Estive pensando hoje de manhã
Estive pensando hoje de manhã
que fino trabalho fez o céu?
para amanhecer com cara de romã?
Estive pensando hoje de manhã
onde será que nascem os ventos?
para viverem assim de déu em déu?
que nuvem é como pensamento
sai andando sem poder parar.
Estive pensando hoje de manhã
enganoso pensar que o mar
vive sozinho parado sonhando.
Estive pensando hoje de manhã
que tudo na terra vive amando:
mar, nuvem, vento, idéia, romã.
Os sobreviventes
Quando todos imaginavam a vida sem sentido
chegaram de manhã os sobreviventes,
e levantaram suas moradas, estiveram no rio,
procuravam o rebanho disperso, preparavam
o alimento, cantavam, derramavam
o suor nos campos, faziam fogo à noite
rememoravam o corpo de suas mulheres,
despachavam os barcos, pela manhã.
As chuvas eram sempre bem-vindas,
as chuvas levantavam o pó da terra
e enchiam de confiança a face da vida.
As mulheres viam nascer dentro de si
um novo rebento, os seus ventres cresciam.
Nenhum sinal de confiança quando as mulheres
apareciam de ventre crescido.
Os dias eram os mesmos, a esperança
e a desesperança eram as mesmas.
Irmão
Eu não fiz uma revolução.
Mas me fiz irmão de todas as revoluções.
Eu fiquei irmão de muitas coisas no mundo.
Irmão de uma certa camisa.
Uma certa camisa que era de um gesto de céu
e com certo carinho me vestia, como se me
vestisse de árvore e de nuvens.
Eu fiquei irmão de uma vaca, como se ela
também sonhasse. Fiquei irmão de um vira-lata
com o brio com que ele também me abraçava.
Fiquei irmão de um riacho, que é nome
de rio pequeno, um pequeno que cabe
todo dentro de mim, me falando,
me beijando, me lambendo, me lembrando.
Brincava e me envolvia, certos dias eu
girava em torno do redemoinho do cachorro
e do riacho e da vaca, sem às vezes saber
se estava beijando o riacho, o cachorro
ou a vaca, com um grande céu
me entornando, com um grande céu
com a vaca no lombo e com o cão,
com o riacho rindo de nós todos.
Eu fiquei irmão de livros, de gentes.
Eu fiquei irmão de uma certa montanha.
Irmão de muitos rios.
E fiquei irmão de uma certa idéia,
e tive sorte, não me assassinaram
como a milhares de meus irmãos,
e provei a mim mesmo
a minha fidelidade.
Fiquei irmão de muito cidadão de nome certo.
Fiquei irmão de uma certa bebida,
uma certa bebida que se chama ceva orvalhada.
Um ritual de estima: amigos, futebol, poesia,
minha doce donzela de vestido amarelo
e mais as outras tantas donzelas
de vermelho, grená, cinza, branquelo,
os vestidos mais belos e os mais singelos!
Eu gosto de mim, de meu porte nem sei,
de minha doce e embalante imaginação,
de minha frágil e destemida poesia.
A verdade é que, um grito na minha boca
é igual a um grito na boca da noite?
O que é uma palavra descansada?
Haverá sempre no mundo as palavras
descansadas ou haverá ainda outras,
as que não se cansam nunca, as mortas?
As palavras morrem ou são esquecidas?
As palavras que estão no dicionário, elas
estão recuperadas, estão salvas ou apenas
prisioneiras; quem será que tem interesse
na prisão das palavras? As palavras simples
navegarão num mundo complicado com a verve
de sempre ou perderão a compostura?
Haverá, no meio delas, as tontas, as virgens,
as palavras desavergonhadas, as vesgas?
Que pode acontecer com as palavras ocas,
as que estiveram num desastre ou que vivem
nos becos ou nos lupanares imundos, ou as
que esqueceram suas razões, como se bêbadas
e depois da noite sufocante tornaram-se ocas?
Haverá mesmo palavra que tenha em si a fuga
dos sentidos? Haverá, entre elas, uma apenas
que resguardando-se do tédio, pôde ministrar
no silêncio sua dor e sua mentira, para sorrir
na hora H, quando todos estiverem apagados?
