P E D R O
L Y R A
(1945- 2017)
Nasceu em Fortaleza, em 1945. Na atualidade é referência de grande valor na literatura brasileira pós-modernista. Os seus poemas têm sido publicados em vários países. Poeta, crítico, ensaísta, antologista de poesia e professor de poética na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenador da coleção “Nossos Clássicos”. Membro da Comissão Editorial da revista “Tempo Brasileiro”.
Página do autor na web: http://www.almadepoeta.com/pedrolyra.htm
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
Veja também: PEDRO LYRA en FRANÇAIS et PORTUGUÊS
Ver também: PEDRO LIRA – CRÍTICA LITERÁRIA DE HILDEBERTO BARBOSA FILHO - ENSAIOS
LYRA, Pedro. Ideações. 30 sonetos conceptuais. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2012. 48p. 11x16 cm. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação Aricy Curvello.
NOSSA AVENTURA
(SONETO DA CONSTATAÇÃO)
Nossa aventura é só decepção:
primeiro
retiraram-nos do centro
nos largando
aos subúrbios do universo;
depois
negaram a filiação divina
mostrando uma ascendência
de antropoides;
logo após
golpearam a liberdade
provando que se pensa
tal se vive;
no final
subjugaram a consciência
submetendo a vontade
a uma pulsão.
Quebramos nosso espelho
sem ressalvas
pois ainda
restava-nos
o Amor.
Porém
na hora-vida
rompe o outro
e corta o último fio
ao constatar-nos
CONTRA O DESTINO
(SONETO DE CONSTATAÇÃO – VIII)
Nasce um homem.
Quando ele se percebe
joga contra o destino a sua vontade:
quer luzir
quer voar
quer transcender
para provar que a vida tem sentido.
Trabalha:
cada fruto desse esforço
lhe torna o mundo em forma de desfrute.
Combate:
cada etapa ultrapassada
acrescenta-lhe forças para outras.
Pesquisa:
cada pedra lapidada
lhe confirma o triunfo sobre o tempo.
Mas na bora mais densa
opaca
íntima
em que um espelho cego cobra a prova
nem riqueza
nem glória
nem poder
— só interessa mesmo o que lhe falta.
LYRA, Pedro. Decisão. Poemas dialéticos. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1983. 148 p. 14x21 cm. Capa: Normanda “ Pedro Lyra “ Ex. bibl. Antonio Miranda
DA FELICIDADE
Não há ninguém feliz
não há
— a paz —
que guarda o ser
(sem medo, sem carência)
ninguém provou
— a liberdade —
que solta o tempo
(sem peia, sem limite)
ninguém teve
— o amor —
que encanta o mundo
(sem mágoa, sem lacuna)
ninguém viveu.
É guerra, opressão, egoísmo:
—como responder ao apelo da terra?
—como realizar o destino do ser?
Não há ninguém feliz.
(Pelo menos até hoje).
(Decisão, 1985)
LYRA, Pedro. Desafio: uma poética do amor. 3ª ed. Fortaleza, CE: Topboos/Editora UFC, 2002. 338 p. 14x21 cm. ISBN 85-0025-6 Ex. bibl. Antonio Miranda
SONETO DE CONFISSÃO – IX
Eu reconheço, amigo, esta miséria:
nunca soube fundir poesia e amor.
Era apenas contato
—sem paixão
ou era apenas chama
—sem suporte.
Nunca a musa mais plena fez-se carne:
—quando ensaiava
a fonte se esvaía.
Nunca a parceria ia além do ato:
—faltava sempre o impulso
para o vôo.
Entre o real e o avesso
desvivi-me:
nem subia do chão um só degrau
nem descia da nuvem para a rua.
E afinal sublimaste este fracasso
mais amada no sonho
que na vida
mais viva no poema
que na cama.
(Desafio, 1991)
APENAS UMA LEMBRANÇA
Passa na madruada
a lembrança de um desejo.
Nenhum ressentimento.
Nenhum sentimento, também.
Apenas a lembrança.
E era belo o tempo
—aquele tempo em que o amor justificava a nossa vida
com uma troca de vivências.
Passou.
Como esta madrugada
que te despertou por um momento.
Agora é dia.
