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TASSO DA SILVEIRA
( BRASIL - PARANÁ )
Tasso Azevedo da Silveira OSE (Curitiba, 1895 — Rio de Janeiro, 1968) foi um escritor e poeta brasileiro. Foi um dos representantes da ala espiritualista do modernismo brasileiro, ao lado de Alceu Amoroso Lima e Cecília Meireles. Ganhou um importante reconhecimento nos círculos literários, sendo considerado por Gerardo Melo Mourão como “talvez o maior poeta cristão das nossas letras”.
Alceu Amoroso Lima afirmou que a obra de Tasso é a que, no Brasil, possui “a poesia em seu mais puro estado”. Reagindo contra a cidade cosmopolita, ressalta nele um lirismo construído com o sentimento do imponderável. Segundo Adonias Filho, a poesia de Tasso da Silveira gira em torno do Brasil e do amor à pátria, tendo uma missão concreta e clara, isto é, a de salvá-lo das suas desgraças. Dessa forma, Tasso buscava operar uma redenção para que o Brasil assumisse a vocação de ser o “novo eleito”, para “reintroduzir no mundo a inocência perdida”. Assim, Tasso da Silveira recebeu o título de “o poeta do povo brasileiro”.
Em 1957, foi homenageado pela Academia Brasileira de Letras com o Prêmio Machado de Assis, pelo total de sua obra.
RIBEIRO, Joaquim. Itinerário lírico de Tasso da Silveira. Rio de Janeiro: Alba Oficinas Gráficas, 1939. 79 p. 13x18,5 cm.
[fragmento]
I
A evolução estética da poesia de Tasso da Silveira pode se definir nesta fórmula: diluição dos valores de forma á medida que se dilata a intensidade da essência poética.
Essa variabilidade, todavia, se processou harmonicamente sem nenhum salto nem mutação brusca.
O transformismo poético de sua obra desconhece traumatismos extranhos, que o desviassem de uma evolução uniforme, serena, olímpica, admirável.
Justamente por isso a curva de sua genética espiritual obedece a uma linha ascendente sem nenhuma depressão anormal.
Raros poetas no mundo inteiro revelam esse desenrolar suavíssimo e tranquilo. É como planta, que viceja em terreno fértil, de clima propício, sem catástrofes mesológicas.
É curioso notar, todavia, que enquanto se descobre essa harmonia na poética, lavra no espírito de Tasso da Silveira uma inquietação demoníaca.
A sua poesia é antes uma compensação para a sua personalidade, do que uma projeção desta.
Tasso — o inquieto interior — plasma o seu ritmo como se fosse Tasso, de serenidade olímpica. Supre com a Arte, o que a sua Filosofia não pode dar.
Todos os seus livros de poemas, que são marcos de sua caminhada estética, confirmam essa teoria e demonstram ainda que, cada vez mais, o interior avassala e domina o exterior, do mesmo modo que, cada vez mais, o inquieto vai procurando se aperfeiçoar na serenidade, treinando todas as energias poéticas, num exercício espiritual, que tem tanto de superior quanto de renúncias ornamentais.
A essência, por fim, irá dominar a forma.
Vejam: MODERNISMO : TRADIÇÃO E RUPTURA, por IVAN JUNQUEIRA, ensaio extraordinário (!!!) publicado originariamente na revista POESIA SEMPRE, da Fundação Biblioteca Nacional, em 1993. IMPERDÍVEL. Inclui texto sobre o poeta TASSO DA SILVEIRA: http://www.antoniomiranda.com.br/ensaios/modernismo_tradicao_e_ruptura.html
Veja também: poema de TASSO DA SILVEIRA EM ITALIANO
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
TEXTOS EM INGLÊS – TEXTS IN ENGLISH
EFEITO DE LUZ
Sob o silêncio que flutua,
no crepúsculo
a angra é um espelho de cristal.
De súbito, porém, rompendo a superfície polida,
como um brusco
reflexo,
o peixe prateado e liso
pula no ar
em esplêndido, caracoleia no crepúsculo
e retomba no seio da água adormecida,
que, sonhando, o supõe numa chispa de luar...