As palavras estão no mundo representando
o seu papel, elas estão acovardadas ou não?
Qual é a palavra mais sensata para quando
houver o desastre de avião e tudo ficar em segredo
por falta da caixa preta? Em verdade, existe, sim,
a sensatez das palavras; (vejam, a palavra infinito!.
Que tola!) como se pode agir quando aparecer
na cena um homem sensato, se não temos ordem
de aplicar a palavra exata? Pêsames,mesmo
a palavra exata? Que palavra mais fina devo dizer
ao morto antes dele morrer? que palavra mais crua
devo dizer ao vivo antes dele me mandar à Merda?
Um trem-de-ferro chegou, amigo, na estação Soledade.
Que foi que trazia nos seus vagões, o trem de Soledade?
Trazia nos seus vagões os sonetos da “Geração de 1889”
Ninguém pra receber na estação noturna de Soledade!
As palavras ficaram bem arrumadas, na boquinha, na boquinha!
As palavras arrumadas em nosso Dom Casmurro soneto!
Os vagões estavam resplandecentes! Os vagões de Pêsames!
As palavras vagas nos vagões virgens nos manequins vesgos!
Tudo é belo
Tudo é belo
Mulher e por exemplo uma água quando a gente bebe
ou uma água que a gente joga na cara
e fica deixando a frieza vir penetrando na pele;
a água que escorre da bica e cai no monjolo e o monjolo toca;
a água de um poço na mata.
A água quando a gente bebe é por exemplo como um beijo.
Mulher e por exemplo café, ou estrada quando o trem-de-ferro
atravessa um rio;
um rio que banha terras verdes, longe.
Tudo é belo.
Árvore de cedro e por exemplo um homem que está
preso injustamente, um homem que tem esperança
e que é mais forte que os risos e sevícias,
quando tentam matar nele a esperança…
Tudo é belo.
A cabeça fatigada de um homem.
As pernas solitárias. As mãos solidárias.
O peito largo como um tronco de árvore secular.
Tudo é belo.
Mulher e por exemplo, as canções.
O caminho do nascimento à morte de um homem.
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O velho estava feliz por ter que
andar naquela estrada; ele sabia
que era feliz e essa noção exata
de ser feliz trazia-lhe intranqüilidade
como que os esteios do corpo podiam não
ser bem firmes e a noção advinda da bondade
do mundo lhe trazia insegurança,
mas sabia por experiência vivida que o
fraco anda ao lado do forte e ele estava
seguro da fortaleza de eu coração.
Tudo aquilo que estava acontecendo na
Estrada — e na estrada aparentemente não
estava acontecendo nada — o velho tinha
presente na imaginação e na sua mais notória
e superficial visão, pois o que sonhava era
viver feliz numa estrada e sonhava o verde
e sonhava o menino.
No passado, os negros construíram casas
e muros de pedra em torno das cidades;
os negros plantavam, colhiam e edificavam
engenhos e plantações de cana; no passado,
em vários lugares e numa extensão fabulosa
da terra brasileira os negros furavam
a terra, bateavam outro de lavras,
para os brancos, construíram edificações,
igrejas, colégios, servidões seculares
que resistem ao tempo e são hoje tombadas
pela cultura universal.
Por que razões que nas ruas das grandes
e médias cidades do país os meninos e
meninas negras estão pedindo um trocado
pedindo uma sobra de comida?
Há no rio um
certo ar de indiferença
ao passar do menino. Deixava livre
o medo, o terror, o assombro no largo
espraiado e bravio ou no vertiginoso
cachoar flamejante dos estreitos.
O menino queria dissimular-se
como segurando num ponto de apoio,
não bem olhava a correnteza, já o velho,
muito moroso, se deixava ficar atrás,
amigo do rio.
Ainda longe, o menino caminhava cansado
e com o rio em si, sentindo-o qual
uma lenda que não sairia de sua mente,
no passar da vida e no passar
dos rios do mundo.
O Flautista e o Mundo Sol Verde Vermelho (1994)
De
José Godoy Garcia
ARAGUAIA MANSIDÃO
Poemas
Goiânia: Oriente, 1972
95 p.