E já não vejo teu olhar
no sol que surge.
Contágio (1995)
A NOSSA CULTURA CORRIGIRIA A NOSSA NATUREZA
E que apenas abertos os caminhos da Terra
estariam abertos os caminhos das estrelas.
Hoje
esse futuro
e já
e só
passado.
SERÁ QUE ESTA ESPERANÇA
VOLTA
NO PRÓXIMO MILÊNIO?
Eu espero:
quem já sofreu alguns deles
pode esperar mais alguns.
Errância (1996)
PEDRO LYRA
Do livro Argumento – Poemythos globais
(Rio de Janeiro, Ibis Libris, 2006)
O GRANDE EFEITO
O efeito pior
do Neo-Liberalismo
não foi sobre a economia,
coisa de ricos – uma condenada minoria;
nem sobre a cultura – coisa de sonhadores;
nem sobre essa política – coisa de porcos.
Foi sobre a própria vida:
– sobre o amor.
Não se aceita a impureza
na água que nos limpa,
no prato que nos salva,
no coração do amigo com quem compartilhamos o drama ou o triunfo.
E temos de aceitá-la
no peito da pessoa
que se ama?
O Neo-Liberalismo estragou tudo
– até o amor.
Adeus, amor!
Não há mais sentimento:
só sensação – sem mais a chama que encanta
quem o desperta,
quem a provoca.
Ficou banal
sexar – com qualquer um;
ficou patético
amar – a qualquer um.
E não cabe perdão:
– ninguém re-ama.
O Neo-Liberalismo revirou pelo avesso as relações humanas:
privatizou o de-todos – o que tem de ser de todos;
publicizou o de-um – o que só pode ser de um.
E estragou tudo
– até o amor.
Adeus, amor!
(Inauguramos a Era
da solidão coletiva.)
A GRANDE MEDIDA
Os juristas não concordam.
O congresso, também não.
O povo, muito menos.
(Concordam
os banqueiros.)
A imprensa desmascara tudo
mas o governo impõe.
Honra de governo consiste em impor
como a de bandido em matar.
(São dois monstros
em ação.)
A LENDA DA ÉTICA
Chovem denúncias
contra o governo.
Os energúmenos ostentam os fatos
nas expressões com que os negam.
Mas o Suserano flana tranqüilo:
– ainda não exibiram provas.
(O país está todo enlameado
e ele insiste que não choveu.
E que a lama não tem
prova da chuva.)
O GRANDE PAÍS
A maior concentração de renda do mundo.
A maior taxa de juro do mundo.
A maior tributação do mundo.
E a menor taxa de escolaridade do mundo.
O menor consumo de proteína do mundo.
A menor expectativa de vida do mundo.
E, no entanto,
com uma natureza tão fecunda
e uma gente tão criativa,
podia ser o contrário.
Podia!
Mas vige a lei do Mercado
contra as da civilização.
O VALOR DA VIDA
Adeus, privacidade!
Um olho eletrônico nos vigia
até em nosso sono.
Prerrogativas, adeus!
Um tribunal bloqueia a porta
por onde teríamos de entrar (ou de sair).
Adeus, segurança!
Uma bala nos espreita
na esquina onde vamos passar daqui a pouco.
Antes, inocentes até prova em contrário;
agora, suspeitos até mesmo sem indício algum.
(Só um jeito diferente de olhar
– coisa de apaixonado.)
É o terror, a conta-gotas.
Adeus, direitos humanos!
Adeus, democracia!
Adeus, amor!
(A vida vale um enterro.)
LYRA, Pedro. Musa lusa. Sonetos de amor. Lisboa: Limiar, 1988. 119 p. (Col. Os Olhos e a Memória, 43) 12,5x20,5 cm. Desenho de José Rodrigues. Capa protegida por papel manteiga. Col. A.M.
SONETO DO AMOR FATAL
Ele assoma
insinua-se
imiscui-se
com malícia e blandície de serpente:
ensaia um paraíso antes do golpe
e escancara um inferno após um beijo.
E seta
e farpa
e dardo
e bala
e míssil
destrói só à visão
à ideia
ao nome
dourando na ilusão do desamado
seu bobo sonho de romper limites.
Promete e falha.
Dá e toma.
