SÉRGIO DE CASTRO PINTO
Livros de poesia: Gestos lúcidos (1967), A ilha na ostra (1970), Domicílio em trânsito e outros poemas (1983), O cerco da memória (1993), A quatro mãos (1996) e Zôo imaginário (2005). Participou de muitas antologias e é autor também de ensaios. Vive em João Pessoa, Paraíba, Brasil.
“É epigramático, sem ser enigmático.” José Nêumanne
“Digo “epigramática” não tanto no sentido de “satírica”, antes no de “lapidar” (...), referindo-se às composições curtas, cheias de humour, de ironia, aguçadas com a lâmina de imagens-relâmpago, como Aerofobia: “dou duas voltas / na chave / da porta / e trancafio / a paisagem / lá fora”.” Anderson Braga Horta
Veja também: 7 POEMAS DE SÉRGIO DE CASTRO PINTO S/ FUTEBOL
PINTO, Sérgio de Castro. Folha corrida. Poemas escolhidos L(1967-2017). São Paulo: Escrituras Editora, 2017. 302 p. 13,5x20,5 cm. ISBN 978-85-7531-747-1 Ex. bibl. Antonio Miranda
“Sérgio de Castro Pinto tiene una dirección trazada, un caminho que é “hizo al andar”. Por el cual transita solidamente y el cual su linguaje resplandece y emociona, con su verso limpio y depurado y su compromiso com la lucidez.” XOSÉ LOIS GARCÍA
o bode
o que escrever sobre o bode?
compor-lhe uma ode?
dizer que os seus chifres
despontam na testa
como duas raízes
brotando da terra?
que é irmão siamês
dos seixos, da poeira,
das pedras?
que é duro na queda?
que o bode é ante de tudo um forte?
ou que, quando bale,
é todo ternura,
torrão de açúcar
desmanchando-se em candura?
as cigarras
são guitarras trágicas.
plugam-se/se/se/se
nas árvores
em dós sustenidos.
kipling recitam a plenos pulmões.
gargarejam
vidros
moídos.
o cristal dos verões.
atos falhos
sequer os ensaio.
mas os meus atos
falhos
encenam-se assim:
eles já no palco
e eu ainda
no camarim.
viventes municipais
macaxeira
um jeito de quem monta
o mundo em pelo.
um jeito de quem usa esporas
sobre as mil rodas
que trafegam nos seus nervos.
um jeito rural
de quem liberta os cavalos
do carro que deseja ser.
um jeito de quem pisa fundo
desrespeitando os semáforos do mundo.
PINTO, Sérgio de Castro. O Cristal dos verões. Poemas escolhidos. 40 anos de poesia (1967-2007). São Paulo: Escrituras Editora, 2007. 159 p. 14x21 cm. Capa e aberturas: Herbert Junior. ISBN 978-85-7531-252-0 “ Sérgio de Castro Pinto “ Ex. bibl. Antonio Miranda
as cigarras
são guitarras trágicas.
plugam-se/se/se/se
nas árvores
em dós sustenidos.
kipling recitam a plenos pulmões.
gargarejam
vidros
moídos.
o cristal dos verões.
a girafa (V)
da terra antípoda.
és um gajeiro
que só nuvens
avista.
sarapintado mastro
de uma nau
à deriva.
atos falhos
sequer os ensaio.
mas os meus atos
falhos
encenam-se assim:
eles já no palco
e eu ainda
no camarim.
diário
no guarda-roupa
(imóvel de jacarandá),
os dias antigos
suspensos em cabides
em ritos de abraçar.
sobre imóveis roupas
(diário colorido)
o pássaro distingo:
o pó dos sábados,
memória dos domingos!
PINTO, Sérgio de Castro. A Quatro mãos. Sérgio de Castro Pinto: poemas. Flávio Tavares: desenhos. João Pessoa, PB: anpoll; Editora Universitária, 1996.
58 p. 19x 25 cm.
noturnos
a) nas fronhas da infância
ensaquei meus sonhos.
hoje, ensaco pesadelos.
e a cada noite
- mais do que a cabeça •
pesa-me o travesseiro.
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poeta x poema
nem sempre o poeta
ronda o poema
como uma fera à presa.
às vezes, fera presa e acuada
entre as grades do poema-jaula,
doma-o o chicote das palavras.
a coruja
são todo ouvidos
os teus olhos
de vigília
olhos acesos,
luzeiros
de sabedoria.
olhos atentos
à geografia
do dentro,
és uma concha.
um encorujado
caramujo.
monja em voto de silêncio.
as cigarras
são guitarras trágicas.
plugam-se/se/se/se/se
nas árvores
em dós sustenidos.
kipling recitam a plenos pulmões.
gargarejam
vidros
moídos.
o cristal dos verões.
a garça
na tarde gris,
a garça
encolhe a perna:
ariano saci
entre
vitórias-régias?
o pavão
são tantos olhos abertos
sobre a cauda polvilhados
que em leque entreaberto
há sempre quem o enxergue
qual um indiscreto voyeur
em um narciso disfarçado
noturnos
- nenhuma ovelha
pula a cerca
de minha insônia
abato a todas.
e quanto à lã,
serve de enchimento
para o travesseiro.
serve
- a cada manhã –
para travestir-me
de cordeiro.
as frações do boi
- o boi
nos chifres pressente:
armações futuras,
construções de pentes.
o pente
(mudo e capilar)
na cabeça pasta
sem ruminar.
|
Poemas extraídos do livro ZOO IMAGINÁRIO. Ilustrações de Flávio Tavares. São Paulo: Escrituras, 2005. 64 p.
