Baiano de Jequié, Wally esteve ligado aos Tropicalistas Caetano Velloso, Torquato Neto, Gilberto Gil, Gal Costa mas não se considerava do grupo.
O primeiro livro de poemas, Me segura que eu vou dar um troço, foi lançado em 1971. Os poemas presentes no livro de estréia foram escritos durante a temporada na prisão. Outros livros do autor: Gigolô de Bibelôs, Surrupiador de Souvenirs, Algaravias, Lábia e Tarifa de Embarque, e a coletânea O Mel do Melhor.
Além de poeta, Waly Salomão também era letrista e produtor cultural. Muito irreverente, declamava poemas em programa da TVE e participava de filmes. Como letrista, colaborou com muitos artistas, como Caetano Veloso (Talismã), Lulu Santos (Assaltaram a Gramática, sucesso com os Paralamas do Sucesso), Adriana Calcanhotto (Pista de Dança), entre outros.
Era muito divertido e sagaz. Estive com ele pouco antes de sua morte, quando ocupava um cargo de direção no Ministério da Cultura do Ministro Gilberto Gil e discutíamos projetos de divulgação do livro e da leitura. Na oportunidade escreveu uma dedicatória num de seus livros em que me chamava de “caótico neoconcreto”... A partir daí assumi a minha oximoridade... Antonio Miranda
"The guiding word interfaces is also a homage to a unique creative writer and prematurely departed cultural agitator, Waly Salomão (1943-2003), who bridged the counterculture of the early i970s and the artistically polymorphous initial years of the new millennium. In one of the poems of his last (posthumous) book, entitled "Interfaces," he links our classical heritage to the age of hypertext and Web portals, alliteratively designating himself as "o demiurgo / o domador / o designer / o diagramador" (Pescados vivos, 27) [the demiurge / tamer-trainer / designer / layout artist]. The concluding three-item flourish of the book in which Salomão´s short lyric appears represents the hemispheric spirit underlying the present criticai study. On facing pages (74-75) the Brazilian poet reproduces a marked-up paragraph from Ralph Waldo Emerson´s essay "The Poet" and the most celebrated universal linguistic truth at the center of that piece: "Language is fossil poetry." The second item is a translation from the Spanish of a celestial-toned text by Chilean avant-garde poet Vicente Huidobro, which ends in "silence." The third item, on the final page (79) of Salomão´s last book, is a translation of Walt Whitman´s "Once I Passed through a Populous City," which celebrates togetherness, memory, and wordless farewell. Emotion, engagement, and multilingual geography remain as an open message in a lyrical design left by an ecumenical artist who at the time of his death was working for the pop-star minister of culture, Afro-Brazilian singer-songwriter and community activist Gilberto Gil, in the capacity of national secretary of books and reading."
From: PERRONE, Charles A. Brazil, Lyric, and the Americas. Gainesville, Fl.: University Press of Florida, 2010. 250 p ISBN 978-0-813903421-8
Assi me tem repartido extremos, que não entendo...
(Sá de Miranda)
I-
SAUDADE é uma palavra
Da língua portuguesa
A cujo enxurro
Sou sempre avesso
SAUDADE é uma palavra
A ser banida
Do uso corrente
Da expressão coloquial
Da assembléia constituinte
Do dicionário
Da onomástica
Do epistolário
Da inscrição tumular
Da carta geográfica
Da canção popular
Da fantasmática do corpo
Do mapa da afeição
Da praia do poema
Pra não depositar
Aluvião
Aqui nesta ribeira.
II-
Súbito
Sub-reptícia sucurijuba
A reprimida resplandece
Se meta-formoseia
Se mata
O q parecia pau de braúna
Quiçá pedra de breu
Quiçá pedra de breu
CINTILA
Re-nova cobra rompe o ovo
Da casca velha
SIBILA
III-
SAUDADE é uma palavra
O sol da idade e o sal das lágrima
(da Revista Imã)
O CÓLERA E A FEBRE (PASTICHE PÁLIDO E MAL CESURADO DE CESARIO VERDE)
UM BODE IMUNDO IRROMPE
(ÍGNEA FLECHA? DARDO EM FOGO? BÓLIDE NO LUSCO-FUSCO?)
