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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





GLAUCO MATTOSO
 

 

 

Pedro José Ferreira da Silva, conhecido como Glauco Mattoso, nasceu em São Paulo em 1951. O pseudônimo Glauco Mattoso vem da palavra glaucoma, causa de sua deficiência visual há muitos anos. Mattoso seria uma referência ao poeta satírico barroco Gregório de Mattoso, seu alterego poético.

 

Cursou biblioteconomia (na Escola de Sociologia e Política de São

Paulo) e letras vernáculas (na USP), ainda nos anos 70 participou, entre os chamados "poetas marginais", da resistência cultural à ditadura militar, época em que, residindo temporariamente no Rio, editou o fanzine poético-panfletário JORNAL DOBRABIL (trocadilho com o JORNAL DO BRASIL e com o formato dobrável do folheto satírico) e começou a colaborar em diversos órgãos da imprensa alternativa, como LAMPIÃO (tablóide gay) e PASQUIM (tablóide humorístico), além de periódicos literários como o SUPLEMENTO DA TRIBUNA e as revistas ESCRITA, INÉDITOS e FICÇÃO.

 

Durante a década de 80 e o início dos 90 continuou militando no

periodismo contracultural, desde a HQ (gibis CHICLETE COM BANANA,

TRALHA, MIL PERIGOS) até a música (revistas SOMTRÊS, TOP ROCK), além de colaborar na grande imprensa (crítica literária no JORNAL DA TARDE, ensaios na STATUS e na AROUND), e publicou vários volumes de poesia e prosa.

 

Livros de poesia: Línguas de papa (1982); Memórias de um pueteiro (1982); Limeiriques & outros dediques glauquianos (1982); Centopéia – sonetos nojentos & quejandos (1999); Paulicéia ilhada – sonetos tópicos (1999); Geléia de rococó – sonetos barrocos (1999);Panacéia – sonetos colaterais (2000).

 

Mattoso retoma a antropofagia do ponto em que Oswald parou. E, ainda, acrescenta um dado novo. Aquele nos explica: "Já que a nossa cultura (individual & coletiva) seria uma devoração alheia, bem que podia haver uma nova devoração dos detritos ou dejetos dessa digestão. Uma reciclagem ou recuperação daquilo que já foi consumido e assimilado". O dado novo: devorar os resíduos, aquilo que ficou à margem, em outras palavras, aquilo que a tradição moderna brasileira não aproveitou. Proposta que Mattoso, singularmente, chamou de coprofagia.

FRANKLIN ALVES

 

“Glauco Mattoso é um herdeiro da poesia fescenina (a lírica licenciosa da Antiguidade latina), das cantigas de escárnio e maldizer (que remontam ao trovadorismo português), da poesia erótica do barroco brasileiro Gregório de Matos e do sonetista português du Bocage (1765-1805); transforma perversão, pornografia e auto-humilhação msoquista (leia-se se “Soneto de Natal”) em denúncia anárquica da “merda comunitária cosmopolita” — como no “Manifesto Coprofágico”, cuja epígrafe é uma “licença poética” com o nome do poeta espanhol Federico García Lorca...”  

Manuel da Costa Pinto

 

Página oficial do autor: http://glaucomattoso.sites.uol.com.br/ 

Leia também o ensaio: GLAUCO MATTOSO E A “ESTÉTICA DO PÉ SUJO” EM MANUAL DO PODÓLATRA AMADOR, por Ana Paula Aparecida Caixeta e Wilton Barroso Filho


TEXTOS EM PORTUGUÊS  /  TEXTOS EN ESPAÑOL 

Veja também: POESIA ERÓTICA

 

        

 

Glauco Mattoso é um artista único na poesia brasileira contemporânea. Satírico, irreverente, libidinoso, em sonetos libertinos, malcriados, insolentes, hereges. Ele mesmo alimenta sua fama de terrible, proclamando-se maldito, podófilo, escatológico. Deve incomodar muita gente. É possível compará-lo ao Gregório de Mattos, o Boca do Inferno, mas os tempos são outros, outros são os valores, hoje mais amorais, embora igualmente imorais.

