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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

CAMILO PESSANHA

(1867-1926)

 

 

Nasceu em Coimbra, em 1867, e faleceu vítima de tuberculose, em 1926. Em 1891, formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Exerceu diversas profissões, tais como advogado, professor e conservador do registro predial de Macau.

 

Clepsidra, publicado em 1922 — que alcançou glória entre os livros de língua portuguesa, foi organizado por João de Castro Osório e Ana de Castro Osório, que recolheram os poemas e trabalhos do poeta, que se encontravam dispersos por jornais e revistas. Esta obra teve grande influência sobre a geração de Orpheu, da qual participou Fernando Pessoa. É um dos principais representantes do simbolismo português. China, datado de 1944, é outro livro de autoria de Camilo Pessanha, que reúne o conjunto de estudos e ensaios sobre a civilização, literatura e cultura chinesas. 

Apresentação e seleção feita pelo poeta Salomão Sousa

 

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS    /   TEXTOS EN ESPAÑOL

 

CAMINHO

 

I

Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.

 

CAMINHO

 

II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto

Que choramos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.

 

 

CAMINHO

 

III


Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.


Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...


Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...


Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar - encher a alma.

 

 

SONETO

Esbelta surge! Vem das águas, nua,
Timonando uma concha alvinitente!
Os rins flexíveis e o seio fremente...
Morre-me a boca por beijar a tua.

Sem vil pudor! Do que há que ter vergonha?
Eis-me formoso, moço e casto, forte.
Tão branco o peito! - para o expor à Morte...
Mas que ora - a infame! - não se te anteponha.

A hidra torpe!... Que a estrangulo! Esmago-a
De encontro à rocha onde a cabeça te há de,
Com os cabelos escorrendo água,

Ir inclinar-se, desmaiar de amor,
Sob o fervor da minha virgindade
E o meu pulso de jovem gladiador.

 

 

XV

 

Floriram por engano as rosas bravas

No inverno: veio o vento desfolhá-las...

Em que cismas, meu bem? Porque me calas

As vozes com que há pouco me enganavas?

 

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...

Onde vamos, alheio o pensamento,

De mãos dadas? Teus olhos, que um momento

Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

 

E sobre nós cai nupcial a neve,

Surda, em triunfo, pétalas, de leve

Juncando o chão, na acrópole de gelos...

 

Em redor do teu vulto é como um véu!

¿Quem as esparze - quanta flor! -, do céu,

Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?

 

 

VIOLONCELO

 

(A Carlos Amaro)

 

Chorai, arcadas

Do violoncelo,

Convulsionadas.

Pontes aladas

De pesadelo...

 

De que esvoaçam,

Brancos, os arcos.

Por baixo passam,

Se despedaçam,

No rio os barcos.

 

Fundas, soluçam

Caudais de choro.

Que ruínas, ouçam...

Se se debruçam,

Que sorvedouro!

 

Lívidos astros,

Solidões lacustres...

Lemes e mastros...

E os alabastros

Dos balaústres!

 

Urnas quebradas.

Blocos de gelo!

Chorai, arcadas

Do violoncelo,

Despedaçadas...

 

 

LÚBRICA


Quando a vejo, de tarde, na alameda,
Arrastando com ar de antiga fada,
Pela rama da murta despontada,
A saia transparente de alva seda,


E medito no gozo que promete
A sua boca fresca, pequenina,
E o seio mergulhado em renda fina,
Sob a curva ligeira do corpete;


Pela mente me passa em nuvem densa
Um tropel infinito de desejos:
Quero, às vezes, sorvê-la, em grandes beijos,
Da luxúria febril na chama intensa...


Desejo, num transporte de gigante,
Estreitá-la de rijo entre meus braços,
Até quase esmagar nesses abraços
A sua carne branca e palpitante;


Como, da Ásia nos bosques tropicais
Apertam, em espiral auriluzente,
Os músculos hercúleos da serpente,
Aos troncos das palmeiras colossais.


Mas, depois, quando o peso do cansaço
A sepulta na morna letargia,
Dormitando, repousa, todo o dia,
À sombra da palmeira, o corpo lasso.


Assim, quisera eu, exausto, quando,
No delírio da gula todo absorto,
Me prostasse, embriagado, semimorto,
O vapor do prazer em sono brando;


Entrever, sobre fundo esvaecido,
Dos fantasmas da febre o incerto mar,
Mas sempre sob o azul do seu olhar,
Aspirando o frescor do seu vestido,


Como os ébrios chineses, delirantes,
Respiram, a dormir, o fumo quieto,
Que o seu longo cachimbo predileto
No ambiente espalhava pouco antes...


Se me lembra, porém, que essa doçura,
Efeito da inocência em que anda envolta,
Me foge, como um sonho, ou nuvem solta,
Ao ferir-lhe um só beijo a face pura;


Que há de dissipar-se no momento
Em que eu tentar correr para abraçá-la,
Miragem inconstante, que resvala
No horizonte do louco pensamento;


Quero admirá-la, então, tranqüilamente,
Em feliz apatia, de olhos fitos,
Como admiro o matiz dos passaritos,
Temendo que o ruído os afugente;


Para assim conservar-lhe a graça imensa,
E ver outros mordidos por desejos
De sorver sua carne, em grandes beijos,
Da luxúria febril na chama intensa...


