POESIA GOIANA
Foto por William Junio de Andrade
Blog do poeta: http://jamessonbuarque.blogspot.com/
JAMESSON BUARQUE
Nasceu em Recife e radicou-se em Goiás. É docente-pesquisador da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, da área de Teoria da Literatura, Teoria do Poema e Ensino de Literatura. É autor do livro Novíssimo testamento (CEGRAF/UFG, 2004), de outra troia (artepaubrasil, 2010) e Pluviário perpétuo (PUC/GO, 2011), todos de poesia. Comumente, aposta no poema longo e no poema-livro como base de sua poética, preocupado com as relações simultâneas dos intermeios históricos e geográficos do conhecimento e da vida social e da condição humana em solidão.
Veja também: MARTIM CERERÊ - A POLIFONIA E FIGURAÇÃO DE UM ÉPICO DA MODERNIDADE E DA BRASILIDADE – por Jamesson Buarque - ENSAIOS
O dicionário aberto
Na mesma página
Pela mesma palavra
Dia após dia
Como um fóssil
A sílaba dental e aberta
Cantada longa
Pelo mesmo poeta
Verso após verso
Como um fóssil
A Lua centrada
Na mesma fotografia
Pelos mesmos olhos
Lâmpada após lâmpada
Como um fóssil
Nada disso é lembrança
É artesanato
Um sortilégio de memória
Ou monumento
Jamais o passado
Não tire férias
Provoque um feriado prolongado
Dentro das férias Um intervalo
Isto de hiato ou halo
Não conviva entre os conhecidos
Nem conviva entre quem novidade
Passe pelos estranhos tão estranho quanto
Um fantasma de carne e osso
Leve as madrugadas na cama
Fabricando sonhos em contos
Para repousar o senso
Abandone-se do caminho quatro vezes errado
Retorne para sua residência
Entre as páginas de outros hábitos
Não escreva aquela carta nem ouça
Canções daquele mesmo álbum
Aguarde em emulsão de álcool
Despeje ácido no que for desnecessário
E somente faça planos
Para antes do passado mais imediato
Ou ouse qualquer coisa de saltar
De abismo abaixo armando as asas
Mas somente consigo e quem lhe aprecie de fato
Para além de mais adiante
Depois descanse
CANÇÃO DE MALLARMÉ
História
A história sempre acaba em livro
Tudo sempre acaba em livro, Mallarmé:
Papiro palimpsesto casca de árvore
Lugar de talhar palavras
Gralhas e metáforas espalhadas pelo papel —
A história tem a idade de escrever
História
Em mais nada senão mais páginas
Aurora
De dedos rosados é uma palavra
Um cego a estribilhou na ponta da língua
Lésbia é outra palavra
Mil vezes e mais tantas vezes beijada
Catulo a cunhou no côncavo da boca
Fremindo a úvula em latim antes de Virgílio
Dido é outra palavra
E fundou um mundo —
Cartago morreu depois mas ficou em livro
Tudo sempre acaba em livro, Mallarmé:
Beatriz sabe disso
Seu nome é próprio para luz
Uma palavra acima do nono céu e clara
E claro:
Não posso pronunciar palavra a palavra
Cada palavra que me ocorre nos lábios
Mas posso um pouco mais
Posso Isabel e posso Leiria —
A invenção do mundo caravela em minha fala
Lusíada
Uma palavra ou menina
Parideira de mais palavras ou meninas no colo da língua —
Língua tem colo:
Fones brotando de óvulos
Uma fertilidade da história
A glória disso é parir mais e feminina desde o sono:
Paraguaçu deitada no desenho do lago —
“Jararaca vai te morder”
“Vai não” — diz um livro
Tudo sempre acaba em livro, Mallarmé:
Diotima Marília e Lívia
Pastoras de palavras e amor
São palavras
E somente como palavras se bastam
Os bastiões dos dias
Pela criação do verbo: sarça e carne
Ou a invenção da poesia —
Cristabel largada no vazio da floresta
A tantos passos do castelo de seu pai
E de pernas abertas
Cada metade de um livro para um lado
Ou dois prados ou dois bagos:
Bandas de laranja plantando semântica
Marabá
De olhos verdes e cabelo dourado
Uma palavra em formato de pomo:
Anajá —
Uiara que sereia meus passos
Até Cecília e seu silabário mágico
