POESIA PERNAMBUCANA
Coordenação de Lourdes Sarmento
Fonte: www.revistazunai.com.br
SEBASTIÃO UCHOA LEITE
(1935-2003)
Nasceu em Timbaúba, perto de Recife. Cursou direito e filosofia. Autor de vários títulos de poesia, obtendo o Prêmio Jabuti de Poesia, em 1979, com Antilogia.
“A poesia de Sebastião Uchoa Leia instala-se no campo da negatividade.!” (...) “Se a poesia reflexiva e critica de Uchoa Leite joga com ideias, em oposição àquelas que se deixam encantar pelo fluxo melódico ou o suscitar de imagens, é de modo ambivalente, afastado de qualquer desenvolvimento linear: ideias-palavras chocam-se abruptarnente, cristalizam-se como imagens, são simultaneamente elas mesmas e suas imagens em negativo. Esta logopeia do ininteligivel ("Uma identificação de ecos / por onde o ininteligível / se entende"), contrapondo-se â banalização dos sentidos, produz um drástico estranhamento do real e da linguagem.” FRANCISCO K. [KAC] Poesia? e outras perguntas: textos críticos. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011. 200 p. 16x23 cm. ISBN 978-85-7577-765-7 (p. 23-24)
Ver também>>> ANA CRISTINA CESAR REVISITADA: três olhares distintos, por CARLITO AZEVEDO e LEONARDO MATINELLI – ENSAIOS – Inclui textos de SEBASTIÃO UCHOA LEITE, CACASO e ARMANDO FREITAS FILHO.
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TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL
LEITE, Sebastião Uchôa. Poesia completa. Apresentação Frederico Barbosa. São Paulo: Cosac Naif; Recife, PE: Cepe Editora, 2015. 509 p. 12x21 cm. ISBN 978-85-405- 0997-9 “ Sebastião Uchôa Leite “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Soneto I
Tempo configurado, essência nobre
de tanta glória mal apercebida.
Ou tempo justo, a veste que me cobre,
esse aceno fiel de despedida.
És o tempo sutil da manhã calma?
O tempo do meu sono e dos meus passos.
Estás presente em vínculos escassos,
o cerne desse tudo e dessa palma.
Clássico tempo, pausa entre dois atos,
sem remorso ou escolha, hálito puro,
leve e sábia pressão, toques exatos.
Honra-me assim com teu sorriso duro
e jorra em mim com pressa de gargalo,
tempo de meu silêncio enquanto falo.
( De Dez sonetos sem matéria (1958-1959))
A verdadeira dialética
aí os caçadores chegaram
mataram o lobo e abriram a barriga
e encontraram a vovozinha
toda mastigadinha
quanto a chapeuzinho vermelho
eles comeram
(De Isso não é aquilo (1979-1982))
Enigmoides
Espelho ao avesso
Sobre o abismo
Já sou mais isso
Do que eu mesmo
Reflexo antevisto
Do caos amórfico
Informe e vasto
Sonho maléfico
(De A uma incógnita (1889-1990))
Poética do espirro
Vitória de Pirro
Ó espirro
Emperra o ar nas narinas
És o contrário
Do respirar
Em certas horas
Espirra-se a vida
A irrisão de ser
(De A ficção vida (1991-1992))
Outro puzzle
Não me busquem nos baús
De aranhas metafísicas
Não estou dentro
A lo mejor, soy outro
(Como disse Vallejo)
À grande dor de estar vivo
(Como disse outro espécime)
Prefiro o ignoto
Hic fuit?