A editora paulista Annablume lançou uma Série Mattosina entre 2007 e 2009. Tenho os volumes que vão até o número 7, edições muito bem cuidadas, como são as do selo Demônio Negro, responsável por alguns dos mais belos exemplos de nossa bibliografia poética, própria para os bibliófilos. Embora a série dedicada ao poeta cego — Glaucco vem de glaucoma... — seja das mais simples tipograficamente, é digna de admiração. Foram de apenas 500 exemplares a
tiragem dos títulos lançados.

         A poesia de Glauco Mattoso é assim: a gente gosta ou não gosta. É fora de série, um sonetista virtuoso, estilo direto, sem retórica, longe dos adjetivos inúteis, salvo quando são para ridiculizar e caricaturar seus personagens. Um dos personagens é o próprio Glauco. No livro Cinco Ciclos e Meio Século, em que comemora os 50 anos de vida, reservou a parte final para uma espécie de auto-
biografia em versos, começando em 1951 e terminando em 2000. Escolhemos os dois primeiros sonetos e os dois últimos. Começa pela infância e termina revelando
sua afeição pelo companheiro Akira.

 

 

MATTOSO, Glauco.   Geléia de Rococó.  São Paulo: Edições Ciência do Acidente, 1999.  S.p. 14x21 cm.  ISBN 85-87515-02-0   .  “ Glauco Mattoso “   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

         

SONETO 274 PACIFICISTA [GR ]

 

Apelos pela paz são comoventes:

Parece até que toda a raça humana

ou quase toda, unânime, se irmana

na firme oposição aos combatentes.

 

Campanhas e cruzadas e correntes

envolvem muita mídia e muita grana,

mas nada se compara à força insana

do génio armamentista em poucas mentes.

 

Pombinhas, flores, nada disso importa

na hora da parada militar,

se acharmos que o perigo bate à porta.

 

A fim de protegermos nosso lar,

deixamos que haja tanta gente morta,

mas não aqui: só lá, noutro lugar.

 

 

Glauco Mattoso
 Cinco ciclos e meio século. 
      São Paulo: Annablume Editorial, 2009.               
118 p. (Col. Dix Editorial)  Série Mattosiana 7.   119 p.

 

 

 

SONETO REMONTANDO A 1951

 

 

Minha cronologia principia

no dia de São Pedro. De glaucoma

já nasço portador, mas, nesse dia,

só querem que se beba e que se coma...

 

Sou neto de italianos, e a mania

é dar diminutivos: no idioma

de Dante, sou Pierin. Me oferecia

um brinde o bisavô, que vinho toma...

 

Pierin, ou Piergiuseppe, dura pouco.

Já sou Pedro-José. O ouvido mouco

não é, mas um dos olhos já pifava...

 

Na foto, faço gestos algo obscenos,

unindo dois dedinhos: já pequenos,

mostravam a revolta: "Vão à fava!"

 

 

SONETO REMONTANDO A 1952

 

Não lembro, mas disseram que precoce

eu fui para falar. Como não há

registro em gravação, resta que esboce

algum palpite a raiva que me dá".

 

"Nenê tá puto!" (pausa para a tosse)

"Pude! Toma no eu! Gugu! Dada!"

E assim, antes que minha voz engrosse,

já digo aonde quero que alguém vá...

 

Falei bastante coisa, mas a minha

mamãe só recordava uma abobrinha

ou outra, como aquela expressão brava...

 

Agora que ela é morta, ninguém pode

dizer que um bebê, quando alguém se fode,

risada dá, gostosa como eu dava...

 

 

****

SONETO REMONTANDO A 1999

 

Me veio sem aviso: após o gozo

noturno, entre uma insônia e um pesadelo,

percebo que a memória é poderoso

recurso e que preciso conhecê-lo...

 

Sucedem-se os sonetos: volumoso

parece ser o veio... Em breve, o selo

Ciência do Acidente dum Mattoso

febril publica a praga, o berro, o apelo:

 

Entre uma "Centopéia" e uma "Geléia

de rococó", completa "Paulisséia

ilhada" a trilogia que hei criado...

 

Começa a nova fase, que não finda

nos mil, nem nos dois mil, pois muito ainda

virá calar quem quis me ver calado...

