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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

ANA CRISTINA CESAR

(1952-1983)

 

 

Nasceu no Rio de Janeiro. Viveu um ano em Londres, em 1968. Escreveu para revistas e jornais alternativos, saiu na antologia 26 Poetas Hoje, de Heloísa Buarque. publicou, pela Funarte, Mestrado em comunicação, lançou livros em edições independentes: Cenas de Abril e Correspondência Completa. Dez anos depois, outra vez a Inglaterra, onde, às voltas com um M.A. em tradução literária, escreveu muitas cartas e editou Luvas de Pelica. Ao retornar, descobriu São Paulo e fixou residência no Rio. Trabalhou em jornalismo, televisão e escreveu A Teus Pés. Suicidou-se no dia 29 de outubro de 1983.

Biografia constante do livro A Teus Pés, Quarta Edição, da série Cantadas Literárias da Editora Brasiliense.

 

"A poesia de Ana Cristina Cesar caracteriza-se por ser predominantemente confessional, mas o tom de intimidade, não nos deve enganar, pois é apenas um lance de sedução estética. A correspondência, realmente, como apontou Armando Freitas Filho, teve bastante influência sobre a sua dicção poética. Ela cria um verdadeiro jogo de linguagem: textos curtos, poemas fragmentados, cartas, páginas de diário. A poesia torna-se, desta forma, uma inquietante reflexão sobre o próprio fazer literário".  (p. 22)

"Assim percebemos que o texto-colagem da poeta instaura um sujeito estilhaçado, uma memória construída através da subjetividade fincada no corpo coletivo da linguagem. Seu método de composição baseia-se na apropriação incessante de versos e trechos de outros escritores que ela distorce, desloca, alude, readapta, reescreve, parafraseia e parodia. É uma obra que faz uma reflexão constante sobre a natureza do literário".  (p. 27)

"Os poemas de Ana Cristina Cesar, inserida no clima da geração 70, revelam, entre as muitas características que marcaram a produção poética daquela época,  as seguintes: atração pelo insólito do cotidiano; ênfase na experiência existencial num momento especialmente difícil da história e da política brasileira; volta à primeira pessoa, à escrita da paixão e do medo como caminho eficaz no sentido de romper o silêncio e a perplexidade que tomaram de assalto a produção cultural no início da década; o sentido de asfixia, experimentado no cotidiano, mas trabalhado com humor; valorização do coloquialismo; culto do instante, eixo fundamental da nova poesia e do binômio arte e vida. / O binômio arte e vida era a consolidação de uma visão de mundo que valorizava o aqui e o agora: a ideia do presente, eliminando a ideia de futuro." (p. 55)

Textos extraídos da excelente obra de Arminda Silva de Serpa "Lições sobre asas e abismos; uma leitura da poesia de Ana Cristina Cesar", a partir de uma tese de doutorado.  Fortaleza> Imprece, 2009.   Metadados: Poesia da geração 70;  Poesia e comportamento; Poesia brasileira anos 1970. Crítica de Poesia.

 

Ver também>>> ANA CRISTINA CESAR REVISITADA: três olhares distintos, por CARLITO AZEVEDO e LEONARDO MATINELLI – ENSAIOS


 

TEXTOS EM PORTUGUÊS TEXTOS EN ESPAÑOL

 

CIÚMES

 

Tenho ciúmes deste cigarro que você fuma

Tão distraidamente.

 

Abril/68

 

 

 

Tenho uma folha branca

                            e limpa à minha espera:

 

mudo convite

 

tenho uma cama branca

                            e limpa à minha espera:

 

mudo convite

 

tenho uma vida branca

                            e limpa à minha espera.

 

 

5.2.69

 

 

 

O nome do gato assegura minha vigília

e morde meu pulso distraído

finjo escrever gato, digo: pupilas, focinhos

e patas emergentes. Mas onde repousa

 

o nome, ataque e fingimento,

estou ameaçada e repetida

e antecipada pela espreita meio adormecida

do gato que riscaste por te preceder e

 

perder em traços a visão contígua

de coisa que surge aos saltos

no tempo, ameaçando de morte

a própria forma ameaçada do desenho

e o gato transcrito que antes era

marca do meu rosto,  garra no meu seio.

