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NAURO MACHADO ( 1935 -2015 )
Nauro Diniz Machado. Nasceu em São Luís do Maranhão em 02-08-1935. Autor de vinte e sete livros de poesia e um de prosa (isso, em 1998)...
“É difícil qualificar esses poemas escritos, por assim dizer, no avesso da linguagem. Não é pela compreensão lógica que eles nos atingem mas pelo sortilégio de um falar desconcertante e único.” FERREIRA GULLAR
Nauro Machado é uma oportuna indicação de seu amigo Fernando Mendes Vianna, que escolheu os sonetos que incluímos aqui, extraídos de sua máxima antologia: Nau de Urano, edição do Governo do Maranhão, em 2002. A.M.
Apenas uma breve notícia: A rocha e a rosca representa o ponto mais alto da carreira do poeta Nauro Machado. Precede o trabalho um agudo e inteligente estudo de Ricardo Leão, "A épica do ser". Quanto a mim, gostaria de discutir mais pormenorizadamente as categorias concernentes à epopeia e ao lirismo. Creio que a predominância da massa narrativa em Latinamérica de Marcus Accioly confere-lhe a primazia do aspecto épico. Do outro lado, a intensidade do "eu poético", acima do "eu social" em A rocha e a rosca dotam o poema de extrema formação lírica. Como quer que seja, a vivência poética de Nauro Machado culmina em A rocha e a rosca, talvez um dos mais inquietantes depoimentos existenciais da literatura brasileira. Tudo ali se conjuga para assinalar o alto poder de realização do autor. Estrofes regulares, quase sempre encapsuladas em seu próprio sentido, versos medidos na sua cadência mais popular, poder conceituai decorrente das sentenças em forma de aforismos, tendência à ênfase anafórica, inspirada nas ladainhas, amargo tom crepuscular, tudo conspira para tomar A rocha e a rosca um poema-chave da obra do poeta maranhense. A forma perfeita instrumentaliza a reflexão metafísica do poeta acerca da consciência da morte. Uma espécie de digressão sobre a morte anunciada, num tom pessimista "de uma alma que é enfim ninguém" (p. 33). O poeta não se detém da confissão mais áspera: "vendo um morto, eu me vejo!" (p. 37). Henriqueta Lisboa em Flor da morte. ** Extraído de: LUCAS, Fábio. Lições de literatura nordestina. Salvador, BA: Fundação Casa de Jorge Amado, 2005. 240 p. (Casa de Palavras, Série Ensaios) p. 223-224
Veja também: DOIS POEMAS DE ANTONIO OLINTO SOBRE NAURO MACHADO – extraídos do livro Pátria do Exílio.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
LATINIDADE: I COLETÂNEA POÉTICA DA SOCIEDDE DE CULTURA LATINA DO ESTADO DO MARANHÃO. Dilercy Adler, org. São Luis: Estação Produções Ltda, 1998. 108 p. Capa: Carranca – Fonte do Ribeirão – São Luís – Maranhão – Brasil Ex. bibl. Antonio Miranda
CANÇÃO AUSTRÍACA
MACHADO, Nauro. Canções de roda nos pés da noite [poemas infantis/. Fotografias de Máracio Vasconcelos. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016. 160 p. ilus. ISBN 978-85-7740-205-2 Ex. bibl. part. Salomão Sousa.
RODA-GIGANTE Humana faina para o sozinho que em mim caminho semana e mês para esse assédio a sua desumana feita de alguém perpétua chama
para o sozinho
ANIVERSARIO Nenhuma alegria resta Nada espero de ninguém, Do silencio como um rato Sequer a luz pelas frestas
Nauro Machado
Nauro Machado é o mais perseverante de nossos sonetistas. [Existem outros, mais do que as pessoas menos familiarizadas com a nossa produção poética imaginam... Por exemplo, Glauco Mattoso e Anderson Braga Horta sempre estão às voltas com sonetos, de boa qualidade, mas exercitando outras medidas.] Nauro é mestre em seu ofício. Sua obra poética é vastíssima, desde meados dos anos 50 do século passado, muitas edições esgotadas e de circulação restrita. Em boa hora nos chega esta edição bem cuidada da pouco conhecida editora Contracapa, do Rio de Janeiro. Inclui 170 novos poemas de uma série que já alcança o de número 976!!! Sonetos canônicos, rimados, muitos decassílabos como os consagrados por Camões. De repente a gente encontra um verso insólito como nesta quadra: "Como se a culpa lhe fosse a existência/ tem todo o homem sua culpa já ao nascer/ de uma união que é fruto da indecência/ pela mulher trazida a um outro ser." Lindos versos, mas confesso que "indecência" me causa certo estranhamento... Em outros momentos lembra aqueles poetas malditos, como no soneto 851. Ou enreda pelo lirismo mais puro no jogo das imagens que vão a seguir no texto do Soento 819.. Neste poema aparecem as rimas recorrentes "estrelas " e "vê-las" que estão perfeitamente colocadas, reconhecendo que os clássicos não tinham este tipo de preocupação, ao contrário, não raras vezes recorriam a dicionários de rimas, sabendo que o importante mesmo é o resultado, enquanto as palavras estão no domínio público. Convidamos os leitores para a edição inteira que acaba de chegar às livrarias. Vale também lembrar que está ilustrado com muita competência por Lucas Sargentelli. Pena que o papel deixa transparecer, ainda que vagamente, o texto impresso no verso da folha.