 

 

SONETO REMONTANDO A 2000

 

Publico "Panacéia" e já preparo

um disco só de letra musicada —

Mas algo em minha vida fica claro:

sozinho, tanto verso vale nada...

 

Poetas querem musa, que, não raro,

seria a própria esposa, a própria amada,

alguém com quem conviva e que ele, avaro,
possua para si e jamais se evada...

 

Um cego só teria tal parceiro

se fosse mago, bruxo ou feiticeiro,

ou tenha, dos espíritos, a ajuda...

 

Parece ser o caso, pois, mal vira

o século, um nissei chamado Akira

me chega, feito um anjo, e a vida muda...

 

 

GLAUCO MATTOSO 

 SONETO 951   NATAL

Nasci glaucomattoso, não poeta.
Poeta me tornei pela revolta
que contra o mundo a língua suja solta
e a vida como báratro interpreta.

Bastardo como bardo, minha meta
jamais foi ao guru servir de escolta
nem crer que do Messias venha a volta,
mas sim invectivar tudo o que veta.

Compenso o que no abuso se me impôs
(pedal humilhação) com meu fetiche,
lambendo, por debaixo, os pés do algoz.

Mas não compenso, nem que o gozo esguinche,
masoca, esta cegueira, e meus pornôs
poemas de Bocage são pastiche.
 
         (de As mil e uma línguas)


SONETO INGLÓRIO (RECRIANDO O
SONETO 192 DE PETRARCA) 1073


Revejo, a sós comigo, o meu fracasso,
que pela lei do Além tive por pena.
Amarga-me o sabor, e me envenena,
das trevas, às quais tantos versos faço.

Artífice me torno, e meu espaço
não passa do soneto, embora a pena
dedique-se ao louvor de quem tem plena
visão e me espezinhe a cada passo.

Folhagens verdes, flores coloridas
destinam-se aos que podem, rindo, vê-las:
aqueles cujos pés, num par de Adidas,

passeiam-me na língua, enquanto pelas
surradas solas sejam as lambidas
mais ávidas que um olho a ver estrelas.

         (de As mil e uma línguas)

 

 

SONETO 541 CONTRARIADO
                                       [CC]

 

Por ser o cedo tarde e o tarde cedo;
por ser tarde a manhã e a noite dia;
por ser gostosa a dor, triste a alegria;
por serem ódio amor, coragem medo;

Se o plágio é mais invento que arremedo;
se exprime mais virtude o que vicia;
se nada vale tudo que valia;
se todos já conhecem o segredo;

Por ser duplipensar barroco a língua;
por menos ter aquele que mais quer;
se a falta excede e tanto abunda a míngua;

Por nunca estar o nexo onde estiver,
desdigo o que falei e a vida xingo-a
de morte, se a cegueira é luz qualquer.


                    (De Poesia digesta 1974-2004)





POÉTICA NA POLÍTCA

CEM SONETOS PLANFLETÁRIOS

São Paulo: Geração Editorial, 2004.

ISBN 857509109-3

 

 

Glauco Mattoso sempre nos surpreende com novos títulos em sua carreira de polígrafo. Poética da Política é de 2004 mas o autor nos envio nesta semana e merece o registro. A capa é emblemática: O Congresso Nacional encimado por uma figura da commedia dell´arte, como a indicar o sentido jocoso, de cantiga de escárnio e mal-dizer . Glauco é sempre agudo, contundente e, no caso presente, compartilha com seu olhar iluminado e perverso os sortilégios e malefícios de nossa política em sonetos de feição clássica e linguagem moderna. A identificação dos personagens poderia trazer para o autor alguns problemas mas, diante de tantos escândalos, o testemunho de Glauco acaba sendo considerado uma licença poética... Aliás, a poesia de crítica e denúncia foi sempre mesmo explítica — lembremo-nos de Gregório de Mattoso, seu ancestral redivivo, que sofreu um duro exílio. Homens público devem estar sujeitos à avaliação popular e ao escárnio quando cometem seus crimes, mas parecem mais inclinados aos discursos protocolares e às crônicas sociais”.   ANTONIO MIRANDA, Brasília, 22/6/2007

 

 

Governamental

 

Tamanho nepotismo se constata

nos quadros do governo, que, bem breve,

nenhum parente vivo fora deve

ficar da mordomia e da mamata!

