Coordination de ARICY CURVELLO
BARTIRA SOARES
Hora rubra
Pelas copas das árvores o sol
arrasta-se minguante para os caminhos
do oeste. Súbito um pássaro de asas
atrevidas fende o fio do tempo
e cai vertiginoso no íntimo da tarde .
Recolho em mim os escombros
dessa hora rubra e deixo que a agonia
dessa paisagem talhe em minha face
um rio e um ricto de sinuosas revelações.
Ω ¥ Ω
Heure rouge
Par la cime des arbres le soleil
se traîne décroissant vers les chemins
de l' ouest . Soudain un oiseau d' ailes
audacieuses fend le fil du temps
et tombe vertigineux dans l' intime de l' après-midi .
Je recueille en moi les décombres
de cette heure rouge et je laisse que l' agonie
de ce paysage taille dans mon visage
une rivière et un rictus de sinueuses révélations.
Ø Đ Φ
(Da antologia bilingüe “Poésie du Brésil”, seleção de Lourdes Sarmento, edição Vericuetos, como nº 13 da revista literária francesa “Chemins Scabreux”, Paris, setembro de 1997. Traduções de Lucilo Varejão, Maria Nilda Miranda Pessoa e outros.)
REVISTA DE POESIA E CRÍTICA Ano XVIII No. 18 Brasília – São Paulo – Recife — 1994.
Ex. doação do livreiro Brito – DF
MUTATIS MUTANDIS
Tomo a forma do mar.
Se é preciso que em minhas águas
navegue o vento e em mim
o sol refaça caminhos
de impulsos e chamas verdes
não me furto ao compromisso de hoje
me impõe esta manhã.
Minhas águas de sal e segredo
ferem-se na aspereza dos corais
e por não ser lâmina e por não
ser espinho não tenho
como revidar. Deixo que minha dor
em mim desabe. Recolho meu grito
de incertezas e convicções.
E quando a última gaivota
da tarde no poente pousar
a sombra do seu cansaço
só então serei que fui.
Assim sobre penhascos
e dunas não mais depositarei
lembranças e sargaços.
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Página ampliada e republicada em fevereiro de 2023
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