819
Abre-me as portas, mãe, enquanto as estrelas buscam em mim agora a treva infinda, sem luz alguma no meu olhar a vê-las nessa cegueira a ser da altura vinda. Assim, mãe, invado tua noite, a sabê-las eternamente em pó na luz que é finda só para mim, que vou comigo pelas manhãs nascendo todas cegas ainda. Como fazê-las ser de novo vivas? Como, se nunca delas fui um conviva às vidas feitas festas para as vistas? Para arrancá-las da morte onde as pus, quero essa noite, ó mãe, roubada à luz do céu que, embora cega, tu conquistas.
851
Todo o furor da vida esvai-se quando a natureza cobra o seu direito, e o tempo chega pelo verme andando para mamar seu leite em outro peito. Ó tempo-vândalo, ó furor de um mando na assinatura desse édito feito com toda a dor do punho mais nefando da natureza em seu madrasto leito! Troai dos lábios as blasfêmias hirtas pelo alfabeto além a se extinguir, tais os corpos trêmulos no fim, cadáver-verbo aberto pelo crime, embora de um Deus feito pai do hímen dessa mulher que é mãe também de mim.
================================================================== ALGUNS POEMAS ANTERIORES DE NAURO MACHADO:
CALENDÁRIO
Tomaste parte em nenhuma outra guerra. Não perdeste pés ou mãos dentro desta. Não abriste túmulo em nenhum lugar. Nada quiseste além dos teus haveres. Teu país de bois na aurora plantados, levou-o o tempo na usura do ocaso. Fizeste nada sábado, domingo, segunda, terça, quarta, quinta e sexta. Igual a todos, somaste semanas, Unindo a noite ao dia e o dia às noites. Escuta: o tempo passa! E o teu passou. Passou o bonde, o colégio, a criança. Já o adulto vai-se: está chegando ao fim como um ronco doído em cosa podre, como um enlatado para ninguém. Made in Brazil. Tonel à água lançado No porto noite. Minha família! Ó alma.
Masmorra Didática, 1979
FILA INDIANA
Um atrás do outro, atrás um do outro, ano após ano, ano após outros, minuto após minuto, século após séculos, continuam
(a conduzir seus madeiros na perícia dos próprios dramas).
um após do outro, atrás um do outro, anos após ano, ano após outros, minuto após minuto, século após séculos, e de novo
um atrás do outro, atrás um do outro, até a surdez final do pó.
AS PRAGAS
Porque não estive às portas de Madri, de onde escuto, ainda, o “no pasarán”. Te abjuro, Senhor, enfim, e a Ti, a quem, outrora, chamei de pai e bom.
Porque não estive às portas de Madri, lutando, às claras, com porcos-burgueses, luto e lutarei, em trevas, por aqui, Te abjurando, Pai, por milhões de vezes.
Entanto, saibam-no todos, e ouvi que aos homens-bestas, com meus punhos, sorvo-os enquanto, ao longe, às portas de Madri, se erguer, incólume, o sangue dos povos!
Décimo Divisor Comum, 1972
CAXANGÁ
Há um desespero real na palavra, um desespero contra o desespero, enlouquecido em tudo que é palavra incapaz de dizer o real nela, e um desespero dentro, um desespero da palavra assentada na palavra, de palavra assentada nela mesma, canal e boca de uma angústia virgem, de um dia novo contra a noite fora envolvendo de luto os nomes todos: Antônio, tênis, sonho, árvores, morte. Sombra dentro de sombra, mas girando em rodopio eterno, o pião da sombra, o que fazer da voz, senão clamar em uivos de absurda sombra, à noite geradora de braços e destroços vagando intérminos no extinto brado?
***
BACIA DA SALVAÇÃO
Que planeta gerou meu nascimento? Que paraplégico planeta? Acesas estrelas frias, meu estrumado alento, teus róseos dentes, Pai, de eternas presas, mastigam o osso do apodrecimento e esmagam a alma das minhas tristezas! Que planeta fez-me em carne, e não em vento? Noturna dor de mortais represas, já estou morrendo como um rio em mim, no leito seco desta terra: assim… (Meus órgãos sonham flores malogradas.) É meia-noite. Hora eternamente a bater em minha alma, um passo à frente, como uma besta andando. A chibatadas!