 

o genro, a nora, a sogra mais ingrata,

cunhados e sobrinhos, quem se atreve

a demiti-los, mesmo quando em greve

declaram-se ou trabalham sem gravata?

 

Nenhum apaniguado que se preza

aceita cargo abaixo de chefia,

cartilha em que a família toda reza.

 

Se alguém a falcatrua denuncia,

chamado é de "invejoso", pois lhe pesa

a culpa de ocupar vaga da tia.

 

 

Regimental

 

Trancada a pauta, nada mais se vota,

enquanto novo acordo não costura

comadre com compadre e não se jura

que vale uma palavra mais que a nota.

 

Da noite para o dia, ninguém nota

o pacto que, na véspera, fervura

causara no Congresso, e a sinecura

retoma o ramerrão e cobra a cota.

 

Só serve um regimento a quem protela

"devidas providências" ou apressa

"medidas de interesse" da panela.

 

Se explodem as denúncias, interessa

mostrar serviço e investigar quem zela,

mas sendo alguém da Casa, o caso cessa.

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OUTROS POEMAS


* 

Terrorismo com torresmo,

Represália a alho e óleo,

Militante à milanesa,

E tortilha de guerrilha.

 

Ciranda, cirandinho,

Vamos todos cirandar,

Vamos dar a meia volta,

Volta e meia vamos dar.

 

Molho pardo de massacre de combate,

Passeata com cassata de mandato,

Gabinetes com tortura ao molho tártaro,

Putsch com ketchup, croquetes de seqüestro.

 

Salada mista extremista com vinho de Greves,

Trincheiras trinchadas com ilegumes partidos,

Regimes e Dietas à la Magna Carta.

Magna

Che te fa fene!

 

Valentim, tim, tim,

Valentim, meu bem,

Quem tiver inveja

Faça assim também. 
 

 

*

O melhor poema não é o des-

classisficado pela crítica, nem

o proibido pela censura, nem

tampouco o desconhecido pelo

público. O melhor poema é o

repudiado pelo autor.

 

*

“Qual poeta é mais vanguardista,

aquelle que pega um poema

em portuguez e tira todas as

vogaes ou aquelle que pega um

poema em allemão e tira todas

as consoantes? Pra mim é a-

quelle que pegas essas vogaes

e consoantes e tira um poema

que não pode ser lido em português nem em alemão”. 


Soneto 49
Versátil

 

A crítica que tenho recebido

é quanto ao tema, não quanto ao formato:

"O Glauco trata só de pé e sapato,

ainda que use o molde mais subido."

 

Respondo antes de tudo por Cupido:

comigo ele jamais teve contato.

Além do mais, não vou deixar barato

que assunto algum me seja proibido.

 

Sou cego mas eclético, e versejo

acerca de problemas tão diversos

que nem forró, barroco e sertanejo.

 

De grandes e pequenos universos

é feito o pé que cheiro, beijo e vejo:

A Ele presto conta dos meus versos.

 

 

Soneto 73

Obsessivo

 

O gosto pelo pé ficou mais forte

depois que as trevas foram preenchendo

o fundo do meu olho, neste horrendo

martírio, mais agônico que a morte.

 

Agora nem desejo a mesma sorte

que alguns outros mortais prosseguem tendo

de conviver a dois, e só me entendo

servindo a qualquer sola de suporte.

 

Só penso nisso, em sonho ou acordado.

Masturbo-me na tímida ilusão

de amanhecer debaixo dum solado.

 

Aquele que em rosto dá o pisão

é sempre um tipo mal-acostumado,

e nunca a projeção duma paixão.

 

 

Soneto 26

Lírico

 

Dizem que o amor é cego e a carne é fraca,

mas só amei alguém quando enxergava.

Hoje a cegueira queima como lava

e o coração resiste a qualquer faca.

 

Ontem tesão, agora ressaca.

Foi-se a paixão que fez minh'alma escrava.

Se inda me queixo dessa zica brava,

sou caçoado e passo por babaca.

 

Nem tudo está perdido: resta o cheiro

que invade-me as narinas quando passo

na porta do vizinho sapateiro.

 

Vá lá: o papel que faço é de palhaço.

