POESIA PERNAMBUCANA
Coordenação de Lourdes Sarmento
Ariano Suassuna - Foto: Aragão Júnior
ARIANO SUASSUNA
Nasceu em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa (PB), em 16 de junho de 1927. Advogado, professor, teatrólogo e romancista. Membro da Academia Brasileira de Letras. Ao mudar-se para Fazenda Acahuan, de propriedade da família, e depois na vila de Taperoá, onde Ariano Suassuna fez os estudos primários, tornou-se íntimo do sertão. Suas primeiras produções foram publicadas nos suplementos literários dos jornais do Recife, quando o autor fazia os estudos pré-universitários no Colégio Osvaldo Cruz. Após formar-se pela Faculdade de Direito pela Faculdade de Direito do Recife, em 1950, passou a se dedicar também à advocacia. Em 1951, retornou a Taperoá, onde escreveu e montou a peça Torturas de um coração. No ano seguinte, voltou a residir em Recife. Em 1956, abandonou a advocacia para tornar-se professor de Estética na Universidade Federal de Pernambuco. Em 1970, iniciou em Recife o Movimento Armorial, voltado para a expressão dos movimentos populares tradicionais.
De sua vasta bibliografia, é importante registrar Auto da Compadecida, de 1955 e publicada em 1957, que está traduzida para diversas línguas; e o romance A Pedra do Reino (1971), recentemente republicado com revisão do autor.
Página elaborada com a colaboração de Salomão Sousa para o Mestre Suassuna que veio a Brasília como homenageado da XXVI FEIRA DO LIVRO.
Leia também o ensaio sobre, e mais poemas de
ARIANO SUASSUNA, POETA, por César Leal
O Amor e a Morte
Com tema de Augusto dos Anjos
Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.
O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.
Vê: um dia, a bigorna desses Paços
cortará, no martelo de seus aços,
e o sangue, hão de abrasá-lo os inimigos.
E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirá, contra nós, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos Dragões antigos.
A TIGRE NEGRA
ou
O Amor e o Tempo – Com Tema de Augusto dos Anjos
Da Cabeleira negra aleonada,
Tocha escura que o Sol transforma em Crina,
o crespo Capacete se ilumina,
em faíscas de Treva agateada.
Gata negra, Pantera-extraviada,
abres ao sol tua Romã felina.
Ao Dardo em fogo queima-se a Colina,
e há cascos e tropéis por essa Estrada.
Bebo, na Taça, o aroma da Sombria!
A vida foge, Amor, e a Sombra-tarda,
ao fogo, cresta a rosa da Paloma!
A Cega afia a sua Faca, afia,
e chega o Sono, a Morte-Leoparda,
Jaguar cruel para abrasar-te as Pomas.
NOTURNO
Têm para mim Chamados de outro mundo
as Noites perigosas e queimadas,
quando a Lua aparece mais vermelha
São turvos sonhos, Mágoas proibidas,
são Ouropéis antigos e fantasmas
que, nesse Mundo vivo e mais ardente
consumam tudo o que desejo Aqui.
Será que mais Alguém vê e escuta?
Sinto o roçar das asas Amarelas
e escuto essas Canções encantatórias
que tento, em vão, de mim desapossar.
Diluídos na velha Luz da lua,
a Quem dirigem seus terríveis cantos?
Pressinto um murmuroso esvoejar:
passaram-me por cima da cabeça
e, como um Halo escuso, te envolveram.
Eis-te no fogo, como um Fruto ardente,
a ventania me agitando em torno
esse cheiro que sai de teus cabelos.
Que vale a natureza sem teus Olhos,
ó Aquela por quem meu Sangue pulsa?
Da terra sai um cheiro bom de vida
e nossos pés a Ela estão ligados.
Deixa que teu cabelo, solto ao vento,
abrase fundamente as minhas mão...
Mas, não: a luz Escura inda te envolve,
o vento encrespa as Águas dos dois rios
e continua a ronda, o Som do fogo.
