Acalanto
(ao meu pai in memória)
Perdi minha jóia do Eufrates
meu tesouro sem ouro
A pedra mais preciosa
não habita as relíquias
Não sinto o seu calor
não posso tocá-la
não tenho olhos para vê-la
Meu deserto está frio
o sol sempre encoberto
a lua a minguar
O inverno presente
nas quatro estações
Durante séculos procurei
minha jóia do Eufrates
e agora a perdi
Para meu acalanto
irei encontrá-la
noutra dimensão
Futuro Neon
Flores brotam no coração da Sé,
a Catedral sorri em uníssono.
O chafariz ilumina e acolhe
os homens sem teto e sem fruto.
Os sonhos refazem a vida que colhe
esperanças no altar mor das ilusões.
O evangelho é proclamado
pelos fiéis no banco da praça.
Menores fumam craque e cheiram cola
em busca de um futuro neon.
As calçadas de plástico clamam em nome da paz.
Eremitas vendem sonhos nas ruas.
A Catedral da Sé, um poliedro de esperanças.
Os pratos vazios amanhecem no ventre
da cidade desvairada
e, nas escadarias, Mário de Andrade
canta Salmos e bebe Kyries.
Fome - grita alguém do outro lado.
Sede - exclama o comedor de fogo.
Milhões de pessoas a naufragar
no silêncio da melodia muda.
Ninguém escuta os filhos da mesma aurora.
Pausa - a cidade ensurdece e emudece.
A fome e a sede, as cores vivas do País.
GOSTO DE AVELÃS
Dirigindo o veículo que me conduzia
às minhas quatro paredes,
viajei nas rodas de Lenoir
rumo à rua Roquette.
No café em frente ao terminal,
observava através das cortinas transparentes
os chapéus que passeavam na calçada.
Tentava te perceber meio à multidão,
não via o vulto de tua imagem.
Sobre a mesa Uma Paixão no Deserto,
nos tipos de Didot, Balzac me acompanhava.
Entrastes pela alta porta de vidro
com um buquê do campo nas mãos
como fosse este o primeiro instante.
Sentastes ao meu lado,
beijastes suavemente minhas mãos.
Não falastes nada, mas teus olhos
disseram-me frases inesquecíveis.
Tomamos um café, nosso beijo
com gosto de licor de avelãs.
Voltei ao meu Corcel, à grande avenida
que me conduzia à região leste.
Na minha memória Delacroix
guiava-me à Catedral do meu Silêncio.
Emudeci no cruzamento,
teu cheiro se fez presente no ar.
Dentro do meu peito tua voz
acalentou-me no tráfego.
Minha boca com gosto de avelãs.
(In “Catedral do Silêncio”, João Scortecci Editora, 1996.)
Luz e Vida
Para o Caio Porfírio Carneiro
Os olhos vão perdendo o brilho
quando os anos pesam sobre os ombros.
Os teus acentuam a luminosidade
com o envelhecimento do tempo,
fazem brilhar o sol de Iracema,
as estrelas do céu do Futuro,
dão mais vida à flora
e aos meninos marinhos
das águas salinas de Fortaleza,
reluzem de esperanças
os homens do agreste,
germinam frutos
nas terras do Pau Caído,
dão mais forças aos poetas
para plantarem flores
nos blocos de concreto.
És a poesia dos escritores,
A prosa da vida na cidade,
O romance das crianças do sertão,
as palavras machadianas
que iluminam a criação dos homens.
Praia do Futuro
O quebrar das ondas sobre o meu corpo.
Êxtase, estás entre o sal e o iodo.
Nenhum pássaro sobrevoa a Praia do Futuro,
o vento leste me traz o bater de tuas asas,
plainam sobre o mar e me fazes de alimento.
O vento oeste leva minha solidão
para saciar a Rainha do Mar.
Não estou mais só dentro de mim,
teu verde habita meu corpo,
o silêncio da minha catedral é melodia,
acordes dissonantes em pleno mar.
Sinto teu cheiro nas águas,
minh’alma se envolve no manto da paz.
Estás a pintar aquarelas em meu deserto,
um arco-íris brota em meu ventre.
Sinto o gosto da tua boca,
tua língua me navegando,
teu pulsar em minhas veias,
tuas mãos invadindo minhas florestas,
teu corpo me acalentando.
Estamos em êxtase nas águas do futuro.
Fortaleza 3/06/00 |