ALCEU WAMOSY
(1895 — 1923)
Nasceu em Uruguaiana (RS), em 14/02/1895; e faleceu em Livramento (RS), em 13/09/1923. Publicou seu primeiro livro de poesia, Flâmulas, em 1913. Na época já trabalhava como colaborador no jornal A Cidade, fundado por seu pai, em Alegrete (RS). A partir de 1917, tornou-se proprietário do jornal O Republicano, apoiando o Partido Republicano. Continuou colaborando para diversos periódicos, como os jornais A Notícia, A Federação, O Diário e a revista A Máscara.
Alfares republicano, lutou na Revolução Federalista, combatendo em Santa Maria Chica, Pontes do Ibirapuitá e Ponche Verde, onde foi ferido — ferimento este que provocaria a sua morte. Publicou as obras poéticas Na Terra Virgem (1914) e Coroa de Sonho (1923).
Postumamente foram publicados Poesias Completas (1925), pela editora Globa, e Poesia Completa (1994), em Porto Alegre, na “Coleção Memória”, da EDIPURCS. Poeta simbolista, Alceu Wamosy escreveu poemas cheios de desencanto, em uma produção que se destacou no sul do país e que é uma das obras mais significativas do Simbolismo brasileiro, sendo o seu soneto “Duas Almas” um dos mais belos produzido em língua portuguesa.
Enedy Rodrigues Till é o pesquisador que melhor estuda a obra de Alceu Wamosy.
Página preparada e enviada por Salomão Sousa.
Ver tb: TEXTO EN ESPAÑOL
DUAS ALMAS
A Coelho da Costa
Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
entra, e, sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
vives sozinha sempre, e nunca foste amada...
A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...
IDEALIZANDO A MORTE
Morrer por uma tarde assim como esta tarde:
Fim de dia outonal, tristonho e doloroso,
quando o lago adormece, e o vento está repouso,
e a lâmpada do sol no altar do céu não arde.
Morrer ouvindo a voz da minha mãe e a tua,
rezando a mesma prece, ao pé do mesmo santo,
vós ambas tendo o olhar estrelado de pranto,
e no rosto, e nas mãos, palidezes de lua.
Morrer com a placidez de uma flor que se corte,
com a mansidão de um sol que desce no horizonte,
sentindo a unção do vosso beijo ungir-me a fronte,
— beijo de noiva e mãe, irmanados na morte.
E morrer... E levar com a vida que se trunca,
tudo que de doçura e amargor teve a vida:
— O sonho enfermo, a glória obscura, a fé perdida,
e o segredo de amor que eu não te disse nunca!
SONHO HUMILDE
Assim te quero amar; quero adorar-te assim,
sempre de joelhos, sempre, ó mármore sagrado;
e que teu corpo ideal não seja, para mim,
mais que um horto de sonho, ou que um jardim fechado.
Em todo amor defeso há um encanto sem fim,
que o faz extreme e leal, lúcido e iluminado:
A mulher que se adora é a Torre de Marfim,
mais alta do que o mal, para além do pecado.
O amor deve viver perpetuado no sonho!
Só desejar é bom: Possuir é renunciar
à ilusão, que nos torna o desejo risonho.
Ter só teu corpo é ter um tesouro maldito;
mas, possuir-te na alma e adorar-te no olhar,
é ter o céu inteiro, é ter todo o infinito!
CÍTARA
Firo-te as cordas, cítara dormente,
Velha cítara poenta, abandonada,
Que um régio artista fez vibrar, pulsada
Pela divina mão, antigamente.
E assim, por um instante despertada,
Na mesma vibração profunda e ardente
De outrora freme, cítara dolente,
Toda a tua alma, trêmula, acordada.
Nessa maviosa música embebido,
Escuto as notas, múrmuras, chegando
Como um coro celeste, ao meu ouvido.
E eu julgo, então, sentir, no derradeiro,
No último som que morre, a alma, chorando,
Desse que as cordas te tangeu primeiro...