Ó meu amor, por que te ligo à Morte?
BREVE BIOGRAFIA
Nascimento - A Viagem
Com tema de Fernando Pessoa
Meu sangue, do pragal das Altas Beiras,
boiou no Mar vermelhas Caravelas:
À Nau Catarineta e à Barca Bela
late o Potro castanho de asas Negras.
E aportou. Rosas de ouro, azul Chaveira,
Onça malhada a violar Cadelas,
Depôs sextantes, Astrolábios, velas,
No planalto da Pedra sertaneja.
Hoje, jogral Cigano e tresmalhado,
Vaqueiro de seu couro cravejado.
Com Medalhas de prata, a faiscar,
bebendo o Sol de fogo e o Mundo oco,
meu coração é um Almirante louco
Que abandonou a profissão do Mar.
AQUI MORAVA UM REI
Aqui morava um Rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão
Pedra da sorte sobre o meu destino
Pulsava junto ao meu seu coração
Para mim, seu cantar era divino
Quando ao som da viola e do bordão
Cantava com voz rouca o desatino
O sangue o riso e as mortes do sertão
Mas mataram meu pai, desde esse dia
Eu me vi como um cego sem meu guia
Que se foi para o sol, transfigurado
Sua Efígie me queima, eu sou a presa
Ele a brasa que impele ao fogo, acesa,
Espada de ouro em Pasto Ensangüentado
A MORTE DO TOURO MÃO DE PAU
Musicado por Antonio Nóbrega
"Ariano Suassuna escreveu
esse poema em memória de
seu pai, assassinado em 1930"
Corre a Serra Joana Gomes
galope desesperado:
um touro se defendendo,
homens querendo humilhá-lo,
um touro com sua vida,
os homens em seus cavalos.
Cortava o gume das pedras
um bramido angustiado,
se quebrava nas catingas
um galope surdo e pardo
e os cascos pretos soavam
nas pedras de fogo alado,
enquanto o clarim da morte,
ao vento seco e queimado,
na poeira avermelhada
envolvia os velhos cardos.
Rasgavam a serra bruta
aboios mal arquejados
e, nas trilhas já cobertas
pelo pó quente e dourado,
um gemido de desgraça,
um gemido angustiado:
- "Adeus, Lagoa dos Velhos!
adeus, vazante do gado!
adeus, Serra Joana Gomes
e cacimba do Salgado!
O touro só tem a vida:
os homens têm seus cavalos"!
O galopar recrescia:
brilhavam ferrões farpados
e algemas de baraúna
para o touro preparados.
Seu Sabino tinha dito:
- "Ele há de vir amarrado"!
Miguel e Antônio Rodrigues,
de guarda-peito e encourados,
na frente do grupo vinham,
montados em seus cavalos
de pernas finas, ligeiras,
ambos de prata arreados.
E, logo à frente, corria
o grande touro marcado,
manquejando sangue limpo
nos caminhos mal rasgados,
cortadas as bravas ancas
por ferrões ensangüentados.
A Serra se despenhava
nas asas de seus penhascos
e a respiração fogosa
dos dois fogosos cavalos
já requeimava, de perto,
as ancas do manco macho
quando ele, vendo a desonra,
tentando subjugá-lo,
mancando da mão preada
subiu num rochedo pardo:
Num grito, todos pararam,
pelo horror paralisados,
pois sempre, ao rebanho, espanta
que um touro do nosso gado
às teias da fama-negra
prefira o gume do fado.
E mal seus perseguidores
esbarravam seus cavalos,
viram o manco selvagem
saltar do rochedo pardo:
-"Adeus, Lagoa dos Velhos!
Adeus, vazante do gado!
Adeus, Serra Joana Gomes
e cacimba do Salgado!
Assim vai-se o touro manco,
morto mas não desonrado"!
Silêncio. A Serra calou-se
no poente ensangüentado.
Calou-se a voz dos aboios,
cessou o troar dos cascos.
