Fonte: www.revistaetcetera.com.br
ADEMIR ASSUNÇÃO
Poeta e jornalista, nasceu em Araraquara (SP), em 1961.
Publicou as coletâneas de poesia LSD Nó (Iluminuras,1994) e Zona branca (Altana, 2001), além de dois livros de prosa experimental, A máquina peluda (Ateliê Editorial, 1997) e Cinemitologias (Ciência do Acidente, 1999). Participou da antologia bilíngue Outras praias (Iluminuras, 1998) e foi co-editor da revista de poesia
e arte Medusa.
Participou de exposições de poesia visual em Sydney, Lisboa e Paris. Como letrista de música popular, tem parcerias com os compositores Itamar
Assunção e Edvaldo Santana. Com o violonista Madan e o percussionista Ricardo Garcia, montou o show-recital Psicoléríco. Como jornalista, trabalhou na Folha de Londrina, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, Folha, da Tarde e na revista Mane Claire. Atualmente, edita a revista literária Coyote, junto com Marcos Losnak e Rodrigo Garcia Lopes.
Acaba de sair, com boa receptividade da crítica: “A Musa Chapada”, poemas de Ademir Assunção e d de Antonio V. S. PIetroforte, desenhos de Carlos Carah (SP: Demônio Negro, 2008).
blog do autor: http://zonabranca.blog.uol.com.br/
Veja também a resenha: A MUSA DROGADA, O CANTO VICIADO : A MUSA CHAPADA, por Ademir Assunção e Antonio Vicente Seraphim Pitroforte – resenha do livro
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EM ESPAÑOL
5 DIAS PARA MORRER
para Hector Babenco
morreremos loucos, Ana
os sapatos
novos
em cima da mala
— mala notte
o dia, a pior
foto: olhos úmidos
no vídeo
flashbacks:
a virilha imunda
do marinheiro
os eletrodos frios
nas têmporas
as pílulas coloridas
peixes
num aquário
cujo vidro
quase se quebra
toda vez
que o tocamos
sim, Ana
morreremos loucos
mas
esta noite
dormiremos
juntos
GIRASSÓIS EM CHAMAS
dorso de touro, tigre
listas camufladas:
um salto súbito e o sangue jorra
vinho na relva, patas em convulsão
carcaça, deserto
chifres contra o fundo
de uma moldura árida
mas a brisa, mesmo seca,
sibila algo, escute:
ali se travou uma batalha.
pior a serpente
com seu veneno diário
gota a gota, amortecendo
a fúria, a força
o roçar de pétalas
até que reste só
o girassol em chamas
no fundo do quintal
OLHOS ELETR1COS
ponta de pedra aguda
faces rasgadas, bétulas amargas
você me diz psiu, violência
no jeito de piscar as pálpebras
pássaros tristes entre cães aprisionados
enfim vivemos num cenário
onde crianças com olhos elétricos
vasculham os bolsos de lady solidão
musas sádicas me acariciam
com unhas de gilete
lábios em came-viva, mil beijos
de medusa — strippers que após a roupa
arrancam a própria pele
e você vira as costas, arrasta-se
como um mamute pelo corredor
arremessando um "boa noite"
que me acerta em cheio na testa
A LÁGRIMA DE VAN GOGH
o ar da tarde reflete
as flores do arco-íris
mudas, as cores giram
lisérgica dança de Shiva
sobre o campo de girassóis
centeio embolorado
: auto-retrato da Loucura
nas pupilas em chamas
& uma única lágrima
guardada
na caixinha de jóias
Poemas extraídos de NA VIRADA DO SÉCULO: poesia de invenção no Brasil, organização de Claudio Daniel e Frederico Barbosa. São Paulo: Landy, 2002. 348 p.
