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Ariano Suassuna, Poeta

 

 

                            Por   César Leal


Extraído de 

POESIA SEMPRE – Revista Semestral de Poesia.  ANO 4 – NÚMERO 7 – JULHO 1996.  Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 1996.   Ex. bibl. Antonio Miranda

        

 

         Quando Ariano Suassuna, em 1947, escreveu a peça Uma mulher vestida de sol, ganhou no ano seguinte o Prémio Nacional de Teatro Nicolau Carlos Magno. Assim, logo é apontado nos meios intelectuais do Recife como um dramaturgo de muito talento. Tinha apenas 21 anos mas já era bem conhecido como poeta. Aos 17, publicara o seu primeiro poema e, desde então, aparecia com regularidade nos suplementos literários dos jornais do Recife. Aos 28 anos, se torna celebridade nacional com o Auto da compadecida, pouco tempo depois traduzido para várias línguas, inclusive o alemão. As numerosas peças que vieram depois e a estreia como romancista na década de 70. com A pedra do reino, contribuíram para um quase esquecimento de Ariano Suassuna—poeta. O alemão Peter Huchel ao receber um dos maiores prémios da poesia da Europa, o Europália 77, conferido pela Bélgica, disse ao agradecer a láurea: "Todos aqueles que escrevem sabem que a poesia tem uma dimensão própria; mas eles também sabem quanto é difícil conquistar uma palavra ao silêncio." Sim, não é fácil, na poesia — tanto quanto é fácil no teatro ou no romance.

         Numa de suas Odes, dedicada ao poeta José Laurênio de Melo, escreve Ariano Suassuna:

 

Laurênio, eu pouco sei dos outros homens

e de mim mesmo pouco ou nada sei.

Mas. se nossas palavras.

que passam sussutrando ao som do vento,

contêm algum sentido e algo revelam

da verdade escondida

na combustão ardente e solitária

daqueles que as proferem sob o sol,

entendo que riremos

de verão a verão sem muito ver.

 

         São versos plenos de uma beleza que só pode ser encontrada quando cessam todas as vozes e o espírito pode em silêncio recompor o mundo através das imagens. Daí a razão de Hegel ao dizer que na poesia o importante é a imagem a arder em todas as regiões da alma. A natureza reflexiva de suas Odes, a dimensão filosófica, a pregação moral, o domínio técnico que demonstra ao elaborar seus versos, leva-nos a identificar as raízes de sua poesia nas fontes greco-latinas, onde a presença indireta de Píndaro e Teócrito e, mais diretamente de Horácio, se faz sentir em toda a sua força expressiva. Em uma dessas Odes, escrita quando tinha pouco mais de 20 anos, não se pode negar a beleza e força desses versos

 

BestAs ávidas, cheias de insossego.
mesmo puras, às vezes,
desejosos somente do que falta,
vagamos entre as pedras e as pastagens
de uma terra latina...


 A nota predominante nessas Odes é o pessimismo que o próprio Ariano Suassuna define como "otimismo trágico". Tal pessimismo se reflete mais em algumas composições do que em outras. Contudo, a nota comum forma um "background" onde se projeta com nitidez o espírito lírico, dramático e racional do autor. Na Ode a José Paulo Cavalcanti, em que este se confessara insatisfeito com duas obras que escrevera, diz Suassuna:

 

Cavalcanti, hás de sempre, ante o que faças,
malgrado o nobre esforço despendido
amargar' a derrota.

 

         Essa incongruente afirmativa não significa um desestímulo mas a importância de "fazer" algo, já que a perfeição é impossível e a insatisfação do artista é normal, pois resulta da própria condição humana: "Assim não desesperes / ao ver que a nossos ímpetos de deuses / responde como feitas tão-somente / essas obras de homem." Nas "Décimas ante um retrato de Camões", são facilmente identificadas as fontes populares e eruditas do poema. A fonte popular é o martelo agalopado, como se pode observar nesta décima de Manuel de Lira Flores, cantador popular paraibano, falecido em 1952:

 

Quando as festas do céu vão começando
e o trovão vai bramindo nos espaços,
as correntes quais largos estilhaços
de metal em faíscas vão chispando.
Toda a ira do céu vai se acalmando,
todo o ar fica logo iluminado.
E se, então eu agarro descansado
na viola que há pouco estava muda
treme o sol, treme a terra, o tempo muda
eu cantando o martelo agalopado.

 

         Não há diferença entre as estrofes de Ariano Suassuna e a de Manuel de Lira Flores.  Cruzando o martelo popular nordestino com os elementos da tradição cultural sobre os quais se encontra informado pelo estudo dos mestres antigos, Ariano Suassuna constrói um poema erudito, não apoiado apenas em Manuel de Lira Flores, mas no esquema de rima de Calderon

 

Nace el ave, y con las galas
que le dan belleza suma
apenas es flor de pluma
ou ramillete con alas
cuando las etéreas alas
corta con velocidad,
negandose a la piedad
del nido que deja en calma:
y teniendo yo más alma,
tengo menos liberdad?
 

(Calderon de La Barca, La vida es sueño, Jornada 1, cena II)

        

         Ao concluir este comentário, apresento ao leitor alguns poemas de Ariano Suassuna, para quem a poesia não é apenas intuição, imaginação, sensibilidade e fantasia. Tampouco é confidência romântica êxtase mística ou o produto de certos opiáceos — como Coleridge, sob os efeitos de um deles, declarou haver escrito o "Kubla Khan". 