(As Imagens Acesas, 1928)
Comentário: “Uma visão impressionista da realidade predomina no poema, onde o autor procura captar imagens de luz e cor. A velocidade rítmico-expressional dos versos se ajusta bem à temática, em estrofes livres e rimos variados, apesar do alexandrino que aparece no final do poema.” Leodegário A. De Azevedo Filho
TORRE
Os ventos altos
vindos das distâncias perdidas
bateram a torre do meu corpo.
Bateram a torre esguia e longa
e puíram-lhe os ornamentos raros,
desfiguraram-lhe a feição de beleza,
como o mar milenário
desastou as arestas vivas dos rochedos
imemoriais.
Não apagaram, porém, a lâmpada
solitária e serena
que ardia no silêncio...
e os meus olhos, rosáceas claras, abertas
para a paisagem
do teu ser,
ficaram coando sempre o clarão suave e leve,
ficaram adolescentes
para sempre...
(Alegria do Mundo, 1940)
Comentário: “O tema da torre é freqüente na poesia de Tasso da Silveira, simbolizando um movimento em direção ao infinito. (...) Como se percebe, mesmo nos poemas em que o amor carnal se transforma em tema básico, o influxo espiritualista é sempre a seiva dos versos. Como no resto de sua poesia, o pensador não domina o poeta, apesar das raízes filosóficas e religiosas de sua motivação estética.” Leodegário A. De Azevedo Filho
SILVEIRA, Tasso da. Contemplação do eterno. Poemas. Rio de Janeiro: Edição da “Organização Simões”m 1952. 168 p. 12x18 cm. “ Tasso da Silveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
II CANÇÕES DA TREMENDA GUERRA
I
Esta noite, o mistério
voltou de novo a ser o senhor absoluto
de todos os destinos.
Já começaram a soprar os ventos cataclísmicos
que crestarão as imensas searas humanas,
e arrancarão do húmus fundo
com todas as suas raízes
a árvore trémula do espírito.
Ah, ninguém sabe como vão ficar as paisagens,
nem ninguém adivinha
as fisionomias diferentes
das almas que virão.
Esta noite, o mistério
voltou a ser o senhor absoluto
de todos os destinos.
As paisagens vão ser outra vez reconstruídas por ele.
As almas novas vão ser modeladas por ele.
E aqueles de nós que, porventura,
transpuserem o abismo
da hora tremenda
encontrar-se-ão, possivelmente,
em face de um mundo de exílio,
diante de paisagens e seres
infinitamente
incompreensíveis e incomunicáveis...
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SEM TÍTULO
Do fundo do crepúsculo,
O vento tombou como uma ave ferida
Sobre os tufos e as palmas verdes
do dormente jardim.
Bateu, raivoso, as possantes asas,
rodopiou exasperado
entre as frondes em pânico.
E miraculosamente recompondo
o perdido equilíbrio,
em brusco, violento arranco
ergueu vôo outra vez para o espaço sem fim...
(Contemplação do Eterno, 1952)
Comentário: “Na utilização estética do sistema lingüístico, Tasso da Silveira sabe tirar efeito artístico adequado à temática de seus poemas. São múltiplos os recurso de estilística fônica, mórfica, sintática e semântica aí existentes. O efeito de essência profunda, espécie de temática central em sua poesia, logo transparece no primeiro verso, quando o vento vem do fundo do crepúsculo.(...) Toda a idéia dinâmica de uma movimentação brusca e violena nos é sugerida pela própria linguagem.” Leodegário A. De Azevedo Filho
SEM TÍTULO
O fogo é pura adoração.
Quando mãos insidiosas
o ateiam
na seara florescente
ou na choupana humilde
ou no palácio fastigioso
ou no flanco da montanha,
ele ignora o gesto de pecado
de que nasceu.
E se ergue límpido e inocente
para Deus.
(Contemplação do Eterno, 1952)
Comentário: “O tema da purificação pelo fogo aparece algumas vezes na poesia de Tasso da Silveira. Do mesmomodo que o tema da torre, subindo para o céu, exprime um anseio de espiritualidade, o tema do fogo também revela a busca de Deus. O fogo é sinônimo de adoração e se ergue, límpido e inocene, para o infinito.” Leodegário A. De Azevedo Filho
CANÇÃO
Quando a alta onda de poesia
veio do arcano profundo,
no pobre e efêmero mundo
o eterno pôs-se a pulsar.
Vidas se transfiguraram,
permutaram-lhe destinos.
