No Festival de poesia de Goyaz, 2006.
Foto de Juvenildo B. Moreira |
AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA
Acompanho a obra deste grande poeta desde a minha (e a dele) juventude, nos idos de 60… Estudioso de Carlos Drummond de Andrade – em estudos acadêmicos – sempre foi independente de todas as tendências da moda, mesmo do seu ídolo e conterrâneo mas exercitou todos os estilos e tendências ao seu alcance, de forma livre. Engajado, erótico, circunstancial, filosófico, valeu-se de todo e qualquer tema com discursividade ou concisão. Ele foi o escolhido para iniciar uma série de publicações bilingües em edição simultânea com a revista ZONA MOEBIUS, de Buenos Aires, Numa seção que (ainda estamos) montando — LUAR, voltada para a divulgação dos mais importantes poetas ibero-americanos contemporâneos.
Antonio Miranda
Sylvia Cyntrão e Affonso Romano de Sant´Anna, homenageado do I Simpósio de Crítica de Poesia, e conferencista principal na abertura da I BIENAL INTERNACIONAL DE POESIS DE BRASÍLIA, dia 3 de setembro de 2008.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
Traducciones de Rafael Ruiz (Argentina)
Veja também: TEXTS EN FRANÇAIS
See also: TEXTS IN PORTUGUESE & ENGLISH
Veja em TEXTO EM RUSSO: AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA EM RUSSO - Аффонсу Роману ди Сант'Анна - ЭПИТАФИЯ ДВАДЦАТОМУ ВЕКУ - Tradução para o russo por OLEG ALMEIDA
Veja também: POEMAS VISUAIS
e viste a página oficial do autor:
http://www.affonsoromano.com.br/
Veja também:
BIBLIOGRAFIA (ABREVIADA) DE AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA (informação do autor – até meados de maio de 2016)
SANT´ANNA, Affonso Romano de. Canto e palavra. Belo Horizonte: Edições MP Movimento Perspectiva, 1965. 168 p. Capa de Eduardo de Paula. “ Affonso Romano de Sant´Anna “ Ex. bibl. Antonio Miranda
CORPO: ANATOMIA DO MITO
Ferro e cálcio
amor e calma,
iodo e ódio,
chumbo e dor.
Da cartilagem
ao osso,
do menino
ao moço
foi-se fazendo
a anatomia
desse corpo
— difícil e vária —
pois resume
a anatomia
do mito
e da animália.
O corpo
é meu mito
predileto,
a palavra
que mais uso
e o objeto
mais completo.
Por isto,
domar o corpo,
é seus mitos dominar,
é circunscrever os mitos
onde os mitos
devem estar,
que no corpo é que se instalam
e se fazem alimentar.
Por isto,
que outros corpos
há que sempre conquistar,
pois que um mito
a outro mito
sempre ajuda
a decifrar.
De
Affonso Romano de Sant´Anna
SÍSIFO DESCE A MONTANHA
Rio de Janeiro: Rocco, 2011. 131 p.
Affonso Romano de Sant´Anna publica novos livros com certa frequência, renovando-se. Sua poesia sempre se alimentou de sua atividade intelectual. Crítica literária, estética, pensamento político, poética. Ensaio e crônica. Seus livros de poesia sustentam suas ideias e suas propostas formais, desde o tempo em que estudou a obra de Drummond e os movimentos de vanguarda brasileiros, que acompanhou à distância, contaminando-se, mas nunca aderindo. Poesia social, concretismo, poesia marginal... Nunca vacinou-se contra estas tendências, mas jamais entrou nas fileiras dos ismos de seu tempo. Do filosófico ao amoroso, do erótico ao especulativo. A.M.
CAI A TARDE SOBRE MEUS OMBROS
Cai a tarde
sobre meus ombros
não apenas
sobre os Dois Irmãos.
Desaba mais um dia.
Para muitos — de esperança.
Para outros — de humilhação.
Sobre mim
desaba a história.
Em algum lugar
disseram que há luz
mas o que vejo
— é a escuridão.
ALÉM DE MIM
Não é culpa minha
se não estou aparelhado
para entender certos conceitos
e sinais.
Conheço o ódio, o amor, a fome
a ingratidão e a esperança.
(Deus, a eternidade, o átomo e a bactéria
me excedem.)
O que não significa
que os ignore.
Ao contrário:
por não compreendê-los
finjo estar calmo
— e desespero.
Affonso Romano de Sant´Anna
A MORTE DA BALEIA
desenhos de Elisa Villares de Freitas
Rio de Janeiro: Berlendis & Vertecchia Editores, 1981.
s.p. 15.5x22,5 cm
Exemplar desta edição incomum, adquirido via sebo virtual. Sem informação quanto ao número de exemplares. O poema foi escrito em protesto pelo extermínio "oficial" de baleias na região da Paraíba. No sitio oficial do poeta está a informação,:
"Nos anos 70 escrevi o poema A MORTE DA BALEIA. A artista plástica Renina Katz, na USP, fez uma serie de livros artesanais com seus alunos de arte a partir do poema. A editora Berlendis fez uma edição especial do poema. O compositor Cesar Barreto,no Ceará, musicou-o partes dele. Drummond me escreveu cumprimentando pelo poema:
Este texto está em QUE PAÍS É ESTE?. O poema, dividido em nove partes, começa assim":
Na Paraíba, Nordeste do pais,
Convidam-me a ver a morte da baleia.