Não assino nada
(De A espreita (1993-1998))
***************************************************
memória das sensações 4: vertigo 3
A
VER
TI
GEM
É
UMA
LIN
GUA
GEM
DA
MAR
GEM
OU
UMA
FOR
MA
DE
NÃO
PO
DER
DA
LIN
GUA
GEM
DO
COR
PO
Extraído de A REGRA SECRETA (São Paulo: Landy Editora, 2002)
METASSOMBRO
eu não sou eu
nem o meu reflexo
especulo-me na meia sombra
que é meta de claridade
distorço de intermédio
estou fora de foco
atrás de minha voz
perdi todo o discurso
minha língua é ofídica
minha figura é a elipse
de Antilogia, 1979.
SANGUE DE PANTERA
negra e inalterada
por trás das grades
lembro
seus olhos parados
não era mais um olhar
era uma idéia
de Isso não é aquilo, 1982
ESBOÇO
Se você pensa
que poesia é escamoteação
acertou.
Metafísica é a meta dos mandriões
Mas se pensa
que é um escaveirado corrupião:
acertou também.
Linguagem é a mira dos idiotas.
1984
OUTRO ESBOÇO
A serpente semântica disse:
não adianta querer significar-me
neste silvo.
Meu único modo de ser é a in
sinuosidade e a in
sinuação.
Não é possível pensar a verdade
Exceto como veneno.
1984
ENIGMÓIDES
Espelho ao avesso
Sobre o abismo
Já sou mais isso
Do que eu mesmo
Reflexo antevisto
Do caos amórfico
Informe e vasto
Sonho malérico
1989
ENVOI
Digam ao verme
Que eu guardei a forma
E a essência felina
De meus amores decompostos
de A uma incógnita, 1990
METASSOMBRO
eu não sou eu
nem o meu reflexo
especulo-me na meia sombra
que é meta de claridade
distorço-me de intermédio
estou fora de foco
atrás de minha voz
perdi todo o discurso
minha língua é ofídica
minha figura é a elipse
QUESTÓES DE MÉTODO
(Carta a Regís Bonvicino)
um monte de cadáveres em el salvador
—no fundo da foto
carros e ônibus indiferentes—
será isso a realidade?
degolas na américa central
presuntos desovados na baixada
as teorias do state departament
uma nova linha de tordesilhas
qual a linha divisória
do real e do não real?
questão de método: a realidade
é igual ao real?
o homem dos lobos foi real? o panopticum?
o que é mais real: a leitura do jornal
ou as aventuras de indiana jones?
o monólogo do pentágono ou
orson welles atirando contra os espelhos?
De Isso não é aquilo (1982)
PRECISAMOS
de inteligências radar
e sonar
para captação de formas.
A poesia é um repto.
Não
(necessariamente)
um conceito.
Uma identificação de ecos
por onde o ininteligível
se entende.
De Cortes/Toques (1985)
ANOTAÇÃO: A OBRA LÍRICA
Certa vez vindo da lateral
Do Campo de Santana
E entrando célere,
Na Azeredo Coutinho
Direção: Arquivo
Como um Josef K qualquer
Deparei-me
Com algo da espécie
Dita "humana"
De cócoras
Pondo ali seu ovo
Atravessei e pensei
Que ali era
A obra no sentido literal.
De A ficção vida (1993)
LEITE, Sebastião Uchôa. A espreita. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000. 92 p. (Signos, 27) Capa: Mila Waldeck. Col. A.M.
Um outro
(quando acordo no entressono vejo-me
como se estivesse fora de mim mesmo
é uma espécie de susto:
ali estou eu
parado como se fosse um outro
contratado para cometer um Crime
quero voltar para dentro do sono
dentro do subsolo da mente
onde me jogo
e me dissolvo
e me abandono)
1997
Odores odiosos l
Caiu um frasco de vinagre
O chão inundado
De água amarga
Odores acres!
