Foto: Pedro Stephan, 2006
HORÁCIO COSTA
Nascido em São Paulo em 1954. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela USP (1978). M.A. pela New York University (83); PhD pela Yale University (94). Professor Titular da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) até 2001. Desde então, Professor-Doutor na FFLCH-USP.
Seus livros de poesia são: 28 poemas 6 Contos (1981); Satori (1989); O Livro dos Fracta (90); O Menino e o Travesseiro (1993 e 2003) The Very Short Stories (1991); Quadragésimo (1996); Fracta - Antologia Poética (2004); 28 Poemas 6 Contos 25 anos (2006) e posteriores, arrolados mais abaixo. Quase todos eles foram ou estão sendo publicados em espanhol. Também foi traduzido ao inglês, francês, catalão, búlgaro, romeno e macedônio. Tem mais de 60 artigos publicados em revistas acadêmicas e suas principais obras críticas são José Saramago, o período formativo e Mar Abierto: ensayos de literatura brasileña, portuguesa e hispanoamericana. Traduziu ao português a poesia de Elizabeth Bishop, Octavio Paz, José Gorostiza, Xavier Villaurrutia e Blanca Varela.
Organizou dois eventos internacionais de poesia em São Paulo e foi parte do júri de prêmio internacionais no México e na Venezuela. Presidiu a ABEh (Associação Brasileira de Estudos da Homocultura) de 2006 a 2008.
See also: TEXTS IN ENGLISH
Veja também: HORACIO COSTA EM ALEMÃO – DEUTSCH
Veja também (clicar aqui:) O TRADUZIR COMO NECESSIDADE E COMO PROJETO: OCTAVIO PAZ - por Horacio Costa
COSTA, Horácio. Satori. Uberl?ndia (MG): O sexo da palavra, 2019. 124 p. 14 x 21 cm. Curadoria: F?bio Figueiredo Camargo. Projeto gr?fico:
Luana Marques Fidêncio. Prólogo: Severo Sarduy. ISBN: 978-85-93892-18-9. Ex. bibl. Antonio Miranda.
IV
eu caminhava e não te via
onde estavas, onde estavas
te encontrar sem lugar nem hora
nenhum nome, nenhum nome
tu chegaste e eras velha iluminura
esquecida, esquecida
de um alfabeto a processar-se
na memória, na memória
este bar virou paisagem
terra e areia, areia e terra
teus iguais o meu regaste
conhecer-me, conhecer-te
todos nós seus habitantes
tão perenes, sim perenes
num percurso simultâneo
procurar-te, procurar-me
o espaço deu-se anônimo
foi veloz, tão velozmente
e soube de ti no teu tempo
tempo tempo, tempo tempo
que nos une entre prédios pessoas
letras impressas luminosos números
por este céu e outro
por outro céu e este
agora
D E N T R O É F O R A
MEU QUARTO VAZIO
úmida green-house dos delírios vagos
ENCERRRA AUSENTE
tua planta coral de contornos claros
O PONTUAL CORPO
a refletir-se no vidro dos olhos baços
UTERINO E FRIO
com aderência total, voracidade de estio
Nova Iorque, 1981
COSTA, Horácio. Satori. O BAR DA SENHORA OLVIDO. RAFAEL BERNIS
FOTOGRAFIAS. Uberlândia (MG): O sexo da palavra, 2019. s. p. 14 x 21 cm. Ilus. fot. Ex. bibl. Antonio Miranda.
COSTA, Horácio. Satori. MEM?RIA CR?TICA. Organiza??o Antonio Kvalo. Uberl?ndia (MG): O sexo da palavra, 2019. 123 cm. 14 x 21 cm. Curadoria: Fabio Figueiredo Camargo. Projeto gr?fico e organiza??o: Antonio K.valo. ISBN: 978-85-93892-19-6 Ex. bibl. Antonio Miranda.
INCUI críticas, resenhas, entrevista e outros comentários sobre a obra, por Mário Lugarinho, Irlemar Chiampi, Leonardo Gandolfi, Jorge Fernando da Silveira, Eduardo Milán, Nelson Ascher, Frederico Tavares Barbosa, Fernando Paixão. Na parte final, reproduz os “Poemas publicados em periódicos.”, os “Escritos e traduções” e o “Esboço de Catálogo de fotos de Rafel Bernis.
Edição de textos e imagens neste Portal com a autorização do autor, Horácio Costa.
COSTA, Horácio. Viaje a México. Ilustraciones de Liz Mevill. Sl.l,: s.e., 2014? 64 p. Edição bilíngue Português – Español. 11x16 cm. “Horácio Costa” Ex. bibl. Antonio Miranda
DEPOIS DO VAZIO
O cenário esvaziado de drama.
O cenário esvaziado de pathos.
Os atores foram cada qual para o seu lado.
Houve quem comemorasse
Esse descenso do cenário à irrelevância,
À suas esquálida beleza de coadjuvante de cartão postal.
Houve quem protestasse contra essa fatalidade retórica.
Então como se chamaria?
La vida não é ela, toda,
Uma sucessão de momentos retóricos?
Não será assim para os cães,
Que tiveram o seu papel bem apreciado
Naquele cenário cuja montagem
Levou tanto tempo, exigiu tantos suores.
Para os cães, que morreram
Na idade canina de morrer,
A vida não foi
“uma sucessão de momentos retóricos”.
A vida era o que era
E foi o que foi. Portanto,
Eximâmo-os do poema
Que trato do descenso,
Este sim bem retórico,
Do cenário do drama
À trivialidade inconspurcável
Da pura beleza postal.
A virgem catalã de maiólica,
Encontrada por um dos produtores
Em um bric-à-brac em Barcelona,
Foi devidamente esquecida
No desmonte.
Continuava engastada na memória,
Na memória do viver dramático,
Como uma testemunha apenas solene
E que vaticinasse sobre o lixo.
Por isso foi esquecida.
Não entra, ou melhor:
À estética do bonitinho,
De tudo transformado em uma espécie
de Waterloo selon Fabrizio Del Dongo,
De tudo puído de seu sentido original,
Como uma fruta cujas sementes são cuspidas
Enquanto deliciam, digo:
Que são cuspidas enquanto
Os dentes do tempo esmigalham
A carne da uva ou da maçã:
Uma a uma, lá se vão
As sementes, direitinhas
Ao montão de lixo.
Pois. Essa virgem catalã,
A que vaticinava sobre o dito cujo,
O montão de lixo, continua ereta
Embora recostada em seu assento
E com o Menino Jesus no colo,
Relembrando o hierático do românico
E mesmo o hierático da arte bizantina.
Seus calçados remontam aos de Teodora
Naquela igreja de Ravena,
Como se chamava mesmo?
Como se chamava mesmo?
(coço a cabeça):
Sant’Apollinare in Classe.
DESPUÉS DEL VACÍO
El escenario vaciado del drama.
El escenario vaciado del pathos.
Los actores se fueron cada uno por su lado.
Hubo quien comerorase
Esta bajada de la irrelevancia,
A sua escuálida beleza de co-figurante de tarjeta postal.
Hubo quien protestasse contra esa fatalidad retórica”.
Entonces, ¿como se llamaría?
¿No es la vida, toda,
una sucesión de momentos retóricos?
No lo será para los perros,
Que sí tuvieron un rol bien apreciado
En aquel escenario cuyo montaje
Llevó tanto tempo, exigió tantos sudores.
Para los perros, que murieron
En la edad canina de morirse,
La vida no fue
“una sucesión de momentos retóricos”.
