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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


MOACYR FÉLIX

 

MOACYR FÉLIX
(1926- 2005)


Para Moacyr,  “qualquer poema é político”. Escreveu versos combativos, discursivos, longos, persuasivos. “De que adiantou?”, ele indagava. Muito,  certamente. Moacyr Félix de Oliveira marcou o seu tempo, com a veemência e a clarividência de um poeta comprometido, engajado nas lutas ideológicas e literárias da segunda metade do século passado.

Advogado, fez estudos de filosofia em Paris com os mestres Merleau-Ponty e Bachelard, foi editor de revistas, organizou os célebres volumes da serie Violão de Rua, interrompida pelos militares, foi editor de poesia na editora Civilização Brasileira, etc, etc, etc., no Rio de Janeiro, onde nasceu.  Sua voz chegou até à espaçonave Myr, em órbita terrestre, homenageando Gagarin, o primeiro astronauta, em português, com tradução simultânea em russo...

    Antonio Miranda

Veja também: EN FRANÇAIS

ITALIANO


 


NOTURNO
 


Quero dormir

o sono sem mitos, um sono longo como o da pedra

que não sonha à beira do caminho

 

Quero a forma das chamas congeladas

ou das sombras mudas

em que a Noite morre como um bicho escuro

sob o Olhar dos doidos

Não quero mais as grades

nem a luz sem sangue desta cidade!

 

Quero marijuana, ópio, cocaína

o despertar sem tempo,

mas tão sem tempo como aquela rua que termina num ponto

feito para a minha poesia dançar

vitoriosamente a morte de Deus.

 

1948

 

TRÊS APONTAMENTOS NOTURNOS


I

Eis-me aqui crucificado novamente nesta janela escura

que se dissolve

ao som de uma canção qualquer

entre as mil janelas claras de tantos edifícios.

É noite, eu sempre soube que era noite

mas nunca soube tanto como agora.

 

II

 

Absorto, dentro da noite eu pensava a própria noite.

 

Fiz-me coisa, coisa me fizeram; aceitei-me sem saber

onde encontrar o porquê de mim no vasto maquinário.

 

Perdi-me. Entre sapos e estrelas me perdi

e fui-me escurecendo aos poucos, como um bicho que apodrece.

 

Se levei a vida para o glabro rendez-vous dos metafísicos,

engordurei-a de espasmos sem parentes; e a fiz tão só

como um cacto no deserto em que só os ratos passeiam

ou como esse luar que naufragou no olhar do louco.

 

Absorto, dentro da noite eu pensava a própria noite.

 

III

 

Morres, todas as vezes

em que o mundo é simplificado como a lâmina de uma faca

que não cortou laranja ou boi, mas continuou terrivelmente faca

nas dobras de um casaco ou pensamento.

 

1959

 

 LABOR ARTIS

 

Submersos mundos

 na desolada areia

 

sonham distâncias.

E em gesto verde afloram

ao descampado,

na aventura noturna

e sempre oculta

de violentar a terra.

 

E se quedam atentos

ao redondo silêncio

que envolve a angústia

dos ventos sem morada,

a perquirir estrelas

e horizontes.

 

Enfim, amor e noite

geram o instante;

e a luz breve de um dia

outonece caminhos

na desolada areia

aos homens que acamparam.

 

É a terra intacta?!

(Na sombra virgem,

nas mãos, ou nos celeiros,

com sutis trajes

os frutos apodrecem.)

1951-1953

  

 

DOIS POEMAS DO HOMEM E SUA ESCOLHA

                                                                                  Revenir serai t une chute
écrasante.

                                                                                                  Paul Éluard

 

I

Se em cada porto,longe, o verde alfombra

uma esperança, uma salgada brisa

para os pesados barcos sobre a sombra

toda feita de nadas, imprecisa

(mas devorando o peixe e o ar e o homem),

alastro as rubras aves do incorpóreo

pelo dorso desnudo de uma tarde

(que é esta parte de mim que eu vou queimando)

e insisto em que eles partam, vou deixando-os

acompanhados desta dor acesa

levar o aviso dos meus olhos, mar

e mar afora ... Mas eu fico. E finco

na sombra irreversivelmente minha

a permanência - ciclo e madureza

dos troncos regravados pela chuva,

dos troncos que se cumprem sempre os mesmos,

imóveis, simplesmente se cumprindo

sob um pórtico de nuvens giratórias ...