Mais palavras havia
E Dora e Hilda
E Anna cravada no coração de Rannar
De um lado a outro lado
A história sempre acaba em livro
Tudo sempre acaba em livro, Mallarmé:
Casca de árvore talhada à faca
O poema é sempre feminino —
Uma manifestação das Horas e das Graças
Madalena sorrindo no sorriso de Helena
De Jerusalém a Ílion ao resto do mundo
Palavra sempre tem formato de mulher
Por isso Deusa: minha vida mais cara
Por isso sempre palavra dá em mais palavras
Gestação e geração:
Terra livroteca casa ilha cidade —
Signos de Safo solfejando sílabas
Ou um golpe de fada suando em cima de um sapo,
Segundo um livro
Segundo um livro onde houver gente
Para cada macho há pelo menos sete mulheres
Todas aptas ao combate:
Uma combate com os lábios
Outra com a saia e outra com as sandálias
Outra com as pernas e outra com os braços
Uma combate com a cabeleira
E outra com rosas —
Sobretudo todas combatem com palavras
Por isso Deus é feminino:
Pairava sobre as águas fez a luz e se vestiu de sarça
Como antes de rijos
Demiurgos mártires santos meninos heróis e poetas
São sempre suaves —
Segundo Guevara: outro livro
Tudo sempre acaba em livro, Mallarmé:
Estão escritos na história
Péricles Felipe Alexandre e Augusto
Embora seu formato de palavra
Regravam a vida a sua vontade
Como os demais generais a gerarem:
Consentiam apenas seu nome —
O mínimo da pirâmide sempre esmagou a base:
Está escrito
Suserano vassalo colono
E clérigos no meio
Fazendo ponte para cobrar pedágio
De cima abaixo
O mais raso somente recebe necessidade
Um dia Joana, e Joana era inconsútil,
Se despiu da cabeleira de Circe
E se banhou com os porcos para ombrear varões —
Conta um livro que sua bainha era impenetrável
Sua espada nunca amolecia
E não usava escudo
Li que antes de mudar o mundo o desordenou
E morreu —
Ainda vejo em Chiquinha Arendt Lou Salomé e Aninha, a Coralina,
Seu feitio de sandálias agraçando a história
Num formato de cântico
E todo cântico tem formato de livro
Tudo sempre acaba em livro, Mallarmé:
Quando chega a idade e as dores nos ossos
Com o primeiro derrame do lado esquerdo
A história desenha um mito —
Entre os fósseis e a cadeira de balanço
A dentadura mergulha precipício abaixo
Para fecundar uma nova queda
E queda tem signo de história:
Dormem nessa hora os filhos em seu casulo ou cegueira
Mas ainda agüenta o tranco
A velha Hannan Arendt
E domina o silêncio
Mansa
Mais mansa do que criança
De sono solto
No último século vestia saias
Somente
Assinava nome de macho
Se trocou num par de calças
E escala até edifícios
Quando quer faz filhos
E ainda vive estupros latejando bigorna martelo e estribo
Ou tapa na cara ou signo da mal-falada
Segundo o prontuário de delegacias e cartórios:
Um corpo de livro
Tudo sempre acaba em livro, Mallarmé:
Era uma vez uma lua que se chamava Jaci
Se esqueceu do Sol
E foi se banhar nua nas ruas
Veio a polícia e lhe enquadrou num código —
Tudo, Jaci, acaba em livro
Inclusive são livros a jaula e o absurdo
Outra se chamava Aninha, a Coralina,
E também era uma vez
Conheceu o grito o silêncio a indiferença e o barulho
Ainda lhe restam as sandálias
O quintal com cheiro de mato de avó
E disputa com rio e igrejas roteiro turístico
Quando chega a idade e as dores nos ossos
Com o primeiro derrame do lado esquerdo
A história desenha um mito —
Vai haver atestado de óbito:
Daqui para lá para um filho
De lá para cá para o outro
E um registro em folha de livro:
Pedrinhas brotando em canteiros de terra
A hora certa da cadeira na rua
O cochilo na hora do filme
E o badalo do sino na igreja mais antiga
Lembrando que a vida pulsa em formato de sílaba
Tudo sempre acaba em livro, Mallarmé:
Não faz de conta que a história existe