 

Décimas ante um retrato de Camões

Escritas por Ariano Suassuna em forma de martelo sertanejo e enviadas a Aloísio Magalhães, em retribuição ao desenho que inspirou o poema.

 

Se, na noite de chuva, a Tempestade
em solitários galhos açoitados,
revivesse os Navios naufragados
e o travoso gemer da Soledade;
se, da grave assonância da Vontade
entrever se pudesse o sacrifício,
nesse claro e cansado Frontispício
quem, mais do que teus Olhos, cantaria }
da vida o Caso cego e a galhardia,
a Luz flamante e o sacro Desperdício?

Teus olhos! Mas quem pode apaziguá-los?
Se, num, a Flecha agônica demora,
noutro há bruma, salgueiro e Harpa sonora,
entre os passos do Rei com seus vassalos.
O pó e o sangue, as patas dos Cavalos
repousam nesse Sulco fatigado.
E, se o bravo Queixume informulado
evoca os destroçados areais,
o ressonar dos Bosques provençais
doura na Morte a mágoa do Pecado.

Pensar que foste criança e que aspiraste
o cheiro da Madeira mal queimada;
que, ao perseguir, insone, a Madrugada,
a chama do Desterro desejaste.
O Sal marinho, as folhas que esmagaste,
e vida e nome, pássaro e Memória.
 

Pois, se Fortuna e treva derrisória
urdiram tua Sorte alada e escura,
foi que o porvir tecera, na Espessura,
da Cadência já morta o Canto e a glória.

Pureza e dolo. A Sombra se amontoa
— destroço ressurreto e transpassado —
na prisão a que um tempo foste atado,
no Barco que te chama e se enevoa.
Debalde! A Fronte é cortadora Proa,
barba barroca é Quilha e madeirame.
E o Cedro, a Infanta, a coifa de beirame,
tudo isso e tudo o mais que não se exprime
— que não se diz — e é o que talvez redime
o atravessar das águas e o Velame.

Assim, não mais o som deste Acalanto,
não mais o Apelo, só, do já passado:
que teu Anjo o receba, dissipado,
numa Páscoa de fogo e tenso Canto.
Pois se o Eco de sono e louro acanto
não te pode levar o que pressente,
num sussurro fraterno e Sopro ardente
chegue a ti meu Duende extraviado
e o Sonho, anseio extinto e renovado,
que é a Pena e mudez do meu presente.

 

Infância

Com lema de Maximiano Campos

Sem lei nem Rei, me vi arremessado,
bem menino, a um Planalto pedregoso.
Cambaleando, cego, ao sol do Acaso,
vi o mundo rugir, Tigre maldoso.

O cantar do Sertão, Rifle apontado,
vinha malhar seu Corpo furioso.
Era o Canto demente, sufocado,
rugido nos Caminhos sem repouso.

 

E veio o Sonho: e foi despedaçado!
E veio o Sangue, o Marco iluminado,
a Luta extraviada e a minha Grei!

Tudo apontava o Sol: fiquei embaixo,
na Cadeia em que estive e em que me acho,
a sonhar e a cantar, sem lei nem Rei!
 

 

A onça

Poema escrito na forma do "martelo gabinete" dos Cantadores nordestinos e onde se trata a Onça — animal heráldico brasileiro por excelência — como símbolo da Morte.

 
Essa Flecha cruel que despedaça
a carne dos Carneiros e bezerros.
Eis o Bicho sagrado, o velho Medo,
no Sangue mal cravado dos meus erros:
a Romã coroada, o doido Fruto,
a mordida do Sono e do Desterro.

O vermelho Clarão, o Verde escuro
e o Mundo — ouro e enxofre envenenado.
Possesso da serpente, asas de Arcanjo.
olhos cegos no Sol incendiado.
Que maldade se encerra na Beleza?
Que sangrento no Molde iluminado?

Do Rebanho maldito, um verde Musgo,
e às Pedras, a ferrugem verde tinge.
À luz azul do Cérebro inquieto,
o Crime dorme, oculto na meninge.
É divina essa Chaga que o Sol cura
e o Anjo é soletrado em cega Esfinge.
 

         O topázio dos olhos, das Estrelas,
         a pele de ouro e negro, Espinhos brancos.
         A luxúria de púrpura e Desejo
         na polpa rubra do macio Flanco.
         Canta em meu sangue a Flauta dos meus ossos,
         a cometa da Tíbia e o Punho manco.

Quem me sopra o Traspasse e a solução?
Que me sussurra o fogo desta Voz?
Ai, perigo de ser do meu cansaço!
Ai, papoula da vida, sangra os Nós!
E vai, e esquiva foge, e espreita a Sombra
na Cabeça de cacto feroz!

 

Fazenda Acauhan
(Lembrança de meu pai)
 

Com lema de  JaniceJapiassu 

Aqui, morava um Rei, quando eu menino
vestia ouro e Castanho no gibão.
Pedra da sorte sobre o meu Destino,
pulsava, junto ao meu, seu Coração.
 

Para mim, seu Cantar era divino,
quando, ao som da Viola e do bordão,
cantava, com voz rouca, o Desatino,
o sangue, o riso e as mortes do Sertão.
 

Mas mataram meu Pai. Desde esse dia
eu me vi como um Cego, sem meu Guia,
que se foi para o Sol, transfigurado.
 

Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa,
ele a Brasa que impele ao Fogo, acesa,
Espada de ouro em Pasto ensanguentado.

 

 

Página publicada em janeiro de 2018


 

 

 
 
 
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