O POETA JORGE MEDAUAR
Pacífico Ribeiro
Chegou-me às mãos, há pouco tempo, uma carta do poeta Jorge Medauar, com a sua gentil apreciação literária a respeito do meu livro
Sonetos Remanescentes, publicado em 1991, e junto, cópia de seu soneto “Meu Neto”, o qual transcrevo, abaixo, e, em sequência, teço sucintos comentários sobre o referido soneto e o seu autor.
MEU NETO
Jorge Medauar
Ergo-te agora em meus cansados braços,
que tanto labutaram nesta vida.
E sinto que me aflora aos olhos baços
a gota de uma lágrima furtiva.
Bem sei que por misteriosos laços
minha vida na tua está contida.
E quando me descubro nos teus traços,
quero que tudo em mim renasça e viva.
Mas sei que vou partir, quando amanheces.
É fatal que se cumpra a lei da vida.
Enquanto digo adeus, vives e cresces.
Assim, pouco me importa esta partida,
se em meu lugar tu ficas, permaneces
para que em teu sorriso eu sobreviva.
O soneto em apreço é, sem dúvida, um precioso modelo da arte poética, no gênero. De sua arquitetura harmônica sobressaem a cadência dos límpidos e inspirados versos decassílabos e a sonoridade de suas rimas graves, algumas semitoantes, embora postas, ali, espontaneamente e com propriedade. Não obstante obedecer aos cânones parnasianos, há, todavia (a título de inovação do poeta), uma rima diferente contida nas palavras “furtiva” (4º.verso do segundo quarteto) e “sobreviva” (no final, último verso do segundo terceto), com a tônica na mesma vogal “i”, sem caracterizar, a meu ver, uma homofonia e de rima, tampouco, destoando de sua harmonia, predominando, em suas belas e expressivas imagens, a ternura do mais puro lirismo. Lirismo sem piegas.
Do primeiro ao último verso tudo se ajusta, perfeitamente, à estrutura do soneto, com as suas imagens e conceitos, por vezes, configurados em sugestivas antíteses que se realçam e se encadeiam nos dois tercetos, sublimando-se na “chave de ouro”, que é a síntese de emoções!
No soneto observa-se, sobretudo, a elevação do pensamento do artista, transbordante de profundo sentimento humano a cristalizar-se no acendrado amo do avô-poeta ao seu pequenino neto, vendo neste, despretensiosamente, a renovação de seu ciclo de vida. Ninguém pode negar-lhe a grandeza desse transporte espiritual, — a tônica de sua criação poética.
Jorge Medauar com o seu soneto “Meu Neto” (apenas uma mostra de seu estro e fulgurante talento) demonstra possuir todos os predicados de um poeta maior, podendo, assim, figurar entre os melhores poetas contemporâneos do país.
Salvador, março de 1992
Texto extraído de
LB 35 revista da literatura brasileira. São Paulo: 2004. p. 9-10. Direção: Aluysio Mendonça Sampaio.
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