EM MÓRBIDA TROPELIA EM DESABRIDA CORRERIA
E PERANTE MINHA PESSOA A FERA
ESTACA
JÁ DENTRO DE MIM SE ESMERA
NUM ENRODILHADO TORCIDO E IGNOTO JOGO MALABAR.
PRAIA FÉERIE COOPER JOGGING CORPO AO SOL TORSO AO MAR;
MINHA PORÇÃO NA PARTILHA:
LYCOPODIUM TÉDIO PORRE TOSSE TORPOR
HOMEOPÁTICO E PLUVIOSO HORROR.
Nas nossas ruas,
ao anoitecer.
(De Armarinho de miudezas)
EXTERIOR
Por que a poesia tem que se confinar
às paredes de dentro da vulva do poema?
Por que proibir à poesia
estourar os limites do grelo
da greta
da gruta
e se espraiar em pleno grude
além da grade
do sol nascido quadrado?
Por que a poesia tem que se sustentar
de pé, cartesiana milícia enfileirada,
obediente filha da pauta?
Por que a poesia não pode ficar de quatro
e se agachar e se esgueirar
para gozar
-CARPE DIEM!-
fora da zona da página?
Por que a poesia de rabo preso
sem poder se operar
e, operada,
polimórfica e perversa,
não poder travestir-se
com os clitóris e os balangandãs da lira?
(Líbia)
AMANTE DA ALGAZARRA
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto.
É ela!!
Todo mundo sabe, sou um lisa flor de pessoa,
Sem espinho de roseira nem áspera lixa de folha de figueira.
Esta amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro.
Vixe!!
Enquanto caminha a pé, pedestre – peregrino atônito até a morte.
Sem motivo nenhum de pranto ou angústia rouca ou desalento:
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto
E se apossou do estojo de minha figura e dela expeliu o estofo.
Quem corre desabrida
Sem ceder a concha do ouvido
A ninguém que dela discorde
É esta
Selvagem sombra acavalada que faz versos como quem morde.
(De Tarifa de Embarque)
ARENGA DA AGONIA
para Duncan Lindsay
você não possui casa alguma de onde sair,
você não pode voltar para casa nenhuma,
o prólogo acabou e a mácula timbra a imagística:
o beco sem saída não constitui mais
mera figura de retórica.
você é o beco sem saída completo:
corpóreo,
encorpado, e, incorporado.
você não acha mais bainha onde encaixar sua faca.
acabou-se o que era doce, o confete foi-se,
está findo o efeito placebo.
queimado o filme e desmoronada a encosta
e esgotada a pilha da prosopopéia.
eia, pois, advogada nossa,
quando esse atrapalho doloroso vai passar?
no dia da eterna noite escura de são nunca.
(Extraído de LÁBIA, 1998
LIVRO DE CONTOS
(ALMA LÍRICA PAQUIDÉRMICA)
Alma emputecida
Sombra esquisita
Se esquiva
Entre
Laços de Família
De Gigolô de bibelôs (1983)
SALA SUNYATA
Ó, tabula rasa. Nada vezes nada, noves fora nada.
Sol nulo dos dias vãos. Lua nula das noites vãs.
Eis que atingi o ponto Nadir. Se todas as coisas nos reduzem a ZERO é daí do
ZERO
que temos que partir.
De Lábia (1998)
SALOMÃO, Waly.Pescados vivos. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2004. 79 p. 16x23 cm. ilus. ISBN 85-325-1652-1 Capa: foto com Waly em Arwad, Síria. “ Waly Salomão “ Ex. bibl. Antonio Miranda
SAQUES
Ainda há focos de incêndio no pavilhão
E a laje ameaça desabar.
Um cruzado mané-ninguém surta em majestade
Rompe o encouraçado cordão de isolamento
Escala a pilha de escombros
Alça os braços aos sete céus e clama:
—Assim me falou o Rei Invisível:
"Sois a alma do universo".
Convoca falanges, coortes de legionários desembestados,
Uma gentinha que aplica lances e golpes e vive de expedientes,
Famílias famélicas
E sua prole prolífica
Gatinham no garimpo do galpão em chamas.