ISBN 85-87731-63-7
Página publicada em janeiro de 2009
ESCRITO A SANGUE
ruas escuras
atravessado
eu atravesso
reviro o avesso
nele me meço
olho de lince
encaro a face da fera
espelhos se estilhaçam
rasgam minha cara
cai a neblina do vazio
frio na barriga
pago o preço
erva, bola, cogumelo
volto al começo
escapo com vida
desconverso
verso escrito a sangue
desapareço
quanto mais
menos
me pareço
eco de bicho homem
ego sem endereço
SATORI
Sentado, distraído, na pedra
ao lado da cachoeira
- eu sou um Buda
de cabelos nublados
e dedos de borracha.
A água fria
franze a pele das costas,
A samambaia sorri
com suas folhas
crispadas pelo vento.
Nada fora de lugar.
Nenhum caos mental.
Pelado, pêlos eriçados
- secando ao sol
sou apenas
mais uma
espécie de vida
entre muitas –
viajando pelo tempo
- que nunca existiu
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De
Ademir Assunção
ZONA BRANCA. 2 ed.
Curitiba: Travessa dos Editores, 2006
188p. ISBN 85-89485-65-X
“Nesta nova fornada de poemas temos bom sortimento dessa polivalência: diálogos oníricos e fragmentários entre ancestralidades e modernidades, entre urbanidades e mundanidades, entre formalismos e inconformismos, entre clarividências e alucinações. Como todo poeta, Ademir tem seus fetiches, entre eles os animais, escravos e deuses da raça humana, signos de nossas emoções abjetas e sublimes. O poeta os alimenta em seu zoológico e se amamenta neles em seu zodíaco, numa cumplicidade primata, inata e abstrata. Assunção é uma canibal mamífero e onívoro. Poeta pleno, portanto.” Glauco Mattoso
escrito na pele
a pele o melhor papel
para uma escrita de vertigens
poros piras acesas
ao roçar das línguas
papiro de delícias onde se grafam
carícias, ideogramas
numa linguagem de líquidos
:
suores sêmem nanquim
sem rasuras
escrita que se renova na passagem dos dias
mas também se apaga
nada de rastros
dessas páginas de prazeres
marés, luas cheias
ventos varrem as pegadas
de tantos pés pisados: traços delicados
palavras que eriçaram os pêlos
risadas loucuras fúria animal
sem vírgulas reticências
ou ponto final
sampa, 19.12.96 – floripa, 02.01.97
peixes de luz
pessoas
fossem peixes de luz
fosforecessem
sob algas invisíveis
no mel do outono
nenhum anzol
ousasse fisgá-las
palavra alguma
profanasse
a voz do silêncio
apenas arrepio de pele
eriçar de pêlos
crispas d´água
lua mínima ardendo
na fase pálida do papel
pele contra pele
então a brisa nos brinda
com sua auréola de nadas
& a vida se resume
ao agora:
veja, meu amor
palavras no vapor do ar
— a vidraça se embaça
vento frio no rosto, olha
é inverno
(nenhuma flor no orvalho)
pele contra pele:
nosso melhor agasalho
vir como quem
se despe
ver como quem
se esquece
ir como quem
agradece
outra vez
se houvesse
ASSUNÇÃO, Ademir. Cinematologias. Londrina, PR: Atrito Art Editorial, 2002. 66 p. 12x18 cm. Col. A.M.
07.07
Estremecimentos, terremotos, ondas gigantes,
vendavais. Que raios estou pressentindo?
18.08
Percepção infravermelha, experiências ultrasônicas,
tambores para curar mães. Um xamã nos templos
de cimento e vidro fumê. Gira, gira, gira no terreiro
meu amô, gira, gira, gira que o santo já bashô.
02.04
Morcegos com asas de cristal negro se espatifam
na janela. Lua de cacos cubistas mirando-se no
espelho. Pânico no olho do cavalo.
18.11
Caco de vidro rasgando a superfície da água. Um
peixe-miragem mergulha no espelho, crispa as
escamas em seu próprio reflexo, engole-se a si mesmo,
desaparece no lago profundo do seu avesso.
