De Os Epitáfios Rio de Janeiro:Livraria José Olympio Editora, 1959
APARIÇÃO DE 1900
O vulto jovem, longe, longilíneo.
Partida no meio a cabeleira preta.
A barba passa-piolho, as abas do
fraque no hemistíquio do soneto.
Conversa na varanda do sobrado,
pince-nez, cravo na lapela, junto
da moça de marrafa no cocó.
(O piano, chocolate, chá, café),
pastéis de nata, ameixas de Bordeaux,
a louça brasonada, o pão-de-ló.
Roda pelo arrebalde o cabriolé.
Boa noite, Maria, e o poeta volta
ao domicílio do álbum e do silêncio.
DECLARAÇÃO DE BENS DE FAMÍLIA
Cadeiras e sofás, consolo e jarra,
camas e bules, redes e bacias,
a caixa de charão, o guarda-louça,
tetéias, mesa, aparador, fruteira,
a cesta de costura, o papagaio,
a cafeteira, o cromo da parede,
o jogo de gamão, as urupemas,
o álbum, o espelho, o candeeiro belga,
alguidares, baús de roupa, esteiras
de pipiri, a tábua do engomado,
pilão de milho, o tempo do relógio,
quartilhas, almanaques, tamboretes,
o santo da família, a lamparina,
o carneiro de Belém e o seu balido.
(De Itinerário, 1975).
O galo
É a noite negra e é o galo rubro,
da madrugada o industrial.
É a noite negra sobre o mundo
e o galo rubro no quintal.
A noite desce, o galo sobe,
plumas de fogo e de metal,
desfecha golpe sobre golpe
na trova indimensional.
Afia os esporões e o bico,
canta o seu canto auroreal.
O galo inflama-se e fabrica
a madrugada no quintal.
MOTA, Mauro. Antologia em prosa e verso. Organizada pelo Prof. Ivan Cavalcanti Proença. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora; Funda;áo do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE, 1982. 154 p. Capa: Marta Viana. Inclui o texto "Boletim de uma trajetória literária", por Ivan Cavalcanti Proená E UMA Bibliografia de & sobre Mauro Mota. Ex, bibl. Antonio Miranda
DOÇURA NAZARENA
Vinha dos banguês a doçura dos ares,
pregões de cocada, alfenim, caramelo.
Doçura de mel de engenho com farinha,
das aulas de Catecismo, do canto das moças no coro
das novenas,
da flauta de Targino.
Doçura do piano de Celina, tocando valsas vaienenses e
valsas de Alfredo Gama,
das tardes de domingo.
Doçura do Xarope Peitoral Nazareno,
infalível na curas das tosses rebeldes
e da tuberculose pulmonar".
CHUVA
Chove. Parece que o Recife nada,
Mas Anacleto, atravessando a rua,
Pensa que todo esse aguaceiro urbano
Somente cai sobre o seu guarda-chuva.
SONETO PLUMÁRIO
No espaço a inquieta pluma rodopia,
rodopia no espaço a pluma inquieta.
Na haste, a gota de sangue da agonia
oscilante no espírito da queda.
O espaço é grande e azul demais para essa
pluma plainando solitária e fria
sob o teto de abril a coisa aérea,
leve, levada pela ventania
para o chão, aproxima-se suave,
nota de canto, ainda um pouco da ave,
quando afinal termina o giro e pousa,
vê-se que a pluma exânime, caída,
era música e sal, era o gemido
migrante da asa e a lágrima do voo.
HUMILDADE
Que a voz do poeta nunca se levante
para ter ressonâncias nas alturas.
Que o canto, das contidas amarguras,
somente seja a gota transbordante.
Que ele, através das solidões escuras
do ser, deslize o preciso instante.
Saia da avena do pastor errante,
sem aplausos buscar de outras criaturas.
Que o canto simples, natural, rebente,
água da fonte límpida, do fundo
da alma, de amor e de humildade cheio.
Que o canto glorificará somente
a origem, quando mais ninguém no mundo
saiba ele de quem foi ou de onde veio.
