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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
CYL GALLINDO

Cyl Gallindo em caricatura de Nicolas, 1973

CYL GALLINDO

Nasceu em Buíque, Pernambuco, no Nordeste do Brasil, em 28 de maio de 1935. Cursou Contabilidade no Rio de Janeiro, onde envolveu-se nos movimentos estudantis daqueles anos conturbados do final da década de 1950. Fugindo da repressão pós-1964, retorna a Recife, onde faz vestibular para o curso de Ciências Sociais e ingressa por concurso na SUDENE.

         Publica o livro Agenda Poética do Recife, antologia dos novíssimos, em 1971 e o primeiro livro de poesias — A Conservação do Grito-Gesto, obtendo o Prêmio de Poesia da Academia Pernambucana de Letras.  E ganha o mundo... Viaja pela Europa, segue colaborando em suplementos  literários, muda-se para Brasília em 1986, onde trabalhou no Senado Federal.

Uma obra vasta e reconhecida nacional e internacionalmente.

Cyl é arredio. Desaparece. Uma vez telefonou, desculpou-se por não ter enviado os textos e depois mergulhou no silêncio... Nossos amigos comuns, dos tempos de Brasília e das trincheiras da Francachella, reclamam sempre uma página para o poeta pernambucano, há vários meses. É quando encontro um livro dele à venda em um sebo, na web — Os movimentos — , de onde saem os poemas que compõem o presente mostruário de sua intrigante e  instigante criatividade.

Poeta de vela obstinação social e telúrica; e especulativa; usa ritmos variados, desde o verso de composição livre até o soneto; é, talvez, deste grupo de poetas (geração 65/ Recife) o de penetração mais funda nos modernos problemas humanos.” Joaquim Cardoso

Concordo plenamente que você é dos raros poetas da nova geração rigorosamente marginalizado da poderosa influência que Drummond e Cabral, ambos rios vigorosos cortados pelos afluentes, exercem sobre a poesia brasileira contemporânea.” Nélida Piñon

Ver: POEMAS EM FRANCÊS

GALLINDO, Cyl.  Os movimentos.  Apresentação: Raimundo Carrero.  Recife, PE: Governo do Estado de Pernambuco, Secretaria de Cultura – FUNDARPE- CEPE, 1996.  116 p.  ilus.   14x21 cm.  Capa: Abelardo da Hora: Mandala, fotografia digital por Jobson Figueiredo. Na contra-capa um retrato do autor realizado por Conceição Caú, em 1994. Ilustrações: Aluisio Braga, Nicxolas e José Miguel Lobo de Almeida. Inclui também a seção “Poemas da Integração Concreta”.   Col. Bibl. Antonio Miranda



De
OS MOVIMENTOS
Recife: Secretaria de Cultura de Pernambuco,
FUNDARPE- CEPE, 1996. 116 p.
ISBN 85-7240-049-4



 A CONSERVAÇÃO DO GRITO-GESTO


Poema VII

 

Serei o último poeta a me sentar à mesa

o verso só vem a mim depois de cristalizado.

 

Meus versos são gente pobre

e convivem com a fome

nos brinquedos da infância.

 

São os meus versos surrados

em plenas ruas do mundo

e confidenciam o seu corpo

à intimidade do relento.

 

Mas que os abutres não se iludam,

pois não joguei sobre a mesa

todos os naipes do Grito-Gesto:

 

o segredo é necessário para o jogo e para a luta.

 

Dei apenas o meu canto feito de estrela e de

sangue:

 

no amor nunca tem noites

nem esquinas de escuridão!

 

Em cada carta há duas faces

que os homens tentam beijar

mas enquanto o trunfo estiver retido

a canção será menor...

 

Vamos traçar novamente a esperança e a vontade!

 

 

A SOBREVIVÊNCIA - MANGUE

— Recife —

 

POEMA I

 

E a ponte esvai-se pelo rio

trêmula navegante nula;

nas suas cáries residimos

logicamente crustáceos.