Quando a idade chega
Até os pássaros sentem dor no cântico dos bicos
E os dicionários crescem nessa hora
Seu tamanho de livro na história
Ou arquipélago de palavras
Que pela semântica das bandas da laranja é a mesma coisa
Então se expira a lâmpada de um verbete
Ou se um verbete se fossiliza
Uma palavra inventa de usá-lo sem vestido
Como rapariga moça puta são ao contrário a mesma coisa:
Desígnio de livro
A história nasce galopando sobre chamas
Estende suas veias ilha ao mundo todo
Pela vagina sopra e espalha antigo fogo
Do mesmo fogo originário das palavras
O fogo queima, e disse Edmar: recusa corpo
Este axioma é quase exato e porque canta
Ala ardentias de fonemas trota e rubra
A vida e morte que rubrica todo um povo
Todos sabemos que a história não se apaga
Pétalas caem para fazer crescerem árvores
A mais e aléias a mais também até onde a carne
É cada golpe de uma fada sobre um sapo —
Longo fagote que estruge até o mais fundo
Do fim do mundo nas entranhas das idades
Conclamando o rosto dos homens em seus olhos
Toda palavra desenrola a cabeleira
Como a sereia que ao cantar domina o mundo
Tudo sempre acaba em livro, Mallarmé:
Depois de um soneto e um estrambote
A poesia cabe em tudo:
É filha das palavras e feminina
Como Dona Jaideth ou mainha
Ensinando-me ciranda e roda —
A dança é sempre fêmea e cabe em livro
Como a saia rodada de Deusa
Dançando em passo ou galope de sílabas
Para a beira do mar ou qualquer lugar
Transformando insânia em fome
O que era insânia arde em palavras
Agora e sempre no cerne ou vulva das ilhas
Ilha é livro: uma palavra
Falena feita de mulher forjando a terra
Eva Pandora Lilith Safo e mais beldades
Bem como Cléa e sua fome de fiéis
Por isso a história não desiste:
Mainha nos ouvindo disquinhos
Amarelo e azul e vermelho e verde
Histórias de fantasmas e mais folclore
E contos da saga dos Buarque —
Vovó Hilda escondida num lago
O cajado de ordem de Mãe Fana
E o sorriso de Ismênia num álbum:
Outro livro
Tudo sempre acaba em livro, Mallarmé:
A história de uma pessoa é a história do planeta
Inteiro e arde
Nasci do batuque de tambores e da transmissão
Digitalizada de dados —
Mulher em homem fazendo páginas:
Dona Isabel fez uma igreja e roseiras
Dom Dinis, as caravelas
Igreja roseira e caravela são mulheres
Inclusive é mulher a guerra
E a paz vem sempre no feminino
Em língua de elfo de libélula ou em português moderno —
O Cristo sabia disso
Por isso desposou Madalena para beata
Num madeiro
E crucificado
Segundo a Bíblia, este organismo feminino:
Outro livro
BUARQUE, Jamesson. Meditações. Goiânia, GO: Martelo, 2015. 136 p. (Coleção Cabeça de poeta, 01; série contemporânea). 14X22 cm. ISBN 978-85-68693-04-9 Projeto gráfico e capa: Lucas Mariano. Ilustração : Patrícia Ferreira. Capa e sobrecapa espacial com textos de poemas no reverso. Tiragem: 700 exs numerados. “ Jamesson Buarque “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
“Este consegue o refinamento de uma poesia filosófica (diga-se igualmente meditativa) à vera filosofia experimentada por aqueles que se entregam efetivamente à existência do ser humano — a meditação própria da paixão e da matéria. A consciência exacerbada do humano empurra nosso corpo num abismo de constante revelações, dialogadas com o prosaico, claro, mas revelações pungente sobre esse ser e estar num mundo tão volátil, tão constante.” MIGUEL JUBÉ
“O mergulho existencial, leitmotiv da presente coleção de poemas, revela-se com brilho no poema “Autorretrato”, onde lemos estas linhas: “Existe um toco, torso / Transpõe pra o mesmo lugar, vago / É óbvio e irritante, tosco / Seus olhos sorriem mortos, opacos / em castanho seco e pesados”, com jogos de assonância, aliteração e paranomásias que unem confissão e poeticidade num único tecido estético.” CLÁUDIO DANIEL