E agora, só, no silêncio
deste sertão assombrado,
o touro sem sua vida,
os homens em seus cavalos.
ABERTURA SOB PELE DE OVELHA
Falso Profeta, insone, Extraviado,
vivo, Cego, a sondar o Indecifrável:
e, jaguar da Sibila — inevitável,
meu Sangue traça a rota deste Fado.
Eu, forçado a ascender, eu, Mutilado,
busco a Estrela que chama, inapelável.
E a Pulsação do Ser, Fera indomável,
arde ao sol do meu Pasto — incendiado.
Por sobre a Dor, a Sarça do Espinheiro
que acende o estranho Sol, sangue do Ser,
transforma o sangue em Candelabro e Veiro.
Por isso, não vou nunca envelhecer:
com meu Cantar, supero o Desespero,
sou contra a Morte e nunca hei de morrer.
[ SUASSUNA, Ariano ] HOBLICUA número dois – pedra armorial. Teresina, PI, 2015. 120 p. ilus. col. 18x27 cm. ISSN 2258-5609 Número especial da revista dedicada ao poeta Ariano Suassuna , com as seções: Alfabeto sertanejo, Poemas, Sonetos com mote alheio, Sonetos de Albano Cervonegro, Discurso de posse na ABL e Verbete sobre o escritor. “Ariano Suassuna” Ex. bibl. Antonio Miranda
DÍSTICO
Sob o Sol deste Pasto Incendiado,
montado para sempre num Cavalo
que a Morte lhe arreou,
vê-se, aqui, quem, na vida, bravo, ardente
e indeciso, sonhou.
Pelas cordas-de-prata da Viola,
os cantares-de-sangue e o doido riso
de seu Povo cantou.
Foi dono da Palavra de seu tempo,
Cavaleiro da gesta sertaneja,
Vaqueiro e caçador.
Se morreu moço e em sangue, teve tempo
de governar seus pastos e rebanhos,
e a feiosa velhice
jamais o degradou.
Glória, portanto, à Morte e a suas garras,
pois, ao sagrá-lo, assim, da vida ao meio,
do Desprezo o salvou:
poupou-lhe a Cinza triste, a Decadência,
gravou sua grandeza em pedra e fogo,
e assim a conservou.
[9 de outubro de 1970]
Os poetas Ariano Suassuna e Antonio Miranda em Brasília Agosto 2007
Foto Aragão Júnior
NÓBREGA, Alexandre. O Decifrador. [Fotografia / photography; tradução para o Inglês / English translation Adriana Rodrigues]. Recife, PE: Ed. do Autor, 2011. 212 p. 28,5x28,5 cm. ilus fot, col. Capa dura, sobrecapa de cartão. Projeto gráfico Felipe Soares. ISBN 978-85-911453-0-0 Fotos do poeta Ariano Suassuna. “ Alexandre Nóbrega “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Poema que abre
O ROMANCE D´A PEDRA DO REINO
E O PRINCÍPE DO SANGUE DO VAI-E-VOLTA,
de Ariano Suassuana:
Ave Musa incandescente
do deserto do Sertão!
Forje, no Sol do meu Sangue,
o Trono do meu clarão:
cante as Pedras encantadas
e a Catedral Soterrada,
Castelo deste meu Chão!
Nobres Damas e Senhores
ouçam meu Canto espantoso:
a doida Desaventura
de Sinésio, O Alumioso,
o Cetro e sua centelha
na Bandeira aurivermelha
do meu Sonho perigoso!
SUASSUNA, Ariano. Romance d´A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. Rio de Janeiro: José Olympio Editora,2007. 754 p. ISBN 978-85-03-00793-1 “ Ariano Suassuna “ Ex. bibl. Antonio Miranda
(um fragmento)
Eu, empolgado de entusiasmo por aquela luta heróica, tão parecida
com a da Pedra do Reino, nào me contive e gritei:
— Que beleza. Clemente!