Que significa
Odores amagros vinagres
De vida acre
Odor de desagrado
Desaguado
Não o ar amargo de Arnault
O acrelírico
Ou o puro não
É o puro acre
Que se desabre
Súbito
Ao agro
Olfato
1994
LIMA, Luiz Costa. A ficção e poema — Antonio Machado, W. H. Auden, P. Celan, Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 448 P. 16X23 cm. Capa: Rita da Costa Aguiar. ISBN 978-85-359-2129-8
Fragmentos do ensaio “Sebastião Uchoa Leite: um depoimento”, de Luiz Costa Lima, professor emérito da PUC/RJ:
“ao não tratar de si em primeira pessoa, o poeta exige voltas mais longas ou menos pelas quais o leitor perceba como ele se situa diante do que está fora dos olhos”. (LIMA, p. 375)
“é patente que o procedimento descrito situa a poética de Uchoa Leite no âmbito da experiência da modernidade. Tal procedimento, como já foi notado, conquanto esta caracterização ainda possa ser aprofundada, a conduz à sua feição analítica. (LIMA, p.. 378)
“E o poeta confirmava que, apesar da ironia que reservava para a poesia, do desdém com que parecia vê-la, sua última lucidez era depositada em um poema” (LIMA, p. 390)
LEITE, Sebastião Uchôa. Dez sonetos sem matéria. Recife, PE: O Gráfico Amador, 1960. s.p. (Cartas de Indulgência, 4) 17x20 cm. Poemas escritos entre 1958 e 1959, “foram compostos e impressos, segundo projeto e com vinhetas de Orlando da Costa Ferreira”. Tiragem de 250 exs. numerados e assinados pelo autor e pelo tipógrafo Orlando da Costa Ferreira. “ Sebastião Uchôa Leite “ Ex. n. 184 na bibl. Antonio Miranda
I
Tempo configurado, essência nobre
de tanta glória mal apercebida.
Ou tempo justo, a veste que em cobre,
esse aceno fiel de despedida.
És o tempo sutil da manhã calma?
O tempo do meu sono e dos meus passos.
Estás presente em vínculos escassos,
o cerne desse tudo e dessa palma.
Clássico tempo, pausa entre dois atos,
sem remorso ou escolha, hálito puro,
leve e sábia pressão, toques exatos.
Honra-me assim com teu sorriso duro
e jorra em mim com pressa de gargalo,
tempo de meu silêncio enquanto falo.
VII
Árvores confundidas na unidade
de uma fronde maior. O humano inverno
de destroços é feito e nos invade
em sensação finita o tempo eterno.
Puro ensaio de tempo! Tempo e nada
que se avisam às almas expectantes
sob a fronde noturna, carregada
de ameaças celestes e de instantes.
Ainda vibra em nós, vegetalmente
profusa a luz de maio, quando expira
em jorro de agonia o sol disperso.
Fronde geral de todo o ser presente,
das fontes invernais, enquanto gira
atormentado, o eixo do universo.
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TEXTO EN ESPAÑOL
SEBASTIÃO UCHOA LEITE
(Timbaúba, Recife, 1935 )El magisterio de su poesía intelectualizada, culturalista, irónica, crítica y de fragmentado sujeto ha sido reconocido a partir de la década de 1980. Abrió una senda que ya es un verdadero camino entre las poéticas cabralina y concreta. Lejos de las veleidades estéticas y sentimentales, su poética átona, «an
tilírica», innovadora, ascética y minimalista, parece preocupada por la deconstrucción del mundo, con aquello que incluso «está fuera de la lengua de la
poesía» (Anelito de Oliveira), a través de versos-hendidura. Puede ser considerada como una poética postmoderna (relectura, intertextualidad, fragmentación) que no esconde cierta «tensión política». También es un valioso ensayista sobre temas múltiples y traductor de prestigio de obras como las de Octavio Paz y Francois Villon. Recientemente, ha aparecido una antología suya en España: Contratextos (DVD).
OBRA POÉTICA: Dez sonetos sem materia, 1960; Antilogia, 1979; Isso não é aquilo, 1982; Cortes/Toques, incluído en Obra em Dobras, 1989; A urna incógnita, 1991; A ficção vida, 1993; A espreita, 2000.