O homem do riquixá garante seu espólio:
Comidas, freezers, aparelhos de ar condicionado,
Blusões e ténis enfarruscados.
Dois homens colocam outro freezer numa carroça
E saem em disparada no foco da fotografia.
Três mulheres de Tatuapé carregam sabonetes sem marcas,
Mesas e cadeiras de ferro.
Um Raimundo empurra um carrinho de pedreiro lotado de britas,
Pedaços de concreto, sacos de arroz, de feijão
"Nunca comi esse tal de atum, agora vou experimentar"—
Testemunha a desempregada de nascença Josete Joselice, 56,
Mostrando para a câmara da TV uma latinha chamuscada.
Lá nas alturas do monte,
Uma moça banguela ergue no pódio seu troféu de pacotes de
mozarelas.
Como os valentes, finca teu estandarte
No meio do deserto.
SALOMÃO, Waly.Poesia Total. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. 549 p. 13,5x21 cm. ISBN 978-85-359-2400-8 Capa e projeto gráfico: Elisa von Randow. Foto da capa: Marcia Ramalho. Antologia com toda a obra poética do autor, em ordem cronológica. Inclui também uma fortuna crítica ao final. Col. Bibl. Antonio Miranda
“Faminto e sedento, Waly busca abolir fronteiras e confrontar-se com os limites — entre o eu e o outro, entre a prosa e a lírica, entre a arte e a vida.” (Texto na orelha do livro).
B.O.
BOLETIM DE OCORRÊNCIA
para Fernando Loszto
Corpo do motoboy retirado sem vida do Canal do Leblon.
Indivíduo jovem de coloração branco-duvidosa.
No seu capacete estava escrito assim:
100 JUÍZO NEM 1.
Et cetera, et cetera, et cetera.
Em éter e cápsula radioativa dissolve-se a poesia.
As existências da terra são cinzas de mortas estrelas.
Ouro, urânio, hélio, carbono, oxigénio.
A poesia é um meteoro.
A poesia é uma chuva de meteoros.
E uma estrela
— alta, fria, brilhante, viva ou morta —
É mais simples
Menos complexa do que qualquer inseto
Logo mais fácil de entender
Do que o modelo aerodinâmico
Do besouro.
( Do livro Pescados Vivos, 2004)
ASSALTARAM A GRAMÁTICA
(Assaltaram a gramática
Assassinaram a lógica
Meteram poesia
na bagunça do dia a dia
Sequestraram a fonética
Violentaram a métrica
Meteram poesia
onde devia e não devia
Lá vem o poeta
com sua coroa de louro,
Agrião, pimentão, boldo
O poeta é a pimenta
do planeta!
(Malagueta!)
Musicada por Lulu Santos em 1984.
(Extraído do livro Mais Algumas Canções)
Lina Bo Bardi
FÁBRICA DO POEMA
In memoria de Donna Lina Bo Bardi
sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo a fiapo.
acordo.
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbado
pelo mingau de almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-se os dedos estarrecidos.
sinédoques, catacreses,
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma
da torre de vigia.
nem a simulação de se afunda no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão-chave é
sob que máscara retornará o recalcado?
(mas eu figuro meu vulto
caminhando até a escrivaninha
e abrindo o caderno de rascunho
onde já se encontra escrito
que a palavra “recalcado” é uma expressão
por demais definia, de sintomatologia cerrada:
assim numa operação de supressão mágica
vou rasurá-la daqui do poema.)
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará? 1994
Musicada e cantada por Adriana Calcanhotto.
TEXTOS EN ESPAÑOL
Tradução de Adolfo Montejo Navas
LIBRO DE CUENTOS
(ALMA LÍRICA PAQUIDÉRMICA)
Alma encabronada
Sombra miserable
Se esquiva
Entre
Lazos de Familia
De Gigolô de bibelôs (1983)
ARS POÉTICA
OPERACIÓN LIMPIEZA
“Así me vienen repartiendo extremos, que no entiendo...»