O olfato é meu recurso derradeiro

e o cheiro do fetiche o único laço.

 

 

 

MANIFESTO COPROFÁGICO

            Mierda que te quiero mierda
                                   Garcia Loca

a merda na latrina
daquele bar de esquina
tem cheiro de batina
de botina
de rotina
de oficina gasolina sabatina
e serpentina

bosta com vitamina
cocô com cocaína
merda de mordomia de propina
de hemorróida e purpurina

merda de gente fina
da rua francisca miquelina
da vila leopoldina
de Teresina de santa Catarina
e da argentina

merda comunitária cosmopolita e clandestina
merda  métrica palindrômica alexandrina

ó merda com teu mar de urina
com teu céu de fedentina
tu és meu continente terra fecunda onde germina
minha independência minha indisciplina

és avessa foste cagada da vagina
da américa latina

(do Jornal Dobrabil)

 

=========================

 

QUEM AMA NÃO

VAI PRA CAMA

 

Se amo não deito

Se deito não trepo

Se trepo me estrepo

Amor é conceito

 

Se faço no leito

Não caio no laço

Amor é cabaço

Amor é conceito

 

Amor é perfeito

Quem dorme não peca

Amor é soneca

Amor é conceito

 

Amor não tem jeito

Amor é distância

Amor é infância

Amor é conceito

 

 

SONETO EFÊMERO

 

Meninos, eu vi tudo que queria

com olhos que essa terra há de comer.

Vi pés de todo tipo, até perder

de vista o que me dava essa alegria.

 

Já cego, minha língua suja lia

em Braile a sola onde eu ia lamber;

 a mesma terra ali vim a comer

enquanto a molecada toda ria.

 

Se somos pó e ao pó retornaremos,

andei meio caminho já na vida.

Até o cosmo é poeira, hoje sabemos.

 

No tênis dum moleque uma lambida

é mais que tudo aquilo que já lemos,

lembrança que jamais será esquecida.

 

 

 

SONETO MARGINAL

 

Assim como o menor abandonado

converte-se bem cedo no infrator,

também na poesia há muito autor

rebelde só porque ficou de lado.

 

Os jovens querem dar o seu recado

do modo mais avesso e transgressor,

até chegar num ponto em que o louvor

consagra todo o coro amotinado.

 

O fato é que o legítimo indigente

é quem fica isolado na conversa

enquanto as outras partes fazem frente.

 

Me sinto assim. A turma já dispersa

ao ver que meu assunto é o pé, somente.

O tema é marginal, e vice-versa. 

 

 

 

 

MATTOSO, Glauco.  Pegadas noturnas.  (Dissonetos barroquistas).  Rio de Janeiro: Lamparina editora, 2004.  215 p.   14x21 cm.  IBSN  85-98271-02-0  Col. A.M.

 

 

Ensaístico [241]

 

Chamemo-la de fase iconoclasta,

à minha poesia antes de cego.

Pintei, bordei. Porém não a renego.

Forçou-me a invalidez a dar um basta.

 

A nova não é casta, nem contrasta

com velhas anarquias. Só me entrego

ao pé, onde em soneto a língua esfrego.

Chamemo-la de fase podorasta.

 

Mas nem por isso é menos transgressiva.

Impõe-se um paradoxo na medida

da forma e da temática obsessiva:

 

Na universalidade presumida,

igualo-me a Bocage, Botto e Piva.

Ao cego, o feio é belo, e a dor é vida.

 

 

 

 

MATTOSO, Glauco.  Sonetos de Boccagem.  São Paulo: Lumme Editor, 2013.  292 p.  13x16 cm.  ISBN 978-85-8234-015-8   Col. A.M.

 

“Para o brasilianista Steven Butterman, que estudou a obra mattosiana em sua these de doutorado e analysa o poeta como herdeiro do cânone fescennino. “Mattoso picks up where Bocage left off”.” (fragmento da contracapa)  

 

CAFONICE PHONOGRAPHICA

 

"Ver você com outro alguém

me fará morrer de dor!

Sem você não sou ninguém,

meu amor, sem seu calor..."

 

Coisa e tal, e nhenhenhem...

É dífficil de suppor

que tal lettra ainda tem,

para alguém, algum valor!