 

 

2.10.72

 

 

E penso

a face fraca do poema/ a metade na página

partida

Mas calo a face dura

flor apagada no sonho

Eu penso

A dor visível do poema/ a luz prévia

Dividida

Mas calo a superfície negra

pânico iminente do nada.

 

 

 

“Nestas circunstâncias o beija-flor vem sempre aos milhares”

 

Este é o quarto Augusto. Avisou que vinha. Lavei os sovacos e os

pezinhos. Preparei o chá. Caso ele me cheirasse... Ai que

enjôo me dá o açúcar do desejo.

 

 

 

é aqui

por enquanto

ainda não tem

cortina

tapete luz indireta

amenizando a noite

quadro nas paredes

 

 

 

Noite carioca

 

Diálogo de surdos, não: amistoso no frio

Atravanco na contramão. Suspiros no contrafluxo. Te apresento

a mulher mais discreta do mundo: essa que não tem nenhum

segredo.

 

 

Mocidade independente

 

Pela primeira vez infringi a regra de ouro e voei pra cima sem

medir as conseqüências. Por que recusamos ser proféticas?  E

que dialeto é esse para a pequena audiência de serão?  Voei pra

cima: é agora, coração, no carro em fogo pelos ares, sem uma

graça atravessando o estado de São Paulo, de madrugada, por

você, e furiosa: é agora, nesta contramão.

 

 

 

Nada disfarça o apuro do amor.

Um carro em ré. Memória da água em movimento. Beijo.

Gosto particular da tua boca. Último trem subindo ao

céu.

Aguço o ouvido.

Os aparelhos que só fazem som ocupam o lugar

clandestino da felicidade.

Preciso me atar ao velame com as próprias mãos.

Sirgar.

Daqui ao fundo do horto florestal ouço coisas que

nunca ouvi, pássaros que gemem.

 

 

 

A ponto de

partir, já sei

que nossos olhos

sorriam para sempre

na distância.

Parece pouco?

Chão de sal grosso e ouro que se racha.

A ponto de partir, já sei que

nossos olhos sorriem na distância.

Lentes escuríssimas sob os pilotis.

 

 

 

Esqueceria outros

pelo menos três ou quatro rostos que amei

Num delírio de arquivística

organizei a memória em alfabetos

como quem conta carneiros e amansa

no entanto flanco aberto não esqueço

e amo em ti os outros rostos

 

 

O Homem Público N. 1

 

Tarde aprendi

bom mesmo 

é dar a alma como lavada.

Não há razão 

para conservar

este fiapo de noite velha.

Que significa isso?

Há uma fita 

que vai sendo cortada

deixando uma sombra 

no papel.

Discursos detonam.

Não sou eu que estou ali

de roupa escura

sorrindo ou fingindo

ouvir.

No entanto

também escrevi coisas assim,

para pessoas que nem sei mais

quem são,

de uma doçura

venenosa

de tão funda.

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

De
Ana Cristina Cesar
Portsmouth 30-6-60  Colchester 12-7-80
São Paulo: Instituto Moreira Salles; Livraria Duas Cidades, sd. 
Um "caderno de desenho"  espiralado reproduzindo anotações e desenhos
de Ana Cristina Cesar durante sua estada na Inglaterra. Uma bela edição em honra da musa do final do século 20 que persiste no culto  de admiradores. Reproduzimos duas imagens e recomendamos a obra para colecionadores e bibliófilos. Livro-objeto. Memorabilia.

