INTRODUÇÃO AO HAICAI
por
NELSON SAVIOLI
Muita gente já escreveu sobre o haicai no Brasil, alguns tentando estabelecer regras para a “versificação” em Português. Desenvolvo, há vários anos, uma página sobre o Haicai em nosso Portal de Poesia Ibero-americana onde já atingimos 64 poetas brasileiros que exercem esta modalidade de poesia entre nós. Alguns mais adequadamente do que outros, alguns reinventando, outros transgredindo, mas sempre com muita criatividade e emoção. Quem escreveu um verdadeiro tratado sobre o assunto foi Nelson Savioli. Nada menos que 82 notas explicativas sobre o tema. Imperdível. Não podemos reproduzir todas por causa das limitações de nossa Lei do Direito Autoral. Quem quiser aprofundar-se no tema deve ir ao livro... existem muitos exemplares à venda em sebos na internet. Vale a pena, além de lerem os excelentes haicais de sua autoria. Publicamos aqui, ao menos mas valioso, o prefácio do livro.
SAVIOLI, Nelson. Burajiru. Haicais. Ilustrações Dinho Fonseca. Rio de Janeiro: Qualiltymark, 2007. 139 p. 12x18 cm. ISBN 978-85-7303-705-0 “ Nelson Savioli “ Ex. bibl. Antonio Miranda “
INTRODUÇÃO
É possível para um brasileiro, que não descende de japoneses, Escrever haicais minimamente aceitáveis nos moldes da tradição dos mestres dos séculos XVII e XVIII?
A dúvida tem raízes antigas. Essa expressão poética teve duas portas de entrada no país, uma aberta pela linhagem familiar, a outra pela naturalização.
Pela primeira porta, o haicai apareceu no Brasil (Burajiru em romaji, o alfabeto latino-nipônico) no dia em que o navio Kasato Maru aqui aportou com os primeiros imigrantes do Japão. É que o supervisor da viagem, Shuhei Uetsuka, era um exímio haijin e fez um haicai ainda no porto de Santos, relacionando a visão de uma cascata seca (possivelmente na Serra do Mar) com a chegada a uma terra desconhecida.
Nas décadas seguintes, os imigrantes e seus descendentes, primeiro nas lavouras, depois nas áreas urbanas, praticaram o haicai no idioma original e, gradativamente, em português.
Em associações culturais, grêmios de haicais, nos jornais da colônia e, mais recentemente, na Internet, os praticantes tornaram-se milhares. Um exemplo é o jornal paulista Nippo-Brasil, que publica quinzenalmente cerca de vinte haicais, escolhidos entre centenas que são enviados de todo o país, com sobrenomes japoneses já sendo suplantados pelos não-japoneses.
A outra porta de entrada, a da naturalização, no início do século XX, abriu-se com o interesse de brasileiros pela novidade do haicai que vinha por intermédio de autores franceses' e norte-americanos apaixonados pelo orientalismo.
Depois, nossos poetas e prosadores escreveram formas variadas de haicai, mais ou menos seguindo a tradição dos mestres nipônicos, alguns formatando-o em poesia parnasiana, e outros, ainda, compondo-o de maneira mais livre.
O que é haicai de raiz, fundado nos mestres da Era Edo (1615-1868), em que a família Tokugawa governou o país, isolando-o quase que totalmente do resto do mundo?
Não basta o haicai ter dezessete sílabas (sons em japonês), ser ligado à natureza, justapor o permanente e o efêmero, estar no tempo presente, ignorar metáforas ou adjetivos e não conter título ou rimas. É preciso também ter kigo (termo que identifica a estação do ano), sabi (sentimento de solidão, tranquilidade), wabi (beleza das coisas simples) e karumi (leveza).
Sobretudo, em sua essência, o haicai deve ser principalmente um momento de insight conectado com a natureza.
Com a ausência de herança cultural familiar e de um quadro de referências da vida no Arquipélago, o aprendiz estrangeiro precisa conhecer a história e a cultura nipônicas e ler exaustiva e apaixonadamente sobre haicai, além de praticá-lo muito. Ainda assim, será minimamente suficiente?
Como a ignorância é atrevida, compartilho a seguir haicais meus com o leitor.
Nelson Savíoli
Rio de Janeiro, fevereiro de 2007
Ler alguns poemas em: HAIKAIS DE NELSON SAVIOLI
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