DE ARREPENDER-SE
Quem não se arrepende, dorme na inércia
resta em formato de rochedo ao mar
às ondas que o laceram lentamente
hora após hora enquanto passa o tempo
vive na certeza, esta paralisia
e não compreende por que passarelam passos
Somente de arrepender-se jamais se vive
vive-se de tentar de novo e novamente
de acertar depois de haver errado
de trocar os pratos sujos por nuvens
de descascar da pele o quê enferruja os ossos
e para tanto é preciso arriscar-se debaixo do sol
Quando for tarde, a vela terá murchado
desde a chama, na imobilidade da cera
sem jamais mover passo ao possível abismo
ou à possível estrada de paisagem a horizonte
como um livro que nunca será lido
e esta fome de voltar atrás quando já não é possível
DA PERDIÇÃO
Não há mais tempo de convocar os mortos, morreram
Não há mais tempo de aguardar resposta, faz silêncio
Depois do adeus, sabemos, aposentam-se os lenços
Não há por que esperar a próxima hora, Inês já é morta
Não há por que esperar aquele corpo, a derrota venceu
Depois do adeus, a expectativa habita depois da porta
AUTORRETRATO
Existe um toco, torso
Transpõe-se para o mesmo lugar, vago
E óbvio e irritante, tosco
Seus olhos sorriem mortos, opacos
em. castanho seco e pesados
Dorme em intervalos e cavalga-se. Sim, de Peixes em Touro,
é um cavalo
Ainda não teve a filha, resta-lhe os livros
Não é ingénuo nem cínico, é irónico, quiçá obtuso, abismado
Sobrevive a insuficiências aos cortes, jamais parco
A cabeça é de ouriço com espinhos amputados, um pedregulho
Não fabrica distâncias, mas as provoca pelos ossos
quando não, emprega os lábios
ou furo na parede visto pelo outro lado
Parece jovem e passado, velho e desmedido
E sinistro de perna e braço, um ovo ao avesso
e quando sai, não passa do próprio quarto
como se avistasse adiante apenas um palmo
Sofre de preguiça, mas não para, e quando para, inverte o corpo
Evidente livro fácil, não se importa nem via pouco
Teima como se jogasse truco o tempo todo
embora desconheça este e outros jogos
Lê em posição de mocho, como um rinoceronte ladeando um tronco
Anda para aqui e para lá, de ida e volta, entre espasmos
jamais surtado nem doido, como quem pensa, embora micróbio
De resto, espera que o próximo ano dê certo
prepara-se para incessante inverno
e tardes de mais perdas entre os dedos
Ancora-se na desistência e move um encouraçado a sopro
Sobretudo, da medula e das veias até os pelos, incluindo os cílios
acredita no povo, toda gente que resiste de novo
Não sabe se tem arestas, mas se tem, não acumula pó nem
outros restos
Acredita no amor, e para encontrá-lo
inventa lamentos debaixo do assoalho
Cúmplice das paredes, lembra-se dela pelo cheiro
dela, a que singrou no vento depois do último beijo
Talvez seja um copo, onde uma maré sobe e desce entre nervos
e, mais tarde, enquanto houver um ano que seja o próximo
garantirá despir-se de seus óculos quebrados e sem conserto
em formato de palimpsesto dele mesmo
Um rio dragado, um disco furado
existe um toco, torso
BUARQUE, Jamesson. Novíssimo testamento. Goiânia, G0: Editora UFG, 2004. 101 p. 13,5x19,5 cm. Projeto gráfico e capa: Sonia Kalil Guamarães, zxgx ISBN 85-7274-245-X Ex. bibl. Antonio Miranda
“Em Novíssimo Testamento, Jamesson Buarque elabora sua tapeçaria de vozes, mitos e recriações. Ousada, sua tragicidade dialoga com a tradição e a contemporaneida, compondo um texto sobre o ser humano e o fazer poético.” MICHELINY VERUNSCHK
5. Aparição da poesia
5.1
Este poema não é lírico
Nem o será
Porque eu não é seu que falo
Como é da lira
Sua spectativa de canto.