=================================================================

 

 

“ESTE LIVRO”, de Ana Cristina César, leitura por JULIA DE SOUZA:

 

http://www.youtube.com/watch?v=V0T7A-_p5qU

 

 

INVERNO EUROPEU

Daqui é mais difícil: país estrangeiro, onde o creme de leite é desconjunturado e a subjetividade se parece com um roubo inicial.
Recomendo cautela. Não personagem do seu livro e nem que você queira não me recorta no horizonte teórico da década passada. Os militantes sensuais passam a bola: depressão legítima ou charme diante das mulheres inquietas que só elas? Manifesto: segura a bola; eu de conviva não digo nada e indiscretíssima descalço as luvas (no máximo) à direita de quem entra.

         (De A teus pés, 1982)


NOITE CARIOCA


Diálogo de surdos, não: amistoso no frio.
Atravanco na contramão. Suspiro no contrafluxo. Te apresento a mulher mais discreta do mundo: essa que não tem nenhum segredo.

                   (De A teus pés, 1982)

 

TRAVELLING

Tarde da noite recoloco a casa toda em seu lugar.
Guardo os papéis todos que sobraram.
Confirmo para mim a solidez dos cadeados.
Nunca mais te disse uma palavra.
Do alto da serra de Petrópolis,
com um chapéu de ponta e e um regador,
Elizabeth reconfirmava, “Perder
é mais fácil que se pensa”.
Rasgo os papéis todos que sobraram.
“Os seus olhos pecam, mas seu corpo
não”,
dizia o tradutor preciso, simultâneo,
e suas mãos é que tremiam. ‘É perigoso”,
ria Carolina perita no papel Kodak.
A câmera em rasante viajava.
A voz em off nas montanhas, inextinguível
fogo domado da paixão, a voz
do espelho dos meus olhos,
negando-se a todas as viagens,
e a voz rascante da velocidade,
de todas três bebi um pouco

 

MARFIM

A moça desceu os degraus com o robe
monografado no peito: L. M. sobre o coração.
Vamos iniciar outra Correspondência, ela
propôs. Você já amou alguém verdadeiramente?
Os limites do romance realista. Os caminhos do
conhecer. A imitação da rosa. As aparências
desenganam. Estou desenganada. Não reconheço
você, que é tão quieta, nessa história. Liga
amanhã outra vez sem falta. Não posso
interromper o trabalho agora. Gente falando por
todos os lados. Palavra que não mexe mais no
barril de pólvora plantado sobre a torre de
marfim.


COMO RASURAR A PAISAGEM

a fotografia
é um tempo morto
fictício retorno à simetria

secreto desejo do poema
censura impossível
do poeta


PSICOGRAFIA

Também eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não sou e digo
a palavra: não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto

 

CÉSAR, Ana Cristina.   Inéditos e dispersos: prosa / poesia. Organização Armando Freitas Filho.  3ª edição.   Instituto Moreira Salles, Editora Ática, 1998.   205 p +16 f. de fotos ilus. p&b   15x22 cm.   ISBN  85-080718-7.  Apoio da Lei de Incentivo à Cultura. Ministério da Cultura. Inclui prosa, poesia e desenhos da autora, copiados dos arquivos da poeta depois de sua morte pela mãe Maria Luiza e Grazyna Drabik e logo selecionados pelo organizador da presente edição.  O texto é o mesmo da 2ª. edição.  Col. A.M. 

       Veja também POEMA VISUAL de Anqa Cristina César

 

Estou atrás

 

do despojamento mais inteiro

da simplicidade mais erma

da palavra mais recém-nascida

do inteiro mais despojado

do ermo mais simples

do nascimento a mais da palavra

 

28.5.69

 

 

Fisionomia

 

não é mentira

é outra

a dor que dói

em mim

é um projeto

de passeio

em círculo

um malogro

do objeto

em foco

a intensidade

de luz

de tarde

no jardim

é outrart

outra a dor que dói

 

 

houve um poema

que guiava a própria ambulância

e dizia: não lembro

de nenhum céu que me console,

nenhum,

e saía,

sirenes baixas,

recolhendo os restos das conversas,

das senhoras,

"para que nada se perca

ou se esqueça",

proverbial,

mesmo se ferido,

houve um poema

ambulante,

cruz vermelha

sonâmbula

que escapou-se

e foi-se

inesquecível,

irremediável,

ralo abaixo.