 

Bípedes arquitetando sombras,

planos rostos refletidos: nunca,

no aquático espelho dos sobrados

sustém o eco dos sentidos desusados

que mordem das impegadas mãos o tato.

 

Incerta lama convivida:

alma lama renascida ao sol.

Anfíbio (caranguejos, siris, meninos)

o peito ereto, as mãos para cima,

trazem as bandeiras de medalhas-lama.

 

Do céu ganhou a armação

em ossos; um nato esquife.

E o recheio, que lhe desse o rio.

Lá na Ponte Giratória, por mais que gire:

ossos que vivem a sobreviver de ossos!

 

 

CIA RETIDA

 

Limitaram teu corpo com cal e pedra,

quando ainda do teu seio brotava infância,

mas não te destruíram. E no espaço, além,

pelo fio das horas tu tecias

tua imagem, mais que verde, de esperança.

 

Esta imagem de mansinho se espalhou,

com força e mais bela, no meu sangue,

e nas tardes de outono, com teu nome,

distraía a primavera quase exangue.

 

Não se rendam jamais à pedra e à cal,

que argamassa se faz, cumprindo horrores.

Cantemos o outono e a primavera,

que são feitos de cantos e de amores.

 

Vês! que num peito, às vezes, comprimido,

entre algozes e angústias, brotam flores.

 

 

ROCHEDO HUMANO

 

POEMA III

 

Pois não é bom que o homem só esteja:

o homem e a mulher tecem harmonia

onde quer que o amor buscado seja.

 

Se a partir da aurora nasce o dia,

é forçoso, portanto, estar atento

à luz que dos olhos teus se irradia.

 

Para cravar em mim vital momento

da parte que da vida é minha vida

e no tear das ilusões é meu alento,

 

eu não devo olvidar que em toda a lida

lapidei o meu corpo em tua busca

e filtrei a solidão que me castiga.

 

Mas a alegria de ter-te é mais antiga!

 

 

CINCO CHAGAS

 

Cinco chagas prostram-te no chão

e teu espírito leve evaporou

porque da Paz o homem duvidou.

 

Que estrutura arcaica te gerou

que permitiu assim teu passamento

nesta Jerusalém feita a cimento?

 

É que rasgou, a voz da tua guitarra,

a farsa do poder que faz a guerra

sem plantar um só corpo sob a terra.

 

Calaram-te John (Emanuel) Lennon

mas teu silêncio, neste momento,

faz o mundo repleto de argumento.

 

                   Brasília, /80

 

CALIANDRA: POESIA EM BRASÍLIA. Antologia com 35 poetas residentes em Brasília, volume primoroso de André Quicé Editor, 1995.  224 p. ilus. Inclui biografias e retratos (desenhos) dos 35 poetas.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

ROCHEDO HUMANO

 

POEMA I

 

Como pedra plantada na planície plena
eu sou rochedo, sim, e te espero
no silêncio da vida mais amena.

E se não posso dizer quanto te quero
continuarei no mutismo do rochedo
ou no sofrer da solidão que só esmero.

Se vires, porém, colher, meu segredo
com a concha do teu ventre, ainda quente
do sol da praia que a lambeu sem medo,

haverás de me encontrar humildemente
com o eco do teu nome nos meus nervos
e a paisagem do teu corpo em minha mente.

 

E eu sou rochedo de amor por todo o sempre.

 

Brasília, fevereiro/88

 

 

 

POEMA II

 

E sou rochedo de amor por todo o sempre
com palavras embutidas nos cristais,
porque a vida, cristalina, em mim se cumpre

transpondo horizontes minerais,
com reservas de ternura e de carinho
do grito-gesto milenar de ancestrais.

Se vieres trançar o teu caminho
na solidez de tanto sentimento
não estarei, por certo, mas sozinho:

 

Sob a luz de singular momento,
destinos que trilhavam separados
tecerão os clarões do entendimento.

Pois não é bom que o homem só esteja!

 

 

 

 

POEMA III

 

Pois não é bom que o homem só esteja:
o homem e a mulher tecem harmonia
onde quer que o amor buscado seja.