 

II

Destino. Que é o destino? Que fazer

contra estas sombras íntimas, tão minhas

como o tecido esquivo de mim próprio

preso em meus ossos, latejando um ser

de asas de sal mordendo um chão de ópio?

Ah, destino, oxalá não haja enganos

quando chegar nas pontas dessa teia

de gastos gestos lentos costurados

com o arame triste desses muitos anos!

 

Quando parar, no tempo, esta alma cheia

de escolhas acabadas, rosa quieta

a desmanchar-se em desenhados ventos,

ah, vida, não me vença a noite alerta

atrás do abismo

e que os abismos incendeia:

deixa eu colher no rosto um rosto certo

do tempo irreversível, som de areia

que já foi casa ou ponte, e não deserto ...

 

1959

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De
CANTO PARA AS TRANSFORMAÇÕES DO HOMEM
(1964)

 

- MEU PAI, O QUE É A LIBERDADE?
(fragmento)

A mão limpa, o copo d´água
na mesa qual num altar
aberto ao homem que passa
como vento verde do mar.
E o alto simples de amar
o amigo, o vinho, o silêncio
da mulher olhando a tarde
— laranja cortada ao meio,
tremor de barco que parte,
esto de crina sem freio.

(...)
A liberdade, meu filho,
é coisa louca que assusta:
visão terrível (que luta!)
da vida contra o destino
traçado de ponta a ponta
como já contada conta
pelo som dos altos sinos.
(...)

ENREDO

(fragmento)

I
Onde se destrói o mundo em que vivo
aí estou.
Onde há destruição, aí se define o meu caminho.
Onde os deuses se desmoronam é que apareço
sem rosto
atrás de suas formas feitas de noite e de medo.
Onde se morre, onde se nasce.
Onde se morre é que eu renasço.

 

(...)

“É inútil querer para o Homem
e o seu sonho a dar longas voltas
ou a inventar estradas no cárcere,
o seu sonho mais essencial
a demolir, a enferrujar
metais de qualquer ditadura.”

 

 

Estes versos fazem parte de um livro-poema – CANTO PARA AS TRANSFORMAÇÕES DO HOMEM (Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1964) escrito (certamente) nos dias duros do Golpe Militar de 1964 (em verdade, em maio do mesmo ano) e publicado com dedicatória a Ênio Silveira (o editor), Moacyr Werneck de Castro e Miguel Arrais, figuras logo perseguidas pelo novo regime vigente.  Tem ilustrações de Poty e hoje é peça almejada por colecionadores.

 

 

FELIX, Moacyr.  O Pão e o Vinho (poesia).   Rio de Janeiro: Antunes & Cia.Ltda, 1959.   XVI, 162 + 2  p.    formato  16x23,5 cm.   Capa de Vera Tormenta. Inclui uma retrato de Moacyr Felix por KAJ.  Col. A.M.  (EA)

 

VÉSPERA

 

Na minha rua

guardam as pedras

dor e silêncio.

 

Será de sangue

o suor nas pedras

de minha rua?

 

Por quê escurece

a alma das pedras

na minha rua?

 

(No escuro da onda

o ágil barqueiro

pressente os passos

da tempestade)

 

FELIX, Moacyr.   Em Nome da Vida.   Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, São Paulo:  Massao Ohno, 1981. 140 p.  (Poesia Hoje)  14X21 cm.  Capa: detalhe de Guernica, de Picasso.  Ex. autografado  na Col. Bibl. Antonio Miranda. 

 

EU E MEU POEMA

 

Aranha, o trágico enreda. Atónito, o mundo

não é mais o nosso lar: as coisas e o seu avesso

não dão mais o ser, somente o estar.

 

A planta, ereta, cresce com a sua certeza.

E eu, o homem, nem sei a minha natureza.

Assim crescemos juntos, em modos desiguais:

 

ela, serena e sem erros, a ouvir a Terra em suas raízes

e eu, solto no espaço em que me crio de abismos

em cada rosto que indago ou em cada chão que repiso.

 

Navegando em mar sem água, o meu poema flutua

entre os buracos do tempo milenar como se fosse

a flor de uma planta que até agora nunca existiu.

 

FELIX, Moacyr.   Invenção de Crença e Descrença.  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.  208 p.  ilus.  Capa de Eugêio Hirsch.  14x20,7 cm   Col. Bibl. Antonio Miranda

 

SENTIMENTO CLÁSSICO

 

Pisados, os olhos com que pisaste

a soleira escura de minha face;

e por mais pontes que entre nós lançasse,

ao que de fato sou nunca chegaste.