La vida era lo que era
Y fu elo que fue. Por tanto,
Eximámoslos del poema
Que trata del descenso,
Este sí bien retórico,
Del escenario del drama
A la trivialidad incontaminable
De la pura belleza postal.
La virgen catalana de mayólica,
Encontrada por uno de los produtores
En un bric-à-brac en Barcelona,
Fue debidamente olvidada
En el desmonte.
Continuaba engastada en la memoria,
En la memoria del vivir dramático,
Como un testigo apenas solemne
Y que vaticinase sobre la basura.
Por eso fue olvidada.
No entra, o mejor:
No le cupo esta adaptación
A la estética de lo lindito,
De todo transformado en una espécie
De Waterloo selon Fabrizio del Dongo,
Como uma fruta cuyas semillas son escupidas
De todo deshilachado de su sentido original,
Mientras deleitan. Digo:
Que son escupidas mientras
Los dientes del tempo desmigajan
La carne de la uva o de la manzana:
Una tras outra, allá van
Las semillas, muy derechitas
Al montón de basura.
Pues. Esa virgen catalana,
La que vaticinaba sobre el susodicho,
El montón de basura, sigue erecta
Aunque recostada en su asiento
Y com el Niño Jesús sobre sus muslos,
Recordando lo hierático de lo románico
Y mismo lo hierático del arte bizantino.
Su calzado remonta al de Teodora
En aquella iglesia en Ravena,
¿Cómo, cómo se llamaba?
(me rasco la cabeza):
Sant’Apollinare in Classe.
Ciudad de México, 8/9 IX 2014
COSTA, Horácio. Viaje a México S.l,: s.e., 2013?72 p. Edição bilíngue Portugués – Español. 11,3x16,7 cm. “ Horácio Costa “ Ex. bibl. Antonio Miranda
LLEGADA A MÉXICO
O Imperador Amarelo
é a origem
de tudo
Dizem as antigas
Lendas Chinesas
Ramsés se
Ascendentes Solares
Depois o
Imperador Amarelo
se instalou
Em um canteiro de
plantas misteriosas
Que voavam
Na vida real
os maias previram
O fim dos tempos
para 2112 ou 2012
Etc.
Adorei comer
chilaquiles em
salsa verde
Como jade
E a pedra desta
mesa parece-se à do
Vale do Nilo
Pequenas e grandes
estrias rosas
Talvez como uma
visão planetária
Das linhas de
Tiahuanaco
O sol aqui é
poderosíssimo
e engole o vale
Lá em cima está
Santa Fé
Com os seus
shoppings
Que confusão
de divindades!
Mal carregamos
entre elas
As nossas cascas
de caracóis
CHEGADA AO MÉXICO
El Emperador
Amarillo es origen
de todo
Dicen las Antiguas
Leyendas Chinas
Ramses se
anida entre sus
Ascendientes Solares
Después el
Emperador Amarillo
se instaló
En un cantero de
plantas misteriosas
Que volaban
En la vida real los
mayas previeron
El fin de los tempos
para 2112 ó 2012
Etc.
Adoré comer
chilaquiles en
salsa verde
Como jade
Y la piedra de esta
mesa se parece a la
del Valle del Nilo
Pequeñas y grandes
estrías rosadas
Tal vez como una
visión planetaria
De las líneas de
Tiahuanaco
El sol acá es
poderosísimo
y engulle el valle
Allá arriba
está Santa Fé
Con sus
shoppings
Que confusión
de divinidades!
Mal cargamos
entre ellas
Nuestras cascas
de caracoles
` Nuestras casas
individuales
Nuestras vidas
Ah, imprecisas
Nuestras memorias
Ciudad de México, 16 XI 2013
COSTA, Horácio. A Hora e a vez de Candy Darling. (Poemas 2013-2014) Goiânia, GO: martelo, 2016. 76 p. (Coleção cabeça de poeta 1 – série contemporânea) 14,5x23 cm. ISBN 978-85-68693-08-7 “Horácio Costa “ Ex. bibl. Antonio Miranda
O bom gosto é apenas uma das facetas
do poliedro do objeto.
O design não o estabiliza.
Fá-lo falar. E o que diz
é situacional.
Há a história do material
e o tempo desse histórico.
Não, não é a mesma coisa:
o tempo engloba a história,
sujeita-a, como a aliança
ao anular. Nunca te disse
o quanto te queria, e mesmo assim
mandaste gravar a data do nosso
primeiro encontro.
Na face interna do aro de ouro.
O bom gosto não previa
tais gesto demasiados.
C’était comme une affaire russe:
enorme com a Sibéria, e sem
cartografias possíveis, como
a existência de ignotos, multiplicados
Machu-Picchus não em alguma
cordilheira dos Andes:
melhor dito, na prateleira
de livros de técnicas culinárias,
na cozinha.
Pois, o bom gosto é desafiado,
es-ti-lha-ça-do em tais alturas
e torna-se não Rei Sol e
compromisso:
devém opção, uma entre tantas,
preferência pelo mais feio,
pelo mais absconso,
por palavras de semântica
instável, por tardes chuvosas
e usar chapéu coco,
etc.
Teria sido bom resultar
de um único paradigma?
digo, de um sentido mão única?
Ser assim, como aquele ser
de real estirpe, o de nariz dinástico,
tão feio que é uma trademark,
como o dos Bourbons
e o de Dame Edith Sitwell?
Ou é melhor ter na ponta do nariz
uma bolota,
uma bolota como uma jaboticaba?
Como eu tenho,
Creio que tenho
uma jabuticaba
na ponta do nariz.
E será agônica?
Como Medeia, Clitemnestra?
Os atores da Comédie
nunca se apresentaram de perfil
quando falam as suas falas:
só de três-quartos, como se
os ouvisse ainda Luís O Décimo Quarto.
Ora, não se fica de perfil para o sentido.
Esta jabuticaba-nariz
este nariz-jabuticaba
não caberia no palco
em postura de três-quartos
frente a um logos tão
bombástico.
Oh deus, oh deus dos biombos,
protegei o meu nariz da derrisão
neste teatro de sombras.
COSTA, Horácio. 11 — 12 Onze duodécimos. São Paulo: Lumme Editor, 2014. 120 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-8234-045-5 Projeto gráfico/ editor do livro: Francisco dos Santos. “Poemas 2011-2012”. “ Horácio Costa “ Ex. bibl. Antonio Miranda
PINA, A ABELHA E O VIDRO
assisti Pina antes de dormir
uma abelha veio assistir ao enunciado
do lado de fora do vidro
do tempo
là estava Pina ao lado da piscina
do hotel em Guanajuato cidade
onde réside la momia más pequeña del mundo
no originalíssimo museu de múmias
eu não posso ver uma piscina e
já quero logo entrar - lhe perguntei
vc não entra - won't you come in?
os dançarinos de Wuppertal chapinhavam
Pina Bausch tinha aquele olhar
de gancho do Capitão Gancho
mesmo quando sorria insisti &
insisti como um zângão
está bom disse e voltou com um maillot
veio chapinhar com todo mundo
nunca esquecerei desse acontecimento
na vida das minhas retinas tão fatigadas
Pina Bausch morreu há alguns anos,3,4
certo, fumava muito a Shirley
também fumava muito morreu em 2003
o Manuel, quem também estava na piscina
morreu há 11 eu tenho uma vista estupenda
deste 21° andar hoje à distância o Jaraguá
está coberto de nuvens nuvens e a abelha desistiu de
entrar
as múmias de Guanajuato estão hoje longe longe
quem é o próximo na linha?
a abelha que assistiu ao enunciado
do lado de fora do vidro ou
?
