POESIA GOIANA
Coordenação de Salomão Sousa
Fonte: Academia Goianense de Letras
LUIZ FERNANDO VALLADARES
Luiz Fernando Valladares Borges nasceu no Rio de Janeiro, RJ, no dia 1º de junho de 1942. Fez os estudos primários em Sacramento, MG, o ginasial em São Paulo, SP, concluindo o científico no Lyceu de Goiânia. É bacharel em Direito pela Universidade Católica de Goiás. Professor da Universidade Federal de Goiás e procurador do Estado. Foi presidente do Conselho Estadual de Cultura e da União Brasileira de Escritores de Goiás e membro do Conselho Municipal de Cultura. Organizou, juntamente com os escritores Miguel Jorge e Anatole Ramos, a Antologia do conto goiano, em 1969. É membro da União Brasileira dos Escritores – Seção Goiás.
Obra: Corpoema. Rio de Janeiro: Brasilart, 1968; Verde novo, poemas. Goiânia: Oriente, 1968; Das raízes, poemas. Goiânia: Cegraf, 1990.
De
CORPOEMA
Rio de Janeiro: Brasilart, 1968
CORPOEMA
poema sou
um auto (poemauto)
retinir ritmo próprio
corpo modelado (corpoema)
auto que transita
forma total (corpo)
pleno de vida
2. — sou em que me faço
há quem se destrói
se mura
oca fôrma em forma
de estrutura
não busco fôrma
construo a minha
— corpo erga omnes
3. — contra tudo
contra todos
contudo
com todos
sou poesia
no lodo mundo
no mundo
no lodo fundo
a poesia
retê-la
rememorizá-la
compô-la
rediviva
CORPOEMA\
CAMINHO
Insidiosos
corpos nossos
— O cão que lambe as mãos
lambe a carne
e deseja os ossos
A lista
inumerável do mundo à vista
— A morte invisível
enlaça o que vê os olhos
fechando a vista
Torneios
incestuosos campeios
— A velhice que traz
os anos não é pez
nem intumesce seios
Mal
do corpo é tal caminho
— se não escolheu partida e chegada
e sabe ser o corpo único caminho
quando mal caminhar caminha
DOIS POEMAS
a João Cabral de Mello Neto
I
E sentir a lâmina
do fino momento
não que houvesse corte
mas pressentimento
2. — Às vezes a força
arrasta uma peça
do quadro, que resto
é campo parado
O mato no longe
água do lado
na fronte dos touros
a vermelha fonte
Bem tensos os touros
com sanha com fome
na corporal luta
no encontro frontal
Sente-se no touro
com touro parados
touro tempo de antes
de vir temporal
Vistos pelos cornos
— Ramo vegetal
Visto pelos corpos
— Bloco mineral
Mas olho de perto
— Músculo animal
Na luta que encetam
transformam-se num
como falassem
palavra comum
touros mouros
touros densos
touros touros
por igual
Página publicada em dezembro de 2008, comemorando os 40 anos da edição de CORPOEMA, de Luiz Fernando Valladares. Capa de Heleno Godoy. Xilogravura de R. Barbalho.
A POESIA GOIANA NO SÉCULO XX (Antologia) – Organização, introdução e notas de Assis Brasil. Rio de Janeiro: FBN / Imago / IMC, Fundação Biblioteca Nacional, 1998. 324 p. (Coleção Poesia brasileira) ISBN 85-312-0627- 3 Ex. bibl. Antonio Miranda
Minha admiração pela obra crítica da literatura brasileira de ASSIS BRASIL vem de muito tempo, desde a época em que ele atuava como jornalista literário no JORNAL DO BRASIL, onde eu publicava alguns textos desde a época do Suplemento Dominical, com Reynaldo Jardim e Ferreira Gullar. Comecei a adquirir livros dele — muitos — e o informava que o acompanhava e, tempos depois, comecei a divulgar o que ele compilava nas antologias de poesia brasileira, e os textos que escrevia, com muita competência, sobre os autores.
Comecei com Salomão Sousa, responsável pela seção de poesia goiana em nosso Portal de Poesia – www.antoniomiranda.com.br, e com a notícia da morte do grande piauiense, aos 92 anos, em 28 de novembro de 2021 – e também "carioca" como eu, que vivi no Rio de Janeiro, boa parte de minha vida ou por lá andava desde sempre... decidimos ampliar a divulgação dos textos, não só dos poetas e, mais recentemente, sobre o que ele escreveu sobre os autores que divulgava, na certeza de que ele sempre viu com simpatia o nosso trabalho.
LUIZ FERNANDO VALADARES
Por ASSIS BRASIL
Jazida
Mastiguemos o que tem a vida
a nos oferecer:
As bananas redondas
As oblongas maçãs
e os quiabos quadrados
Num canto da vista
o cisco navegando tisne
num riacho: verdadeiro cisne preto!
As árvores planas com
suas ramas triangulares.
A arara cora
sua cores dependuradas
no arco-íris do olho.
A abacate azul
é um horizonte puro.
O coelho verde
remoendo seus bigodes vermelhos.
A fátua chama do foto fátuo
perseguindo branca
a fantasmagoria da noite amarela.
É bem verdade que engatinho nos pés
e vós
os homens o que esperamos
para erguer as patas
verdes do sonho
cavalgar as costelas
dos animais pirilampos
com as esporas das estrelas:
Esperais todos
de mim — um só homem —
toda a rica jazida das coisas?
(Ver de novo/ 1978)
Abrindo-me as fechaduras
Flébil ponta
que escorre
no rock de imaginários ritmos
seus sons:
será você que me lerá
no cristal opaco
do destino cigano da sorte
Mais pó que granito
grafite sepulto
impregna o suporte
da celulose envolvida
no lenho eucalíptico
e pintura.
Lápis objeto
que fere que firo e mordo
comida
e que se alimenta
enquanto se gasta
numa alcateia de palavras
e furiosos rabiscos
Apis et lúpus
mel e mordida
ferrão e língua:
és o marinheiro que passeia
o arpão
nas ondas do olvido
ou cavaleiro que cavalga
o galope dos campos
És tu que dás forma de estrela
flor — casa — bicho
às expressões da criança
perdida entre o mar
e a Atlântida
Flébil ponta
em que ter contorno
ou tu que me retratas
ao canto das cigarras
abrindo-me as fechaduras
da própria vida
Das raízes/1990)
*
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Página ampliada e republicada em maio de 2022.
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