DOMINICAL
O Vigário zangou-se no sermão
porque os rapazes não se ajoelharam
na hora da elevação.
Todas as lojas fecharam hoje.
Os caixeiros estão de roupas domingueiras
As moças de vestido novo passeiam
ao longo da ruazinha principal.
O juiz e o tabelião,
em confortáveis cadeiras de lona,
passam a tarde na calçada
falando do foro e jogando gamão.
CANTIGA DE LAVADEIRA
Libertos de trouxa tremem
as calça e os paletós.
Doem na pedra pano e carne
sem anotações no rol.
Canto azul da lavadeira
lavado na ventania.
Mistura de corpos gastos,
de sabão, espuma e anil.
O suor da blusa operária
(chora o lenço de Maria).
Transita o amor pela anágua,
geme o lençol da agonia.
O sonho dorme na fronha,
a camisa precordial,
nódoas da fome da criança
na toalha da mesa oval.
Nas água têxteis do rio,
há sabor de sangue e sal.
Extraído de:
2011 CALENDÁRIO poetas antologia
Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2010.
Editor: Edson Guedes de Morais
/ Caixa de cartão duro com 12 conjuntos de poemas, um para cada mês do ano. Os poetas incluídos pelo mês de seu aniversário. Inclui efígie e um poema de cada poeta, escolhidos entre os clássicos e os contemporâneos do Brasil, e alguns de Portugal. Produção artesanal.
[ MOTA, Mauro ] E. XAVIER. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1976. Álbum com capa dura, revestida de tecido, contendo uma folha de apresentação e 15 lâminas reproduzindo aquarelas de Eliezer Xavier e, nas costas, alternadamente, 7 poemas de Mauro Mota e textos de Nilo Pereira sobre o patrimônio cultural de Recife e Igarassu. 29x41 cm. Col. Antonio Miranda. (EE)
RUA ESTREITA DO ROSÁRIO DA BOA VISTA
( Mauro Mota )
Rua, rua,
poeira da rua,
moleque de rua,
verdureiro,
carroça de leite, jornal de vizinho,
lata de lixo, vira-lata.
Galinha e capão gordo, garajau.
Caderneta de venda, açougue na esquina,
safadezas a carvão na calçada.
Cara de mãe
— É a sua, s...
Pedrada na vidraça,
Apelido de Inocêncio:
— Bico Doce!
— É a p. que pariu, seu f. da p.
Fio, papagaio, fio,
ponteira,
pião, pião,
missa pedida,
baú de mascate,
colchetes, fitas, carretéis, anéis,
gaita de amolador de tesoura,
vassoureiro, copo, quartinha resfriadeira.
Menô! Êo! Miú! Jacaiu!
O gato mourisco
andando por cima
dos cacos de vidro
do muro da casa
de Dona Mocinha.
Horácio bêbedo chamando nome.
Os seres noturnos descendo do céu
morcego,
sapoti,
lua.
MOTA, Mauro. Mauro Mota – 1912 – 1984. Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, s.d. 72 p. 13x20 cm. Editor: Edson Guedes de Morais. Edição artesanal de apenas 30 exemplares, fora de comércio. Ex. bibl. Antonio Miranda
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TEXTO EN ESPAÑOL
El gallo
Es la noche negra y es el gallo rojo
de la madrugada industrial.
Es la noche negra sobre el mundo
y es un gallo rojo en el patio.
La noche desciende, el gallo asciende,
plumas de fuego y de metal,
lanza golpe sobre golpe
en la tiniebla inabarcable.
Afila los espolones y el pico,
canta su canto de aurora.
El gallo se inflama y fabrica
la madrugada en el pátio.
(trad. Margarito Cuéllary Ángel Alonso)
ANTOLOGÍA DE POESÍA BRASILEÑA. Preparación, traducción y prólogo de Gabriel Rodríguez. Caracas: Fundación Editorial Popular de la Cultura; Fundción Editorial El Perro y la la Rana, 2008. 437 p. Col. Poesía del Mundo. Série Antologías. Col. A.M.
LOS ZAPATOS
Revueltos bajo la cama
cayeron ambos de bruces
como si en la madrugada
contra el suelo apretasen
bocas abiertas y mudas
de inlibrables gemidos.