Osasco, 14IX2012
COSTA, Horácio. Bernini. Poemas 2008-2010. São Paulo: V. de Mora Mendonça – Livros, 2013. 142 p. (Selo Demônio Negro) 16x23,6 cm. Capa e desenho gráfico: Vanderley Mendonça. ISBN 978-85-66423-07- 3 “Prêmio Jabuti 2014 Poesia” Tiragem limitada de 100 exemplares, capa dura revista de tecido. Ex. bibl. Antonio Miranda
Escolhemos os mais metapoéticos do livro:
POESIA É ARGAMASSA
Para Virna Teixeira
Mais do que sintaxe ou
Sentido,
Enunciado esse jamais possível
Na boca do auto-
Pormôter ou do clurêitor
De si & amigos ou do
Fabulador de suas
Iras, que não colidem
Com a de poderosos em turno,
Porque pensa primeiro
No prêmio & na bolsa & no relise,
Depois da ira.
Poesia é argamassa
E com ela constrói-se o muro
De silêncio da posteridade,
Para vedar o território do
Poema a
Promôteres
Curêitores
Narradores
Etc.
Sequiosos de ribalta.
UM MINUTO SIM
Todo verso de forma perpétua
Versa sobre a indignação.
Ao infinito com ela conversa
Um minuto sim, outro não.
Assim o poema tergiversa
Seu fado de falar a língua
Que é de todos e ninguém:
Um minuto sim, outro não.
Haver não houve perfeição
No dizer desdizer do poema:
Dissolve-se no ar o intento.
Se a poesia é descomedimento
Sobe a escarpada Tio Sísifo:
Um minuto sim, outro não.
SAMOVAR
Ontem li Bernini pela primeira vez
Há poetas que sabem os seus versos de cor
Eu nem leio os meus
Só de vez em quando
Mais exatamente depois que intuo
Que um manuscrito está prestes
Mas se vc quer saber
Assim que escrevo trabalho os meus poemas
E os monto como um relojoeiro
Depois, esqueço
Até a hora da presteza
O que é que presta em um livro de poemas?
Uma xícara de chá se esvazia em sorvos
-há que debique, há quem se engasgue
com o líquido quente-
E nenhum samovar
Por mais cinzelado em prata siberiana que seja
Pode transformar uma erva de segunda
Em cocção boa para as longas noites invernais
Porque o inverno sim existe, leitor
Ora, pois:
Falamos então da Sibéria,
Aquela parcela de tundra depois dos Urais?
Falamos de quê, então? Das suaves
Inclinações do Assam, dos mercadores
Ingleses, da Twinings?
Falamos
De como isto devém daquilo,
Do pendor direcional
(bonito, isso) que formula
Uma contracorrente na língua
Portuguesa
De Garrett até este
Bernini?
Ou falamos do cinzelador
Ou cinzeladores do objeto em questão?
-Ou deste poema-relógio, for that matter?
Não sei exatamente:
É melhor não sabe-lo, talvez,.
Que a poeticidade
Cabe mal em contêineres
Assim sejam rebrilhantes
& estupendos
samovares.
[SP 3 VI 010]
De
COSTA, Horácio. Ciclópico olho. São Paulo: Annablume, 2011. 120 p. (Selo Demônio Negro) Desenho gráfico e capa dura, revestida de tecido: Vanderley Mendonça. formato 16x23,5 cm. ISBN 978-85-63198-19-8 autografado Reúne poemas escritos (com uma única exceção) de 1996 a 2004); período de restabelecimento no Brasil. O livro Ravenalas (2008) é posterior. Col. A.M. (EE)
A FRONTEIRA DO DIZER
a Haroldo de Campos, in memoríam
- Conecta com isso.
E é uma pedra.
- Conecta com isso.
É terra.
- Conecta com isso.
É nuvem. Tem forma de dragão.
- Conecta com isso.
É onda. Tem forma de onda.
- Conecta com isso.
É chip. Parece Shangri-lah.
Não é sílica. Nem silêncio. Nem palavra.
Conecta com isso.
STRUGA, MACEDÔNIA, 27 VIII 03
TIRE TUDO DA PAISAGEM
a Milos Sovak, in memoriam
Tire tudo da paisagem,
o serpenteante rio de águas cristalinas,
a neve ocasional, os rebanhos
de branquíssimas ovelhas
que se escondem detrás
das bétulas e das coníferas,
tire as porteiras que dividem
os campos de aveia e de centeio,
tire as velhas casas de pedra
da paisagem,
tire os bulbos de narciso,
os bulbos de lírio, de íris,
os telhados, as chaminés, os pedregulhos,
pouco a pouco tire tudo da paisagem:
a irritante torre medieval,
a capela tardo-gótica,
os retábulos de têmpera sobre madeira,
as rimas, as baladas líricas,
a cozinha típica, os sapatos:
descalce a paisagem,
veja-a sem subterfúgios,
nua, reduzida, descalça.
Ainda assim, nota bem,
algo permanece
entre aquela paisagem
e a de agora:
o pio dos corvos,
o agouro dos corvos,
aquele martelar de gritos negros,
sobrevive, voa entre
a paisagem de ontem
e a que lês, queridíssimo
leitor. Não há como
tirar os corvos
deste poema.
SAN DIEGO, LA CRECENTA: 7 VII 98
De
Horácio Costa
Ravenalas: poemas 2004-2008. 2a. ed.
São Paulo: Selo Demônio Negro, 2009.
145 p. capa dura ISBN 978-85-9039339-9
ORFISMO
Não sei se não é melhor
Ficar assim
Tudo tão imaginário
Com um único CD tocando
E depois o silêncio
Não sei não é assim
O melhor
A palmeira respondeu à
Voz
Tornou-se ereta
Quando debulhei a ária
SP 25 VII 05
SOL
É como se eu tivesse laborado
A vida inteira para ter direito
A esta manhã; nenhuma igual
A ela, ninguém igual a mim.
SP 6 VIII 05
ANIVERSÁRIOS
Vinte Anos Depois é um romance de Alexandre Dumas
duas décadas não são nada
é a média de vida do homem primitivo do escravo romano
é a idade de um cão muito muito velho
é a média de glória de um artista maior
o tempo sem celulite de uma cortesã
o lapso de procriação depois do casamento
quatro ou cinco mandatos políticos o auge de um Império
vinte anos levou a Constantino reformar Bizâncio
vinte anos fizeram a fortuna de Frick Morgan e Du Pont
vinte anos entre a apresentação no Templo e a crucificação
vinte anos é a matéria dos memorialistas
vinte anos e o povo se cansa da Revolução
vinte anos depois Odette está casada e Mareei morto
a roda o computador pessoal a moda das perucas brancas se
popularizam em não mais de vinte anos
Quéfren e Miquerinos construíram suas pirâmides em vinte
curtos anos
vinte anos depois o cadáver está frio olvidadíssimo
vinte anos de exercício e o êxtase desce ao asceta
nada nada são duas décadas vinte vezes nada
a ponte nova entre aqui e ali está congestionada hoje
a então chamada ponte do futuro já não serve mais
agora quando estás nela também estás aqui
tinhas o cabelo solto tinhas a rédea solta
soltas tinhas as palavras
há vinte anos
entre aqui e ali
(Poema introdutório de QUADRAGÉSIMO. São Paulo: Ateliê Editorial, 1999. A primeira edição do livro saiu no México, em 1996, pela Editorial Aldus).
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CAIXA DE ÁGUA AZUL
Entre a ramagem da árvore desconhecida,
Caducifólia, nem de Jessé ou genealógica,
Um volume azul sobre uma laje, caixa de água
De polietileno ou poliuretano.
