Fonte: www.canavieirasacac.hpg.com.br
JORGE MEDAUAR
(Uruçuca, 15 de abril de 1918 — São Paulo, 3 de junho de 2003) foi um poeta e contista brasileiro. Jorge Emílio Medauar, nasceu em Água Preta do Mocambo, sede do então distrito de Ilhéus, hoje cidade e município de Uruçuca. Descende de pais sírio-libaneses. É da chamada “Geração de 45”.
Em 1959 foi galardoado com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro na categoria "Contos/crônicas/novelas", mesmo ano que Jorge Amado ganho na categoria romance.
Foi diretor geral da sucursal paulista de "O Globo" e, no Rio, secretário da revista Literatura. Era membro da Academia de Letras de Ilhéus e da Academia de Letras do Brasil, com sede em Brasília. Prêmio Jabuti em 1959. Fonte: wikipedia
Veja também o ensaio: POETA JORGE MEDAUAR – por Pacifico Ribeiro –análise do poema MEU NETO - ENSAIOS
Canto da minha terra
Todos cantam sua terra,
também vou cantar a minha.
Minha terra tem coqueiros,
coco mole, babaçu,
piaçaba, carnaúba,
macaxeira, jerimum.
Minha terra tem talentos,
Castro Alves, Rui Barbosa,
meu xará, um romancista,
Jesus Cristo que é de lá.
Todos cantam sua terra.
Minha terra tem Bonfim,
cangerê, urucubaca,
Iemanjá, Oxolufã,
Pai-de-santo, candomblé.
Minha terra tem saveiros,
procissão e romaria,
pescador e jangadeiro,
lua cheia sobre o mar.
Minha terra tem jagunços,
tem tocaias e caxixes,
tem São Jorge cavaleiro,
e outros santos de valor.
Minha terra tem dendê,
mugunzá e caruru,
tapioca, acarajé,
mingau de puba e beiju.
Todos cantam sua terra,
também eu cantei a minha.
Autobiografia
Meu nome todo é Jorge Emílio Medauar
Filho de imigrantes árabes
Tenho ficha na polícia cidadão indesejável elemento
[agitador
E amo gatos bichinhos miúdos sem importância
Nunca matei passarinho (uma vez fui, a mão tremeu)
Amo amizades construídas em bar esquina cabaré
O rio da minha terra
O mar onde pulo em mergulhos
Onde vejo barcos gaivotas penso em piratas
[heróis da infância
Penso em viagens conhecer tudo quanto é
[canto do mundo
Amo até porque compreendo os que me magoam
Quando nasci em Água Preta meu pai como
[qualquer pai
Se alegrou deu dinheiro aos pobres
Farinha e carne seca aos cegos de feira
Minha mãe fez promessa prometeu meu nome a
[São Jorge meu protetor
Também fui batizado crismado como cristão
Cresci aprendi sofri amei
Amei tanto que virei poeta para amar também
Esta coisa que me espreme o coração
Isto que me dá de noite de manhã a qualquer
[momento
Que me põe na mesa me obriga a chorar
A ver letras tremendo em minha frente
Gota de lágrima escorrendo pelo rosto borrando
[a página
Por hoje
- Adeus
Soneto
Sabei, sabei que fiz de antigos cedros
Barcos que a infância pôs à flor das ondas:
Meu pai, que é Medauar, teceu-me as velas
E a filha dos Zaidans, que é minha mãe,
Pôs amoras de mel no tombadilho.
Nesses barcos navego, marinheiro
Fenício do Zodíaco e dos trópicos
Vermelhos de lamentos e canção
Hoje tenho lagunas onde aporto,
Tranquilamente, sob a lua branca,
O coração de Tâmara madura.
Se vos trago damascos e Kakláua
É porque recebi dos velhos árabes
Um lastro de doçura nesses barcos.
MEDAUAR, Jorge. À estrela e aos bichos. Sonetos. Rio de Janeiro: Editôra Civilização Brasileira, Vinheta de E. Di Cavalcanti. 80 p. 14,5x22 cm. Col. A.M.
O GALO
Quando os esporões ferirem
A fímbria do amanhecer
Num anúncio em sangue e canto
Um novo dia há-de ser.
O necessário existir
Atrás do canto se esconde
E outra vez os esporões
Farão sangrar uma crista
Uma espora na alvorada
Para o gosto desse sangue
Grosso e coalhado na rinha.