 

 

 

CÉSAR, Ana CristinaPoética. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 504 p.  13,5x21 cm.   Curadoria editorial: Armando Freitas Filho. Capa e projeto gráfico: Elisa von Randow. Foto da capa Cecília Leal.   ISBN 978-85-359-2351-3  Col. A.M.

 

sumario

 

Polly Kellog e o motorista Osmar.

Dramas rápidos mas intensos.

Fotogramas do meu coração conceitual.

De tomara-que-caia azul-marinho.

Engulo desaforos mas com sinceridade.

Sonsa com bom-senso.

Antena da praça.

Artista da poupança.

Absolutely blind.

Tesão do talvez.

Salta-pocinhas.

Água na boca.

Anjo que registra.

 

deus na antecâmara

 

Mereço (merecemos, meretrizes)

perdão (perdoai-nos, patres conscripti)

socorro (correi, vaiei-nos, santos perdidos)

 

Eu quero me livrar desta poesia infecta

beijar mãos sem elos sem tinturas

consciências soltas pêlos ventos

desatando o culto das antecedências

sem medo de dedos de dados de dúvidas

em prontidão sanguinária

 

(sangue e amor se aconchegando

hora atrás de hora)

 

Eu quero pensar ao apalpar

eu quero dizer ao conviver

eu quero parir ao repartir

 

filho

pai

e

fogo

 

DE-LI-BE-RA-DA-MEN-TE

abertos ao tudo inteiro

maiores que o todo nosso

em nós (com a gente) se dando

 

HOMEM: ACORDA!

 

3.7.69 

 

CÉSAR, Ana CristinaPacote de poesia.  Curitiba, PR: Paço da Liberdade – SESC PARANÁ, 2009.  Envelope pardo contendo folhas soltas impressas com os poemas.   Ex. bibl. Antonio Miranda




 

 

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TEXTOS EN ESPAÑOL 

Ana Cristina Cesar em Paris em 1987.
Ana Cristina Cesar em Paris em 1987.

         Traveling

               Versión de Consuelo Olivera T.

Tarde de noche reordeno toda la casa em su lugar.
Guardo todos los papeles que sobraron.
Me confirmo la solidez de los candados.
Nunca más te dije una palabra.
En lo alto de la sierra de Petrópolis,
con un sombrero de puna y un regador,
Elizabeth confirmaba: “Perder es más fácil de loq eu se piensa”.
Rasgo todos los papeles que sobraron.
“Sus ojos pecan, pero su cuerpo
no”, decía el traductor preciso, simultâneo, mientras sus manos temína... “peligroso”,
reía Carolina experta em papel Kodak.
La cámara con rapidez viajaba.
La voz en off en las montañas, inextinguible
fuego domado de la pasión, la voz
del espejo de mis ojos,
negándose a todos los viajes,
y la voz áspera de volocidad,
del total de tres bebí un poço
sin notar
como quien procura un hilo.
Nunca más te dije
una palabra, repito, reafirmo alto,
tarde de noche,
um poço desalineado,
sin lujo
sed
las opiniones que oí en un día interminable:
sin parecer más con la luz ofuscante de ese
mismo
día interminable.


Extraído de BLANCO MÓVIL, n. 75. México, DF, Primavera de 1998. “Poetas de Brasil”.

 

 

INVIERNO EUROPEO

                            Trad. Luciana di Leone, Florencia Garramuño y Carolina Puente

Desde aquí es más difícil: país extranjero, donde la crema de leche está cortada y la subjetividad se parece a um robô inicial.
Recomiendo cautela. No soy personaje de tu libro y ni aunque quieras me recortar´qas en el horizonte teórico de la década pasada. Los militantes sensuales pasan la pelota: ¿depresión legítima o encanto frente a mujeres inquietas sólo como ellas? Manifiesto: tomá la pelota, yo como invitada no digo nada y indiscretísima me saco los guantes (como mucho), a la derecha de quien entra.