Notação distante na paisagem urbana,
Obsedante recordação no agora-agora,
Calle Río Poo 108, Colonia Cuauhtémoc,
Suites Parioli, México, Capital.
O mar, não. O mar, não. O mar, não. O mar, não.
Um exagero de zéfiros, então: o expresso
Descia a serra em Simcas-Chambord tangerina,
Rumo à baía divisada entre montanhas:
Ao longe, o porto e as torres, guindastes e praias;
Ao pé a pantanosa terra, como espaguete, úmida.
O talento da oitava real quereríamos,
O seu sempre imarcessível horizonte.
Nele seguia a senhora duas vezes por ano,
Qual a ordem das vogais, dos ritos identitários,
às vilegiaturas; se lhe encolhera
o mundo à mínima possível transumância.
Para lá da paisagem, a sós uiva o engenho,
Aquilo que em linguagem transforma a língua.
A árvore que se agita em eterno lenho
Enraíza no presente o espectro que mingua.
Ia a senhora, olhos de pomba, um único anel
De coral; cruzou-se a morte entre ela e o poema.
O mar, não. Caixa de água azul entre prédios alheios.
Este o horizonte, marchetado em fragmentos,
Reduzido a um puzzle no qual o montador
A si se vê como uma das peças faltantes.
O agora não sabe o que diz: memoria vincitrix.
Desce uma vez mais o expresso a estrada de Santos.
MexCy9/10IX00
NA MESA DE CABECEIRA
Para Maria Aparecida Santilli
Na mesa de cabeceira,
Um exemplar da edição d’Os Lusíadas
Daquele velho professor secundário do Porto,
Remember, abundantemente comentada,
E um guia do Estado de Chiapas
Elaborado depois do EZLN, portanto
Tão preocupado em descrever as fachadas barrocas
De San Cristóbal de Las Casas como
Em falar das tribos coloridas &
Perseguidas.
Que mundos se juntam em quarenta centímetros quadrados,
O velho Camões sofrendo talvez pela vizinhança
Insuspeitada –mais distante hoje Chiapas de Calecute
Que há quinhentos anos.
Mas quem junta os objetos sou eu,
Quem lê estes livros simultaneamente
É este nômade dado
À teatralização do mínimo.
Talvez deste encontro fora do acaso
Não possa originar-se boa poesia.
Nas estantes convivem em ordem alfabética
O Mein Kampf e o Manifesto,
Um tratado sobre botânica com um sobre os amigos,
A loucura de Aliosha e as práticas de Santa Teresinha de Lisieux:
A contigüidade bibliográfica
Prevê terremotos para quem pára e reflete
Ao ler a lombada dos livros.
Mas neste hotel não há estantes:
Há uma espécie de mesa de cabeceira
Que testemunha como se babelizam e se lambuzam –
Haverá bacanal mais surpreendente a esta hora da noite?-
Os protegidos de Las Casas e o bardo lusitano
2x1 (“n˜ua mão a pena e noutra a lança”).
No caracol do ouvido distingo
O ritmo que executam
Em sua vital promiscuidade –
Dançando não sobre a cabeça de um alfinete de prata
Mas sobre um criado mudo.
MexCy 17IX00
AUTO-RETRATO NUM ESPELHO DE HOTEL
Nu, toalha nenhuma amarrada estrategicamente
Na cintura, a barba enrolada em cachinhos não
Mas desenhada como a de Prince, primeiro
Role-model,
Incide a luz como tem que ser: da direita inferior
E difunde-se para quem me vê como uma aparição
Poderosa, um Andrea Doria overweighted
Pintado por Bronzino não
Mas visto através da lente
De uma Diane Arbus
Compassiva.
“Ventripotent”, aprendi quando não tinha pança,
Na Aliança Francesa; logo depois os burgueses
De Hals me ensinaram que pode-se parecer bêbado
E próspero. Mas a minha cor
Raramente transparece a rosácea
Que floresce na derme holandesa:
Sou da tez, da consistência
Do Bacchino malato de Caravaggio,
Da dúbia cor dos romanos
Do Sodoma.
Um corpo que fora bem torneado
Pensa-se Tritão, ostras e mariscos
Pendurando-se pelo torso, por ti
Surpreendido face ao espelho.
Pensa-se Tritão, vê-se Netuno:
Nada melhor do que a tênue
Asa da mitologia
Para encobrir
A cor, o tempo, a pança.
(escrito no Sanborn’s Del Ángel, MexCy 19IX00)
A RÃ
Sim, naquele volet gauche
Da visão terrível do El Bosco
Lá nas Janelas Verdes,
Bem sobre o Mar da Palha
Sim, em Lisboa,
Ulissipona, Lixbona,
Lá vive extirpada do Paraíso
(No volet droit)
E num delírio de deslugar
Sem topografia nem imaginário
Mas com epistemé epistemé,
Lá, enfim, vestida de batráquio,
De meio ostra também
Ou pró-dinossáuria
Só que com as asas arrancadas
E inda por cima com pelezinha
Cor-de-rosa e clorofila,
As penas rasuradas
Por um profissional da imagem,
Com a boca que vc conhece,
Baconiana sim,
Bem baconiana,
Sem cérebro,
Estricnina,
A-que-volta-sempre,
A-mais-presente-que-aspirina,
A-pós-impoluta,
A-da-abadia,
A-do-puteiro,
A-que-diz-que-disse,
A linguaruda,
Densa de glossolalia,
Deusa da glossolalia,
A Rão.
Também vive na equação comum,
Fractal.
Às vezes me visita.
De tamancos. Sempre de tamancos.
Depois de comer muito alho,
Muito alho sempre.
E bafeja:
Às vezes retenho caligrama,
Se não os esqueço
Ou sublimo.
A Rão não me quer
E nem a ti
Nem a si
Nem ninguém.
Quando visita
Esqueço o linóleo abacate,
Os pés da menininha,
O formulário.
E desisto
Da água.
Creio que
Isto lhe faz gosto:
Mantém-me com a boca seca
E sem beber
E quando lhe lambo
Os flancos orvalhados
A Rão retorce-se de gozo.
(no Hospital Universitário; SP 6 VIII 02)
MANJAR BRANCO
Escrevo um poema depois
De ter escrito um poema sobre
Uma paisagem. Isto é mais manjado
Do que manjar branco, ou que o era
Nos idos não de março, nenhum
Júlio César que não o toxicômano
Semi-suicida filho do marceneiro,
Nenhum cônsul procônsul princeps
De Roma nenhuma, nos idos não de março
Mas de março de 1964, ano da morte de meu pai
E da Redentora.
Auto-ungida, veio redimir-nos de nós mesmos,
Os ingovernáveis de memória curta
Ou de longa memória, os ingovernáveis
Que sempre nos paralisamos diante
De uma sobremesa tremulantemente
Branca, com ameixas em conservas
Como calda, ou diante de conclaves
Que tais, que pizza imitam
Fi-gu-ra-ti-va-men-te.
Conto as sílabas, os anos que se passaram
Daquele revolucionário manjar, e eis-me
En-ve-lhe-cen-do diante de tais culinárias
Grandezas.
Oferecem-me “dobrada à moda”,
À moda tripeira, como ao Álvaro de Campos:
Numa civilização na qual tem tal predominância
O trato intestinal, que há-de
Esperar-se?
Ouvi o teu fado, José Dirceu,
Bem ouvi-o.