 

Que distâncias lamento, e que contraste!

Gravando em cada ser o amor que nasce

não encontrei o amor que me encontrasse:

 

amaram sem me ver, como me amaste.

 

Tinhas os olhos tristes como eu tenho,

e o pranto que eu te trouxe de onde venho

é o mesmo que te espera adonde vais.

 

Se a mesma sóbria dor em tudo pomos,

não vês o que me calo. E assim nós somos

o que não somos nem seremos mais.

 

Rio,1958

 

 

Extraído de

 

POESIA SEMPRE.  Revista Semestral de Poesia..   Ano 3 – Número 6 – Fevereiro  1995.           Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional / Ministério da Cultura – Departamento Nacional do Livro.   ISSN 0104-0626 Ex. bibl. Antonio Miranda          

 

Quintetto Di Autunno

 

 ("Quinteto de Outono")

 

 

I

Scrivere un poema non è giocar
di essere con parole e suoni
sul bianco indifeso

della carta o della vita che non fu vissuta.

In fondo ai vicoli senza uscita

li è che il poema si trova

lato a lato con le morti

innumere e indefinite

nella mano che lo scrive.

Muori e trasformati!

Non c'è altra via:

il poema è sempre un'autopsia.

 

II

Nell'immondezza della piazza le ossa del mondo

brillano come lune malate.

Nell'immondezza della piazza il poeta

vuol essere appena un uomo

con una canzone nei grilletti

di una rivoluzione necessaria.

Nell'immondezza della piazza le ossa del mondo

brillano come lune malate

aspettando la poesia, cagna

feroce e ferita, cagna

che al poeta si lega

nel rinchiudere della vita

più forte che la voragine

del desio di ammazzarsi.

Nell'immondezza della piazza, il poeta e la sua poesia

deambulano tra le ossa del mondo

la violenza del sole imprigionata nelle lune.

 

III

In fondo al piatto c'era un viso.

Io mai lo potei decifrare;

la sua velocità era diversa della mia,

in questi momenti la mia speranza era

uno straccio che nè più vestiva

la fatica della vita spaventata.

In fondo al piatto al mio paese i topi

usavano la faccia dei dominanti

e mangiavano e mangiavano questo viso.

Un viso che mai spariva

ogni giorno sepolto e ricomposto

nel viso di ogni morte operaria

in ogni cosa ch'io vedevo.

In fondo al piatto c'era un viso

ch'io mai potei decifrare.

Al di là di me, però, quello era il mio viso, il viso

in cui neanche mi incontrai

come chi compie, infatti, la propria legge. 

 

 

IV

Spezzai le pareti di vetro che mi avvolgevano.
Spezzai le pareti di mattone che mi incatenavano.
Spezzai le pareti, tutte le pareti, di pietra e pensieri.
Spezzai la crosta di tutto quello che mi limitava
e saltai — anima dei morti — verso l'occhio del lago
che guardava dell'ai di là, molto al di là
di quello che mi insegnarono essere fisicamente l
e rotazioni dell'eternità nell'universo infinito.
Fu quando rilessi la parola stoltezza
nel certificato di decesso della poesia
natamorta perchè nata lungi
dalle dimensioni del vento in cui si muove
nel ventre dell'universo la vita

incendiata dai gridi di quello che dovrebbe essere del sole
sepolti sotto la storia e sotto la tragedia.
E la solitudine, essa diventa totale e notturna
quando saltiamo la cerchia che ci nasconde
della nostra morte promettendoci ai cimiteri
e lì ci fermiamo, delirio appena, senza sentire
la fragile perfezione delle varie morti di un fiore
per secoli e secoli a colorirsi, ostinato e bello
sulle non-risposte del silenzio in tutte le tombe. 

V
Sì, c'è sempre un suon di morte dissecato
sotto la parola che nomina ed ammansa
i moti in cui si trasforma la vita umana
tra l'essere e'l non essere, tra quel che è e quel che non fu.
Morte e trasformazione: questo io perseguo
in questo mondo in cui creare è anche distruggere.
Perché non esiste modo di camminare
nel poema, che è sempre un'autopsia
dell'attimo, porta infinitamente aperta
nella carta
con le chiavi del bianco a liberare l'indicibile
partendo dalla metafora che seppe
muoverlo in noi come un essere vivente
dell'infinito in cui alle volte nostra vita è
sentimento e sogno al di là del suono e della parola.

 

Traduzione de Fausto A. L. S. Ricca

 

Página ampliada em dezembro de 2017 

 

 


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