Eu quero merecer do Lácio
A última flor
Verso a verso com minha idade
De segurar fuzil
Porque é principalmente bélico
Este poema
De cantar minha palavra de poesia.
Escrevo o poema com palavras
Apenas e uma a uma
Quem lhe atualizar sentimento e/ou ideia
Conforme o apreço
Deixarei às palavras essa leitura e a sua
A minha, outra
Comunicar diferente novela
Que se dê epopeia.
Minha palavra se assina assim
E não peço fortuna
À crítica que me valha o bom gosto
De comportar riscos
Ou enfrentar peculiaridades de estilo
Para meu absurdo
Que de absurdidade faço-parte.
5.2
Ouço a palavra onde há um deus dormindo
Ai lira que me inflama
Ai mimos já esquecidos,
É a palavra que há como um sortilégio
E o deus não desperta
E eu sou agonia.
Agora basta uma árvore cada folha
Pedras colmadas de imaginação
O desespero de um sacerdote acordado,
Basta um ritmo para meu canto.
Ouço e não há de ver o que é ouvir
Ai palavra de ritmia,
Musa de minha confiança
Que o deus quer um credo para acordar.
Não havendo esterilidade
Ou bastando haver apenas
Haverá estro e sexo,
Alguma criação haverá de poesia
Pela palavra: o verbo.
5.3
A última palavra que eu quero:
Um caminho onde dormem minutos
Outro lugar imaginação
Como vales brotando num sonho
De perceber semblantes em branco e preto.
Chegando lá quero mergulhar num lago
Onde o sexo aparece à última palavra
Para manter aceso meus olhos
Porque nunca precisam me iludir.
Se houver uma floresta sorrindo para mim,
Eu tenho minha casa,
Preciso logo não dar ouvidos
Para me manter sorrindo e seguir sonhando
Onde o caminho já guarda épocas
Como as canções nascem.
Depois estou sozinho
Mas ascese me preenche o peito
E eu fico ideal para as cores dos espectros
Agora rainbow onde há os vales
A última palavra crispa e maquina
A mim um santo apenas acordado.
O que pretendo não me aparece ainda
Mas sei que reside a meu lado
Como anjos absolutos
Sempre de égide armada e assexuados
Ou veiculando setas intencionais.
Cheguei: o lago é o sexo.
Enxergo o que é meu credo novamente
Enraizado em passeios públicos
Porque há em meus olhos verdade.
***
BUARQUE, Jamesson. Cântico dos Cânticos. Notas introdutórias e tradução de Jamesson Buarque. Goiânia: Ateliê Tipográfico Cegraf/UFG, 2015. 46 p. 15x19 cm. Capa: Janaynne Carvalho do Amaral. Ex. bibl. Antonio Miranda.
“o Cântico dos Cânticos apresenta e louva a relação amorosa entre uma mulher e um homem em ambientação pastoril segundo um envolvimentos embriagado em torno do amor, bem como um sonho, um tanto de perda, quando de desejo e de alcance”. “A leitura, de imediato — pela tradução adotada, que se apoia em marcar actantes (esposa e esposo) e um coro (mulheres de Israel, decerto do harém de Salomão) —, identifica uma forma dialogada que o moldo mais recorrente de ler é associativo ao dramático.” JAMESSON BUARQUE
(Uma seleção:)
1
Esposa
2 Beija-me com os beijos
de tua boca;
porque melhor é o teu amor
do que o vinho.