E houve na oitiva a memória de um
Jovem explorado (eu)
De boa índole (eu)
Quase “desaparecido” (eu)
Devido às tuas veleidades e de Ana Corbisier,
De terroristas que com identidades falsas
Abusaram da nossa hospitalidade,
Minha e da Sônia, lá por 1975:
De salva-pátrias glutão
E grande consumidor:
Indicam-no as tuas gordas bochechas
Cevadas por manjares brancos
E muitas, muitas caldas de ameixas.
Não havia os que te saciassem, certo?
Nenhum açúcar mais potente
Do que o poder que experimentaste.
E que, previsivelmente para mim, feriste de morte.
Deixa-nos com gosto amargo na boca
E azia no trato.
E lambo os meus beiços no poema.
Rio de Janeiro, 24 VI 05
De
SATORI
(Poemas)
São Paulo: Iluminuras, 1989
DA LEITURA
O luxo do esquecimento e a necessidade da memória lutam,
se anulam, amam-se gerações afora. Vem o teu corpo,
penetra-me, logo me abandona. Vejo tornar-me
alternadamente eu e outro, apenas eu, apenas outro, o outro e
eu. Neste trânsito nos igualamos os dois, sempre famintos e
súbito satisfeitos a cada minuto, ou cada movimento. Não há
memória que não preveja esquecimento. Nele, sólidos,
carregam-se os fatos que medram no Tempo. Teus olhos
percorrem-me e me interrompem. Parte, inconcluso,
permeado deste meu moto, significando moinhos de vento.
Pois que a leitura não se completa nunca, deixo agora de
estar aqui. Assobia-me meu começo, que já reside em ti.
Nova Iorque, 1981
ESCRITO ÀS SEIS DA MANHÃ
entre vegetação e céu
às seis da manhã em ponto
dão voltas sobre si mesmos
os quatro vasos de avenca
suspensos sobre um abismo
planetas desconhecidos
flutuam no além-momento
herdeiros de Assurbanipal
herdeiros do Führer louco
um fio os ata à árvore
amantes da gravidade
são como a História inteira
são vida em estado puro
dão voltas, cai um império
dão voltas, o mundo é pouco
às seis da manhã em ponto
suspensos sobre um abismo
(um fio os ata à árvore)
dão voltas sobre si mesmos
os quatro vasos de avenca
EXCRITO NA AULA DE JACQUES DERRIDA
Vamos.
Conversemos com a eternidade
deste espaço em branco.
Nenhum Mallarmé rompe a linha
da língua da página
que flui como uma norma.
Deixemos pro futuro um ambiente
no papel fechado:
janelas neogóticas, alunos novoingleses,
um “mot” neolatino que habita
novas traduções em expansão.
O filósofo disserta infindavelmente
proliferando intenções. O som da voz
bate e reverbera nos cristais
e encontra seu limite nos bordes deste
plano. Coscruza o branco.
Lá fora uma cidade quase dorme depois
da chuva. A alteridade é percebê-la
em stillness, enquanto avança a noite
e se corrompem as palavras.
POEMA
para Eduardo Milán
meus olhos estão secos como o verão
minha sede água nenhuma amortece
um caminho sem retorno ou horizontes
dá sobre si voltas
e desaparece
a terra fabrica sombras sem ar
mineraliza o ar desertos sem pressa
a areia que o vento subtrai da rocha
multiplica o tempo de essência leve
rodamoinho
forma da eternidade
moldeia meu corpo entre as escarpas
sou como o vaso atravessado pelo sol
em mãos do ceramista
se me sustentas
sou pedra em suspensão
se me desejas
de instante prenhe entre céu e gravidade
pedra me torno lavada desde adentro
iluminada em torno ao eixo em rotação
eu sou planeta explodido em si mesmo
cal e zero vida e nada ser total
se me revelas
forma expandida
mesmeriza minha voz em movimento
pó de escritura
dança helicoidal
tenho presente a imagen da imagem
[breve
um caminho sem retorno ou horizontes
dá sobre si voltas
e desaparece
COSTA, Horácio. Paulistanas / Homoeróticas. São Paulo: Lumme Editorial, 2007. (Série caixa preta. Poesia.) 12x19 cm. Caixa de papelão contendo 3 folhetos.
A TERCEIRA FACE DE JANO
não olha ao futuro
nem mede o passado
a terceira face de Jano
mora em São Paulo
olha para o lado
tenta
virar o rosto
não pode:
aí estão as siamesmas
faces irmãs
a do futuro
cega como Borges
a do passado
rouca como Proust
e nenhuma que veja
a Marginal do Pinheiros
sobrou para ti
terceira imobilizada
face perplexa
estar face
a face
com o
presente
São Paulo, 16.V.06
OS DEDOS CEGOS
Os dedos cegos perseguem a carne,
Tocam-na, sedentos; irreflexivos
Sobem do pene ao peito até a barba
Que os surpreende, cega: talvez branca
Grisalha ou negra sobre pele jovem.
Os dedos cegos sopesam a carne,
Trilham-na, nela meditam todo um
Deambular: que prever para além
Dela, afora a terrível noite escura
Que desse corpo em transe foge sempre
Rumo à cidade e suas feerias?
Os dedos cegos exploram a carne
E sempre famintos a consomem
Na lei expressa de seu tentear—
Lei mais velha que o ser e que o expressa.
SP, 15.XI.05
|
COSTA, Horácio. The Very Short Stories. São Paulo: Iluminuras, 1991.75 p.
11x21 cm. ISBN 85-85219-38-6 “ Horacio Costa “ Ex. bibl. Antonio Miranda
The Rosy Crucifixion
, nonchalant camisaberta. Estamos atacados de
textualidade. Também observaste os mamilos de
quem cruzou nosso caminho. Duros como beija-
flores, drops de alegria: morena azálea em flor o
corpo.
How unruly. Persigamo-lo ao Parnaso: que ne-
nhuma palavra escape de sua boca. Perseu. And
down we went! ("Ezra, wbere are your scissors?")
Que fazer depois destes band-aids de tempo em
que tudo esteve al fresco?
"Agora Não."
— Oh, como podes ser tão insensível?
Outro dia passou. Hoje vamos comer despreocu-
padamente na casa do Poeta: engata uma segun-
da, que lá vem barra pesada: à minha direita esta-
rá empoleirado o corvo de Boileau.
Sobre minha cabeça persiste um discreto rufar de
asas abertas. Kyrie Elleison... Kyrie... Kyrie... Se-
guirei imaginando que a Pomba-Gira me protege.
COSTA, Horácio. O Menino e o Travesseiro. Prólogo de José Saramago. Ilustrações de José Hernández. 2ª. edição. São Paulo: Geração Editorial, 2003. 43 p. 16x23 cm. Capa dura. ISBN 85-86028-09-6 “ Horácio Costa “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Extraído de:
COSTA,Horácio, org. A Palavra poética na América Latina. Avaliação de uma geração. São Paulo: Memorial da América Latina, 1992. 272 p. (Cadernos de Cultura) 14x21 cm Capa: Mario Cafiero. ISBN 85-85373-04-0 Col. A.M.
Roda das ideias fixas
para João Alexandre Barbosa
Outros — no tempo —
compõem emblemas
com que me persigo
presenças perpetuadas
pela mais tenaz repetição
a engendrar a suprema
surpresa geométrica
de um labirinto interno
a uma linha reta
a mesma coisa concreta
cercada até sua abstração
ou afirmada ainda
pelo apego avesso
da via negativa
como a metáfora implícita
em liquidar com as metáforas
e aquela busca da hora
— impontual —
que é o fim de todas as horas
De: Crescente, 1990.
|
COSTA, Horácio. O Livro dos Fracta. São Paulo: Iluminuras, 1990. 70 p. 15x20,5 cm. ISBN 85-85219-28-9 Imagem da capa: Binary decomposition on the unit disk in C. “ Horácio Costa “ Ex. bibl. Antonio Miranda
III
Drummondiana
A amava B que amava C que não amava
ninguém. Em dispersão termina a volição:
pirâmides/pó enquadram o passeio dos amantes.
