Amadurecer.
A áspera saliência e rubra.
A macia maçã
do recôndito impulso.
A PALAVRA DESTINO
Deixai vir a mim
a palavra destino.
Manhã de surpresas, lascívia e gema.
Acasos felizes, deslizes.
Ovo dentro da ave dentro do ovo.
Palavra folha e flor.
Deixai vir a mim palavra
e seus versos, reversos:
metamorfose,
metaformosa.
Deixai vir a mim
a palavra pão-de-consolo.
Livre de ataduras, esparadrapos,
choques elétricos
e sutis guardanapos em seco engolidos socos.
Deixai vir a mim
a palavra intumescida pelo desejo .
a palavra em alvoroço sutil, ardil
e ave na folhagem da memória.
A palavra estremecida entre a palavra.
A palavra entre o som
mas entre o silêncio do som.
Deixai vir a mim
a palavra entre homem e homem.
E a palavra entre o homem
e seu coração posto à prova
na liberdade da palavra coração.
Deixai vir a mim
a palavra destino.
DA PALAVRA FINAL NADA SEI
Da palavra final
nada sei.
Nunca me foi concedida.
Embora escravo,
embora rei.
Embora levantasse o dedo na hora dos apartes.
Embora levantasse o dedo timidamente
Do último banco da classe contraditória de viver.
Embora sôfrego, trôpego,
embora sofrido levantasse o dedo,
meu Deus, que esquivo andar sem graça
quando atravesso a sala cheia de gente.
A sala dos correios secretos
que os olhos conhecem, reconhecem,
sempre burlesco arlequim
por fora
e massacrado por dentro
e tristurado
no mais triste cavaleiro da figura da palavra.
Chegar sem preconceitos,
cotidianos simulacros:
sonho menino.
Não mero esboço de um desenho inacabado de homem,
inadequado, por certo, na forma de chegar e falar
das coisas do mundo e de mim.
Mas chegar, achegar,
e saber que entre o tempo
o ser aflora.
E amanhece.
Debaixo do sonho
aninhado.
Dentro de um cesto
desfiado.
Deixai-me participar da mesa da verdade.
E aceitai minhas dúvidas e minha fragilidade
como dádiva dos deuses.
De
AS VIVÊNCIAS ELEMENTARES
São Paulo: Massao Ohno/ Roswitha Kempf, 1980
DO TEMPO
III
Serei breve.
Mas não tão breve
que a eternidade
escape do coração.
Porque sobre a terra
cresce um sonho
de grão em grão
até a plenitude.
É meu sonho de terra justa
e perfeita
e dividida.
Cresce
enquanto espero e cresço
E me acresço
de vão em vão
até o tempo inteiro, o tempo interior,
em terra de romã e sonho justo
e perfeito
e dividido.
Serei breve.
Mas não tão breve
que a eternidade
escape do coração.
DA NOITE
II
Dentro da noite
o rosto se recolhe.
Dentro da noite
o corpo se assume.
Dentro da noite irmã.
Dentro do ima da noite.
Dentro do imo da noite anônima
onde o precário
palpita nas taquaras.
Noite do corpo
não da imagem do corpo.
Do corpo exposto às tatuagens de viver,
ao sereno
e às quimeras
e à sala do reconhecimento.
Noite de sempre, noite de nunca,
da sempritude,
noite verbal.
Noite passada a limpo,
noite passada a sujo.
Noite de fibras,
noite de febres.
Noite verbal, vertebral,
pano de fundo de selvas frutas
suaves seios,
noite fracionada, friccionada ao longo
do desejo de infinita face.
DO POMAR
I
A laranja amanhece.
Concisa.
A laranja
no irreversível.
Contida.
A laranja última
e a primeira.
De ouro
ferida.
A larania amarelesce
nos bastidores da casca
Nos ventos da reconciliação.
A larania
ao longe.
Entre a folhagem
do tempo.
No instante arado
da terra.
No verso alado
do pássaro.
A laranja madura,
espera.
A laranja
no laranjal.
A laranja
no invólucro
da certeza absoluta.
A laranja se move
no olho parado
do touro,
na tarde.
DO PÃO DE CADA DIA
I
Arde uma estrela
dentro do pão.
Tão imensa
que não cabe
na palavra pão
nem na palavra estrela.
Uma estrela infinita.
Uma estrela.
Uma estrela infinita,
infinitamente ardida.
No céu da boca.