Dizem: pesca da baleia como se dissessem: jogar tênis
ou qualquer outro esporte
em que o animal
participasse alegremente.
Dizem: pesca da baleia como se dissessem: ir à missa
onde Cristo morreria impunemente.
Dizem: pesca da baleia como se dissessem: carnaval
onde se brinca eternamente.
O espetáculo dura toda a noite
e quem o assiste não pensa em assassinato.
Pensa:
Vou como quem vai às compras
— ou algo semelhante, vou visitar parentes
ou ver filme interessante,
Ninguém diz: vou ao enterro da baleia
—que em mim mato e morre a cada instante.
===========================================================================
SANT´ANNA, Affonso Romano de. A Grande fala do índio guarani perdido na história e outras derrotas. (Moderno Popol Vuh). Rio de Janeiro: Summus Editora, 1978. 108 p. formato 24x23 cm. capa dura e sobrecapa.
A GRANDE FALA DO ÍNDIO GUARANI (1978)
(fragmento)
3
E a pergunta martela e pousa
como um corvo
no desespero aberto da janela.
- Quem escreveria o poema de meu tempo?
- Eu próprio? Mas, com que mãos, arroubos, insânias?
com que vaidades, prêmios, vexames?
Fala alguém por alguém
- com alheio coração?
Vive alguém por alguém
- ou morre sempre aquém da própria mão?
Não seriam a fala
o amor
a vida
a metafórica versão do exílio
o brilho da apagada estrela
ausência e concreção do nada?
Sim, é verdade que cada dia sei mais do que se compõem a poesia e o nada.
Debulho poemas e milharais
como o camponês aduba estrofes e mulheres.
Mas me sinto maduro e inútil. Como ontem:
- imaturo e fútil.
Não acordo mais às cinco
não selo mais o animal
desesperam-me os vegetais. Do pomar
olho minha inútil biblioteca. Doirados
frutos na estante..
Inutilíssima sapiência. Sabíamos tudo.
Merecíamos tudo. Tínhamos até fé.
Outrora eu passeava entre canteiros de enciclopédias
limpando pulgões podando ervas e páginas. Perdia-me
na contemplação da abelha sobre as letras:
- favos de mel derramavam-se da estante.
Todos nós líamos os poetas
mas não lavramos um mundo mais justo,
E enquanto soturnos decifrávamos as tabuinhas dos
caldeus os mais astutos e modernos
empolgavam o poder e o generais
marcando em nossas testas anátemas fatais.
E líamos grossos romancistas
exalando suor vermelho e revoltas sobre a praça.
Povo era a palavra
e o amanhã era a palavra
da palavra povo.
Mas porque estava tudo escrito
nosso futuro
petrificado
de nós se alienou.
Ontem soltávamos pombas nos estádios
éramos livres, juvenis e a paz um poster de Picasso.
Mas foram-se os posters e Picasso
- e as pombas não voltaram nunca mais.
Nossos pais também liam os poetas
citavam os clássicos
e pelas noites com seus robes tomavam chávenas
e liam dourados tomos sem ver as traças
- que nos comem.
Mas os acontecimentos desviaram-se dos livros
e por mais que entulhássemos os cursos de história
de novo a história
desviava-nos seus rios
e os livros
nem sempre férteis
aprodreciam no Nilo.
E sobrevieram borrascas e explodindo códigos e leis
que eram logo dissolvidos e refeitos em novas leis
e códigos. E erguíamos diques e parágrafos murando o mar
e a ressaca dos fatos
- a tudo rebentar.
A vida, a vida é mais que profecias e algemas
a vida é irrefreável
não se contém nas lâminas
partidos
nem nos fichários
e antenas
a vida
- é o impoemável poema.
SANT´ANNA, Affonso Romano. Que país é este? e outros poemas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. 175 p. (Coleção Poesia Hojea, volume 38) 14x21 cm. Capa: Victor Burton.
QUE PAÍS É ESTE? (1980)
(fragmento)
para Raymundo Faoro
Puedo decir que nos han traicionado? No. Que
todos fueron buenos? Tampoco. Pero allí está
una buena voluntad, sin duda y sobretodo, el ser así.
CÉSAR VALLEJO
1
Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.
Uma coisa é um país,
outra um regimento.
Uma coisa é um país,
outra o confinamento.
Mas já soube datas, guerras, estátuas
usei caderno “Avante”
- e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”
e éramos maior em tudo
- discursando rios e pretensão.
Uma coisa é um país,
outra um fingimento.
Uma coisa é um país,
outra um monumento.
Uma coisa é um país,
outra o aviltamento.
Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça
em busca da especiosa raiz? ou deveria
parar de ler jornais
e ler anais
como anal
animal
hiena patética
na merda nacional?
Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo
comendo o que as traças descomem
procurando
o Quinto Império, o primeiro portulano, a viciosa visão do paraíso
que nos impeliu a errar aqui?
Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos
nacionais, como qualquer santo barroco a rebuscar
no mofo dos papiros, no bolor
das pias batismais, no bodum das vestes reais
a ver o que se salvou com o tempo
e ao mesmo tempo
- nos trai.