 

"Vem, amor, commigo, vem!

Vem commigo, vem, meu bem!",

canta o mau compositor.

 

Ao compor assim, porem,

dos limites vae alem

quem tomar no eu não for.

 

 

ERECÇÃO HOSPITALAR

 

Si um micróbio nos infecta,

o remédio é "tarja preta".

Medicar-me ha lei que veta

caso o accesso me accommetta!

 

Quer tirar o eu da recta

o meu medico! E diz peta

quem prohibe e quem decreta

que é maléfica a punheta!

 

Pathologica si for

a punheta, vou suppor

que foder faz mal, mais mal!

 

Si assim "sesse", que "foria"
de quem goza todo dia
numa cama de hospital?


MATTOSO, Glauco.   Poesia Digesta (1974-2004).  São Paulo: Landy Editora, 2004.  229 p.  (Coleção alguidar)   “ Glauco Mattoso “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

                    SONETO 274  PACIFISTA (GR)

Apelos pela paz são comoventes:

Parece até que toda a raça humana

ou quase toda, unânime, se irmana

na firme oposição aos combatentes.

 

Campanhas e cruzadas e correntes

envolvem muita mídia e muita grana,

mas nada se compara à força insana

do génio armamentista em poucas mentes.

 

Pombinhas, flores, nada disso importa

na hora da parada militar,

se acharmos que o perigo bate à porta.

 

A fim de protegermos nosso lar,

deixamos que haja tanta gente morta,

mas não aqui: só lá, noutro lugar.

 

 

 

  

TEXTOS EN ESPAÑOL

GLAUCO MATTOSO

 

 

Glauco Mattoso (Pedro José Ferreira da Silva) nació en São Paulo en 1952. Quedó ciego después de los cuarenta años, debido a un glaucoma congênito. Há traducido al português poesía de Borges. Publicó las revistas Dobrabil y Dedo mingo. Y los libros: línguas na papa (1982), Memórias de un pueteiro (1982), O calvário dos carecas: história do trote estudantil (1985), Manual do pedólatra

amador: aventuras & leituras de um tarado por pés (1986), limeiriques & outros debiques glauquianos (1989), la historieta Glaucomix, o pedólatra (1990), Dicionarinho do palavrão & correlatos, inglês-português, português-inglês (2ª Ed. 1991), Y la trilogia compuesta por: Centopéia. Sonetos nojentos & quejandos, Paulisséia Ilhada. Sonetos tópicos y Geléia de Rococó. Sonetos barrocos (todos en 1999). Es productor de bandas de rock.

 

 

Poemas traducidos por Mario Cámara y Luciana di Leone,

Sonetos traducidos por Cristian De Nápoli

 

 

*

Terrorismo con turrón

Represalia ai "alho e oleo"*

Militante a la milanesa

y tortilla de guerrilla.

 

Ciranda**, cirandita,

vamos todos a cirandar;

vamos a dar media vuelta,

vuelta y media vamos a dar.

 

Salsa parda de masacre de combate,

caminata con casata de mandato,

salas de tortura a la salsa tártara,

putsch con ketchup, croquetas de secuestro.

 

El anillo que me diste

era vidrio y se quebró;

el amor que me tenías

era poco y se acabó.

 

Ensalada mixta extremista con vino de Huelgas,

trincheras trinchadas con ilegumbres*** partidos

Comicio con comino, caudillo de vainilla.

Regímenes y Dietas a la Magna Carta,

Magna

Che te fa bene.

 

Valentín, tim, tim,

Valentín, mi bien,

quien tuviera envidia

que haga así también.  

 

1 Al ajo y al aceite.

2 Danza de calle infantil, de origen portugués.

3 En portugués ilegumes es un juego de palabras entre ilegal y verduras. Se refiere a la prohibición de la vida política durante la dictadura que gobernó Brasil entre 1964 y 1984.

 

*

 EI mejor poema no es el des­-

calificado por la crítica, ni

el prohibido por la censura,

ni tampoco el desconocido por

el público. EI mejor poema es el

repudiado por el autor.

 

 

*

"?Qué poeta es más vanguardista,

aquel que toma un poema

en portugués y saca todas las

vocales o aquel que toma un

poema en alemán y saca todas

las consonantes? Para mí es

quien toma vocales y consonantes y saca un poema

que no puede ser leído ni en portugués ni en alemán."  