Na terra da fome.
No coração nosso de cada dia.
Dai, pão, aos vivos,
para que a luz
seja mais forte.
Dai, pão, no escuro,
para que se faça a luz.
DAS MEMÓRIAS
I
Os sinos batendo
entre as folhas do caderno
da infância.
Encadernada.
Dentro do palco
as mãos do pianista
sob o holofote:
dois insetos, dois pássaros.
Dois compássaros.
De
Lindolfo Bell
INCORPORAÇÃO
Doze anos de poesia 1962 a 1973
São Paulo: Quíron, 1974 (Selésis, v. 3)
I
Na área da palavra
lavro o canto.
Cantar
é lavrar.
Se existe a palavra no canto
também existe o pranto,
amalgamado ao amor
e muito espanto.
Cantar
é um tempo de amar.
E o tempo de dor
é um tempo de dar.
Da flor, lavro
a fortaleza.
Do pássaro
a gr-ave melodia.
E nas água móveis do poema
transforme a palavra
dia a dia.
Cantar
é fundar
no equi-vale da vida.
não é ilha.
mas partilha.
Destino?
Desatino?
Avanço por declives e pl-anos.
Por ser tempo de amar
uso intenso o meu cantar.
II
Ninguém ensina
o caminho
da mina.
Na oculta argamassa
vou à caça.
E mesmo da sobra
faço a obra.
O meu prato
é um ato
de alegria.
Também do triste
o fruto persiste.
E apesar do peso
o meu é meu
no coração aceso.
Meu sussurro
é um soco
no escuro.
E meu silêncio,
um grito fundo
nas carnes do mundo.
De
Lindolfo Bell
Os Ciclos
Capa de Cyro del Nero.
São Paulo: Massao Ohno, s.d. s.p.
POEMA PARA UM ALIENADO
Nada se converte fora de si
apesar dos deuses
E não existe exoneração,
existe vocação
Não significam tanto, tantas verdades,
em verdade
Lastro de carne e alma
os homens se prolongam
nas semeaduras
e se arrancam nas segas
e porque caminham com os ombros em forma de arco
de tanto visar o solo
e porque as paisagens os arrastam
conhecem pouco do universo
No entanto, podemos ser próximos
sem sermos anexos,
à imagem do tambor
pleno de velhas mensagens
da floresta tão fechada
como o ventre antes da madurez
Tudo é determinado como a conjugação das coisas
A plenitude dista sempre um ponto além
e as genituras não 'transpõem
os corpos de ensaio
A vida lembra um catavento
fatigado de tantas direções
Morte — feixe de crimes a constranger
E porque o núcleo é onde tudo cessa
nada se converte fora de si
De
Lindolfo Bell
AS ANNAMÁRIAS
Poesia. 2ª. edição.
Ilustrações: Elke Hering Bell
São Paulo: Massao Ohno, 1979.
31x22 cm Edição de 1.000 exs,
IV
O canto teu
invade a cidade,
a que piso nos dias que me fecham
(e me flecham),
no instante que incorporo
e os anos que me passam,
nas ruas abertas por onde cai o tempo
e o tempo se desfaz
e o tempo se faz sobre as cabeças
dos passageiros que passam,
o canto dentro da cidade
erguida nos meus ouvidos
que te ouviram
e te viram com seus olhos sonoros,
o canto dos idos
e das idas,
na chuva posta nos olhos postos n´água,
na cidade que peso, que peço, que passo
e que paira no porvir
dentro das coisas por vir.
V
Nas largas ruas
de meu coração,
a chuva de velozes temporais
floresce o sonho
do dia que se vai.
Esvai-se o instante de chegar,
olhos do tempo espreitam,
cavalos enfeitam a crina
com dálias do único instante.
Oh! Annamária,
cavala desabalada,
contra o tempo de estar na frente.
OH! Parada brusca, busca arada,
como se vai o que não se vai,
como se tem o que não se tem.
|
Fotógrafo: Zenóbio Tomio
LINDOLFO BELL
(1938—1998)
TEXTOS EN ESPAÑOL
BUSCO LA PALABRA PALABRA
No es la palabra fácil
la que busco.
Ni la difícil sentencia,
aquella de la muerte,
la de la fértil y definitiva soledad.
La que antecede a este camino siempre rápido.
Donde me deslizo, me deletreo
en fantasías de pájaro, hombre, serpiente.
Busco la palabra fósil.