“Que país é este?”, título da obra de Affonso Romano de Sant´Anna foi transformado em letra de música, ganhou uma extraordinária popularidade, já faz parte de nosso referencial nacional. Agora aparece nesta charge de 2015. Certamente que será uma constante em nossa história republicana...
ARTE FINAL
Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
- quem toma uma por outra
confunde e mente.
GAIA CIÊNCIA
Gosto de me iludir
pensando
que hoje amo
melhor que ontem amei.
Assim desculpo o jovem afoito
que, em mim, me antecedeu
e, generoso, encho de esperanças
o velho sábio
que amará melhor que eu.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Epitáfio para o século XX
1.
Aqui jaz um século
onde houve duas ou três guerras
mundiais e milhares
de outras pequenas
e igualmente bestiais.
2.
Aqui jaz um século
onde se acreditou
que estar à esquerda
ou à direita
eram questões centrais.
3.
Aqui jaz um século
que quase se esvaiu
na nuvem atômica.
Salvaram-no o acaso
e os pacifistas
com sua homeopática
atitude
-nux vômica.
4.
Aqui jaz o século
que um muro dividiu.
Um século de concreto
armado, canceroso,
drogado,empestado,
que enfim sobreviveu
às bactérias que pariu.
5.
Aqui jaz um século
que se abismou
com as estrelas
nas telas
e que o suicídio
de supernovas
contemplou.
Um século filmado
que o vento levou.
6.
Aqui jaz um século
semiótico e despótico,
que se pensou dialético
e foi patético e aidético.
Um século que decretou
a morte de Deus,
a morte da história,
a morte do homem,
em que se pisou na Lua
e se morreu de fome.
7.
Aqui jaz um século
que opondo classe a classe
quase se desclassificou.
Século cheio de anátemas
e antenas,sibérias e gestapos
e ideológicas safenas;
século tecnicolor
que tudo transplantou
e o branco, do negro,
a custo aproximou.
8.
Aqui jaz um século
que se deitou no divã.
Século narciso & esquizo,
que não pôde computar
seus neologismos.
Século vanguardista,
marxista, guerrilheiro,
terrorista, freudiano,
proustiano, joyciano,
borges-kafkiano.
Século de utopias e hippies
que caberiam num chip.
9.
Aqui jaz um século
que se chamou moderno
e olhando presunçoso
o passado e o futuro
julgou-se eterno;
século que de si
fez tanto alarde
e, no entanto,
-já vai tarde.
10.
Foi duro atravessá-lo.
Muitas vezes morri, outras
quis regressar ao 18
ou 16, pular ao 21,
sair daqui
para o lugar nenhum.
11.
Tende piedade de nós, ó vós
que em outros tempos nos julgais
da confortável galáxia
em que irônico estais.
Tende piedade de nós
-modernos medievais-
tende piedade como Villon
e Brecht por minha voz
de novo imploram. Piedade
dos que viveram neste século
— per seculae seculorum.
Usei o poema EPITÁFIO PARA O SÉCULO XX durante dois ou três semestres no Curso de Pós-graduação em Ciência da Informação, na Universidade de Brasília, na disciplina que então ministrava – Informação, Desenvolvimento e Sociedade. Os alunos liam e fazíamos uma verdadeira heurística do texto. Por que?
O poema de Affonso é o que eu chamo de legítimo “poema-ensaio”, com um conteúdo informacional preciso, no que Roberto Juarroz chamaria de “poiesofia”. Produto de um scholar que disserta magistralmente sobre o tema com eruditismo e domínio da técnica poética, em que as informações se conformam em versos rítmicos de “palavra-puxa-palavra” mas não por simples intenção onomatopaica, mas, sobretudo, significante, coisificante. Sucessor de Drummond, conhecedor do poema processo (que até deve ter combatido em seus excessos formalísticos), os versos compõem um mosaico que analisa e cristaliza uma visão crítica do/no ocaso do século passado. Magistral é a palavra que eu uso tanto para significar a magnificência dos versos quanto seu didatismo.Exige do leitor uma interpertação a partir das palavras-chave que invoca em seu discurso “exemplar”, de contexto, de posição histórica e crítica sobre os elementos citados, que devem necessariamente ser do conhecimento do leitor. Poema síntese de idéias e valores que “dan relevamiento” a um século que se foi, e que foi tarde...
Antonio Miranda
De
O HOMEM E SUA SOMBRA
Ilustrações Maria Angela Biscaia
Porto Alegre: Alegoria, 2006
9
Era um homem com uma sombra feminina.
Com ela se dava bem
— os outros é que estranhavam.
Olhado de perfil
parecia uno, duro, macho.
Mas nela cresciam seios
e era como se a sombra
à revelia do homem
— no escuro engravidasse.
10
— Que sombra estranha me deram!
(o homem conjeturava
pois sua sombra
não andava).
Estática
ficava ancorada
onde bem lhe apetecia.
O homem a chamava
ela não se mexia.
Desguarnecido de sua sombra
seu dono já não sabia
se a ia ou se ficava.
Não ia
a parte alguma.
Ao redor da própria sombra
circulava.
SANT´ANNA, Affonso Romano. Textamentos. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. 174 p. 14X21 cm. ISBN 85-325-1065-5 “ Affonso Romano de Sant´Anna “ Ex. bibl. Antonio Miranda
LINGUÍSTICA
Diz o linguista:
— “a palavra cão não morde”.