 

 

Soneto 49

Versátil

 

Las críticas que siempre he recibido

son todas sobre el tema, no el formato:

"Mattoso habla de pies o de zapatos

aunque siga un modelo enaltecido ".

 

Respondo en primer término a Cupido

(y aclaro: con él no tuve trato).

Por lo  demás, si hay orden no la acato:

no hay tema para mí que esté prohibido.

 

Soy ciego pero ecléctico, y compongo

acerca de problemas tan diversos

que ni la cumbia, el samba o el barroco.

 

De grandes y pequeños universos

está hecho el pie que huelo, beso y toco:

sólo a Él le rindo cuenta de mis versos.  

 

 

Soneto 73

Obsessivo

 

La inclinación al pie se hizo más fuerte

cuando la oscuridad acabó siendo

la base de mis ojos en horrendo

martirio más agudo que la muerte.

 

no puedo desear la misma suerte

que otros mortales tienen de momento

de convivir de a dos. Yo apenas cuento

sirviendo a cualquier suela de soporte.

 

No pienso en otra cosa, hasta palmado

me hago la paja en tímida ilusión

de amanecer debajo de un calzado.

 

Aquel que en pleno rostro el pisotón

ofrece es siempre un tipo malcriado,

nunca la proyección de una pasión.  

 

 

Soneto 26

Lírico

 

De Amor dicen "es ciego”': carne, "es torpe ".

Yo sólo pude amar cuando miraba.

Hoy la ceguera quema como lava

y el corazón resiste cualquier golpe.

 

Tesón de ayer, resaca de esta noche.

Se fue el amor que tuvo a mi alma esclava

Y si suelto esta pena que me acaba

se burlan y me tratan de fantoche.

 

No todo está perdido: algo olfateo,

algo entra en mis narinas cuando paso

por la puerta del viejo zapatero.

 

A ver... ¿qué papel hago? De payaso.

Mi olfato, mi recurso postrimero

y el tufo del fetiche, único lazo.  

 

 

=========================

 

 

Extraídos da revista tsé=tsé n. 7/8
Buenos Aires, Argentina, otoño 2000

 

 

{traducciones de R.J. y Aníbal Cristobo,
revisadas por G.M. y Jorge Schwartz.]

 

 

QUIEN AMA NO

VA PARA LA CAMA

 

Si amo no me acuesto

Si me acuesto no cojo

Si cojo me jodo

Amor es concepto

 

Si hago en el lecho

No caigo en el lazo

Amor es virgen

Amor es concepto

 

Amor es perfecto

Quien duerme no peca

Amor es siesta

Amor es concepto

 

Amor no tiene caso

Amor es distancia

Amor es infancia

Amor es concepto

 

 

SONETO EFÍMERO

 

Muchachos, yo ví todo lo que quería

con ojos que esta tierra ha de comer.

Vi pies de todo tipo, hasta perder

de vista lo que me daba esa alegría.

 

Ya ciego, mi lengua sucia leía

en Braille la suela adonde iba a lamer;

la misma tierra allí vine a comer

mientra el  piberío todo reía.

 

Sí somos polvo y al polvo retornaremos,

anduve ya medio camino en la vida.

Es polvareda el cosmos: hoy sabemos.

 

En la zapatilla de un pibe una lamida

es más que todo aquello ya leído,

recuerdo que jamás será olvidado.

 

 

SONETO MARGINAL

 

Así como el menor abandonado

se convierte temprano en infractor,

también en la poesía hay mucho autor

sólo rebelde porque quedó a un lado.

 

Los jóvenes quieren pasar su recado

del modo más avieso y transgresor,

hasta llegar a un punto en que el aplauso

consagra a todo el coro amotinado.

 

El hecho es que el legítimo indigente

es quien queda aislado en la conversa

mientras las otras partes hacen frente.

 

Me siento así. El grupo se dispersa

al ver que mi tema es el pie, solamente.

El tema es marginal, y viceversa.

 

 



 

Página ampliada e republicada em dezembro de 2008; ampliada novamente em janeiro de 2009; ampliada e republicada em janeiro de 2011.



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