AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA
Affonso Romano de Sant´Anna sempre provocou os concretistas, usando adjetivos que refletiram suas restrições: “Os concretistas pelejaram por revalorizar insanamente o ideograma” (p. 25 de seu livro POESIA SOBRE POESIA, 1975). Cobrava dos vanguardistas do período (1956-1968) “mais humour como os de 22”. Ou mais explicitamente: “Ver a contradição entre os ideogramas concretistas, que apelam para a síntese, versus as intermináveis teorizações analíticas para explicitá-los”. E em seguida ironiza: “Exercício escolar: desentranhar desses versos os nomes dos concretistas paulistas”, referindo ao próprio verso em que fala de “sermões ideogramáticos”... (Idem, p. 26)
E tenta explicitar-se, mais adiante, no mesmo livro, em nota (p. 54):
“Várias correntes de vanguarda, querendo que a poesia deixe de ser apenas um signo verbal para ser um signo visual, desenvolvem a tese de que a poesia deve aproximar-se da emblemática, coisa que Dante praticou com mais finura.”
Sobre a ortodoxia dos concretistas dos primeiros tempos (é sabido que eles passaram por várias fases, sem reconhecimento de uma revisão ou “evolução” no processo), Affonso comenta:
“Um dos mal-entendidos decorrentes da atuação dos poetas concretistas: impedindo-se, proibido-se, castrando-se um tipo de produção de poesia, mas não podendo passar sem ela, começaram a traduzir versos de grandes poetas falecidos. Saídas apenas compensatória, mas de qualquer maneira falsa saída, blind street. Ora, se o ciclo do verso acabou, como anunciaram, não vejo por que usar de novo fraque e cartola (alheios). Parece que o equívoco, de novo, está no conceito de História, pois há mil histórias simultâneas, e nenhuma é melhor do que a outra,e nenhuma é linear (a não ser para os profetas). Sobre isto também me lembra Graciliano Ramos comentando a observação, que Otávio de Faria lhe fizera a propósito de Vidas Secas, de que “o sertão, esgotado, não dava romance”. E Graciliano arrematava numa frase apropriada a seu caso e ao meu: “Santo Deus! como se pode estabelecer limitação para essas coisas.” (Idem. P. 56)
O (sempre lúcido) Affonso Romano de Sant´Anna arremata o argumento com o conceito de “obra em progresso”:
“Obra-em-progresso (work-in-progress, expressão usada por Joyce) na significa necessariamente vanguardismo. A obra pode estar progredindo sem cabriolas formais e estas podem muita vez estar do lado do retrocesso. Depende tudo do memento histórico dentro da série social e dentro da série literária.” (Idem, p. 54);
O 4 poemas “concretos” de ARS acima, criados entre 1966 e 1974, publicados em seu livro POESIA SOBRE POESIA (1975), pretende ser uma ironia, mas acabou sendo levado a sério... até pelo próprio autor. Apropriou-se do formato “visual” para exemplificar o que, em suas próprias palavras, no título de seu poema: “O POETA REALIZA A TEORIA – PRÁTICA DO SONETO, CONVENCENDO-SE DE QUE NÃO HÁ FORMAS ESGOTADAS, MAS PESSOAS ESGOTADAS DIANTE DE CERTAS FORMAS”. (...) Ironia da ironia...
No entanto, a ironia mais acérrima de ARS está numa das passagens de seu poema “Teorréias”: “Joyce certamente escreveu o Finnegans Wake, viveu em Trieste e sabia mil línguas, mas morreu, e isto é grave, sem ter lido o Plano-Piloto da Poesia Concreta.”
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