3 Suave é o aroma
dos teus unguentos,
como unguento derramado
é o teu nome;
por isso, as donzelas te amam.
4 Leva-me após ti, apressemo-nos.
O rei me introduziu
nas suas recamaras.
Coro
Em ti nos regozijaremos
e nos alegraremos;
do teu amor nos lembraremos,
mais do que do vinho;
não é sem razão que te amam.
Esposa
5 Eu estou morena e formosa,
ó filhas de Jerusalém,
como as tendas de Quedar,
como as cortinas de Salomão.
6 Não olheis para o eu estar morena,
porque o sol me queimou.
Os filhos de minha mãe
se indignaram contra mim
e me puseram por guarda
de vinhas;
a vinha, porém, que me pertence,
não a guardei.
7 Dize-me, ó amado de minha alma:
onde apascentas o teu rebanho,
onde o fazes repousar
pelo meio-dia,
para que não ande eu vagando
junto ao rebanho
dos teus companheiros?
Esposo
8 Se tu não o sabes, ó mais formosa
entre as mulheres,
sai-te pelas pisadas dos rebanhos
e apascenta os teus cabritos
junto às tendas dos pastores.
9 Às éguas dos carros de Faraó
te comparo, ó querida minha.
10 Formosas são as tuas faces
entre os teus enfeites,
o teu pescoço, com os colares.
11 Enfeites de ouro te faremos,
com incrustações de prata.
Esposa
12 Enquanto o rei está assentado
à sua mesa, o meu nardo exala o seu perfume.
13 O meu amado é para mim
um saquitel de mirra,
posto entre os meus seios.
14 Como um racimo de flores de hena
nas vinhas de En-Gedi,
é para mim o meu amado.
Esposo
15 Eis que és formosa,
ó querida minha,
eis que és formosa;
os teus olhos são
como os das pombas.
Esposa
16 Como és formoso, amado meu,
como és amável!
O nosso leito é de viçosas folhas,
17 as traves da nossa casa
são de cedro,
e os seus caibros, de cipreste.
Obs. O texto completo são 8 Cantos.
BUARQUE, Jamesson. Observações. Goiânia, GO: Editora da Imprensa Universitária, 2017. 54 p. Prefácio: Tarsila Couto de Brito.Arte final, tipografia e capa: José Vanderley e Paulo César e Silva. ISBN 978-85-93380-17-4. Ex. bibl. Antonio Miranda]
MUNDO À VISTA
Não poderia restar nesta hora
apenas desespero e esta falta de dedos
o temor da falta de respiração
já na próxima hora, ou no mais tardar
amanhã cedo, e isso se não ocorrer
de súbito, num derrame durante o sono
Não poderia restar logo agora
quando o horizonte parece tão concreto
o naufrágio dos sonhos não num mar
num vácuo, onde não há agua nem ilha
onde há música, poemas e dedos de prosa
apenas em fagulhas de ruído branco
Não poderia restar esta falta de mão
a segurar com alguma segurança
o bom senso de ouvir estrelas
a chave de levar a todas as saídas
o alvoroço de passaradas nas praças
o tocar num serrote uma sonata
DA LONJURA
Há algo que irrita na distância
a paisagem da proximidade
e na proximidade o ponto de fuga
a conduzir à esperança
esta sombra de paisagem
BREVE OBSERVAÇÃO
SOBRE POR QUE SE ESCREVE
Sob um ataque cardíaco, se a vida ainda insiste
se faz diagnóstico; do contrário, atestado de óbito
***
ANTONIO MIRANDA lendo um poema “ Da distância” JAMESSON BUARQUE no Youtube gravado por Salomão Sousa:
https://www.facebook.com/salomao.sousa/posts/
10206530250254950?comment_id=10206530745987343
Imagem extraída da exposição "VARAL POESIA GOIANA 1917-2016" exposta durante do I COLÓQUIO DO POESIA GOIANA, na Universidade Federal de Goiás, de 13-14 de junho de 2017.
Página publicada em julho de 2011; página ampliada e republicada em junho de 2015. Ampliada em fevereiro de 2017; ampliada em junho de 2017; AMPLIADA em junho 2018.
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