XVI
La Storia
Um alvéolo sonha a árvore;
o ponto-que-desliza, o aleph.
A identidade é imitação.
COSTA, Horácio. Paisagem II. São Paulo: 2009. 18 p. 12,5x19 cm. (Selo Demonio Negro) Tiragem: 98 exs. Capa em papel de fibra de sisal artesanal. Ex. 033 na bibl. Antonio Miranda “ Horácio Costa “
PAISAGEM II
À Ana Hatherly
Sentado nesta bergère de courvin
sinto o poema chegar com ainda
menos urgência do que parece
condensarem-se as nuvens sobre a paisagem
que se descortina deste hospital
debruçado sobre a mais insípida
autopista ou avenida de fundo de vale
— que cada cidade tenha as suas
características é mais do que natural
e Dubai e Oslo só se encontram
por terem topónimos bissílabos —
e tais artérias são o próprio desta
na qual por bem nasci e na qual
se me for dado imprimir sobre
o meu devir bizarro a vontade
minha, hei de morrer e talvez
em algum espaço medical como este
e sempre na observação de plúmbeas
vastas nuvens, que obrigam recordar
a proximidade da serra e sua
exsudação e abaixo o sujo mar
per elas responsável, pai
esquecidiço e insolidário quem
nos filia a cada estação e quem
nos manda carícias sob forma de
sazonais monções.
Mudo
de posição como em Apipucos
Freyre o faria em outra bergère
mas não diviso sequer mentalmente
nenhum engenho de nome Noruega
na noite que se acende e sim
apenas o estertor de uma cidade
nem libertina nem libertária
nem escarrapachada em indolentes redes
mas que no supino anonimato garante
o quociente de cada habitante seu
à liberdade de escolha, dentro
dos limites xadrezes entre prédios
e vales e parcos parques e não mais.
Que
não se confunda tal simples solaz
ao exercício contumaz da fantasia:
aqui não cortam os ares de Batman
a capa nem Quasímodo horrendo
se esconde em nossa Sé e nem Rachel
Watson ou Esmeralda belas apeiam-se
dos incessantes vagões na Liberdade.
Há dias sinto emergir este poema
e serão tais nuvens baixas quem
o traz e de onde aportará que não
da sensação experimentada dia a dia
do perviver este espaço dia com dia
no fluxo de um rio ao inverso?
A hibridez do texto corresponde-lhe
e a mim, e ao desejo de plasmar-me
nele e nela e repetir e repetir
que a cidade que tudo isto origina
será o meu espelho colinado
e meus nervos e meu sangue
estas luzes que diviso mental e real-
mente, agora que a sobrevoo não
em rés búdico, que bem o quisera,
mas para começar a terminar
este registro que inda tarda.
As raízes do fícus, gigantescas,
entre as pistas da auto-bahn
esperam quem nelas se aninhe
e ao pé da copa frondosíssima,
como Buda, se ilumine; as encostas
lá embaixo, sulcadas entre bairros
de espigões, talvez possam sugerir
semi-aconcáguas aos do montanhismo
entusiastas, que por aqui transitem
e aos médicos, o vislumbre da
distante cúpula da Catedral, cujos
bronzes estão cobertos por cinábrio,
o bimbalar mouco de sinos em toque
fúnebre, que lhes imprima o significado
da vida de cada um de seus pacientes:
velhos imigrantes portugueses, mães
nordestinas deixadas por seus machos,
nisseis que se expressam por sorrisos
e o significado da minha vida em
particular, quase um gondoleiro age
neste Rialto em pane, vestido
com esta improvável camiseta
listrada de azul e branco e por hora
sentado a escrever este poema
nesta bergère de courvin
impessoalíssima e com os seus olhos
rasos d'água, como deve ser, enquanto
reflito sobre São Paulo e sua gente
neste pavilhão de funcionalidade
hospitalar, edificado num barranco
íngreme não: cânion sobre uma artéria
aberta no fundo de um vale coberto
por nuvens nuvens nuvens.
II BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASÍLIA – Poemário. Org. Menezes y Morais. Brasília: Biblioteca Nacional de Brasília, 2011. s.p. Ex. único.
Cabe ressaltar: a II BIP – Bienal Internacional de Poesia era para ter sido celebrada para comemorar o cinquentenário de Brasília, mas Governo do Distrito Federal impediu a sua realização. Mas decidimos divulgar os textos pela internet.
Rumo a Aqüiléia
Come from the holy fire
And be the singing masters of my soul.
Yeats, Sailing to Byzantium
a José Saramago, in memoriam
O dia está mesmo encoberto.
Entre ruídos de telefones
celulares, eis-me enfim
a caminho de Aqüiléia.
Veneza não mais interessa
e por sucumbir não termina.
Sobre canais, pontes, museus,
os habitantes, seus manteaux.
Os palácios iluminados
e os restaurantes lotados.
Constroem um novo Bucintoro
para a sanha dos turistas.
Por isso, rumo a Aqüiléia.
Lá não sou amigo do rei
mas é ao velho Diocleciano
a quem hoje visitarei.
Sua viúva, sua filha,
de princesas passaram a
mendigas. Sobre a História,
que dirá o fantasma cesáreo?
Que seja em latim, tanto faz.
De sua congelada Panônia
o vulto do Imperador
algo útil me sussurrará.
Não penso em brocados, nem quero
púrpuras. Nos filmes estão
as tiaras de ametistas. Dôo
aos poetas fáceis, efeitos.
Mas vim de tão longe, sou um
brasileiro. Posso ao tetrarca
exigir o real, o que é vero,
a substância, e ponto final.
Que não revele, que só confirme,
é suficiente. Que é da História?
E, dois mil anos depois, que gosto
lhe guarda o seu tanto poder?
Vilipendiadas, pelo Império
vagaram as suas princesas.
Uma vez destilada a ira,
Diocleciano, hoje, sabe.
Ou deve saber. Que me traga
a sua conclusão ou se cale.
A ele já não voltarei:
a Aqüiléia se vai uma vez.
Que não esmiúce os fardos
da glória e da santidade;
poupe-me quem com olhar
galvanizava os legionários.
Que confesse ao visitante
a sua moral milenar.
Divo! conjuro-te a afirmar
que há um sentido, um destino.
Eis-me então frente a Aqüiléia.
Já sei o que há por encontrar:
mosaicos, restos arqueológicos.
Patriarcas, gestas de hunos.
E que escapa a voz que míngua?
Suores. Pactos. Traições.
Ah, que não lamente a desdita
das pobres princesas reais.
Mas se o eco vier de Ausônio,
quem descreveu Aqüiléia
à sombra dos últimos Césares,
celebrarei entre as ruínas.
Se for de Ausônio a voz,
que atento eu permaneça.
Que ele me conte o que queira:
não sei o que o poeta dirá.