Son dolores llegados de lejos,
cortados en la tenería,
recuerdos de campos verdes
que a mis desesperos se unen,
heridas las epidermis
en las piedras puntiagudas.
Suspendidos los dos cordeles
como dos tendones expuestos,
que se injertan en mis pies,
no los llevo, ellos me llevan,
acompasadamente juntos,
son barcos en los charcos,
ataúdes de los pies muertos.
En los cementerios urbanos
vamos sepultando los pasos,
pasos nunca repetidos,
unos seguros, otros en falso.
(Todos acortan el viaje,
que las rutas diferentes
van a dar al mismo albergue.)
Oh, zapatos gimientes
mojados (¿del agua de lluvia?)
danzamos en el tiempo consumido
el vals lento de abril,
delante, las sandalias blancas,
más blancas e inmóviles hoy.
Recuerdo las noches lejanas
cuando hollaban por los patios,
suave, suave, parecía
que ni tocaban la tierra,
venía la muchacha con el cabello
suelto y abría el portón.
De los largos caminos de antes
sólo quedan siete cuartas.
Seré un difunto calzado,
con los ojos abiertos, confiados,
en los nuevos itinerarios
de los zapatos gimientes.
LA MESA
La mesa limpia. ¿A dónde fueron
sus invitados? A la siesta
larga. Los otros, tambaleantes,
giran en torno al abismo
del sueño. (Les mató la mesa el hambre
infantil de las sobremesas.)
Elástica en el matrimonio
del bisabuelo, ahora más.
Tomó la elasticidad
que la muerte da. Boqueó
la mesa que, incluso viva,
era un tablado de velorios.
Los cubiertos asesinos,
en el lastre, las matanzas.
Menús goteando sangre.
Las aletas en el aceite.
Los vuelos en la salsa parda.
(Decisiones familiares,
cartas de juego, otras cartas
escritas en la cabecera.)
Las tibias se cruzan debajo,
aunque, con sus piernas secas,
se mueve la mesa, la mesa camina
por la sala desapacible.
La mesa cruje y el crujido
no es el dolor de la madera.
(El mantel, el sudario blanco,
y, arriba de la mesa, la polvareda
de los comensales deglutidos.)
SONETO PLUMAJE
En el espacio la inquieta pluma gira,
gira en el espacio la pluma inquieta.
En el pedúnculo, la gota de sangre
agónica oscila al espíritu del declive.
Es grande el espacio y demasiado azul
para esta pluma que planea solitaria y fría
bajo la techumbre de abril, la cosa aérea,
leve, llevada, arrastrada, por el viento
hacia tierra, se aproxima suave,
nota de canto, aún un poco de pájaro,
cuando al final termina el giro y se posa,
se ve que la pluma exánime, caída,
era música y sal, era el gemido
migrante de ala y lágrima de vuelo.
EL PARAGUAS
Meses y meses recogido y marchito,
sale de casa, se libera de la estufa,
la flor seca guardada ( el paraguas). Ahora,
crece en la mano pluvial, crece. En la calle,
sustento el tallo de una gran rosa
negra, que se abre sobre mí mientras llueve.
EL GALLO
La noche es negra y el galló, rubro,
de la madrugada el industrial.
La noche es negra sobre el mundo
y el gallo es rubro en el bancal.
El gallo sube, baja la noche,
plumas de fuego y de metal,
descarga golpe tras golpe
en la tiniebla indimensional.
Afila las espuelas y el pico,
cantando su canto auroral.
El gallo se enciende y fabrica
la madrugada en el bancal.
TROVAS 4 - [Seleção de Edson Guedes de Morais] Jaboatão dos GuArarapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2013. 5 v. 17x12 cm. edição artesanal, capa plástica e espiralada.
Ex. bibl. Antonio Miranda
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Página publicada em maio de 2023
Página ampliada e republicada em setembro de 2008; ampliada e republicada em fevereiro 2011. Ampliada e republicada em janeiro de 2014. Ampliada e republicada em janeiro de 2015. Ampliada em abril de 2017