 

Se a partir da aurora nasce o dia,
é forçoso, portanto, estar atento
à luz que dos olhos teus se irradia.

 

Para cravar em mim vital momento
da parte que da vida é minha vida
e no tear das ilusões é meu alento,

 

eu não devo olvidar que em toda a lida
lapidei o meu corpo em tua busca
e filtrei a solidão que me castiga.

 

Mas a alegria de ter-te é mais antiga!

 

 

 

 

POEMA IV

 

A alegria de ter-te é mais antiga
porque antes do nome já te tinha
na mente: mulher-amante-amiga.

 

Com a certeza de que eras só minha,

reinventava tua pele no meu tato

e por outras, a mim, teu corpo vinha.

 

Encontrar-te me era um simples ato

de entrega da voz e dos prazeres,

como puro animal, solto em meu quarto

 

pois acima de todos estes dizeres,
conservava a mulher, expondo a fêmea,
entre os jogos dos duros afazeres,

 

mas detinha em redoma a alma gémea!


 

 

POEMA V

 

E detinha em redoma a alma gêmea,
como uma fechadura do mistério,
na qual a chave entra como gema.

 

Fechando em cada um o ciclo etéreo,
do ser que pelo outro se completa,
sem que possa existir outro critério.

 

E que a vida se revela mais aberta,
concentrando o concreto e a essência,
na troca de dois seres mais repleta.

 

E não vale pensar em consistência
do grito que se esvai pela garganta,
negando a um grande amor sua existência.

 

Quem edifica o amor mais alto canta!

Octogonal-DF, julho de 88

 

 

 

 

STOP parou a vida

                             Para Drummond

 

Choro copiosamente por um homem

mas sei ser um choro inútil,

e com os olhos secos. Não se vê!

Todas as palavras

que possa dizer sobre ele

a morte engolirá.

 

E que como este homem
e de esquife infinitamente menor
sou igualmente inútil perante a vida!

 

                                            Brasília 18 de agosto de 1987

 

 

 

COMÍCIOS ÍNTIMOS

                                 Para Enio Silveira

 

Olho e vejo a praça:
é um campo aberto
onde se plantam flores
e nasce Liberdade.
Mas acintosamente estão
plantados arame farpados

                                    e placas:

"Não pise na relva".

 

Plantam-se ainda
olhos e bocas

                                    de fuzis

nas esquinas
e nasce o medo
e eu passo

                                    cautelosamente

e vou fazer comícios
dentro do meu quarto.

 

Olho e vejo a casa:
é um lar inviolável
onde se planta o amor
e nascem os filhos.
Mas acintosamente estão
plantados à porta soldados

                                e uma voz:

"Ordem superior!"
Plantam-se ainda

                                vigília

com os olhos e ouvidos
dos melhores amigos
e nasce o medo
e eu paro

                                e sigilosamente

vou fazer comícios dentro de mim mesmo.

 

 

 

 

A SOBREVIVÊNCIA-MANGUE

— Recife —

 

Aí vão minhas palavras a bordo duma ratoeira.
Quero soltá-las, dizê-las. Mas quem as ouve? Não sei! Mergulhá-las no profundo, não é destino para um rio. Transformá-las em gesto alado, quem dera?
Pois o ar está prensado, guilhotinado na poeira.

 

Se dizes: "—O barco é livre, do remo a força é própria,
no pescador não se interfere, pode andar na superfície".
Eis aí minhas palavras: abruptas, soltas de si.
Quero juntá-las, dizê-las sem receio dos caninos:
fazem tudo para retê-las, armados nos incisivos.

 

Devo, então, plantar uma árvore, no quintal de minha casa
que se chame Liberdade. Os seus frutos são palavras,
nascidas de um novo dia. Amadurecerão tranquilos:
 como estrume terão sabres e algemas desoladas
e nas folhas a clorofila do calor dos meus vizinhos.

 

                                      Recife, 17 de agosto dê 71

 

***

 

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Página publicada em janeiro de 2009;

Página ampliada e republicada em janeiro de 2021

 




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