O azul se fez mais etéreo,
Estradas mais se alongaram,
silêncio cantou na aldeia
sino ficou a escutar,
moeu trigo a lua cheia,
lampião de rua deu luar,
a água mansa da lagoa
ergueu-se em repuxo límpido
e se esqueceu de tombar,
alvas estrelas em bando
desceram lentas pousando
sobre a terra e sobre o mar.
(Regresso à Origem, 1960)
Comentário: “Em versos de redondilha maior, os mais espontâneos de nossa língua, nesta canção o poeta se transforma em receptor de poesia eterna. Logo nos primeiros versos, o efeito de essência profunda se exprime através da alta onda de poesia que vem do arcano profundo, pulsando de vida espiritual.” .” Leodegário A. De Azevedo Filho
OS CAVALOS DO TEMPO
Os cavalos do tempo são de vento.
Têm músculos de vento,
nervos de vento, patas de vento, crinas de vento.
Perenemente em surda galopada,
passam brancos e puros
por estradas de sonho e esquecimento.
Os cavalos do tempo vão correndo.
Vêm correndo de origens insondáveis,
e a um abismo absoluto vão rumando.
Passam puros e brancos, livres, límpidos,
no indescontínuo imemorial esforço.
Ah! são o eterno atravessando o efêmero:
levam sombras divinas sobre o dorso...
(Regresso à Origem, 1960)
Comentário: “A problemática do tempo se refleta na poesia de Tasso da Silveira como resultante de uma ação divina. Assim, o tempo é uma espécie de fluir contínuo do seio da eternidade. Poesia do eterno no efêmero, os cavalos do tempo levam sombras divinas sobre o dorso, em sua perene e surda galopada.” Leodegário A. De Azevedo Filho
Poemas e textos extraídos da obra POETAS DO MODERNISMO, vol. 4. Edição comemorativa dos 50 anos da Semana de Arte Moderna de 1922. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1972.
SILVEIRA, Tasso da. O Canto absoluto seguido Alegria do mundo. Poemas. Rio de Janeiro: Edição dos Cadernos da Hora Presente, 1940. 143 P. 15X21 cm. “ Tasso da Silveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
(ortografia atualizada nesta página)
O ÚLTIMO SONETO
AINDA hoje a Vida, a carcereira,
deu-me, por entre as grades da prisão,
a minha bilha de água verdadeira
e o meu pedaço humílimo de pão.
A fome fez da minha boca mendigueira
uma cítara, e a sede deu-lhe a afinação
que têm as folhas outoniças da amendoeira
para os dedos sutis da viração.
Assim, cada bocado de centeio
que trituro nos dentes, sabe-me, antes,
a um manjar esquisito e sem igual.
E cada sorvo de água, fresco e cheio,
vibra em meu paladar cordas ressoantes
de secreta lascívia espiritual.
LIBERTAÇÃO
NOSSOS desejos se purificaram
e o nosso pensamento
foi subindo, ascendendo, serenando...
Nossas paixões se altearam
como o vento,
que, depois de varrer o pó do chão,
para as estrelas tremulas se eleva,
e, mais alto que a sombra, além da treva,
fica ressoando,
longe e livre, na ignota solidão...
SILVEIRA, Tasso da. Poemas. Organização e seleção de Ildásio Tavares. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras; São Paulo: Edições GRD, 2002. Xviii, 286 p. 16x23 cm. ISBN 85-7085-035-2. Capra: fotografia do autor. “ Tasso da Silveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
JARDIM FECHADO
A Curvelo de Mendonça
Quem tem um jardim fechado
pode esconder-se do mundo,
para o repouso profundo
do coração torturado.
Quem tem um jardim fechado,
tem santo recolhimento,
tem pensamentos divinos,
tem o silêncio sagrado,
e o tempo a escoar-se tão lento,
tão leve, tão deslumbrado,
que só batem hora os sinos
da torre do Esquecimento.
Num jardim fechado, a vida
pulsa mais funda e secreta.
Nele, a calma apetecida
vem para o desesperado,
os sonhos vêm para o poeta,
a Amada vem para o amado.
Quem tem um jardim fechado
pode, num gesto profundo,
(se a alma é nobre, não pequena)
dele trazer para o mundo
este bálsamo sagrado:
Um pouco de paz serena
do coração sossegado.