Morde.
Saí com a perna sangrando após a aula.
Diz o linguista
— “a palavra cão não late”,
Late
e não me deixa dormir
com seus latidos.
Diz o linguista
— “a palavra cão não come”.
Come
e se alimenta de minha carne.
SANT´ANNA, Affonso Romano. O lado esquerdo do meu peito (Livro de aprendizagens). 2ª edição. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. 212 p. 14x21 cm. Ilustração da capa: Juan José Balzi. “ Affonso Romano de Sant´Anna“ Ex. bibl. Antonio Miranda
DIALETICA 1961
Então me digo:
— Se a história é isto,
eu desço do bonde agora.
Mas o exegeta perora:
— Não é você quem desce.
E a história que passa
e vai embora, é a história
que te come e caga fora.
Gosto da frase, embora
crua e sonora. A compraria
e a exibiria nas salas
arquivando-a na memória.
— Deixo a história?
— Ou ela me bota fora?
— Será que a história
é uma velha senhora?
ou uma escola com bedel
batendo a hora?
Será um trem que me deixa
pedestramente na plataforma?
SANT´ANNA, Affonso Romano. A Catedral de Colônia e outros poemas. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. 178 p. 14x21 cm. Capa: Ana Maria de Araújo Duarte. “ Affonso Romano de Sant´Anna “ Ex. bibl. Antonio Miranda
MINHA MORTE ALHEIA
Quando eu morrer
alguns amigos vão levar um baque enorme.
E na hora da notícia ou do enterro
sentirão que alguma coisa grave aconteceu pra sempre.
Depois
irão se esquecendo de mim,
da cor do luto
— e da melancolia,
exatamente
como eu fiz
com os outros que em mim também morreram.
O morto, por pouco, é pesado e eterno.
Amanhã
a vida continua com buzinas, provérbios,
sorveteiros nas esquinas,
esplêndidas pernas de mulheres
e esse ar alheio
de que a morte
não apenas se dilui aos poucos,
mas é uma coisa que só acontece aos outros.
SANT´ANNA, Affonso Romano. Vestígios. Rio de Janeiro: Rocco, 2005. ISBN 85-325-1858-3196 p. 16x23 cm. “Orelha” do livro por José Mario Pereira. “ Affonso Romano de Sant´Anna “ Ex. bibl. Antonio Miranda
“ Vestígios atesta e reafirma a força de uma voz poética de largo estro na história da literatura brasileira e repõe uma questão decisiva: já não terá chegado a hora de a crítica universitária reconhecer, como tema e como fatura, a singularidade da poesia de Affonso Romano de Sant´Anna vem produzindo, indiferente a cara feia das patrulhas?” JOSÉ MARIO PEREIRA
O HOMEM E SUA SOMBRA - 9
Era um homem com uma sombra feminina.
Com ela se dava bem
— os outros é que estranhavam.
Olhado de perfil
parecia uno, duro, macho.
Mas nela cresciam seios
e era como se a sombra
à revelia do homem
— no escuro engravidasse.
SANT´ANNA, Affonso Romano de. Poesia sobre poesia. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975, 246 p. (Série Poesia Imago Direção de Jayme Salomão) 14x21 cm. Capa e diagramação: Mauro Kleiman. “ Affonso Romano de Sant´Anna “ Ex. bibl. Antonio Miranda
A CASA
A casa é como o corpo:
tijolo é célula
sob o reboco.
A casa imita o corpo
sendo abrigo temporal
de sangue, areia e cal.
E como o corpo do homem
no princípio, estava nágua
e veio criando patas
até se concretizar.
Como este corpo impingido
tem seus lugares escusos
tem seus cómodos despidos
e fechados de vergonha.
E como o corpo
é objeto oriundo
de duplo esforço conjunto
que se fecunda no espaço
e sobre o tempo se abre,
e quando se abre é bela
dando à luz, cortina e flor.
SANT´ANNA, Affonso Romano de. A vida é um escândalo. Rio de Janeiro: Rocco, 2017. 94 p. 14x21 cm. ISBN 978-325-3086-8 Ex. bibl. Antonio Miranda
Como o primitivo
Como o primitivo faminto
acende o fogo
esfregando a palma da mão no graveto
até que salte a faísca,
risco palavras na página
até que a linguagem me incendeie
— além da mão.
Não se sabe
se a labareda do texto
é fome ou alimentação.
Nunca se sabe
se o que ardeu
é epitáfio
de algo que morreu
ou espetáculo
em combustão.
Tatuagens
Intrigado, contemplo as tribos
que invadiram a cidade.
Desfilam.
Se conferem.
Se admiram:
dragões, estrelas, símbolos ancestrais
orientam os índios pós-modernos
velhos e jovens trazem
mensagens à flor da pele
nas costas
— para quem olhar.
Como sair à rua
se não tenho tatuagem?
Considero meu corpo.
— Grande mentiroso eu soou.
Sob a pele escondo tatuagens
rascunhos, subtextos.
Sou um palimpsesto
que nem eu mesmo
consigo decifrar.
Einstein decidiu nosso futuro
Einstein decidiu nosso futuro.
Mas
mudou de ideia várias vezes.
Primeiro
dizia que nos expandíamos ao infinito.
Depois descobriram em seus papéis
que a contração era inevitável
e voltaríamos ao ponto
inicial.
