POESIA GOIANA
MARIA ABADIA SILVA
Nasceu em Itaberaí (GO). Fez Direito na UFF, no Rio de Janeiro. Ganhou o Prêmio Bolsa Hugo de Carvalho Ramos, em 1980, com o livro Espaços; o Prêmio José Décio Filho, em 1987, com Cabeça Cauda, ambos de poesia. Em 2008, num programa de incentivo cultural do Estado de Goiás, publica Desamarrio, que é um longo poema amoroso, em diversos fragmentos. Ex-Secretária de Cultura do Estado de Góiás e de Goiânia, fez especialização em Pintura Espontânea, com Susan Bello, em Psicologia Junguiana, DF, Cosmodrama, com Pierre Weil, facilitadora do Avipaz, coordena a Unipaz Goiás. Foi assessora do PSDB na Câmara dos Deputados, em Brasília.
SILVA, Maria Abadia. Desarramio. Goiânia: Editora da UCG, 2007. 78 p. (Coleção:
Goiânia em prosa e verso) “ Maria Abadia Silva “ Ex. bibl. Antonio Miranda
as sombras
quem esteve ao lado de mim
tentando ouvir
de onde saía a minha voz
aquele sussurro, uma lascívia
onde viveria
este desafio de ainda estar viva
sem o tempo
sem o encontro
****
seria diferente suar de medo
o coração acelerado
sua pela se soltando do seu corpo
espalhando-se pela sala
sem saber onde estive
como estive vivendo a minha dor e
a dor do mundo
quando se juntam e viram
una, ao nos tornar despidos, isolados,
sem nomes, endereços
apenas esqueletos do que éramos no mar revolto
e noite escura
envergonhados.
****
esteja, desta vez, por inteiro
neste cálice da consciência
deixa que ressoe
do centro do seu ser
para a vibração do universo
e alcance o movimento
não determinado
e não limitado
em nova percepção
alterar o mundo
inventar outras existências
criar outros ventos
ninguém será mais o mesmo
que o rio que corre hoje é outro
em seu percurso novo
e também o mesmo
dos insondáveis tempos
são os semelhantes ou os opostos
que se encontram?
só o vazio interior
o santuário mais secreto
a ser ofertado
fonte primeva da vida
para o refúgio
a celebração de lótus
que aí floresce
****
você lembra
semente, luz, alegria
você lembra dia
de novo, outra vez
você lembra
água, sol, poesia
você lembra terra
cheiro, chuva
você lembra
ninho, pássaro, ar
você lembra amar.
****
a solidão anda de trem
a solidão não vai, só vem
a solidão coloca suas mãos
sobre as minhas e me bolina
a solidão caminha
na sua cama, na minha.
silêncio é
muito tempo
acenando indícios
de névoa e fumaça
que se abraçam.
apenas sementes
olhos, bocas
o riso da criança
nas calçadas
nos seus sapatos de vidros
sem passos
flores de metal e argamassa
herança
espora aguda
em segredo
perpétua hora
cozendo traços
dentro da casa velha
de lume, sombras
sentinela de laços.
se a minha cabeça
se volta um pouco mais
cai à deriva
essa genuflexão
humílima
aos teus pés.
****
a dor
veste o corpo
como pele
enlaçando e seduzindo
para o fundo
sem ter como ocultar
pra se tornar público
o luto incontrolável
sem pudor
andando pelas ruas
em anúncios de televisão
nuvens levaram suas mãos
o mundo acaba
mistério absoluto
com seu horizontal imutável
levo seus ossos para casa.
pensei reconhecer esse vácuo
se era caminho
ou algo que me recuperasse
do ventre da baleia
sem face
ou decretos-leis
nos portais
para todos iguais
o seu martelo
repetidas vezes
fechando as fronteiras,
as suas promessas
de não ver o sangue das crianças
invadindo nosso horário
****
pensando passos
viro morro e ladeiras
e já sou floresta
De
SILVA, Maria Abadia. Cabeça cauda. São Paulo: Massao Ohno editor, 1987. s.p. “Prêmio Bolsa de Publicações “José Décio Filho”. Capa, sobrecapa e 5 ilustrações col. de Siron Franco impressas no formato aproximado de 12x8 cm. e colados em páginas do miolo do livro. Apresentação de Olga Savary. Prefácio de Cláudio Willer. Formato 15,5x22 cm. Col. A.M. (EE)
Você também ouvia Beatles
aos 16 anos
Eu quero dançar
I want to hold your hand
e chorar de nostalgia
porque hoje é fora de alcance
e amanhã longe demais.
*
Tomando sol na área infinita de 2 metros do meu
quarto vi no céu
uma estrela diluída com seus traços/
meu amor, você é um androide de nuvens,
que passa.
*
Sáudo sua beleza
se erguendo
das minhas mãos
e leveza das algas vivas
penetrando na minha boca
sacro sólio
é contemplação secular
de viril malícia
estampa aquosa da sua dor
no meu corpo
de sua força
no meu desejo
o exato encontro dessa nudez.
*
O que sou é isso que passa
na liturgia de hábitos
e tanto se repete
que se mistura
às mudanças que faço.
SILVA, Maria Abadia. Espaços. Poemas. Goiânia: Prefeitura de Goiânia / União Brasileira de Escritores, 1980. 75 p. 1º lugar “Concurso Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos: 1980” Gênero Poesia. Prefácio de Yêda Schmaltz. “ Maria Abadia Silva “ Ex. bibl. Antonio Miranda
MÃO DE TINTA
Essas paredes
brancas, sem alegrias ou tristezas
são duras, são frias
e mudas, sem enredo.
Quero a mão de tinta vermelha,
que seja de sangue ou de poeira,
mas que cause espanto e
todos venham ver,
venham perguntar, se espelhar
se enrubescer.
PASSAGEM
A venda com que se tapa os olhos
é tão pobre e fina
e o horizonte
está dentro da retina.
Como distinguir agora
e separar
e definir?
Virei substantivo composto adjetivado
com presente e passado.
Mundo, mundo, mágico mundo
que ontem me tinha prisioneira
e hoje me tem libertada
e codificada, numerada,
retratos datados.
O tempo andava tão correio.
Depois dos 30 anos,
que estranho!
Nada é mais tão certo.
Salomão Sousa, Maria Abadia Silva e Antonio Miranda juntos no primeiro dia de 2013.
TEXTO EN ESPAÑOL
VARGAS & MIRANDA Compiladores. Selección y revisión de textos por Salomão Sousa. TRANS BRASILIANA ANTOLOGÍA 36 MUJERES POETAS DO BRASIL. MARIBELINA – Casa del Poeta Peruano. 2012 134 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
*
Tú también oías los Beatles
A los 16 años
Yo quiero danzar
I want to hold your hand
y llorar de nostalgía
porque hoy está fuera de alcance
y mañana demasiado lejos.
*
Tomando sol en el
área infinita de 2 metros de mi
cuarto vi en el cielo
una estrella diluida con sus trazos/
mi amor, tú eres un androide de nubes,
que pasa.
*
Saludo su beleza
irguiséndose
de mis manos
y ligereza de algas vivas
penetrando en mi boca
sacro trono
es contemplación secular
de viril malicia
estampa acuosa de su dolor
en mi cuerpo
de su fuerza
en mi deseo
el exacto encuentro de esa desnudez.
*
Lo que soy es eso que pasa
En la liturgía de hábitos
y tanto se repite
que se mezcla
a las mudanzas que hago.
***
Página publicada em julho de 2024
Página publicada em janeiro de 2008. ampliada e republicada em janeiro de 2012; ampliada e republicada em maio de 2015. |