(Regresso à Origem, 1960)
FEIRA
Nos tabuleiros retangulares
as hortaliças úmidas
acabaram de nascer neste instante:
ainda palpitam do milagre da criação.
E ao seu mágico influxo
a multidão, em torno,
vibra numa alegria iluminada.
Vibra numa alegria
radiosa e plena,
como devem ter sido
as alegrias inaugurais
das primeiras manhãs do mundo.
(As Imagens acesas, 1928)
TROVAS 5 - [Seleção de Edson Guedes de Morais] Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2013. 5 v. 17x12 cm. edição artesanal, capa plástica e espiralada.
Ex. bibl. Antonio Miranda
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TEXTOS EN ESPAÑOL
De
9 POETAS DEL BRASIL
una antología de Enrique Bustamante y Ballivian.
Lima: Centro de Estudios Brasileños, 1978
109 p.
PIEDAD
No pienses: "Nunca hice bien
a nadie,
ni di al mundo el más fugitivo instante de belleza".
Acaso, cuando en tu miseria profunda
atravesabas la floresta densa, por la noche,
no encendiste una hoguera?
Pues a esa hora todos los astros se inclinaron sobre la llama perdida
y los árboles tuvieron un palpitar largo y conmovido, y soñaron ...
... Y, a la distancia, quién sabe si algún caminante cansado no sonrió
de alegría al ver iluminada dentro de la noche densa, la pequeñita lámpara distante.
LA LLAMA
El día todo,
como una llama,
la urbe convulsa ardió.
Ardió como una gran llama trémula al viento.
Ardió de sueño y de deseo,
de ambición y de agonía,
al ritmo brusco y trepidante
de la lucha heroica y vana . . .
Y, cuando vino la noche, exhausta
adormeció . . .
Y ahora, de su gran cuerpo abatido
se desprende el silencio hacia la altura.
El infinito silencio . . .
El silencio infinito,
pero todavía tan lleno
de fluidos vivos de pasión
y de cansancio y desesperanza,
que más parece, erguida hacia la altura.
una invisible llama,
una llama de sombra y de aflicción.
NOCTURNO
Como el puerto quedó vacío, bajo la noche,
los vientos lo abandonaron
y fueron a buscar a lo lejos las velas trémulas.
Y las lámparas del muelle se inclinaron conmovidas.
para ver a las estrellas deslumbrantes
que cayeron todas dentro del mar . . .
EL MOMENTO DIVINO
Cuando el crepúsculo cayó
fue que notaste que las cosas todas son infinitas.
Cuando el silencio te envolvió,
fue que sentiste las pulsaciones todas de tu ser . . .
Soñaste entonces
que la sangre te batía en las arterias
aun bajo el impulso primordial
del Instante de la Creación . . .
Y que tu pecho jadeaba
aun bajo el cansancio
de las migraciones de los pueblos ancestrales . . .
Y te pareció que llegabas del fondo de los tiempos
como un esplendor de las generaciones innumerables
que viniese explorando la senda indefinida,
y al fin de la jornada
trajese, todavía, en los ojos,
la misma interrogación ansiada
de la partida . . .
Y te pareció que respirabas
al ritmo de las mareas crecientes.y vaciantes,
al ritmo de las montañas,
al ritmo del palpitar de la Tierra toda,
cuando más pesa en ella por la noche
la mudez del cielo ardiendo en astros! . . .
TEXTOS EM INGLÊS – TEXTS IN ENGLISH
AN INTRODUCTION TO MODERN BRAZILIAN POETRY. Verse translations by Leonard S. Downes. [São Paulo]: Clube de Poesia do Brasil, 1954. 84 p. 14x20 cm. “ Leonard S. Downes “ Ex. Biblioteca Nacional de Brasília.
THE MIRROR
I threw the window wide...
And the singing, jocund air,
the flowing, sonorous light
and the clean, translucid sky
of morning,
dancing a happy round outside,
swept into my room in a boistrerous wave
of everlasting youth.
They were gone in an instant, slipping out
through the mirror opposite,
slipping out lightly through the lucid glass
still dancing,
and went and hid behind,
there in the inaccessible distance
of the unreal.
Página publicada em setembro de 2023
Página publicada em dezembro de 2007; ampliada e republicada em janeiro de 2011. Ampliada e republicada em abril de 2015; ampliada e republicada em agosto de 2015. |