Coordination de ARICY CURVELLO
ASTRID CABRAL
EM PORTUGUÊS / EN FRANÇAIS
Voz no Exílio
Saudade de paisagem
com palmeira vasculhando o céu.
Vento rasgando bananeira
papagaios de papel
no anil entornado da tarde.
Meu país,
o lirismo não me deixa cega,
oh terra que me faz feliz/ infeliz
tão farta que estou
de tantos falsos aristocratas
e mendigos tão reais.
Meu país,
a saudade não me deixa mentir,
oh terra onde vivo dividida
entre paixões e compaixões.
Oh terrível gangorra
de orgulho e vergonha!
Bainha aberta
Crava em meu corpo essa espada crua.
Quero o ardor e o êxtase da luta
em que me rendo voluntária e nua.
Meu temor é a paz pós-união:
desenlace derrota solidão.
Cegueira
No começo
o amor era tão cego
que vivíamos
de tropeço em tropeço.
No começo
o amor era tão cego
que não nos víamos.
Carecíamos do tato
para nos conhecer.
POR TODA A PARTE O RIO
Por toda a parte o rio
solta serpente a rojar-se
na paisagem da planície
cobra domada à força por
barrancas e algemas de pontes
ou cativo fragmento no pote
na palma côncava do púcaro
no copo translúcido e mínimo
leite a pojar o seio das cuias.
Em águas batismais comungo
e mergulho o arcaico corpo de
remotíssimo passado anfíbio
nós todos tão sáurios tão
irmãos de peixes e quelônios
e espelho o rosto em fuga por
águas igualmente fugitivas
e comigo vai o rio rente rindo
roendo ruindo riando submim
num subsolo de sonhos.
CABRAL, Astrid. Couer sans frein; poèmes truduits du portugais (Brésil) par l´autore. Fontanay Le Conte, France: Chez les arêtes, Collection les fruits étranges. s.p. 14x19 cm. ISBN 978-2-915886-20-7 Col. A.M.
Segredo
Camuflar o sentimento
em camadas de recato.
Não deixar que a emoção
transborde a concha do prato.
Cuidar que a avidez do mais
não suste de vez o passo
e a cobiça aflita acabe
sendo embaraço ao abraço.
Contentar-se com o pouco
e prudente, fazer disso
compromisso com o tesouro
futuro, o júbilo adiado
até que o outro perceba
e não mais seja surdo
ao rumor do amor oculto.
Abraço póstumo
Cinge-me o dedo
vizinha à minha
a. aliança dele.
No meio da noite
seu par de chinelos
acolhe-me os pés.
Através meus olhos
seus óculos escuros
este mundo espiam.
Também seu relógio
herança em meu pulso
marca vãos minutos.
Chaves e carteira
dele abrem-me portas
de acesso ao tangível.
Metonímia à parte
sinto-me abraçada
não só pelas sobras.
Cegueira.
No começo
o amor era tão cego
que vivíamos
de tropeço em tropeço.
No começo
o amor era tão cego
que não nos víamos.
Carecíamos do tato
para nos conhecer.
Fusão
Não te quero
assim a meu lado
e sim em mim.
De tal forma
interpenetrados
que eu deixe de ser eu
e tu de seres tu.
Sejamos pois um nós
singular e não plural
trançados sem dó
num só nó.
EN FRANÇAIS
Voix dans l’ Exil
Nostalgie de paysage
avec palmier balayant le ciel.
Vent qui déchire bananier
perrroquets de papier
dans l’indigo débordant du soir.
Mon pays,
le lyrisme ne me laisse aveugle
oh terre qui me rend heureuse / malheureuse
si gorgée que je suis
de tant de faux aristocrates
et de mendiants si réels.
Mon pays,
la nostalgie ne me laisse mentir,
oh terre où je vais partagée
entre passions et compassions.
Oh terrible balançoire
d’orgueil et de vergogne!