SER O CORPO DE UMA NUVEM
1.
Ser o corpo de uma nuvem
é o mesmo que mulher andar na tarde
é estrada estar para ser usada
é mulher como uma vaca vista pelo
grande touro vingador
— nuvem imóvel andando semovente
na crista do azul da tarde.
2.
Uma nuvem é a aparente indiferença
das coisas do mundo pela sua dor
e quando ela passa nem a mãe e nem
o negro
a viram — andavam em si mesmos levando
andavam com suas vidas levando
a dor e as alegrias;
a moça que olhava a estrada tinha ferido o seu ventre
fazia quatro noites;
o velho Miquéias
costurou sua língua para não falar o que sabia
diante dos abutres que o ouviam.
3.
Uma nuvem é o comodismo dos animais.
Ê a pedra que aparentemente não clama nem ajuda.
É a montanha que presa à sua solidão
nada vê do homem,
é cheia de solidariedade,
mudamente.
Uma nuvem é a solidão de cada um;
um trecho da infância de cada um.
GARCIA, José Godoy. Poesia: 50 anos de poesia. Brasília: Thesaurus, 1999. 399 p. 15x22 cm. ISBN 85-7062169-7 Capa: Elder Rocha Lima Apresentação: Salomão Sousa.Col. Bibl. Antonio Miranda
O ELEFANTE SONHAVA
Quando o elefante saía à procura do circo, José ia atrás.
José caminhava muito quando o elefante sonhava com o rio.
A coisa mais engraçada da madrugada
era quando o elefante sonhava! O rio corria na sua mágoa,
e ficava um rio do tamanho de um horizonte
e o elefante caminhava por cima
e o horizonte levava o brutamontes até o fim:
aquele fim do mundo, aquele fim da madrugada,
aquele fim da graça divina
com os meninos do elefante dando grandes
cambalhotas no picadeiro do circo.
Quando era manhã no mundo
o elefante ia procurar a montanha. José ia.
O rio era grande de verdade.
Ficavam olhando a montanha, até que a manhã
passasse. O rio ficava longe.
Mas quando a noite vinha, ah, quando a noite
vinha ficavam imaginando o circo,
ficavam imaginando o rio
e ficavam imaginando a montanha,
e sonhavam.
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GARCIA, José Godoy. Os Dinossauros dos sete mares. Poesia. Brasília, DF: Thesaurus, 1988. 99 p. 10,5x21 cm. “ José Godoy Garcia “ Ex. bibl. Antonio Miranda
a vaca
O gado é a soma e a síntese
de nossa dor de cotovelo do mundo;
é a soma e a síntese de nossa congestionada
contramão humana; é a nossa enganosa
serenidade amante. Há, no gado, toda a nossa
antidiluviana vidinha; toda a nossa enganosa
sorte de fartura, toda a nossa saga
de uma dignidade venal e torpe. Toda a saga
de nossa infeliz e trágica presença
na vida campestre. Há redemoinho de caminhos
grotescos, injustos, ingloriosos; este gado
é um irmão assassinado; nossa irmã infeliz;
nossa irmã que tentou por três vezes o
suicídio; nossa irmã cheque sem fundo,
notícia no jornal, traficante,
cúmplice de quadrilha e sábia do crime
perfeito. O gado é o cafajestismo
do fazendeiro escondido no autêntico,
o cinismo e o grotesco do fazendeiro
que medra na Pátria, ruína da Pátria,
e se diz vítima, vítima da Pátria.
O gado, o campo sem compromisso com
o homem, sem compromisso com Cristo,
sem energia e moral. O gado é a nossa ternura
massacrada pelo imediato, a morte, a
vida simples na palha do dia
escondendo a infalibilidade, a deslealdade,
a usura, o cafajestismo que brilha
no filé mignon à Parmegianni.
O gado é a vaca.
A vaca é a mãe mais mãe das criaturas; é
a mais escrachada mãe sentimental
e ridícula; é a nossa mãe de chapéu
de palha e de brinco, é a nossa mãe
que se prostitui contra o cerne
de sua essência, é a mãe que bebeu
um tonel de mel de sentimentos
carinhosos e se deixa enganar
pelo açougueiro clandestino
que é um sócio de cotiliquê.