Sá de Miranda
I - SAUDADE es una palabra
De la lengua portuguesa
A cuya abundancia
Soy siempre adverso
SAUDADE es una palabra
A ser borrada
Del uso corriente
De la expresión coloquial
De la asamblea constituyente
Del diccionario
De la onomástica
Del epistolario
De la inscripción lapidaria
De la carta geográfica
De la canción popular
De la fantasmagoría del cuerpo
Del mapa de la afectación
De la playa del poema
Para no depositar
Aluvión
Aquí
En esta ribera.
II - De repente
Subrepticia cobra sucuri*
La reprimida resplandece
Se metamorfosea
Se mata
Lo que parecía palo de brauna**
Quizá piedra de oscuro
Quizá piedra de oscuro
CENTELLEA
Re-nueva cobra rompe el huevo
De la cascara vieja
SIBILA
III - SAUDADE es una palabra
El sol de la edad y la sal de las lágrimas.
De Armarínho de miudezas (1993)
* Variedad de cobra gigante del Brasil.
** Árbol leguminoso del Brasil.
SALA SUNYATA
Oh, tábula rasa.
Nada veces nada, nueves fueran nada.
Sol nulo de los días vanos. Luna nula de las noches vanas.
He aquí que alcancé el punto Nadir.
Si todas las cosas nos reducen a
CERO
es de ahí del
CERO
que tenemos que partir.
De Lábia (1998)
*De Correspondencia celeste. Nueva poesía brasileña (1960-2000). Introducción, traducción y notas de Adolfo Montejo Navas. Madrid: Árdora Ediciones, 2001 – Obra publicada com o apoio do Ministério da Culta do Brasil.
*Nota: o tradutor Adolfo Montejo Navas é amigo comum nosso com Wagner Barja, e o convidamos a participar da exposição OBRANOME 2 no Museu Nacional de Brasília, durante a I Bienal Internacional de Poesia de Brasília 2009. Montejo Navas prometeu-nos suas traduções ao castelhano e só na Espanha, em viagem, é que conseguimos os originais que estamos divulgando parcialmente no nosso Portal de Poesia Ibeoramericana, com os agradecimentos.
ASSALTARAM A GRAMÁTICA
Jovens e vivazes, provocadores e inovadores... Alice Ruiz... todos jovenzinhos..., Chacal e Chico Alvim, Cristina César, Paulo Leminski, Wally Salomão... e outros mais, num video imperdível, memorável, enviado por Edson Cruz, do Sambaquis, que recebeu do Giuseppe Zani, via Ricardo Aleixo, que... agora passamos adiante. Vejam e repassem....
DESCULPEM... participaram de sua realização. Respondemos afirmativamente quando decidimos republicar e difundi-lo em nosso Portal. Mas logo a produtor tirou do ar e fica aqui, sem possibilidade de acessá-lo, como protesto pela decisão de impedir a sua difusão, contrária à vontade dos protagonistas. Lamentável não permitir o acesso a esta peça importante da história de nossa poesia contemporânea.
Página ampliada e republicada em junho de 2009; ampliada e republicada em fevereiro de 2011; ampliada em agosto e em setembro de 2014.
HÁ VAGAS para texto e traço. No. 2. Brasília: 1983- Revista. Capa: Chico Leite / Félix Valois. Com o apoio do Decanato de Assuntos Comunitários da UnB. Sul América Seguros. EMILIBRA – Empresa Litográfica Brasileira Ltda. Ex. bibl. Antonio Miranda
SALOMÃO, Waly. Gigolô de bibelôs ou surrupiador de souvenirs ou defeito de fábrica. Rio de Janeiro: Editora Brasiliense, 1983. 192 p. 14x21 cm. Foto da capa: Maria Braga. Produção gráfica: José Luiz de Sousa.