{“Voix dans l’ Exil” consta da antologia bilingüe Port./Francês “Povos e Poemas/ Peuples et Poèmes”, publicada pela Universitária Editora, de Lisboa (Port.), em 2003, organizada e traduzida por Jean-Paul Mestas com uma equipe de tradutores,pois a obra reúne poetas de cerca de cem países.)
Ø Đ Φ
Gaine ouverte
Enfonce dans mon corps cette épée crue.
Je veux l’ardeur et l’ extase de la lutte
dans laquelle je me rends volontaire et nue.
Ma crainte est la paix post-union:
dénouement déroute solitude.
Aveuglement
Au début
l’ amour était si aveugle
qu’on vivait
d’ achoppement en achoppement.
Au début
l’amour était si aveugle
qu’on ne se voyait pas.
On avait besoin du toucher
pour se connaître.
(Os dois últimos poemas/ Les deux derniers poèmes: antologia “Poésie du Brésil”, seleção de Lourdes Sarmento, edição Vericuetos, como nº 13 da revista literária francesa “Chemins Scabreux”, Paris, setembro de 1997. Traduções de Lucilo Varejão, Maria Nilda Miranda Pessoa e outros.)
Ø Đ Φ
PARTOUT LE FLEUVE
Partout le fleuve
libre serpent trainant
dans le paysage de la plaine
couleuvre domptée à force
par les berges et les chaînes des ponts
fragment captif du pot
dans la paume concave du vase
du verre translucide et infime
lait comblant le sein des calebasses.
Dans les eaux baptismales je comunnie
je trempe mon corps archaïque
du lointain passé amphibie
nous tous si sauriens
aussi frères des poissons et de les chéloniens
je miroite mon visage en fuite
sur les eaux tout aussi fugitives
et tout près de moi, le fleuve suir souriant
rongeant remuant ruisselant sous moi
dans un sous-sol de songes.
Ø Đ Φ
[ Tradução ao Francês por Sophie Lesage.- Editado por Les Arètes, La Rochelle, França, em 2008.]
CABRAL, Astrid. Couer sans frein; poèmes truduits du portugais (Brésil) par l´autore. Fontanay Le Conte, France: Chez les arêtes, Collection les fruits étranges. s.p. 14x19 cm. ISBN 978-2-915886-20-7 Col. A.M.
Secret
Camoufler le sentiment
sous des couches de réserve.
Ne pas permettre à l'émotion
de déborder au creux de la vaisselle.
Faire attention à ce que l'avidité
n'arrête pas la bonne marche
et que la convoitise sans limite
ne gêne pas l'accès à l'entente.
Etre contente du peu
et prudente, sorte de pari
pour le trésor futur,
la jouissance ajournée
jusqu'à ce que l'autre
cesse d'être sourd
à la rumeur de l'amour caché.
Etreinte posthume
A mon doigt
voisine de la mienne
son alliance.
Au milieu de la nuit
sa paire de chaussons
accueille mes pieds.
À travers mes yeux
ses lunettes foncées
regardent ce monde.
De même sa montre
héritage à mon pouls
marque des minutes vides.
Son portefeuille et ses clés ^
ouvrent pour moi les portes
de l'accès au tangible.
Métonymie mise a. part
je ne me sens pas étreinte
seulement par cela.
Cécité
Au début
Famoùr était si aveugle
qu'on vivait
d'achoppement en achoppement.
Aa début
l'amour était si aveugle
qu'on ne se voyait pas.
On avait besoin du toucher
pour se connaître.
Fusion
Je ne te veux pas
ainsi à coté de moi
mais plutôt en moi
de telle façon
qu' interpénétrés
je ne sois plus moi
tu ne sois plus toi
que nous soyons u-n nous
non pluriel mais singulier
les deux tressés sans peine
dans un seul nœud.
Página publicada em set. 2008, revisada e republicada em outubro de 2008;. novamente ampliada e republicada em fevereiro de 2009. Ampliada e republicada em novembro de 2013.
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