TRADUCCIONES DE ADOLFO MONTEJO NAVAS*
CUESTIONES DE MÉTODO
(carta a Régis Bonvicino)
un montón de cadáveres en el salvador
—en el fondo de la foto
coches y autobuses indiferentes—
¿será eso la realidad?
degüellos en américa central
fiambres abandonados en la periferia*
las teorías del state departament
una nueva línea de tordesillas
¿cuál la línea divisoria
de lo real y de lo no real?
cuestión de método: ¿la realidad
es igual a lo real?
¿el hombre de los lobos fue real? ¿el panopticum?
¿qué es lo más real: la lectura del periódico
o las aventuras de indiana jones?
¿el monólogo del pentágono u
orson welles disparando contra los espejos?
De Isso não é aquilo (1982)
* periferia: baixada fluminense es la periferia de la ciudad de Río
del gran Río.
NECESITAMOS
inteligencias radar
y sonar
para la captación de formas.
La poesía es un reto.
No
(necesariamente)
un concepto.
Una identificación de ecos
por donde lo ininteligible
se entiende.
De Cortes/Toques (1985)
ANOTACIÓN: LA OBRA LÍRICA
En una ocasión viniendo por el lateral
Del Campo de Santana
Y entrando acelerado
En Azeredo Coutinho
Dirección: Archivo
Como un Josef K cualquiera
Me encontré
Con algo de la especie
Considerada humana
De cuclillas
Poniendo allí su huevo
Atravesé y pensé
Que allí era
La obra en el sentido literal.
De A ficção vida (1993)
*De Correspondencia celeste. Nueva poesía brasileña (1960-2000). Introducción, traducción y notas de Adolfo Montejo Navas. Madrid: Árdora Ediciones, 2001 – Obra publicada com o apoio do Ministério da Cultura do Brasil.
*Nota: o tradutor Adolfo Montejo Navas é amigo comum nosso com Wagner Barja, e o convidamos a participar da exposição OBRANOME 2 no Museu Nacional de Brasília, durante a I Bienal Internacional de Poesia de Brasília 2009. Montejo Navas prometeu-nos suas traduções ao castelhano e só na Espanha, em viagem, é que conseguimos os originais que estamos divulgando parcialmente no nosso Portal de Poesia Ibeoramericana, com os agradecimentos.
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TEORÍA DEL OCIO
(fragmento)
Versión de Héctor Carreto
Entre los rios de esta plaza
sembrada en el cenro del mundo como un árbol,
entre el tiempo y la naturaleza,
pasa mi oficio figurativo.
Es una Plaza
dispersa, alienada y sin raíces.
¿Para qué sirves, libre de tus pasiones,
royendo la cuerda de la nada,
en esa incidência fluvial,
en ese ócio prodigioso y sin mistério?
Te interrogo en un cisma
en el que te configuras.
Libertad de estirar una pierna
por sobre las cosas calvas, de los afectos
y de las razones vitales.
Libertad de sonreír sin razón,
delicia por las cosas finitas
entre las ficciones del intelecto,
saliendo para alguna cosa o saliendo
para nada,
pisando las sempiternas hojas secas
de nuestro otoño fingido.
Abril y mayo son tus ensayos predilectos
entre la pasión dialéctica y la razón pura.
¿Para qué sirves si no para indagar
la esencia de la poesía o la esencia de lo falso
si son la misma cosa?
¿Cómo distinguir en el tiempo las ficciones del ser?
Para qué sirves si careces de fin sin sentido,
florecimiento estético o metafísico
sin memoria.
En cuanto huelo el peligro en las carteras,
escribo en la palabras de materia porosa,
divulgo a los cuatro vientos mi insensatez
y reflexiono sobre mi inercia,
mi pensamiento recuerda y recomienza.
Página ampliada e republicada em novembro de 2008; ampliada e republicada uma vez mais em junho de 2009 |