E enleia
na envenenada teia dos caprichos
a mente e o coração de quem lhe creia.
Aquilo que ele acresce não faz falta:
melhor é seguir livre sem prová-lo
do que prová-lo e nunca mais ser livre.
SONETO DO AMOR INSATISFEITO
Toda a tola visão de um paraíso
que se foi construindo no desejo
em vez de se cumprir
se esfaz no encontro
pra mostrar o vazio do suposto
de ver no alvo o que está só no foco
preso na fonte
e que não passa pleno
não jorra livre
estanca antes do ponto
e
no seu quase
nunca nos contenta
excepto se bastasse o amor ao ego.
Contra a satisfação
—a frustração
de amar a si pensando amar a outro
buscar um outro e sempre achar um mesmo.
E nessa sensação de incompletude
cruzar consigo
só
com quem que fosse.
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TEXTOS EN ESPAÑOL
Extraídos de la
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y traducción de Xosé Lois García
Santiago de Compostela: Ediciones Laiovento, 2001
(con la autorización del traductor)
DE LA FELICIDAD
No existe nadie feliz
no existe
— la paz —
que guarda el ser
(sin miedo, sin privación)
nadie probó
— la liberdad —
que desata el tiempo
(sin obstáculos, sin límite)
nadie tuvo
— el amor —
que encanta al mundo
(sin pena, sin vacío)
nadie vivió.
Es guerra, opresión egoísmo:
—¿Cómo responder al reclamo de la tierra?
—¿Cómo realizar el destino del ser?
Não há ninguém feliz.
(Por lo menos hasta hoy).
(Decisão, 1985)
SONETO DE CONFESIÓN – IX
Yo reconozco, amiga, esta miseria:
nunca supe conjugar poesía y amor.
Era sólo contacto
—sin pasión
o era sólo llama
—sin base.
Nunca la musa más plena se hizo carne:
—cuando ensayaba
la fuente se desvanecia.
Nunca ala compañera iba más allá de la acción:
—siempre faltaba el impulso
para el vuelo.
Entre lo real y lo opuestoo
Me desviví:
ni subía um sólo peldaño del suelo
ni descendia de la nube hacia la calle.
Y al final sublimaste este fracaso
más amada en el sueño
que en la vida
más viva en el poema
que en la cama.
(Desafio, 1991)
APENAS UM RECUERDO
Pasa en la madrugada
el recuerdo de un deseo.
Ningún resentimiento.
Ningún sentimiento, tampoco.
Apenas el recuerdo.
Y era bello el tiempo
aquel tiempo en el que el amor justificaba nuestra vida
con un intercambio de vivencias.
Pasó.
Como esta madrugada
que te desperto por un momento.
Ahora es día.
Y ya no veo tu mirada
en el sol que surge.
Contágio (1995)
NUESTRA CULTURA CORRIGIRÍA NUESTRA NATURALEZA
Y que sólo una vez abiertos los caminos de la Tierra
estarían abiertos los caminos de las estrellas.
Hoy
ese futuro
es ya
y sólo
pasado.
¿ ESTA ESPERANÇA
VOLVERÁ
EN PRÓXIMO MILENIO?
Yo espero:
quien ya surfrió algunos de ellos
puede esperar algunos más.
Errância (1996)
VII COLETÂNEA SÉCULO XXI. 2017. Homenagem ao Poeta Pedro Lyra. Volta Redonda, RJ; Gráfica Drumond, 2017. 102 p. Editor: Jean Carlos Gomes. 15,5X21cm. Foto do poeta homenageado na capa da antologia e dois textos apresentando o poeta escritos por Antonio Carlos Secchin e Anderson Braga Horta. E uma "orelha" escrita pela poeta Astrid Cabral e trechos de comentários sobre o poeta escritos por Pedro Pires Bessa, Antonio Houaiss, Ivan Junqueira, Gilberto Mendonça Teles e Eleonora Campos. Também inclui poemas de Pedro Lyra: Sonetos da afirmação I, IV, V, VII, XLIX Soneto da constatação X, XLVI, XLVIII, L, LI, Soneto da Provocação XVI, XVII, Soneto do Amor Fatal e Em Tua Cama (que reproduzimos em seguida:)
EM TUA CAMA
A Maria de Oliveira,
a partir de uma sua foto, deitada,
com seu exempla do livro Desafio ao lado.