Aqüiléia, Itália, 5 XII 98
Inhotim
quem ainda tem lágrimas
para chorar de beleza?
as há tantas para carpir
agora que sou homem
mas de beleza quem sobe
ao êxtase do olhar
e conduz esses cantos
das lágrimas?
o som profundo do
lacrimário da terra
quem ainda tempo tem
para ouvir
e a morada da entidade
no imo da mata
quem se serve a
verter em água salgada?
parece que o mundo procura
a identidade da palma
que saúda em Inhotim
o céu puro de Minas
Belo Horizonte (MG), 27/ III/2001
POEMA INÉDITO:
ERBARME DICH
Illo tempore
já soube o que queria dizer
Erbarme dich
da Paixão segundo Mateus de Bach
mas a memória desgastou-se
Agora dependo da tradução que encontro
no YouTube
Senhor tende piedade de mim
nesta manhã de domingo
aqui escrevendo com caligrafia negra
sobre página branca
se existis Senhor
tende
tende piedade de mim
escrevo o seu nobre nome em maiúscula
nunca o fiz antes mas sim
tende
sim
piedade
nesta pandemia
de mim
sofro suores noturnos
para mim
volteai vosso olhar
se fordes misericordioso
mas
a porra da tradução não está
na segunda pessoa do plural
e
para pedir piedade
a um Deus misterioso
não se lhe deve tratar de tu
é falta de decoro
tutoyer le Tout Puissant
é algo que me escapa
semelhante informalidade lingüística
eu posso pedir ao chofer do Uber
que terá que levar-me ao hospital
São Luís do Morumbi para
que ele tenha piedade de mim
se não houver ninguém mais para me acompanhar
tratando-o de tu ou você
para que
em abstrato e no caso de eu estar febril
me leve a submeter-me aos primeiros
cuidados médicos para a COVID-19
que parece de todas maneiras seriam
inúteis
talvez até mais inúteis do que
pedir ao Todo Poderoso que me escute
em minha súplica para
que de mim tenha piedade e
que se condoa desta vida humana
terrificada de medo do contágio
a caminho do 67º aniversário
de sua estância terrena
o uso do tu está OK para o Uber mas para Deus
não o Deus do Uber
ou o Deus do YouTube
e sim o Deus Deus
deve-se portanto dizer
em português creio eu
Tende vós Senhor tende
piedade deste que se desperta
em um país doente e ímpio
para mais um dia de notícias
péssimas
devido a uma ordem
péssima
e um governo
péssimo
Tende piedade de nós Senhor
neste vale de lágrimas
Osasco, Domingo de Carnaval 2021
HORÁCIO COSTA
José Horácio de Almeida Nascimento Costa nació en São Paulo en 1954. Estudió arquitectura y urbanismo. Vivió muchos años en Estados Unidos y México, desempeñándose como profesor universitário. Publicó 28 poemas/6 contos (1981), o livro dos fracta (1990; también editado en castellano en México, 1990), El niño y la almohada (bilíngüe, 1994) y Quadragésimo (México, 1996; Brasil, 1999). [Traducciones de R.J., revisadas por H.C.J]
TEXTOS EM ESPAÑOL
CAJA DE AGUA AZUL
Entre el ramaje del árbol desconocido,
Caducifolio, ni de Jessé ni genealógico,
Un volumen azul sobre una losa, caja de água
De polietileno o poliuretano.
Notación distante en el paisaje urbano,
Obsedante recordación en el ahora-ahora,
Calle Río Poo 108, Colonia Cuauhtémoc,
Suites Parioli, México, Capital.
El mar, no. El mar, no. El mar, no. El mar, no.
Un exagero de zéfiros, entonces: el expreso
Bajaba la Sierra en Simcas-Chambord tangerina,
Rumbo a la bahía divisada entre montañas:
A lo lejos, el puerto y las torres, grúas y playas;
Al pie la pantanosa tierra, como espaguete húmeda.
El talento de la octava real quisiéramos,
Su siempre inmarcesible horizonte.
En el seguía la señora dos veces por año,
Cual el orden de las vocales, de los ritos identitarios,
A las vilegiaturas; se le había encogido
El mundo a la mínima posible trashumación.
Más allá del paisaje, a solas aúlla el ingenio,
Aquello que en lenguaje transforma la lengua.
El árbol que se agita en eterno leño
Arraiga en el presente el espectro que mengua.
Iba la señora, ojos de paloma, un único anillo
De coral: se cruzó la muerte entre ella y el poema.
El mar, no. Caja de agua azul entre predios ajenos.
Este el horizonte, marchetado en fragmentos,
Reducido a un puzzle en el que el montador
A si se ve como una de las piezas que faltan.
El ahora no sabe qué dice: memoria vincitrix.
Baja una vez más el expreso la carretera de Santos.
EN LA MESILLA DE NOCHE
A Maria Aparecida Santilli
En la mesilla de noche,
Un ejemplar de la edición de Os Lusíadas
De aquel viejo profesor secundario de Oporto,
Remember, abundantemente comentada
Y un guía del estado de Chiapas
Elaborado después del EZLN, por tanto
Tan preocupado en describir las fachadas barrocas
De San Cristóbal de Las Casas como
En hablar de las tribus coloridas &
Perseguidas.
Que mundos se juntan en cuarenta centímetros cuadrados,
El viejo Camões sufriendo quizá por la vecindad
Insospechada (Chiapas
No es Melinde ni Calecut).
Pero quien junta a los objetos soy yo,
Quien lee estos libros simultáneamente
Es este nómada dado
A la teatralización de lo mínimo.
Tal vez de este encuentro fuera del azar
No pueda surgir buena poesía.
En las estanterías conviven en orden alfabético
El Mein Kampf y el Manifiesto,
Un tratado sobre botánica y uno sobre la amistad,
La locura de Aliosha y el êxtasis de Santa Teresa de Lisieux:
La contigüedad bibliográfica
Prevee terremotos para quien se detiene y reflexiona
Mirando el lomo de los libros.
Pero en este hotel no hay estantes:
Hay una especie de mesilla de noche
Que atestigua cómo se babelizan y se relamen –
¿Habrá bacanal más sorprendente?-
Los protegidos de Las Casas y el bardo lusitano
2x1 (“n˜ua mão a pena e noutra a lança”).
En el caracol del oído distinguo
El ritmo que ejecutan
En su vital promiscuidad –
Bailando no sobre la cabeza de un alfiler de plata
Mas sobre una mesilla de noche.
AUTORRETRATO EN UN ESPEJO DE HOTEL
Desnudo, toalla ninguna amarrada estratégicamente
En la cintura, la barba enrollada en caracolitos no
Sino dibujada como la de Prince, primer
Role-model,
Incide la luz como tiene que ser: de la derecha inferior
Y se difunde para quien me ve como una aparición
Poderosa, un Andrea Doria overweighted
Pintado por Bronzino no
Mas visto a través de los lentes
De una Diana Arbus
Compasiva.
“Ventripotent”, aprendi cuando no tenía panza
En la Alianza Francesa; luego después los burgueses
De Hals me enseñaron que se puede parecer borracho
Y próspero. Pero mi color
Raramente transparece la rosácea
Que florece en la derme holandesa:
Soy de la tez, de la consistencia
Del Bacchino Malato de Caravaggio,
Del dudoso color de los romanos
Del Sodoma.
Un cuerpo que fuera bien torneado
Se piensa Tritón, ostras y mariscos
Congándosele por el torso, por ti
Sorprendido frente al espejo.
Se piensa Tritón, se ve Neptuno:
Nada mejor que la ténue
Ala de la mitología
Para encubrir
El color, el tiempo, la panza.