OFÍCIO
Ofício Ocupo o espaço que não é meu, mas do universo. Espaço do tamanho do meu corpo aqui, enchendo inúteis quilos de um metro e setenta e dois centímetros, o humano de quebra. Vozes me dizem: eh, tu aí! E me mandam bater serviços de excrementos em papéis caídos numa máquina Remington, ou outra qualquer. E me mandam pro inferno, se inferno houvesse pior que este inumano existir burocrático. E depois há o escárnio da minha província. E a minha vida para cima e para baixo, para baixo sem cima, ponte umbilical partida, raiz viva de morta inocência. Estranhos uns aos outros, que faço eu aqui? E depois ninguém sabe mesmo do espaço que ocupo, desnecessário espaço de pernas e de braços preenchendo o vazio que eu sou. E o mundo, triste bronze de um sino rachado, o mundo restará o mesmo sem minha quota de angústia e sem minha parcela de nada.
MACHADO, Nauro. Décimo divisor comum. Capa de Jacques Kalbourian. ???: Edições Porta de Livraria, Série Poesia 14,, 1972. 86 p. 12,5 x 18 cm. 500 exs.
RELACIONAMENTO O eterno não cabe naquilo que o come, se de mim não sabe o vizinho homem. Entanto me bebem os olhos alheios, até que se cevem os cegos anseios. Até que anoiteça a mente pensada, e por fim me cresça o início do nada. CANÇÃO PASTOSA Quem muge em vão no coração? Que cascavel arrasta o ceu no seu desmaio? Que papagaio intenta o nome de toda a fome? Que javali nas trevas-ir perde a razão? Quem muge em vão neste universo Quem leva o verso, a pedra-cruz a treva-luz, o fóssil forte a opor-se à morte? Ó passarinho, ó touro bravo! E o rosmaninho, e o odor de cravo... ÁGUA-FORTE Tua lembrança morta é como inseto de asas noturnas, esvoaçando, enormes, que busco, embalde, com um golpe certo, quebrar, para que caiam sobre onde dormes. Vazia agora, morra nesta casa, tu, já imemória! Exceto quando penso... E fico, então, cheio dessa tua asa, esvoaçante como um mar imenso.
------------------------------------------------------------------------ Extraídos de la
CALENDARIO
En ninguna otra guerra participaste. No perdiste pies ni manos en esta. No abriste sepulcro en ningún lugar. Nada quisiste más que tus bienes. Tu país de bueyes en la aurora plantados, lo llevó el tiempo en la usura del ocaso. Nada hiciste el sábado, domingo, lunes, mares, miércoles, jueves y viernes. Igual a todos, sumaste semanas, uniendo la noche al día y el día a las noches. ίEscucha: el tiempo pasa! Y el tuyo pasó. Pasó el tranvía, el colegio, el niño. Ya se va el adulto: estás llegando al fin Como un quejido ronco cosa podrida, Como un enlatado para nadie. Made in Brazil. Tonel al agua lanzado En el Puerto en la noche. ίMi familia! Oh alma.
Masmorra Didática, 1979
FILA INDIA
Uno tras otro, tras de uno otro, año tras año, uno tras otros, minuto tras minuto, siglo tras siglos, continuan
(conduciendo sus cruces con la pericia de los propios dramas)
uno tras otro, atrás uno del outro, año tras año, año tras de otros, minutos tras minutos, siglo tras siglos, y de nuevo
uno tras del outro, atrás uno del otro, hasta la sordidez final del polvo.
LAS PLAGAS
Porque no estuve a las puertas de Madrid, desde donde escucho, aun, el “no pasarán”. Te adjuro, Señor, enfín, y a Tí, a quien, antes, llamé padre y bueno.
Porque no estuve a las puertas de Madrid, luchando claramente, com cerdos burgueses, lucho y lucharé, en tinieblas, por aquí, Te adjuro, Padre, millones de veces.
ίMientras tanto, sépanlo todos, escuchen que a los hombres bestias, con mis puños, los aplasto hasta que, a lo lejos, a las pueras de Madrid, se levante, incólume, la sangre de los pueblos!
Décimo Divisor Comum, 1972
CAXANGÁ
Hay un desespero real en la palabra, un desespero contra el desespero enloquecido en todo lo que es palabra incapaz de decir lo real en ella, y un despero dentro, um desespero de la palabra asentada en la palabra, de la palabra asenta en ella misma, canal y boca de una angustia virgen, de un día nuevo contra la noche afuera envolviendo de luto todos los nombres: Antonio, tênis, sueño, árbol, muerte. Sombra dentro de sombra, pero girando en eterno remolino, la peonza de la sombra, ¿en qué hacer con la voz, sino clamar con aullidos de absurda sombra, a la noche generadora de brazos y destrozos vagando interminables en el extinto grito?
O Calcanhar do Humano, 1981
TEXTS IN ENGLISH
POETS OF BRAZIL - A bilingual selection. POETAS DO BRASIL - uma seleção bilingüe. Trad. Frederick G. Williams. New York: Luso-Brazilian Books, 2004. 430 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
NAURO MACHADO, born in São Luis do Maranhão, Brazil, is regarded is a cerebral poet of introspection and despair. Unlike most Brazilian writers, he has gained prominence without moving to the centers do power away from his native state.
PARAFUSO
THUMBSCREW EPITÁFIO *
Página ampliada e republicada em dezembro de 2007.
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