Meu livro em tuas mãos:
a essência dele
recobra a vida...
larga-se das folhas...
desliza
docemente
em tua pela...
e sedenta
tateia
ante os teus olhos.
Te inclinas sobre o leito:
ela avança
pelo teu colo...
e esplende em teu sorriso.
A teu lado
te envolvem as palavras
numa teia
de imagens e harmonias.
O poeta divaga:
nem suspeita
de que está onde está
(mas só em versos).
Meu livro em tua cama:
é a poesia
querendo retornar à sua fonte.
Ah! feliz, esse livro... esses sonetos...
feliz, este exemplar.
(Bem mais do que eles.)
PEDRO LYRA
Do livro Argumento – Poemythos globais
(Rio de Janeiro, Ibis Libris, 2006)
A sair em breve em espanhol.
Tradução de Stephanie White
EL GRAN EFECTO
El efecto peor
del Neoliberalismo
no fue sobre la economía,
cosa de ricos – una condenada minoría;
ni sobre la cultura – cosa de soñadores;
ni sobre esa política – cosa de cerdos.
Fue sobre la propia vida:
– sobre el amor.
No se acepta la impureza
en el agua que nos limpia,
en el plato que nos salva,
en el corazón del amigo con quien compartimos el drama o el triunfo.
¿Y tenemos de aceptarla
en el pecho de la persona
que se ama?
El Neoliberalismo estropeó todo
– hasta el amor.
¡Adiós, amor!
No hay más sentimiento.
Sólo sensaciones – ya sin la llama que encanta
quien lo despierta,
quien la provoca.
Ya es todo banal
sexar – con cualquiera;
Ya es patético
amar – a cualquiera.
Y no cabe el perdón:
– nadie re-ama.
El Neoliberalismo reviró por al revés las relaciones humanas:
se hizo privado el de-todos – lo que tiene que ser de todos;
se hizo público el de-uno – lo que solo puede ser de uno.
Y estropeó todo
– hasta el amor.
¡Adiós, amor!
(Inauguramos la Era
de la solitud colectiva.)
LA GRAN MEDIDA
Los juristas no están de acuerdo.
El congreso, tampoco.
El pueblo, mucho menos.
(Están de acuerdo
los banqueros.)
La imprenta desenmascara todo
pero el gobierno impone.
Honor de gobierno consiste en imponer
como la de bandido en matar.
(Son dos monstruos
en acción.)
LA LEYENDA DE LA ÉTICA
Llueven denuncias
contra el gobierno.
Los energúmenos ostentan los hechos
en las expresiones con que los niegan.
Pero el Suserano vaguea tranquilo:
– todavía no exibieron pruebas.
(El país está todo enlamado
y el insiste que no llovió.
Y que la lama no tiene
prueba de la lluvia.)
EL GRAN PAÍS
La mayor concentración de la renta del mundo.
La mayor tasa de interés del mundo.
La mayor tributación del mundo.
Y la menor tasa de escolaridad del mundo.
El menor consumo de proteína del mundo.
La menor expectativa de vida del mundo.
Y, sin embargo,
con una naturaleza tan fecunda
y una gente tan creativa,
podría ser al contrario.
¡Podría!
Pero está en vigor la Ley del Mercado
contra las de la civilización.
EL VALOR DE LA VIDA
¡Adiós, privacidad!
Un ojo electrónico nos vigila
hasta en nuestro sueño.
Prerrogativas, ¡Adiós!
Un tribunal bloquea la puerta
por donde tendríamos de entrar (o de salir).
¡Adiós, seguridad!
Una bala nos acecha
en la esquina donde vamos a pasar en un rato.
Antes, inocentes hasta prueba en contra;
ahora, sospechosos hasta mismo sin indicio alguno.
(Solo una manera diferente de mirar
– cosa de apasionado.)
Es el terror, a cuentagotas.
¡Adiós, derechos humanos!
¡Adiós, democracia!
¡Adiós, amor!
(La vida vale un entierro.)
Página publicada em dezembro de 2007. ampliada e republicada em setembro de 2011. |