Murcha a vitória diurna
Encolhida sob a tarde
De silêncio e sangue roxo.
O LEÃO
Esse leão sobre a relva
Molhada de chuva antiga
Mastiga os últimos nacos
Da espera do caçador.
Rumina ao sol que aparece
— Cristal de espelho partido
Agora o sono percorre
Seu corpo, e para na juba.
Sem fúria, o manso dormir
Permite tocar-lhe o dorso
(Desejo ardente de infância).
Tocado agora, o rugir
Desperta o pavor à morte
Contido um dia num circo.
O GATO
Mais que acesa, a vigilância
Dos olhos se abre na noite.
Há sofrer de um medo errático
Nesse andar pelos telhados.
Contra quem, punhal gritado,
Fere o silêncio noturno ?
Vejo-te todo eriçado
Em frente aos dentes de um cão.
Agora a manhã dealba
Por sobre roxas vigílias
Sangrando o pardo de claro.
Reina paz no amanhecer.
Vede-o, negro, em muro branco,
Levando a noite no pelo.
===============================================================
JORGE MEDAUAR, POETA
por Jorge Emilio Medauar Jr.
Para quem está fazendo contato pela primeira vez com parte de sua obra e de sua história, posso dizer que meu pai entrou na literatura pela porta da poesia, com o livro "Morada da Paz", que expressava toda a sua revolta pela truculência militar e política, os tanques, a guerra e anseios de liberdade. Era 1945. Foi denominado, depois, por José Lins do Rego de o "poeta da fúria heróica". Senão vejamos:
Eu faço versos como quem luta
De armas em punho, de armas nas mãos.
Forma ao meu lado, pois na labuta
Os companheiros são como irmãos.
Meu verso é aço. Fornalha ardente
Peito ou bigorna, braço ou trator.
Corre entre o povo, salgado e quente.
Cai gota a gota, por que é suor.
E nestes versos de luta ousada
Deixo a esperança que sempre tive
Nas tintas rubras da madrugada.
— Eu faço versos como quem vive.
Meu pai usou sua poesia como bandeira também para espalhar seus sonhos, seja como cidadão informado com as injustiças sociais, seja como homem apaixonado pelas estrelas, pelos bichos, pelas plantas, por sua terra e sua origem árabe, pelo mar, pela família e fantasias de amor.
Sabei, que fiz de antigos cedros
Barcos que a infância pôs à flor das ondas:
Meu pai, que é Medauar, teceu-me as velas
E a filha dos Zaidans, que é minha mãe,
Pôs amoras de mel no tombadilho.
Nesses barcos navego, marinheiro
Fenício do Zodíaco e dos trópicos
Vermelhos de lamentos e canção.
Hoje tenho lagunas onde aporto,
Tranquilamente, sob a lua branca,
O coração de Tâmara madura.
Se vos trago damascos e Kakláua
É porque recebi dos velhos árabes
Um lastro de doçura nesses barcos.
Extraído de:
MEDAUAR, Jorge. Jorge Medauar Centenário – Doze Contos Selecionados. Ilustrações de Vivaldo Lima. Brasília, DF: Confraria dos Bibliófilos do Brasil, 2018. 100 p. ilus. 23 x 28 cm. (Coleção “Edições da Confraria”). Ex. bibl. Antonio Miranda. Exemplar no. 480.
R B – REVISTA DA LITERATURA BRASILEIRA. No. 35 Direção : Aloisio Mendonça Sampaio. São Paulo/SP : 2004.
Ex. bibl. Antonio Miranda
MEU NETO
Ergo-te agora em meus cansados braços,
que tanto labutaram nessa vida.
E sinto que me aflora aos olhos baços
a gota de uma lágrima furtiva.
Bem sei que por misteriosos laços
minha vida na tua está contida.
E quando me descubro nos teus traços
quero que tudo em mim renasça e viva.
Mas sei que vou partir, quando amanheces.
É fatal que se cumpra a lei da vida.
Enquanto digo adeus, vives e cresces.
Assim, pouco me importa esta partida,
se em meu lugar tu ficas, permaneces
para que em teu sorriso eu sobreviva.
*
Página publicada em janeiro de 2023
Página publicada em abril de 2010; ampliada e republicada em setembro de 2013. Ampliada e republicada em fevereiro de 2019.
|