NOTURNO
Tu pensarás em mim, por esta noite imensa
e erma, em que tudo é um frio e um silêncio profundo?
Tu pensarás em mim? Por esta noite, enfermo,
tendo os olhos em febre e a voz cheia de sustos,
eu penso em ti, no teu amor e na promessa
muda que o teu olhar me fez e que eu espero.
(Que dor de não saber se tu pensas em mim!)
Sob a tenda da noite estrelada de outono,
que eu contemplo através os cristais da janela,
junto ao manso tepor da lâmpada que escuta
— antiga confidente — os meus sonhos e as minhas
vigílias de tormento, eu penso em ti, divina.
(E tu talvez nem te recordes deste ausente!)
Penso em ti. Penso e evoco o teu vulto adorado.
Penso nas tuas mãos — um lis de cinco pétalas —
que, em vez de sangue, têm luar dentro das veias;
nos teus olhos, que são Noturnos de Chopin
agonizando à luz de uma tarde de sonho;
na tua voz, que lembra um beijo que se esfolha.
Penso.
(E nem sei se tu também pensas em mim!)
Talvez não. No tranquilo altar da tua alcova,
onde se extingue a luz de um velho candelabro
como uma lâmpada votiva, tu adormeces
sorrindo ao Anjo fiel que as tuas pálpebras fecha
para que tu não tenhas sonhos maus.
E eu penso
em ti, sem sono, a sós, angustiado e febril,
em ti, que nem eu sei se te lembras de mim...
VIA CRUCIS
Ó calvário do Verso! Ó Gólgota da Rima!
Como eu já trago as mãos e os tristes pés sangrentos,
De te escalar, assim, nesta ânsia que me anima,
Neste ardor que me impele aos grandes sofrimentos...
Esta mágoa, esta dor, nada existe que exprima!
Sinto curvar-me o joelho a todos os momentos!
E quanto falta, Deus, para chegar lá em cima,
Onde o pranto termina e cessam os tormentos...
Mas é preciso! Sim! É preciso que eu carpa,
Que eu soluce, que eu gema e que ensangüente a escarpa,
Para esse fim chegar, onde meus olhos ponho!
Hei de ascender, subir, levando sobre os ombros,
Entre pragas, blasfêmeas, gemidos e assombros,
A eterna Cruz pesada e negra do meu Sonho!
DUENDES
Nas mudas solidões da alma da gente,
Pela noite sem termo, andam vagando
Dolorosos espectros tristemente,
Em soluçante e doloroso bando...
Uns têm o aspecto cândido, inocente,
E os olhos cheios de lágrimas, chorando.
Outros, da rebeldia impenitente,
Vão, na fúria danada, estertorando.
É toda a dor amarga que nos prosta,
Que, num cortejo fúnebre, se mostra,
- Duendes vagando na alma - sem rebouços...
São as acerbas mágoas, os gemidos
Profundos, revoltados, doloridos,
E as blasfêmeas, e as pragas, e os soluços...
Um poema erótico de Alceu Wamosy:
CARNES
Pulcras liriais, bizarramente claras,
Carnes divinas, virginais e puras,
Na ostentação de correções preclaras
E de preclaras pompas e brancuras...
Carnes que sois as sacrossantas aras,
De vagas e de ignotas formosuras...
Ó carnes esquisitas carnes, carnes raras,
De esquisitas e raras contexturas!...
Carnes dadas, sem mancha, em holocausto
Ao amor, e do amor florindo ao fausto,
Virgens da tentação, salvas do vício!
Carnes extraordinárias e perfeitas,
Eleitas para um alto gozo — eleitas
Para o prazer e para o sacrifício!...
WAMOSY, Alceu. Flâmulas. 20 sonetos de estreia. Porto Alegre: Edições Flama, 1973. 32 p. “ Alceu Wamosy “ Ex. bibl. Antonio Miranda
(com a ortografia atualizada
ANÁTEMA
Das mulheres que amei, tu foste a mais fingida
E entre todas, talvez, a que mentiu melhor...