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TEXTOS EM ESPAÑOL
Ademir Assunção nació en Araraquara, São Paulo, en 1961. Esperiodista. Publicó los libros LSD Nô (1994), A máquina peluda (1997) y Cinemitologias (1998). Como letrista, há trabajado con los músicos Itamar Assumpção, Edvaldo Santana Madan. Tiene en preparación el libro Zona Branca. Integra el consejo editor de la revista Medusa. [Traducciones de R.J., revisadas por A.A.]
Textos incluídos na revista tsé=tsé 7/8 - otoño 2000, Buenos Aires, Argentina, de onde extraímos alguns poemas de alguns poetas,. A revista inclui 30 poetas.
ESCRITO CON SANGRE
Calles oscuras
atravessado
yo atravieso
al revés vuelvo
en él me mido
ojo de lince
encaro la faz de fiera
espejos se astillan
rasgan mi cara
cae la neblina del vacío
frío en la barriga
pago el precio
hierba, pasta, hongo
vuelto al comienzo
escapo con vida
desconverso
verso escrito en sangre
desaparezco
cuanto más
menos
me parazco
eco de bicho hombre
ego sin dirección
SATORI
Sentado, distraído, en la piedra
al lado de la cascada
- yo soy un Buda
de cabellos nublados
y dedos de hule.
El agua fria
eriza la piel de las costas.
El helecho sonríe
con sus hojas
crispadas por el vento
Nada fuera de lugar
Ningún caos mental
Pelado, pelos erizados
- secando ao sol
soy apenas
entre muchas
una forma
más de vida –
viajando por el tiempo
- que nunca existió
ASSUNÇÃO, Ademir. Risca faca. Poesia. Apresentação de Cláudia Roquete Pinto. São Paulo: V. de Moura Mendonça – Livros. Selo Demônio Negro, 2021. 132 p. Ex. bibl. Salomão Sousa
UMA VIDA SÓ
ervas, trevas, tremores
temores de que a casa caia
nem sempre noites
de tórridos horrores
nem sempre murros
com urros e riscar de facas
mas quando o sol solvente
dissolve a paisagem
eu viro muro de arrimo de mim mesmo
e me aprumo
há vida nas formigas
tão minúsculas minúcias
há vermes nas espigas
tanto quando brilham os dentes quentes dos vampiros
nas noites de intrépidos ruídos
sob a luz da rua dos pavores
mas quando a lua lunescente
engole a paisagem
eu bebo a brisa e sei que isso é só a vida
uma vida só
ARTHUR RIMBAUD
sumir aos poucos
estrela decadente
no céu da rússia
no inferno de dante
no deserto da abissínia
ou no sertão do crato
que droga, que saco
lento destino triste sina
melhor sumir de vez
sem deixar rastro
PARAPSICOLOGIA DA DECOMPOSIÇÃO
1
Entro no meu poema
como quem suja as mãos.
Não tem trema, não tem métrica,
não tem esquema,
na paisagem trêmula
(do poema),
Tem treta com a polícia,
tiros na surdina das noites,
sangue, urina, esperma,
vísceras lambidas
por língua de cão,
cheiro de pólvora na carne,
não-deserto, não-arquitetura, brisa seca,
cimento-sim, concreto
lavado de sangue,
tripas, tendões,
músculos
tingidos pela mesma água podre,
densa, espessa,
imagem invertida
no espelho
que sempre se embaça,
imagem
que nunca se alcança.
MEDUSA. revista de poesia e arte. Curitiba - PR Editor Ricardo Corona N. 9 - fev.-março 2000Ex. bibl. Antonio Miranda
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Página ampliada e republicada em junho de 2022
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VEJA e LEIA outros poetas de SÃO PAULO em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sao_paulo/sao_paulo.html
Página ampliada em dezembro de 2021
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