PINTO, Sérgio de Castro. A flor do gol. São Paulo: Escrituras Editora, 2014. 96 p. 14x20,3 cm. ISBN 978-85-7531-625-2 Capa: Milton Nóbrega “Sérgio de Castro Pinto” Ex. na bibl. Antonio Miranda
O BODE
Ao amigo Wills Leal, que encomendou este poema.
o que escrever sobre o bode?
compor-lhe uma ode?
dizer que o^seus chifres
despontam na testa
como duas raízes
brotando da terra?
que é irmão siamês
dos seixos, da poeira,
das pedras?
que é duro na queda?
que o bode é antes de tudo um forte?
ou que, quando bale,
é todo ternura,
torrão de açúcar
desmanchando-se em candura?
ANIVERSARIO
são 56 verões
são 56 invernos
outonos nem se fala
muito menos primaveras
até que um dia
descarrilharei
numa dessas estações
e nunca mais verei
um verão como este
CEMITÉRIO DE AUTOMÓVEIS
não me comovem
as insepultas carcaças
dos automóveis,
mas quão céleres
os passageiros
se precipitam
no despenhadeiro
dos breves dias sem freio.
PINTO, Sérgio de Castro. Domicílio em trânsito e outros poemas. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1983. 83 p. (Coleção Poesia hoje, vol. 72) 14X21 cm. ”Orelha!” do livro por Moacyr Félix.
dois poemas 3 x 4
- a máquina da manhã espoca
e aciona o seu (dia)fragma:
o sol é um flash que me flagra
e após me revela
às negativas do dia.
- entro na fotografia
como quem do mundo
se homizia.
sem livrar o flagrante.
(instantâneo eu sei que sou
neste mundo lambe-lambe).
museu do trem
(a joão cabral de melo neto
e para ser lido em ritmo quase ferroviário)
1. ao museu do trem emprestaram
tão estranha alquimia
que o tempo ali residente
sofre de cenofobia
2. ao tempo que ali habita
sequer desperta o amoníaco
e o trem é o próprio tempo
que se estanca nos trilhos.
3. um trem tão sem memória
que não lembra o maquinista
deportado numa estação
da qual não se tem notícia.
4. no museu do trem o tempo
se faz coagulado
que logo quem o visita
pensando-se locomotiva
do tempo ali empoçado.
cigarras
mal engarrafam o canto
logo o explodem:
coquetel molotov
de encontro à tarde
moída em vidro.
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Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y Trad. Xosé Lois García
Edicións Laiovento
Santiago de Compostela, 2001
NÔMADE
acha que atritas,
o meu falo queima.
somos trogloditas
descobrindo o fogo.
crescem labaredas.
sob a braguilha
armo uma tenda
com a minha glande.
e o meu falto nômade
rumo à tua tenda
levanta campamento.
A PEDRO NAVA
se a linguagem da nava
é um bisturi afiado
que extirpa o presente
pra restaurar o passado,
pedro rola as pedras
dos seus dias.
e da base ao cume
de cada segundo,
Pedro suporta o peso do mundo.
O PAVÃO
são tantos olhos abertos
sobre a cauda polvilhados
que em leque entreaberto
há sempre quem o enxergue
qual um indiscreto voyeur
em um narciso disfarçado.
SOBRE O MEDO
o medo
se aloja na medula
como um cubo
de gelo.
o medo
se infiltra no tinteiro
e o congela.
o medo
se instala na palavra
e a enregela.
com o medo
aprendi o ofício
de armazenar as palavras
como num frigorífico
com o medo conservo:
dez mil palavras
abaixo de zero.
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TEXTOS EN ESPAÑOL
Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y Trad. Xosé Lois García
Edicións Laiovento
Santiago de Compostela, 2001
NÔMADA
cree que aflige
mi falo quema.
somos trogloditas
descubriendo el fuego.
crecen llamaradas.
bajo la bragueta
monto na tienda
con mi glande.
y mi falo nómada
rumbo a tu grieta
levanta campamento.
A PEDRO NAVA
si el lenguaje de nava
es un bisturi afilado
que extirpa el presente
para restaurar el pasado,
pedro arrulla la piedras
de sus dias.
y desde la base hasta la cumbre
de cada segundo,
pedro soporta el peso del mundo.
EL PAVO REAL
son tantos ojos abiertos
sobre la cola polvoraizados
que en abanico entreabierto
hay siempre quién lo observe
cual un indiscreto voyeur
en un narciso disfrazado.
SOBRE EL MIEDO
el miedo
se aloja en la medula
como un cubo
de hielo.
el miedo
se infiltra em el tintero
y lo congela.
el miedo
se instala en la palabra
y la congela.
con el miedo
aprendi el oficio
de almacenar lãs palabras
como en un frigorífico.
con el miedo conservo:
diez mil palabras
bajo cero.
Página ampliada e republicada em dezembro de 2007. Página ampliada e republicada em maio de 2008; ampliada em setembro de 2017.
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