A vaca é o mundo enganado no velório
de um casamento ao estilo barroco.
A vaca é um Divã de Toulouse, é
um girassol de Van Gogh
A vaca é o Papa com grinalda e véu.
as dores cessaram
Com notícias das ameaças
correndo das chapadas,
com soldados chegando e cabras,
ela se viu perturbada,
as dores do parto cessaram,
diante dos praças chegando.
Maria das Mercês,
Maria gloriosa das Mercês,
maria daquelas águas e maria
daquela seca, maria daquele
tempo e maria daquele medo,
Maria das Mercês ficou paralisada
não pôde dar à luz à segunda
criança naquele momento. A que nasceu
era firme no seu pranto. A que nasceu
era firme no seu porte de beleza
que nem viam. No dia seguinte
voltaram as dores e a segunda
criança nasceu morta e Maria
das Mercês de Deus também morreu.
Foi em Terra Nova.
Araguatins, Goiás.
Retrato do poeta por Sirón Franco
GARCIA, José Godoy. Os Morcegos. Brasília, DF: Thesaurus Editora, 1986. 96 p. 10,5x21 cm Capa e ilustrações: Naura Timm. Apresentaçãopor Oswaldino Marques. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vasconcelos.
OS MORCEGOS, A AURORA
O dia estava prestes a amanhecer.
Os animais se punham alertas ao nascer da manhã.
Em todo o rumor da vida para se aquietar
diante do cansaço da noite, os morcegos
vinham, estavam vorazes diante do fragor da luz
que se ia formando nas serras e horizontes.
As água, até então sonâmbulas, ora dormindo,
ora negras na hora de alarde de seus prantos,
se aprontavam para viver a plenitude,
purificadas na tragédia da noite, vinham
buscar o sol, macho indormido e corajoso.
Assim, diante da invencibilidade da aurora,
os morcegos, no relâmpago de suas fúrias,
enraiveciam-se, procurando desalentar a vida
e derrotar a luz, vorazes, vorazes, vorazes.
OS MORCEGOS E A ROSA VERMELHA
Os morcegos e a rosa vermelha
ao nascer da manhã!
Eh, meus camaradas! Cuidem
que adoce aurora está
nascendo!
uma cadeia de montanhas já
é vista.
a linha do horizonte
é uma madre, uma irmã,
lá nos abraçando!
lá nas fímbrias da aurora.
Vai nascer um novo dia!
Os morcegos vêm! tontos, lésbicos!
Os morcegos atacam ao nascer da aurora.
Eh, meus camaradas, vai nascer!
Vai nascer a aurora!
Cai o orvalho na rosa vermelha!
Quando o sol estiver no horizonte
puro como um leopardo,
a rosa vermelha estará aqui
às mãos dos homens!
GARCIA, José Godoy. Entre hinos e bandeiras. Brasília, DF: Thesaurus Editora, 1985. 53 p. 10,5x21 cm 10,5x21 cm. Capa, óleo do autor. . Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vasconcelos.
ENTRE HINOS E BANDEIRAS
Para Antônio Barbosa
Minha liberdade nuca a vivi.
Pisei meu solo com miserável boca.
Abracei meu irmão que estava morto.
Fingi minha alegria na festa alheia.
Vi meus irmãos algemados de fome.
Meu país escudado por generais tolos.
Nossa história envolvida em cínica fala.
Nossa escola rotineira de um verde tédio.
Nossa política repetida mil vezes em trama.
É este um país de uma perdulária mentira solta.
As grandes propriedade são cemitérios de nojo.
Os nossos generais de 4 estrelas e os coronéis bradam.
Bradam, entre hinos e bandeiras, nosso hino de miséria.
TEXTOS EN ESPAÑOL
Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. e trad. de Xosé Lois García
Santiago de Compostela: Laiovento, 2001.
ISBN 84-8487-001-4
El anciano estaba feliz por tener que
andar por aquella carretera; él sabía
que era feliz y esa noción exacta
de ser feliz le traía intranquilidad,
como si los soportes del cuerpo pudieran no
estar bien firmes y la noción llegada de la voluntad
del mundo le traía inseguridad,
pero sabía por experiência vivida que el
débil camina al lado del fuerte y el estaba
seguro de la fortaleza de su corazón.