         (De A teus pés, 1982)


NOCHE CARIOCA

                            Trad. Luciana di Leone, Florencia Garramuño y Carolina Puente

Diálogo de sordos, no: amistoso en lo frio.
Me atasco en contramano. Suspiros em contraflujo. Te presento a la mujer más discreta del mundo: esa que no tiene secretos.

         (De A teus pés, 1982)

 

 

De
GUANTES DE GAMUZA Y OTROS POEMAS

Selección, traducción y notas: Teresa Arijon y Sandra Almeida
Rosario, Argentina: Bajo la Luna bilíngüe, 1992

MARFIL

La muchacha bajó los escalones con la bata
monogramada en el pecho: L. M. sobre el corazón.
Vamos a iniciar la Correspondencia, Ella
propone. ¿Y amaste a alguien verdaderamente?
Los limites del romance realista. Los caminos del
conocer. La imitación de la rosa. Las apariencias
desengañan. Estoy desengañada. No te reconozco,
a vos, que sos tan tranquila, em esa historia. LLamá
mañana outra vez sin falta. No puedo
interrumpir el trabajo ahora. Gente que habla por
todos los lados. Palabra que ya no se mueve en el
barril de pólvora plantado sobre la torre de
marfil.


COMO RASURAR EL PAISAJE

La fotografia
es un tiempo muerto
retgorno ficticio a la simetria

deseo secreto del poema
censura imposible
del poeta



PSICOGRAFÍA

También salgo al descuido
y busco una síntesis en las demoras
junto obsesiones com fría témpera y digo
del corazón: no supe y digo
de la palabra: no digo (todavía no puedo creer
en la vida) y destituyo al verso como quien saluda
y vivo como quien despide la rabia de haber visto

 

VILLARREAL, José Javier.  Poesía brasileña, Antología esencial.  Madrid: Visor Libros, 2006.  587 p. (Colección La Estafeta del Viento, vol. 13)  Dirigida por Luís García   Montero y Jesús García Sánchez.  ISBN 978-84-9895-098-4  

Esta antología de poesia contemporânea brasileira inclui muitos poetas. No caso de Ana Cristina César apresenta 10 (dez) poemas em português e as traduções ao castelhano. Realmente, uma “Antología esencial”! Aquí reproduzimos três poemas, recomendando a leitura dos demais na obra original.

 

houve um poema
que guiava a própria ambulancia
e dizia: não lembro
de nenhum céu que me console,
nenhum,
e saía,
sirenes baixas,
recolhendo os restos das conversas,
das senhoras,
“para que nada se perca
ou se esqueça”,
proverbial,
mesmo se ferido,
houve um poema
ambulante,
cruz vermelha
sonâmbula
que escapou-se
e foi-se
inesquecível,
irremediável,
ralo abaixo.

         De Inéditos e dispersos, 1998)

 

        

         hubo un poema
        que guiaba su propia ambulancia|
        y decía: no recuerdo
        ningún cielo que me haya consolado,
        ninguno,
        y salía,
        sirenas bajas,
        recogiendo los restos de las conversaciones,
        de las señoras,
        “para que nada se pierda
        o se olvide”,
        proverbial,
        aunque herido,
        hubo un poema
        ambulante,
        cruz roja
        sonámbula
        que se escapó
        y se fue
        inolvidable,
        irremediable,
        por el caño.

 

         Nada disfarça o apuro do amor.
         Um carro em ré. Memória da água em movimento.
                   Beijo.
         Gosto particular da tua boca. Último trem subindo
                   ao céu.
         Aguço o ouvido.
         Os aparelhos que só fazem som ocupam o lugar
                   clandestino da felicidade.
         Preciso me atar ao velame com as próprias mãos.
         Sirgar.
         Daqui ao fundo do horto florestal ouço coisas que
                   nunca ouvi, pássaros que gemem.