La palabra antes de la palabra.
Busco la palabra palabra.
Esta que me antecede
Y se antecede en la aurora
Y en el origen del hombre.
Busco dibujos
dentro de la palabra.
Sonoros dibujos, táctiles,
olores, desencantos y sombras.
Olvidados trazos. Lazos.
Escritos, encantos re-escritos.
En el área de los atritos.
De los detritos.
En ritos ardientes de la carne
Y ritmos del verbo.
En callejones metafísicos sin salida.
Señales, vendavales, silencios.
En la palabra fermentan restos, rastros de animales,
Minerales de la insensatez.
Distancias, circunstancias, sollozos,
destierro.
Palabras son de seda, acero.
Ceniza donde hago poemas, me rehago.
Utilizo raciocinio.
Busco en la razón.
Pero lo que se revela, arcaico, pungente,
eterno y para siempre, vivo,
viene del buril del corazón
RECÓNDITO IMPULSO
Voy madurando
en la palabra
que madura.
Entre fibras, sangre, deseo
que entumece.
En el amor
donde crezco, me acreciento:
he aquí la mies.
Nivelar
es tajar la libertad.
Y vivir es un largo camino,
es recóndita voluntad
dicha y no dicha:
vocablo,
coágulo.
Madurar.
Lúcido,
lúdico.
En la maravilla,
En la maravilla.
Madurar en la médula
la médula amada.
La amarga médula, amada.
Madurar la médula armada
del tiempo espléndido de la alegría.
Pero también del tiempo de la amargura
que destroza
y desconfía.
Madurar.
La áspera y roja protuberancia.
La tierna manzana
de recóndito impulso.
LA PALABRA DESTINO
Dejad venir a mí
la palabra destino.
Mañana de sorpresas, lascivia y yema.
Acaso felices, deslices.
Huevo dentro del ave dentro del huevo
Palabra hoja y flor.
Dejad venir a mí la palabra
y sus versos, reversos:
metamorfosis,
metaformosa.
Dejad venir a mí
la palabra pan-de-consuelo.
Libre de ataduras, vendajes,
choques eléctricos
y sutiles servilletas de la muerte
después de gorjeos en seco engullidos a golpes.
Dejad venir a mí
la palabra entumecida por el deseo.
La palabra en alborozo sutil, ardid
y ave en el follaje de la memoria.
La palabra estremecida entre la palabra.
La palabra dentro del sonido
pero dentro del silencio del sonido.
Dejad venir a mí
la palabra de hombre y hombre.
Y la palabra entre el hombre
y su corazón puesto a prueba
en la libertad de la palabra corazón.
Dejad venir a mí
la palabra destino.
DE LA PALABRA FINAL NADA SÉ
De la palabra final
nada sé.
Nunca me fue dada.
Ya esclavo,
ya rey.
Ya levantase el dedo en la hora de las objeciones.
Ya levantase el dedo tímidamente
desde el último banco de la clase contradictoria del vivir.
Ya anhelante, ya torpe,
ya sufrido levantase el dedo,
Dios mío, que displicente andar sin gracia
cuando atravieso la sala llena de gente.
La sala de ambiguos sentimientos llena de gente,
la sala de los correos secretos
que los ojos conocen, reconocen,
siempre arlequín burlesco
por fuera
y masacrado por dentro
y triturado
en el más triste caballero de la figura de la palabra.
Legar sin prejuicios,
cotidianos simulacros:
sueño de niño.
No apenas el esbozo de un dibujo inacabado de hombre,
inadecuado, por cierto, en el modo de llegar a hablar
de las cosas del mundo y de mí
Sino llegar, allegar,
y saber que entre el tiempo y el tiempo
aflora el ser.
Y amanece.
Debajo del sueño
anidado.
Dentro de un cesto
deshilachado.
Dejadme participar de la mesa de la verdad.
Y aceptad mis dudas y mi fragilidad
como una dádiva de los dioses.
BELL, Lindolf. PRÉ-TEXTOS PARA UM FIO DE ESPERANÇA. Florianópolis, SC: 1994. Coordenação editorial: NEUSA Maria Bardi. Caixa de papelão contendo 14 folhas soltas com poema. Papel feito a Mão Terra com fibra de cebola. Tiragem 750 exs. 24 x 32,5 cm.
Ex. bibl. Antonio Miranda
Página publicada em novembro de 2007; ampliada e republicada em maio 2011
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