Ele se foi
e seu cérebro fatiado em 240 pedacinhos
ficou no escritório de Thomas Harvey.
Sigo me expandindo.
Às vezes vou me contraindo
e a qualquer hora explodo
num ponto final.
Sentado no metrô
Sentado no metrô
olhos baixos, vejo
as bermudas, as sandálias, as pernas
dos que estão neste vagão.
Segue o rebanho
ao fim de um dia de trabalho.
Os bois que descem do caminhão
de São Fidélis
para a churrascaria
não usam celulares.
Foto extraída de:
MORDZINSKI, Daniel. A literatura na lente de Daniel Mordzinski. Textos de Adriana Lisboa e Victor Andresco. São Paulo: SESI-SP editora, 2015. 412 p. ilus. col. ISBN 978-82075-604-2 Textos em português e castelhano. Ex. bibl. Antonio Miranda
TEXTOS EN ESPAÑOL
Textos de Ricardo Ruiz
(Argentina)
EL GRAN HABLA DEL ÍNDIO GUARANÍ (1978)
(fragmento)
3
Y la pregunta martilla y se posa
como un cuervo
en la desesperación abierta de la ventana.
- ¿Quién escribiría el poema de mi tiempo?
- ¿Yo mismo? ¿Mas, con que manos, éxtasis, locuras?
¿con que vanidades, premios, vejámenes?
Habla alguien por alguien
- ¿con ajeno corazón?
Vive alguien por alguien
- ¿o muere siempre de este lado de mano propia?
¿No serían el habla
el amor
la vida
la metafórica versión del exilio
el brillo de una estrella apagada
ausencia y concreción de la nada?
Sí, es verdad que cada día se más de lo que se componen la poesía y la nada.
Desgrano poemas y maizales
como un campesino abona estancias y mujeres.
Pero me siento maduro e inútil. Como ayer:
- inmaduro y fútil.
No me levanto más a las cinco
no yerro mas al animal
me desesperan los vegetales. Del huerto
veo mi inútil biblioteca. Dorados
frutos en el estante.
Inutilísima sabiduría. Sabíamos todo.
Merecíamos todo. Teníamos hasta fe.
Otrora yo paseaba entre canteros de enciclopedias
limpiando pulgones podando hierbas y páginas. Me perdía
en la contemplación de la abeja sobre las letras:
- celdas de miel se derramaban del estante.
Todos nosotros leíamos a los poetas
mas no labramos un mundo mas justo.
Y en cuanto taciturnos descifrábamos las tablillas de los
caldeos los más astutos y modernos
entusiasmaban al poder y a los generales
marcando en nuestras cabezas anátemas fatales.
Y leíamos sólidos novelistas
exhalando sudor rojo y revueltas sobre la plaza.
Pueblo era la palabra
y el mañana era la palabra
de la palabra pueblo.
Mas porque estaba todo escrito
nuestro futuro
petrificado
de nosotros se apartó.
Ayer soltábamos palomas en los estadios
éramos libres, jóvenes y la paz un poster de Picasso.
Pero se fueron los posters y Picasso
- y las palomas no volvieron nunca mas.
Nuestros padres también leían a los poetas
citaban los clásicos
y por las noches con sus robes tomaban en sus tazas
y leían dorados tomos sin ver las polillas
- que nos comen.
Mas los acontecimientos se desviaron de los libros
y por mas que enterrásemos los cauces de la historia
de nuevo la historia
nos desviaba sus ríos
y los libros
no siempre fértiles
se pudrían en el Nilo.
Y sobrevinieron borrascas y explotando códigos y leyes
que eran luego disueltos y rehechos en nuevas leyes
y códigos. Y erguíamos diques y párrafos amurallando el mar
y la resaca de los hechos
- reventando todo.
La vida, la vida es más que profecías y grilletes
la vida es irrefrenable
no se encuentra en las láminas
partidos
ni en los ficheros
y antenas
la vida
- es el impoemable poema.
¿QUE PAÍS ES ESTE? (1980)
(fragmento)
para Raymundo Faoro
Puedo decir que nos han traicionado? No. Que
todos fueron buenos? Tampoco. Pero allí está
una buena voluntad, sin duda y sobretodo, el ser así.
CÉSAR VALLEJO
1
Una cosa es un país,
otra una aglomeración.
Una cosa es un país,
otra un regimiento.
Una cosa es un país
,
otra el confinamiento.
Mas ya supe fechas, guerras, estatuas
use cuaderno “Avante”
- y desfile en zapatillas para el dictador.
Venía de una “cuna esplendida” hacia un “futuro radiante”
y éramos lo más grande en todo
- discursando ríos y pretensión.
Una cosa es un país,
otra un fingimiento.
Una cosa es un país,
otra un monumento.
Una cosa es un país,
otra el envilecimiento.
¿Debería derribar penosos mapas sobre la plaza
en busca de la engañosa raíz? ¿o debería
parar de leer diarios
y leer anales
como anal
animal
hiena patética
en la mierda nacional?
¿O debería, en fin, ayunar en la Torre do Tombo
comiendo lo que las polillas descomen
procurando
el Quinto Imperio, el primer mapa náutico, la viciosa visión del paraíso
que nos impelió a errar aquí?