LA RANO
Sí, en aquel volet gauche
De la visión terrible del Bosco
Allá en las Janelas Verdes,
Sobre el Mar de Paja,
Sí, en Lisboa,
Ulisipona, Lixbona,
Allá vive sustraída del paraíso
(En el volet droit)
Y en un delirio de deslugar
Sin topografía ni imaginario
Mas con epistemé epistemé,
Allá, en fin, vestida de batracio,
También de medio ostra
O pro-dinosauria,
Sólo que con las alas arrancadas
Y más aún con pielecita
Color de rosa y clorofila,
Las plumas rasuradas
Por un profesional de la imagen,
Con la boca que Ud. conoce,
Baconiana sí,
Bien baconiana,
Sin cerebro,
Estricnina,
La-que-regresa-siempre,
La-más-presente-que-la-aspirina,
La-post-impoluta,
La-de-la-abadía,
La-del-burdel,
La-que-dijo-que-dice,
La lenguaraz,
Densa de glosolalia,
Diosa de la glosolalia,
La Rano.
También vive en la ecuación común,
Fractal.
A veces me visita.
En zuecos. Siempre en zuecos.
Después de comer mucho ajo,
Mucho ajo siempre.
Y exhala:
A veces me quedan caligramas,
Si no los olvido
O los sublimo.
La Rano no me quiere
Ni a tí
Ni a sí
Ni a nadie.
Cuando me visita
Se me borra el mosaico aguacate,
Los pies de la niñita,
El formulario.
Y desisto
Del agua.
Creo que
Eso le da gusto:
Me mantiene con la boca reseca
Y sin beber
Y cuando le lamo
Sus flancos rociados
La rano se retuerce de gozo.
COSTA, Horácio. El libro de los Fracta. México, DF: Verdehalago/ Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, 2002. 70 p. (Colección La Centena / Poesía.) 11,3x16,7 cm. ISBN 970-18-8339-X Tiragem: 5000 exs.
Red Shift
Arrastra tu falda, chiquita. Desaparecer en llamas,
color de tus encajes. Del otro lado de la Avenida
observamos tu colisión. Sunset grand couturier.
Blue Shift
Atento al ritmo, negro. Tú vienes en nuestra dirección,
somos tu banquete, dervijes inanes que propician
allahs.
Tú vienes. Not with a bang but a whimper.
=========================================================
Extraído de la revista
tsé=tsé
7/8 otoño 200
Buenos Aires, Argentina
POEMA
mis ojos están secos como el verano
mi sed agua ninguna amortigua
un camino sin retorno u horizontes
da vueltas sobre sí
y desaparece
la tierra fabrica sombras sina ire
mineraliza el aire desiertos sin prisa
la arena que el viento sustrae de la roca
multiplica ele tiempo de esencia leve
remolino
forma de la eternidad
moldea mi cuerpo entre las escarpas
soy como el vaso atravesado por el sol
en manos del ceramista
si me sustentas
soy piedra en suspensión
si me deseas
de instante preñado entre cielo y gravedad
piedra me torno lavada desde adentro
iluminada en torno al aje en rotación
yo soy planeta estallado en sí mismo
cal y cero vida y nada ser total
si me revelas
forma expandida
mesmeriza mi voz en movimiento
polvo de escritura
danza helicoidal
tendo presente la imagen de la imagen
[breve
un camino si retorno u horizontes
da vueltas sobre si
y desaparece
BESTIARIO INMEDIATO –Muestra de poesía mexicana contemporânea. Prólogo y compilación: César Arístides. Ilustraciones : Juan Manuel Ramos López. México, DF: Ediciones Coyoacán, 2000. 133 p. 13x21 cm. ISBN 970-632-171-9 Col. A.M.
EN EL JARDÍN
I
Sorprendida entre el follaje
genuflexiones inauditas hace
la lagartija
frente a una piedra cualquiera.
¿Qué religión, la suya?
¿qué fuerza la mantendrá paralizada
jadeante
entre hiedra y jazmín?
no losé. En el jardín se esconde
un dios, visible tan^sólo
para
II
Cronos, el perro, comió demasiado
en la cena.
A media noche la puerta de la azotea
tuve que abrirle.
Por la mañana viene la lagartija
y perfunctoria
(¿será la misma?)
se detiene maravillada
frente a la endurecida masa
que el perro hubo legado
entre las macetas.
Por el lado del revés hay alguien
que escribe derecho.
COSTA, Horácio. Ravenalas y otros poemas. Traducción: Cristian de Nápoli. Buenos Aires: Ediciones Gog & Magog, 2013. 253 p. 14x20 cmm. Fotografia de tapa: Curro Palacios Taberner. ISBN 978-950-9704-56-5 Edição bilíngue Português – Español. Obra publicada con el apoyo del Ministerio de Cutlura de Brasil, Fundação Biblioteca Nacional. “Horácio Costa” Ex. bibl. Antonio Miranda
FEBRA
E existirá um deus
Que viva na borda
Da seda desfiada?
Um deus próprio
Para o tecido
Que se desfia?
Um deus para a febra
Precisa,
Desfiada?
E isto quer dizer:
Um deus do desfiar
Do desfazer do tecido
Do deslizar
Daquela febra
Insubstituível?
E inimputável?
Existirá um deus
Para a parte do tecido
que foi-se?
Como febra que se desfia
Como seda que se desfaz
Um deus do ir-se
Um deus que-se-vai:
Da despedida.
SP 5 V 04
FIBRA
¿Y existirá un dios
que viva en el borde
de la seda deshilachada?
¿Un dios propio
para la tela
que se deshilacha?
¿Un dios para la fibra
precisa,
deshilachada?
Y esto quiere decir:
¿un dios del deshilachar
del deshacerse de la tela
del deslizar
de aquella fibra
insustituible?
¿E inimputable?
¿Existirá un dios
para la parte de la tela
que se fue?
como fibra que se deshilacha
como seda que se deshace
Un dios del irse
un dios que se va:
de la despedida.
SP 5 V 04
BARATARIA Revista de Poesia. Ano 7 Número Doble 14 - 15. Buenos Aires: Fondo Cultura BA, Junio 2005. ISSN 1668-1460
Ex. bibl. de Antonio Miranda
Traducción de JUAN GARCÍA GAYO
ESCRITO EN LA CLASE DE JACQUES DERRIDA
Vamos.
Conversemos con la eternidad
de este espacio en blanco.
Ningún Mallarmé rompe la línea
de la lengua en la página
que fluye como una norma.
Dejemos para el futuro un ambiente
en el papel cerrado:
ventanas neogóticas, alumnos neo-ingleses,
un "mot"* neo-latino que habita
nuevas traducciones en expansión.
El filósofo diserta continuamente
proliferando intenciones. El sonido de la voz
golpea y reverbera su límite en los bordes de este
plano. Perfora el blanco.
Allá afuera una ciudad casi se duerme después
de la lluvia. La alteridad es percibirla
en stillness*, mientras la noche avanza
y se corrompen las palabras.
* En francés e inglés en el original.
De "Sartorio" (1989)
HISTORIA NATURAL
Detrás del taxidermista está la paja,
detrás del rinoceronte, la sabana,
detrás de esta escritura solamente la noche,
la noche que galopa hasta la frente.
En las alas de la mariposa asoma la luna,
en la cabeza del alfiler brilla el sol,
en estas líneas reverbera un sol negro,
el astro que ahora sube por el horizonte.
El animal disecado de la sintaxis
dispone el verbo, el bastidor y la leyenda
de una colección más muerta que los muertos.
En el gabinete de historia natural
el visitante-lector se detiene ante
mamíferos e insectos relucientes.
*
Página ampliada e republicada em fevereiro de 2023
Página ampliada e republicada em janeiro de 2009. Ampliada e republicada em nov. 2013. Ampliada e republicada em julho de 2014; ampliada e republicada em agosto de 2014. Ampliada em agosto de 2016.
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