Todo o que estaba pasando en la
carretera — y en la carretera aparentemente no
estaba pasando nada — el anciano lo tênia
presente en la imaginación y em su más notoria
y superficial visión, pues lo que soñaba era
vivir feliz em una carreera y soñaba lo verde
y soñaba el niño.
En el pasado, los negros construyeron ciudades
y muros de piedra en torno a las ciudades;
los negros plantaban, recolectaban y edificaban
ingenios y plantaciones de caña; en el pasado,
en vários lugares y en uma extensión fabulosa
de tierra brasileña los negros horadaban
la tierra, extraían oro,
para los blancos, construyendo edifícios,
iglesias, colégiys, servidumbres seculares
que resisten al tiempo y son preservados
por la cultura universal.
¿Por qué razón en las calles de las grandes
y medianas ciudades del país los niños y
niñas negros están pidiendo calderilla
pidiendo sobras de comida?
Hay en el río un
cierto aire de indiferencia
cuando pasa el niño. Liberaba
el miedo, el terror, el asombro en la
explayada y bravia en el vertiginoso
y flamante borbotear de los estrechos.
El niño intentaba disimular
como aguantándose en un punto de apoyo,
no bien divisaba la corriente, el anciano,
muy vagaroso se deja quear atrás,
amigo del río.
Aun lejos, el niño camina cansado
y con el río dentro de si, sintiéndolo cual
una leyenda que no saldría de su mente,
con el paso de la vida y con el paso
de los ríos del mundo.
O Flautista e o Mundo Sol Verde Vermelho (1994)
A POESIA GOIANA NO SÉCULO XX (Antologia) – Organização, introdução e notas de Assis Brasil. Rio de Janeiro: FBN / Imago / IMC, Fundação Biblioteca Nacional, 1998. 324 p. (Coleção Poesia brasileira) ISBN 85-312-0627- 3 Ex. bibl. Antonio Miranda
Zé Garcia Arco-Íris
Eu sou uma nuvem.
Se eu sou — a nuvem se chama José Garcia.
Se eu sou — José Garcia anda vagando o céu pela tarde.
José Garcia vagando o céu pela tarde indiferente à sorte do mundo,
como se independente do mundo e da vida do homem.
José Garcia surgindo no amanhecer de um novo dia
enfeitado de cores vermelhas e amarelas.
José Garcia como um porco. José Garcia como um caminhão
carregado.
José Garcia como um elefante. José Garcia como uma vaca
amojando.
2.
Se eu sou uma nuvem, então
eu chovo, eu chovo sobre a terra, como um Gulliver no país dos
anões
soltando perdigotos,
eu chovo na cabeça dos homens e das mulheres,
eu sou Zé Garcia chuva, Zé Garcia
beleza de mundo chovendo, Zé Garcia
caindo na cabeça das mulheres
e molhando os cabelos e os ombros e molhando o rosto e os seios,
beleza de pedra e humildade de animal onde Zé Garcia
demora dias e noites,
Zé Garcia destruindo pontes e canaviais,
Zé Garcia bancando Portinari
como o sol no lombo, Zé Garcia Arco-Íris.
3.
Se eu sou uma chuva, então
eu sou a água dos rios,
e se sou as águas eu sou o rio mesmo,
sou Zé Garcia rio, Zé Garcia
saudando o povo que vive às suas bordas,
Zé Garcia como um murmúrio e como um aconchego
quando à noite ou de madrugada
leva o embornal cheio de peixes.
Zé Garcia enrodilhado de auroras e peixes e estrelas.
Zé Garcia seixos rolado.
Zé Garcia remorsos de mortos afogados.
Zé Garcia saúde da terra.
(Araguaia mansidão/ 1972)
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VEJA e LEIA outros poetas de GOIÁS em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/goias/goias.html
Página ampliada e republicada em maio de 2022.
Página produzida por Salomão Sousa em 2007; ampliada e republicada em janeiro de 2008; ampliada e republicada em setembro de 2014.
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