Subo, de rodillas, las escaleras de los archivos
nacionales, como cualquier santo barroco a rebuscar
en el moho de los papiros, en las manchas
de las pilas bautismales, en el mal olor de las vestimentas reales
a ver lo que se salvo con el tiempo
y al mismo tiempo
- nos traiciona.
ARTE FINAL
No basta un gran amor
para hacer poemas.
Y el amor de los artistas, no se engañen,
no es más bello
que el amor de la gente.
El gran amante es aquel que silencioso
se aplica a escribir con el cuerpo
lo que su cuerpo desea y siente.
Una cosa es la letra,
y otra el acto,
- quien toma una por otra
confunde y miente.
GAYA CIENCIA
Gusto de engañarme
pensando
que hoy amo
mejor de lo que ayer amé.
Así disculpo al joven audaz
que, en mí, me antecedió
y, generoso, lleno de esperanzas
el viejo sabio
que amará mejor que yo.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Traducciones del poeta chileno Adán Méndez
Publicados originalmente em: www.letras.s5.com/
PEQUEÑOS ASESINATOS
Vegetariano
no dejo de llorar
sobre las legumbres descuartizadas
de mi plato.
Tomates sangran en mi boca,
lechugas se desmayan en la salsa de limón-mostaza-aceite,
cebollas sollozan sobre la pila
y oigo el grito de la patatas fritas.
Como,
como un salvaje, como.
Como tapándome el oído, cerrando los ojos,
distrayendo, en el paisaje, el paladar,
con la displicente voluptuosidad
de quien mata para vivir.
En la sobremesa
continúa la verde desesperación:
peras degolladas,
higos destripados
y yo chupando el cerebro
amarillos de los mangos.
Esto aquí afuera. Pues allá dentro
bajo la piel, una intestina disputa
me alimenta: oigo el lamento
de millones de bacterias
que los lanzallamas de los antibióticos
exasperan.
Por donde voy es luto y lucha.
LA INTRUSA
Ella quería entrar a la fuerza en mi poema.
Primero, metió la pierna
con el muslo expuesto.
(El poema resistiendo.)
Después las uñas pintadas.
Cuando abrió la boca para el beso
saqué todas las bilabiales del texto.
Restaron sus largos cabellos
cubriéndome una estrofa entera.
Pero esto lo verán tan sólo
quienes sepan leer palimpsestos.
CARTA A LOS MUERTOS
Amigos, nada cambió
en esencia.
Los salarios apenas cubren los gastos,
las guerras no terminaron
y hay virus nuevos y terribles
pese al avance de la medicina.
Cada cierto tiempo un vecino
cae muerto por un asunto de amor.
Hay películas interesantes, es verdad,
y como siempre, mujeres portentosas
nos seducen con sus bocas y sus piernas,
pero en materia de amor
no inventamos ninguna nueva posición.
Algunos cosmonautas permanecen en el espacio
seis meses o más, testeando el engranaje
y la soledad.
En cada olimpíada hay records previstos
y en los países, avances y retrocesos sociales.
Pero ningún pájaro modificó su canto
con la modernidad.
Remontamos las mismas tragedias griegas,
releemos Don Quijote, y la primavera
llega puntualmente cada año.
Algunos hábitos, ríos y bosques
se perdieron.
Ya nadie coloca sillas en la vereda
o toma el frescor de la tarde,
pero tenemos máquinas velocísimas
que nos dispensan de pensar.
Sobre el desaparecimiento de los dinosaurios
y la formación de las galaxias
no avanzamos nada.
Ropas van y vuelven según las modas.
Gobiernos fuertes caen, otros se levantan,
países se dividen
y las hormigas y las abejas continúan
fieles a su trabajo.
Nada cambió en esencia.
Cantamos felicidades en las fiestas,
discutimos fútbol en la esquina
morimos en estúpidos desastres
y cada cierto tiempo
uno de nosotros mira al cielo cuando estrellado
con el mismo pasmo del hombre de las cavernas.
Y cada generación, insolente,
sigue hallando
que vive en la cumbre de la historia.
VEJEZ ERÓTICA
Estoy viviendo la gloria de mi sexo
a dos pasos del crepúsculo
Dios no se escandaliza con esto.
El júbilo maduro de la carne
me enternece.
Envejezco, sí. Y
(ocultamente)resplandezco.
IN ILLO TEMPORE
Había un cierto orden en aquel tiempo.
Siendo verano, llovía a las cuatro de la tarde.
Los pájaros se posaban en las ramas
cantando cada cual su canción.
Es verdad que perros y gatos
continúan obedeciendo nuestras órdenes
a veces absurdas
y algunos se acuestan a nuestros pies
y besan nuestras manos.
Pero había un cierto orden en ese tiempo.
Un cuadrado era perfecto
y un triángulo de tres lados
podía llegar a la perfección.
NUEVO GÉNESIS
En el primer día
el Demonio crió el universo y todo lo que hay en él
y vio que era bueno
En el segundo día
creó la codicia, la usura, la envidia, la gula, la pereza, la soberbia, la iraque llamó siete virtudes capitales
y vio que era bueno
En el tercer día creo las guerras.
En el cuarto día creó las epidemias.
En el quinto día creo la opresión.
En el sexto día creó la mentira
y en el séptimo día, cuando iba a descansar,
hubo una rebelión en la jerarquía de los ángeles
y uno de ellos, de nombre Dios,
quiso revertir el orden general de las cosas,
pero fue exiliado
en la peor parte del Infierno – los Cielos.