Então, sentindo-me, eu mesmo, tão valente quanto Zumbi oujesuíno
Brilhante, ergui o punho para as pedras e os cactos da Caatinga e recitei,
gritando:
"Em teus Lajedos erguido,
meu Gavião atrevido,
salve. Sertão do Esquecido,
Pedra do Reino, angular!
Eu canto a Beleza tua,
ó Moura guerreira e nua,
em cuja Coxa flutua
ruiva pele de Jaguar!
Palmares a ti meu Grito,
a ti. Sertão de granito,
que ninguém ouse atacar!
Ó Moura! teu Peito escuro,
fugidio, firme, duro,
guarde a tua nobre Dor!
Negra Diana Selvagem,
que escutas, sob a ramagem,
as Vozes, que traz a aragem,
do Rei Negro, O Lidador!
Salve, valente Guerreira,
nobre Pedra Brasileira,
que, ao arfar da Catingueira,
soubeste tanto lutar!
Salve, no Rochedo erguido,
meu Gavião atrevido,
onde pena o Rei Perdido,
Negro-Pardo do Jaguar!"
Pode me explicar a que vem essa cena ridícula? — indagou Samuel. (...)
A CHEGADA DE ARIANO NO CÉU, de Klévisson Viana e Mestre Bule-Bule. CORDEL Clique aqui
SUASSUNA, Ney. Ousadia. Brasília: Graf. Positiva, 2001. 216 p. 11x21 cm. Miolo em papel de qualidade, não identificado. Ilustrações impressas em papel manteiga, Capa dura. Acondicionado em caixa de papelão duro. (EE) Ex. bibl. Antonio Miranda
Memória
Presente quase passado
É o que vivo agora.
Passado e futuro
São os únicos permanentes...
O presente da gente
É quase imaginação.
O grito que eu largo agora,
Eu já gritei outrora
No tempo que tudo devora.
O momento eu vivo
Logo fica na memória,
Se transforma em passado
Quase que na mesma hora.
O futuro vai correndo
Se tornar o que passou.
Quando olho no relógio,
O segundo está findado...
Nunca mais voltará,
Qual antepassado.
Igual a um amor verdadeiro:
Não se esquece por inteiro,
Carrega-se no peito
Mesmo quando encerrado,
Na memória levo tudo
Prá qualquer parte do mundo.
É o meu passado,
E eu o levo pro futuro.
Pau-de-Arara
Vim da Paraíba, uma terra de sol,
Pequena e sofrida, mas bem destemida.
Lutei e cresci, pois foi lá que nasci.
Lembro o solo árido,
Que a perseverança fertiliza.
Lembro duros homens,
Quase abusados,
Que eram chamados de cabras danados.
Sou pau-de-arara, como dizem no sul.
É muito orgulho eu tenho por sê-lo.
É gente honesta
Gente que presta.
Gente de princípios
E de sentimentos bons.
E gente que crê num Deus nas alturas,
Embora a cintura carregue um punhal
Que é como um símbolo
Do bem contra o mal.
Paraíba, onde nasci e cresci,
É por ela que eu luto,
E a trago comigo pra luta
Que haveríamos de juntos vencer.
Sou paraíba, sou pau-de-arara.
Que orgulho em dizer!
TAMBAÚ, OURO E PRATA
Tambaú, eu vivo pra te amar.
O teu sol, o teu mar, tua luz, tua cor.
Tu és o meu encanto,
És o meu amor.
Ao nascer do sol tu é puro ouro,
Faiscando a luz, é o meu tesouro,
És o meu lugar...
Como tu me encantas,
Como me seduz.
Ao entardecer, com o sol fugindo,
Fico esperando a luz do luar
Que vem pratear o teu mar tão lindo,
Fico admitindo nunca te deixar.
Tambaú, quisera ter mais vida
Para mais te amar.
Tambaú, praia em João Pessoa, Nordeste do Brasil.
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Página ampliada e republicada em novembro de 2023
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