Eu fiz do teu amor a essência da minha vida
E o teu braço assassino apunhalou-me o amor.
À cada riso teu, promessa fementida,
Se abria na minha alma urna esperança em flor,
Para depois morrer, para morrer colhida
Com a foice do teu beijo ardente, enganador!
Mas tu, que foste falsa, has de levar na face
O estigma cruel da legenda imortal,
Que há de te assinalar, onde a tua sombra passe.
E nunca has de encontrar, errante pelo mundo,
Num peito como o meu, um outro afeto igual,
—Assavero do amor, perpétuo vagabundo !
(mantendo a ortografia original:_
Bocage
Pçlo teu vérso, ó pallido devasso,
Verso tecido à lagrimas e flôres,
Vou lendo na tua alma, traço a traço,
O inédito poêma das tuas dores.
Nize, tua amante, a do febril regaço,
Por quem viveste a palpitar de amores,
Anda a buscar-te, ali, com o seu abraço
E a delicia dos beijos tentadores...
E tu, mizero Elmano desgraçado.
Passas assim, como uma sombra escura,
Ao clarão do teu vèrso illuminado...
Vaes bêbedo de vinho e de desejos,
E na tua alma corrompida, impura,
Vibram estròphes e palpitam beijos!...
WAMOSY, Alceu. Poesias: Flamulas; Na terra virgem; Corôa de sonho. 3ª. edição. Livramento: Edição da Livraria Brisólla, 1950. 140 p. 14,5x21,5 cm. “ Alceu Wamosy “ Ex. bibl. Antonio Miranda
(mantendo a ortografia original)
RÈPROBO
Õ fantasma sinistro da desgraça!
Visionário, sonâmbulo, maldito,
Que arrastas pelas sombras do infinito,
A agonia titânica da raça!
O teu vulto gigante, quando passa,
Traz no exterior ciclópico do grito,
Toda a fúria sombria do Cocyto,
Toda a insânia que as almas despedaça!
Que destino fatal teus passos leva?
Que procuras, vagabundo, alma de treva,
Peia noite dos séculos, a esmo!
De onde vens? Quem tu és? Importa pouco!
Talvez sejas Ahasvéro, errante e louco,
Perdido na inconsciência de si mesmo ...
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TEXTO EN ESPAÑOL
Traducción de Adán Méndez
DOS ALMAS
Oh! Tú que vienes de lejos, tú que vienes cansada,
Pasa, y bajo este techo hallarás cariño:
Yo vivo siempre solo, yo nunca fui amado.
Tu nunca fuiste amada, y vives siempre sola.
La nieve blanquea, lividamente, el camino,
Y mi alcoba tiene la tibieza de un nido.
Pasa, siquiera hasta que las curvas del camino
Se bañen del brillo de una alborada.
Y mañana, cuando dore un sol radiante,
Ese camino sin fin, desierto, inmenso y desnudo
Puedes andar de nuevo, oh nómade preciosa!
Ya no estaré tan solo, ni tú te irás tan sola:
Quedaran conmigo nostalgias tuyas,
Tu llevaras contigo nostalgias mías.
TROVAS 1.-. Adalberto Dutra – Adauto Gondim – Ademar Macedo –
Albano L. de Almeida – Alceu Wamosi – Alcy Ribeiro S. Maior – Adelmar Tavares -
Aloisio Alves da Costa – Alphonsus Guimarães – Ana Rolão Preto – Anderson
Braga Horta – Anis Murad – Antônio Augusto Assis – Antonio Carlos Taveira
Antonio Lapagesse – Antonio Nilo Borges – Antonio Sales – Antonio Zoppi -
Aparicio Fernandes – Archimimo Lagasse – Arlindo Tadeu Hagen. Jaboatão dos
Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, s. d. . 5 v. 17x12 cm. edição artesana,
capa plástica e espiralada. N. 06 353
*
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Página publicada em novembro de 2022
Página publicada em janeiro de 2008 |