Ex. bibl. Antonio Miranda
MOTIVOS REAIS BANAIS
FINJO
finjo
finjo
erro minto
minto mas sei sinto
sinto sou sincero leal natural
talqual antena
duma
fera animal
guardo sempre o traço
jovem nobre bravo
dum farejador amoroso
pra quem o longe é sempre perto
que nunca esquecerei
cordão umbilical que me alucina
delírio de tornar a ser
girino pirilampo
peixe pássaro relâmpago
outra vez na clareira acordar
andarilhar através de todo ar
de toda água que há
num voo mergulho mergulho voo
sem cura sem medo sem culpa
pelo buraquinho de peneira poder passar
quando barravento forte assoprar
no meio dum redimunho irei rodopiar
que nem pipa pião também quer peneirar
sorrio gargalho zombo
conforme um fio
de horizontal rio
que de tombo em tombo
se ergue até oceano
vertical
mar
ALTO-AUTO-ACALANTO
BERCEUSE CRIOLLE
Llanto
Ui Ui Ui
De noite de motin noite
Faz escuro mas eu.............abro no berreiro
Ai aiiiii ÂE ÂE ÃE ai ai ai mãinha
Me leva pro vão do terreiro
Pindura a saia no galho na galha da cama de tudo q é folha no chão
Fica nuinha em pêlo
(Espelho de dentro da lagoinha)
o sete estrêlo saliente
a gruta abrupta
a aresta da greta
a eletrical falésia
o grelo em pêlo
Hasteamento da bandeira sobre o pico do sétimo céu
A P E X D O Á P I C E
Me embrulho no manto do meu próprio canto
Canto da minha costela de Adão Segundo
AVE EVA AHH VIADÃO
Cá em riba da cama do chão
Lá debaixo do céu do terreiro
Solitude recife estelário
Bussanha-pica-cu-caralho
CELESTE IMPÉRIO sopro sobre o barro
SIDÉRIO
Itapuã on my mind 1983 - RIO
POÉSIE BRÉSILIENNE EN FRANÇAIS
FAX, FAC SIMILE
ça va chauffer, maintenant
ici, dans ce pays
où de distances infinies
comme les espaces interplanétaires
séparent les gens
les uns des autres
les uns et les autres
les portes et les fenêtres
sont fermées
le chateau entier est bouclé
mais ils sont déjà vênus, les casseurs
partout ils sons sortis de leurs trous
tout ou rien, sûrement, tout va bien
cepandant
c´est facile, fax, fac-símile
la vie en rose c´est un micro d´idées reçues
et je suis et tu es et nous sommes tous
un três sympathique ordinateur de sottises
ça va chauffer
ça va chauffer
parce que Sade et Théophile Gautier et Baudelaire et Rimbaud et Lautréamont et Saint Genet comédien et martyr
et Apollinaire et Antonin Artaud
sont morts
mais sûrement Bouvard et Pécuchet,
et Joseph-Arthur de Gobineau
et Pétain et Le Pen
sont encore vivants
ça va chauffer
dans ce pays
ici, là-bas, où? où? partout
bah! Tant pis
Montreux / Tübingen, c. 1993
CORPO ESTRANHO. REVISTA DE CRIAÇÃO 3 . Coordenação editorial Julio Plaza & Régis Bonvicino. São Paulo: Editora Alternativa, janeiro-junho 1982. Ex. bibl. Antonio Miranda
UNS
&
OUTROS
Onde ouro e palmeiral, paisagens, mesas de altos manjares
Onde solares e ilusão, fazendas, castelos, pastagens
Onde braceletes, carrões, piscinas azul-turquesa
Nada melhor de se mirar
Neste rico mundo — para uns.
Onde, para mim, é conjugar contigo o verbo AMAR,
MARTA,
E, os dois, incarnar as pessoas, os tempos e os modos deste verbo.
Em contente união.
Uns
Outros
Tenho dito a mim mesmo repetidas vezes:
"E foi para isso que tu, ó Poeta, ouviste os profetas
Do Oriente e os hinos dos Gregos
E ainda há pouco o roncar dos trovões, para colocares
O Espírito em uso servil e ultrapassares em escárnio
A presença do bom, e negares o simples,
Sem coração e em jogo mercenário
Tangê-lo como animal cativo?"
Tenho dito.
E foi para isso que aprendes de cor e salteado, que decoraste
Que gravaste no coração as baladas de Villon, o Vagabundo
E pregaste nas paredes as canções de amor de Safo?
Tenho dito.
Tenho dito e aqui repito.
Que sou nefelibata nato.
Que antanho me supus uma máscara inscrita:"GIGOLÔ DE BIBELÔS".
Que sempre serei surrupiador de souvenirs.