Desde entonces
el Demonio y sus huestes continúan firmes
en la conducción de los negocios universales,
aunque cada cierto tiempo un serafín, un querubín
y algún hijo de Dios, provoquen protestas, milagros, revoluciones
queriendo forzar el Bien donde hay Mal.
Sin embargo no han sido muy exitosos hasta el momento,
excepto en casos particulares
que no alteraron en nada la marcha general de la historia.
MUERTE EN LA TERRAZA
Muere otra paloma en la terraza.
Viéndola encogida hace días, yo no sabía
que la paloma (en aquella paloma) moría.
Llamo a mi mujer
para que me ayude a vivir más esa muerte.
Ella la toma en la mano. (Los animales la aman.)
La acaricia y la deja descansar en la sombra.
De nuevo sola,
la paloma mira el mundo quieto y estático.
De repente pone las patitas hacia arriba
batiendo las alas en un espasmo. (Otra paloma,
sorprendida por la escena, viene picoteando semillas
junto al cuerpo que agoniza.)
Tomo un bolígrafo rojo y anoto, urgente,
la muerte de la paloma en el poema.
La paloma deja caer la cabecita.
El poema se inclina.
Una gota roja cae del pico (o pluma)
y el poema
-termina.
Textos gentilmente enviados de Chile por el poeta Leo Lobos.
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EPITAFIO PARA EL SIGLO XX
Aquí yace un siglo
donde hubo dos o três guerras
mundiales y millares
de otras pequeñas
e igualmente bestiales.
2. Aquí yace un siglo
en que se creyó
que ser de izquierda
o de derecha
eran cuestiones centrales.
3. Aquí yace un siglo
que casi se esfumo en la nube atômica.
Se salvo por suerte
y por los pacifistas
con su homeopática
actitud
— nux-vômica.
4. Aquí yace un siglo
que un muro dividió.
Um siglo de concreto
armado, canceroso,
drogado, apestado,
que al fin sobrevivió
a las bactérias que parió.
5. Aquí yace um siglo
que se abismo
con las estrellas
en las telas
y que el suicidio
de supernovas
contemplo.
Un siglo filmado
que el viento se llevó.
6. Aquí yace un siglo
semiótico y despótico,
que se creyó dialéctico
y fue sidoso y patético.
Un siglo que decreto
la muerte de Dios, la muerte de la historia,
la muerte del hombre, en que se piso la luna
y se murió de hambre.
7. Aquí yace un siglo
que oponiendo clase a clase
casi se desclasificó.
Siglo lleno de anátemas,
antenas, siberias y gestapos
e ideológicas safenas;
siglo technicolor
que todo transplanto
y elbBlanco con el negro
a la fuerza junto.
8. Aquí yace un siglo
que se echó en el diván.
Siglo narciso & esquizo
que no pudo computar
sus neologismos.
Siglo vanguardista,
marxista, guerrillero,
terrorista, freudiano,
proustiano, joyceano,
Borges-kafkiano.
Siglo de utopias y hippies
que en un chip entrarían.
9. Aquí yace un siglo
que se llamó moderno
y mirando soberbio
el pasado y el futuro
se creyó eterno;
siglo que de sí
hizo tal alarde
y, sin embargo,
—se va ya muy tarde.
10. Fue duro atravesarlo,
Muchas veces morí, otras
quise volver al XVIII,
o al XVI, saltar al XXI, salir de aqui
¿a qué lugar?
— NInguno.
11. Piedad de nos, oh vosotros,
que en otros tiempos nos juzgáis
desde la amena galáxia
en que irônicos estais.
Piedad de nos,
— modernos medievales —
piedad de nos, como Villon
y Brecht, que por mi voz
de nuevo imploran. Piedad
de los que en este siglo vivieron
—per omnioa saecula saeculoroum.
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Extraído de EL HOMBRE BOMBA ANTOLOGÍA AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA, publicación de Chile Poesía Editorial. Santiago de Chile: 2005. Em coedición con la Embajada de Brasil.
Ganhei o exemplar desta obra do Centro de Estudos Brasileiros. Comentando com o autor (Affonso), ele brincou referindo-se à situação de portar o livro no vôo Santiago-São Paulo e só então perceber que o título da obra — EL HOMBRE BOMBA – poderia causar algum desassossego aos tripulantes e passageiros... Certo que a poesia é explosiva e pretende mudar o mundo, pelo menos em seus alicerces ideológicos.
SANT´ANNA, Affonso Romano. Epitafio para el siglo XX. (Antología). Selección y traducción: Eduardo Estévez y Eduardo Cobos. Caracas: Alcaldía de Caracas - FUNDARTE, 1994. 217 p. (Colección Breves, 49) 11,5X21 cm. Centro de Estudios Brasileños. “ Affonso Romano de Sant´Anna “ Ex. bibl. Antonio Miranda
CEIA DOS ANOS
Aos quarenta
descubro o prazer oral
da comida de que, bem ou mal,
— se alimenta o escriba.
Uma cena de Visconti ou filme italiano
da época: vinho, copos de cristal
toalha branca
— e lá me vem o paladar em gotas.