                   De Inéditos e dispersos, 1998)

 


                 
        Nada disfraza el apuro del amor.
                        Un carro en reversa. La memoria del agua
                                que fluye. El beso.
                        El gusto particular de tu boca. El último tren
                                subiendo al cielo.
                        Aguzo el oído.
                        Los aparatos que sólo hacen ruído ocupan el
                                lugar clandestino de la felicidad.
                        Necesito atarme al mástil con mis propias manos.
                        Remolcar.
                        De aqui al fondo del jardin botánico oigo cosas
                                que nunca oí, pájaros que gimen.

        Não querida, não é preciso correr assim do que
                   vivemos. O espaço arde. O perigo de viver.

         Não, esta palavra.
         O encarcerado só sabe que não vai morrer, pinta as
                   paredes da cela.
         Deixa rastros possíveis, naquele curto espaço.
         E se entala.
         Estalam as tábuas do chão, o piso rompe, e todo sinal
                  é uma profecia.
         Ou um acaso de que se escapa incólume, a cada minuto.
         Este é meu testemunho.

         Acabo de fazer uma grande descoberta. Se olho
         fixamente para um objeto qualquer durante algum
         tempo, esse objeto não se move. Pelo contrário fica
         exatamente na mesma posição que antes. Este fato me
         levou a algumas considerações extraordinárias. Estou
         convencida de que se trata de um processo nunca antes
         pensado pelo ser humano. Preciso de tempo para
         desenvolver minhas pesquisas. Talvez ainda haja
         tempo depois que eu sair deste C.T.I. infame onde sou
         obrigada a viver.

                   De Inéditos e dispersos, 1998)

 

                   No querida, no es necesario correr así de lo que
                        vivimos. El espacio arde. El peligro de vivir.

                No, esta palabra.
                El encarcelado sólo sabe que no va a morir,
                        raya las paredes, en aquella celda.
                Deja rastros posibles, en aquel diminuto espacio.
                Y se comprime.
                Estallan las tablas del suelo, se rompe el piso, y
                        toda señal es una profecía.
                O un destino del que se escapa incólume, a cada
                        minuto.
                Este es mi testimonio.

                Acabo de hacer un gran descubrimiento. Si miro
                fijamente cualquier objeto durante algún tiempo,
                ese objeto no se mueve. Al contrario, se queda en
                la misma posición de antes. Este hecho me llevó a
                algunas consideraciones extraordinarias. Estoy
                convencida de que se trata de un proceso nunca
                antes pensado por el ser humano. Necesito más
                tiempo para desarrollar mis investigaciones. Quizá
                aún haya tiempo después de que salga de este
                C.T.I. infame donde estoy obligada a vivir.
               
       

 

Correspondencia celeste. Nueva poesía brasileña (1960-2000). Introducción, traducción y notas de Adolfo Montejo Navas.  Madrid: Árdora Ediciones, 2001 – Obra publicada com o apoio do Ministério da Cultura do Brasil.   Ex. bibl. Antonio Miranda

 

                FINAL DE UMA ODE

         Acontece assim: tiro as pernas do balcão de onde
via um sol de inverno se pondo no Tejo e saio de
fininho dolorosamente dobradas as costas e
segurando o queixo e a boca com uma das mãos.
Sacudo a cabeça e o tronco incontrolavelmente,
mas de maneira curta, curta, entendem? Eu
estava dando gargalhadinhas e agora estou
sofrendo nosso próximo falecimento, minhas
gargalhadinhas evoluíram para um sofrimento
meio nojento, meio ocasional, sinto uma ´do
extrema de rato que se fere no porão, aí que
outra dor súbita, ai que estranheza e que lusitano
torpor me atira de braços aberto sobre as ripas
do cais sou do palco ou do quartinho. Quisera
dividir o corpo em heterônimos —medito aqui
no chão, imóvel tóxico do tempo.

