POESIA GOIANA
EDMAR GUIMARÃES
Nasceu em Goiânia, em 7 de setembro de 1968. Formado em Letras Neolatinas pela Universidade Católica de Goiás. Detentor de vários prêmios de poesia. Em artigo publicado no Diário da Manhã, José Godoy Garcia reconhece que “Edmar Guimarães é um anjo tutelar. Ele nasceu feito, é uma precisão formal poética...”
Autor dos livros Palmas dos pulsos, edição arte & xeros, pela Divagar e Sempre; Plumas e porradas, 1995, com os poetas Ivair Lima e Adaglion Aires de Andrade. Depois de Caderno (Goiânia, ed. do Autor, 2000), e Desenhos de sol (Goiânia, Instituto Goiano do Livro, 2002), que foi Prêmio Bolsa de Publicações Cora Coralina.
“O que chama a atenção, na obra de Edmar Guimarães, é o espírito de síntese, conjugado ao alargado poder de sugestões imagéticas. O modo refinado com que produz o seu texto poético indica, nele, um lirismo visceral. Leitor agudo, remete a autores e mitos da alta literatura. E traz nova dicção à poesia contemporânea brasileira.” Fábio Lucas
“Acima de tudo, os poemas de Edmar Guimarães chamam a atenção pela vontade do rigor, que atinge seu cume nas abstrações por assim dizer geométricas, como se pode verificar no poema Jardim Fechado: “Pétalas/ as raízes do perfume.// Palhas, / as pétalas / do perfume”. Este estilo marcado pela clareza textual e pela precisão faz com que Edmar possa se abrigar na casa dos poetas da concisão e da objetividade lírica: Ungaretti, Montale, Jorge Guillén e, em língua portuguesa, Eugenio de Andrade.” Antonio Manoel dos Santos Silva
UM INSTANTE DO MUNDO
Asas amarelas...
as borboletas nos ramos...
as folhas soltando...
TEMA ANTIGO
Padecer é já norma.
O fruto. O muro. O humano,
coisa que inda morna
vê uma pá descer cinzas.
O piso da chama é pó.
Nem fogo ao jugo do tempo
resta. O ser de pé o
resiste, sobre ele o azul da brisa.
Triste resistir — as múmias.
Nas estátuas, a coisa que dura
mais que a dor que a inspira,
mas em ser eterna há térmitas.
Ó cor da coisa que termina!
Fumaças são gazes de algum fruto?
EXPECTAR
É tarde para a euforia da forma.
O coração, sol de músculos
a entornar crepúsculos
nos dias de dentro.
E quando se vai lendo
frios ventos nos olhos,
aprendendo a caligrafia
dos ocasos,
do cheiro mumificado do mundo,
de aves suadas
nas escarpas
escuras
do ar
há desespero
nuvens rasas nos olhos.
Aves são de carne, mas têm
asas.
O CASARÃO
O casarão era mofo de lembranças.
O casarão era avô, avó e distância.
O casarão viu o tempo crescer no pátio.
O casarão estava acessível como a morte.
O vento escarnecia na carne envelhecida
Do casarão. Assoviava na sua vida.
Os muros do casarão eram feridas infeccionadas.
O casarão estava em adiantado caso
de composição.
IMOTIVO
Sem motivo algum para o poema.
O dia sobre o chão como folha esmagada.
O jornal atirado por cima do muro.
Monturos de palavras, ossos dos dias
num museu de momentos constantes.
A noite passou chorando
pelo silêncio da sala.
Há lágrimas no canto da janela
de luz ligeira.
E as pupilas iluminadas com que se vê
A chuva pingando, da noite de ontem,
Que é cegueira extrema.
E ainda
... nenhum motivo para o poema.
TELA DE PASSAGEM
Um veio, um olho,
entre moitas e muitas
pedras o Rio Vermelho
injeta suas artérias,
lustra fitas de clorofila
do mato esmaecido
e cresce, amontoado,
cochichando. O rio
velho nos casarios
nem descabelava pedras.
Nos vasilhames
de velharias e eras,
às famílias fantasmas,
em paredes-mesas postas,
servia licores de líquenes.
Um dia choveu na noite
quebradiça, secular.
O grande porte do espaço
se partiu. O ar acidentado
dos morros, as dobradiças
de pedra... nenhum obstáculo:
represas irregulares
em disparada – reses de lama –
invadiram a cidade.
Paredes como ramas
tombaram. Muros artríticos
com juntas de rocha
ruíram. A eles trouxas
de sombras, seixos
rio sem eixo rolaram.
Partidos, vasos de rosas
e poças. Jarros jorraram
pétalas de barro
pelos bueiros. A hemorragia
de ruídos do rio
trincou o piso das ruas.
Agora quintais paralisados.
A cidade pende de um lado,
do outro, tombada.
Restou uma gota de lama
no rosto de bronze
da estátua revelada.
GUIMARÃES, Edmar. Caderno. Poesia. 2ª. Edição. Goiânia, GO: Editora Kelps, 2005. 98 p. 15x21,5 cm. Capa: Adriana Almeida. Prefácio por Wania de Sousa Majadas. ISBN 85-86110-88-4 Ex. bibl. Antonio Miranda
À DERIVA
O coração é casa de ninguém. Tapera de artérias.
Vibram
ventos vermelhos nas folhas de fibra.
Ora erra
o ritmo... Outra
nota...
Murros na matéria.
Coração, ilusão, vida,
paupérrimas rimas.
SINOPSE BRASILEIRA
Do lixo
O seio do abdómen do bagulho
amamenta mesas
magras.
Dólar
Há as que lançam
ventres pela janela.
Embrulham fetos
em flanelas do abandono.
Do tempo
Gatas agasalham miados
miúdos.
Na noite inerme, o ventre.
No telhado enluarada,
o mundo.
Do pomar
Vi vegetais amorosos.
Manadas de bananeiras
aos ventos
da tarde.
Imagem extraída da exposição "VARAL POESIA GOIANA 1917-2016" exposta durante do I COLÓQUIO DO POESIA GOIANA, na Universidade Federal de Goiás, de 13-14 de junho de 2017.
Página publicada em fevereiro de 2008; ampliada em junho de 2017 |