Canibal, Luiz XIV, XV, XVI, solar,
lunático no céu da boca
sorvendo as filigranas da corte
como se numa adega reinol,
como se um camponês europeu
com o pão fresco presunto e queijo
na rústica tábua como o vinho.
Dentro em mim há um medievo
castelão, um cruzado
que retoma, joga a armadura ao chão,
se encharca de vinho e pão na mesa dura
religiosamente. Pagãmente
como nos panos da cama o cardeal
deflora a noviça mais viçosa do convento
e conserva na face o despudor vermelho
— de uma mística ereção.
CENA DE LOS AÑOS
A los cuarenta
descubro el placer oral
en la comida de la que, mal o bien,
— se alimenta el escritor.
Una escena de Visconti o un film italiano
de época: vinos, vasos de cristal
mantel blanco
— desde allá me viene el paladar en gotas.
Caníbal, Luis XIV, XV, XVI, solar,
lunático en el paladar
sorbiendo las filigranas de la corte
en una bodega real,
como campesino europeo
con el pan fresco, queso, jamón
en la rústica mesa y el vino.
Dentro de mí hay un señor medieval,
un cruzado que al volver,
tira la armadura al suelo,
se atosiga de pan y vino en la dura mesa
religiosamente. Paganamente
sobre las cobijas el cardenal
desflora a la novicia más vigorosa del convento
y conserva en el rostro el impudor rojo
— de una mística erección.
ARTE-FINAL
Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
— quem toma uma por outra
confunde e mente.
ARTE FINAL
No basta un gran amor
para hacer poemas.
Y el amor de los artistas, no se equivoquen,
no es más bello
que el amor de la gente.
El gran amante es aquel que silencioso
se propone escribir con el cuerpo
lo que su cuerpo desea y siente.
Una cosa es la letra,
y otra el acto,
— quien toma una por otra
confunde y miente.
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TEXTS IN PORTUGUESE - TEXTS IN ENGLISH
AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA – A MAN AND HIS SHADOW.
Translated from the Portuguese and with an introduction by
Fred Ellison. Translated by Fred Ellison. Texas, U.S.A.: Host
Publications, 2008 - 97 p. ISBN 13 - 978-0- 9240447-67-1
Exemplar doado por ALEX COJORIAN
O HOMEM E SUA SOMBRA 1
Era um homem com sombra de cachorro
que sonhava ter sombra de cavalo
mas era um homem com sobra de cachorro
e isto de algum modo o incomodava.
Por isto aprisionou-a num canil
e altas horas da noite
enquanto a sombra lhe ladrava
sua alma em pelo galopava.
A MAN AND HIS SHADOW 1
He was a man with a canine shadow
which fancied a horse for itas shadow
but the man with the doggie shadow
was worried and couldn´t say why.
while he shut up in a kennel and,
once very late at night
while the shadow was barking at him
its naked soul came galloping by.
***
O HOMEM E SUA SOMBRA 2
Era um homem que tinha uma sombra branca
que de tão branca
ninguém a via.
Mesmo assim ela o seguia
e com ele dialogava.
Tinha-se a impressão
que uma coisa ausente
lhe fazia companhia.
Na verdade ele era a sombra
de sua sombra
— a parte da sombra que se via.
A MAN AND HIS SHADOW 2
He was a man with a shadow so white
so white indeed
it couldn´t be seen.
It follower him even so
and engaged him in dialogue.
It gave the impression
that something not present
was keeping him company.
He was truly the shadow
of his own shadow
— the part of shadow you´d see.
***
O HOMEM E SUA SOMBRA 3
Um homem deixou de alimentar
a sombra que transportava.
Alegou razões de economia.
Afinal para quê
de sobejo levar
algo que o duplicava?
Sem sombra, pensou:
melhor carregaria
o que nele carregava.
Equivocou-se. Definhou.
Descobriu, então,
que a sombra o alimentava.
A MAN AND HIS SHADOW 3
A man stopped feeling
the shadow he was leading.
Economic reasons were alleged.
After all, why should he trouble
transporting the excess
that actually was his double?
Without shadow, he thought:
it was better to carry
what he carried inside himself.
That was when he found his shadow
fed him in the most vital way.
***
O HOMEM SUA SOMBRA
Era um homem que caminhava atrás da própria sombra.
Já não se sabia se ela é que o guiava
ou se ele a perseguia.
Os incomodados sugeriam que a acorrentasse.
Ele tentava.
Sempre à sua frente
como uma enguia escura e úmida
ela se lhe escapava.
A única hora em que o homem e sua sombra
coincidiam
era quando ele dormia.
Pousava nele
claramente
sua sombra sonhava.
A MAN AND HIS SHADOW 4
He was a man who followed his shadow.
No more could you tell who was guiding
or who was one pursuing.
Some folks, unnerved, suggested he tie it.
He tried and he tried.
Always it stayed just ahead
like an cel clark and slimy
it keep slithering away.
He and his shadow would only coincide
when he´d fast asleep.
Settled down with him
his shadow was dreaming
as nobody could deny.
***
No livro continua até o número 48...
In the book it continues until number 48…
*
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_ingles/brazilian_poetry_index.html
Página publicada em fevereiro de 2024
Página ampliada e republicada em janeiro de 2008/ ampliada e reeditada em abril 2008 ; ampliada e reeditada em janeiro de 2010. Ampliada em janeiro de 2018.
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