 

                   FINAL DE UNA ODA

                   Sucede así: saco las piernas del balcón de donde
veía un sol de invierno poniéndose en el Tajo y salgo de
puntillas dolorosamente dobladas las espaldas y
sujetándome el mentón y la boca con una de las manos.
Sacudo la cabeza y el tronco incontrolablemente,
pero de uma manera rápida, rápida, ¿entienden? Yo
estaba dando carcajadas y ahora estoy
sufriendo nuestro próximo fallecimiento, mis
carcajaditas se transformaron en un sufrimiento
medio asqueroso, medio ocasional, siento uma compasión
extrema del ratón que se hiere en el sótano, ay qué
otro dolor súbito, ay que extrañeza y que lusitana
aturdimento me lanza de brazos abiertos sobre las ripias
del muelle o del escenario o del cuartito. Quisiera
dividir el cuerpo en heterónimos —medito aqui
en el suelo, inmóvil tóxico del cuerpo.

 

                            (De Cenas de Abril, 1979)

 

 

         O tempo fecha.
Sou fiel aos acontecimentos biográficos.
Mais do que fiel, oh, tão presa! Esses mosquitos
que não largam!  Minhas saudades ensurdecidas
por cigarras! O que faço aqui no campo
declamando aos metros versos longos e sentidos?
Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não
sou mais, veja, não sou mais severa e ríspida:
agora sou profissional.

 

                   El tiempo se cierra.
Soy fiel a los acontecimentos biográficos.

                   ¡Más que fiel, oh, tan prisionera!   ¡Esos mosquitos
no me sueltan!   ¡Mis nostalgias ensordecidas
por cigarras!  ¿Que hago aqui en el campo
declamando en metros, versos largos y sentidos?
Ah, cómo estoy sensible y portuguesa, y ahora ya no
lo soy más, mira, no soy más dura ni severa:
ahora soy profesional!

                                      (De A teus pés, 1982)

 

 

         VACILO DA VOCAÇÃO

         Precisaria trabalhar —afundar!#
—como você— saudades loucas
nesta arte — ininterrupta—
de pintar.

         A poesia não —telegráfica— ocasional—
me deixa só —solta—
à mercê do impossível—
—do real—.

 

                   DUDA DE LA VOCACIÓN

                   Necesitaría trabajar —ahondar—
—como tú— nostalgias locas
en este arte —ininterrumpido—
de pintar.

                   La poesía no —telegráfica— ocasional
me deja sola —suelta—

 
a merced de lo imposible
—de lo real—.

                            (De A tus pies, 1982)

 

         Não está morrendo, doçura.
Assim como eu te disse: daqui a dez anos estarei de volta.
Certeza de que um dia nos reencontraremos.
Doçura, não está morrendo.

                   Barca engalanada adernando,
mas fixa: doçura, não afoga.

 

                   No estás muriendo, dulzura.
Así como te dije: de aqui a diez años estaré de vuelta.
Con la seguridade de que un día nos reencontraremos.

                            Barca engalanada, inclinándose
pero segura: dulzuraa, no ahogues.

                                     (De Inéditos e dispersos, 1985)

 

         Nada disfarça o apuro do amor.
Um carro em ré. Memória da água em movimento. Beijos.
Gosto particular da tua boca. Último trem subindo ao
céu.
Aguço o ouvido.
Os aparelhos que só fazem som ocupam o lugar
clandestino da felicidade.
Preciso me atar ao velame com as próprias mãos.
Sirgar.
Daqui ao fundo do horto ouço coisas que
nunca ouvi, pássaros que gemem.

 

                   Nada disfraza la perfección del amor.
Un coche em marcha atrás. Memoria del agua en
movimiento.  Beso.
Sabor particular de tu boca. Último tren subiendo al
cielo.
Agudizo el oído.
Los aparatos que sólo hacen sonido ocupan el lugar
clandestino de la felicidad,
Necesito atarme al velamen con las propias manos.
Sirgar.
Desde aqui al fondo del huerto floral oigo cosas
que nunca oí, pájaros que gimen.

                                      (De Inéditos e dispersos, 1985)

Página ampliada y republicada en noviembre de 2008; ampliada em dezembro de 2016.



 

 




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