E é assim, Poeta, que te indefines?
Assim te desenrolas das peçonhas e as malha de lei não podem te
pescar.
Quem és, afinal? A qual espécie de peixe pertences?
Um mero embaralhador de cartas.
Um mero embaralhador de cartas pousadas sobre o veludo da mesa
deste profuso cassino.
ASSIM SE VAI AOS ASTROS
QUEM?
Quem é esse QUEM que dentro de mim fez ninho e é amigo
E é avião fora de rota ou corpo celeste doido essa ave
E me alevanta e seu bico aponta
Para as margens da exuberância?
D
e
s
ç
o
Em que região do mundo aportei?
Por ora aterrissado estou num chão batido
Vagabundeio
E a cana furada da minha flauta neutras palavras serpenteia
Elas se ouriçam imantáveis najas
Ao poder do chama-de-alçapão
Deste meu sopro
Sincopável
Agarrado a esta escada de éteres e guindado por algum Deus
Outrora amanhã agora intento sempre escalar os céus
Tateio quase descambo
Inda não vi nada, meu Deus, inda não vi nada
O que nos longes se vislumbra seta e alvo será meu talhado
desígnio?
Teimo em restar aqui no mirante deserto
Muezim mugindo à-toa
Mas já a luz se mostra demasiada duvidosa
Divulgado fogo-de-santelmo ou talvez vulto de miragem
Aquela língua de chama azulada
Com estrias de jade
Lambendo lastros e mastros dos navios?
Mesmo uma cidade inteira diviso exterior ao terreno plano da vista
Estampado TAO de porcelana chinesa
Oásis que mana oásis à só menção de palavra OÁSIS
E eu subo
Pela teia acima marinhando
Taliqual a aranha
D
e
s
ç
o
Subo
Subo ao som da vontade
Até que a dura tesoura ou a afiada cimitarra corte os fios
Sedas
Dos meus dias
SI ITUR AD ASTRA
DIMENSÃO. Revista Internacional de Poesia. Ano XVIII No. 27. 1998. Editor: Guido Bilharinho. Uberaba, MG: 1998. 192 p.
Ex. biblioteca de Antonio Miranda
CARTA ABERTA A JOHN ASHBERRY
A memória é uma ilha de edição — um qualquer
passante diz, em um estilo nonchalant,
e imediatamente apaga a tecla e também
o sentido do que queria dizer.
Esgotado o eu, resta o espanto do mundo
não ser levado junto de roldão.
Onde e como armazenar a cor de cada instante?
Que traço reter da translúcida aurora?
Incinerar o lenho seco das amizades
esturricadas?
O perfume, acaso, daquela rosa desbotada?
A vida não é uma tela e jamais adquire
o significado estrito
que se deseja imprimir nela.
Tampouco é uma estória em que cada minúcia
encerra uma moral.
Ela é recheada de locais de desova, presuntos,
liquidações, queimas de arquivos,
divisões de capturas,
apagamentos de trechos, sumiços de originais,
grupos de extermínios e fotogramas estourados.
Que importa se as cinzas restam frias
ou se ainda ardem quentes
se não é selecionada uma alguma adequada,
seja grega seja bárbara,
para depositá-las?
Antes que o amanhã desabe aqui,
ainda hoje será esquecido o que traz
a marca d´água d´hoje.
Hienas aguardam na tocaia da moita enquanto
os cães de fila do tempo fazem um arquipélago
de fiapos do terno da memória.
Ilhotas. Imagens em farrapos dos dias findos.
Numerosas crateras ozonais.
Os laços de família tornados lapsos.
Oco e cárie e cava e prótese,
assim o mundo vai parindo o defunto
de sua sinopse.
Sem nenhuma explosão final.
Nulla dies sine linea. Nenhum dia sem um traço.
Um, sem nome e com vontade aguada,
ergue este lema como uma barragem
anti-entropia.
E os dias sucedem-se e é firmada a intenção
de transmudar todo o veneno e ferrugem
em pedaço de paraíso. Ou vice-versa.
Ao prazer do bel-prazer,
como quem aperta um botão de mesa
de uma ilha de edição
e um deus irrompe afinal para resgatar o
humano
fardo.