Mas não posso contar: nada há que exceda
A nuvem de desejos que me esmaga,
Quando a vejo, da tarde à sombra vaga,
Passeando sozinha na alameda...

 

 

INSCRIÇÃO

 

Eu vi a luz em um país perdido.

A minha alma é lânguida e inerme.

Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!

No chão sumir-se, como faz um verme...

 

 

AO LONGE OS BARCOS DE FLORES

 

Só, incessante, um som de flauta chora,

viúva, grácil, na escuridão tranqüila,

— Perdida voz que de entre as mais se exila,

— Festões de som dissimulando a hora

 

Na orgia, ao longe, que em clarões scintila

E os lábios, branca, do carmim desflora...

Só, incessante, um som de flauta chora,

Viúva, grácil, na escuridão tranqüila.

 

E a orchestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,

Cauta, detém. Só modulada trila

A flauta flébil... quem há-de remil-a?

Quem sabe a dor que sem razão deplora?

 

Só, incessante, um som de flauta chora...

 

 

VIOLA CHINESA

 

Ao longo da viola morosa

Vai adormecendo a parlenda

Sem que amadornado eu atenda

A lenga-lenga fastidiosa.

 

Sem que o meu coração se prenda,

Enquanto nasal, minuciosa,

Ao longo da viola morosa,

Vai adormecendo a parlenda.

 

Mas que cicatriz melindrosa

Há nele que essa viola ofenda

E faz que as asitas distenda

Numa agitação dolorosa?

 

Ao longo da viola, morosa...

 

 

ÁGUA MORRENTE

 

Il pleure dans mon coeur

Comme Il pleut sur la ville.

                        Verlaine

 

Meus olhos apagados,

Vede a água cair.

Das beiras dos telhados,

Cair, sempre cair.

 

Das beiras dos telhados,

Cair, quase morrer...

Meus olhos apagados,

E cansados de ver.

 

Meus olhos, afogai-vos

Na vã tristeza ambiente.

Caí e derramai-vos

Com a água morrente.

 

 

                        (Clepsydra, 1920)  

 

 

 

PESSANHA, Camilo. Clepsidra.  Introdução de António Daniel Abreu.São Paulo, SP: Princípio Editora, 1989.  76 p.  13,5x20,5 cm. 

 

 

 

 

TEXTOS EM ESPAÑOL

Tradução de Adolfo Alonso

 

            INSCRIPCIÓN

 

         Ya vi la luz en un país perdido.

         El alma mia es languia e inerme.

         ίOh! ίQuién pudiera arrastrarse sin ruído!

         Perderse en tierra, como lo hace un verme...

 

 

         BARCOS DE FLORES A LO LEJOS

 

         Solo, incesante, un son de flauta llora,

         Grácil, viuda, en la serena sombra,

         — Perdida voz que entre las más se exila,

         — Flecos de son disimuland la hora.

 

         Lejos, la orgia, en lumbres centellea.

         Los labios, blanca, del carmín desflora...

         Solo, incesante, un son de flauta llora,

         Grácil, viuda, en la serena sombra.

 

         ¿Orquesta? ¿Besos? Toda noche, y fuera.

Cauta, se calla. Y modulada trin

La flauta triste... ¿Cómo redimirla?

¿Ver el dolor que sin razón deplora?

 

Solo, incesante, un son de flauta llora...

 

 

VIOLA CHINA

 

Al son de la viola morosa

Se va acallando el parlerío,

Sin que, amodorrado, atienda

La letanía fastiidiosa.

 

Sin que el corazón mio se prenda,

Mientras, nasal, minuciosa,

Al son de la viola morosa

Se va acallando el parlerío.

 

Se va acallando el parlerío.

¿Pero qué cicatriz melindrosa

Hay en él, que esa viola ofenda

Y hace que las alas distienda

En una agitación dolorosa?

 

 

ÁGUA MURIENTE

 

         Il pleure dans mon coeur

Comme Il pleut sur la ville.

                   Verlaine

 

Ojos míos cegados,

Ved el agua caer.

Del borde del tejado,

Caer, siempre caer.

 

Del borde del tejado,

Caer, casi morir...

Ojos mios cegados,

Y cansados de ver.

 

Ojos mios, ahogaos

En la tristeza ambiente

Caed y derramaos

Como el agua muriente.

 

 

                        (Clepsydra, 1920)

 

 

 

 

Textos extraídos de la obra POETAS PORTUGUESES Y BRASILEÑOS DE LOS SIMBOLISTAS A LOS MODERNISTAS; organización y estúdio introductorio: José Augusto Seabra.  Buenos Aires: Instituto Camões; Editora Thesaurus, 2002.  472 p. ISBN 85-7062-323-2

 

Agradecemos ao Instituto Camões a autorização para a publicação dos textos, em parceria visando a divulgação da literatura de língua portuguesa em formato bilíngüe na web

 

MEIRELES, Cecília.  Poetas de Portugal.   Seleção e prefácio de Cecília Meireles.  Rio de Janeiro: Edições Dois Mundos Editora Ltda, 1944.   315 p.   (Coleção Clássicos e Contemporâneos, dirigida por Jaime Cortesão                                      Ex. bibl. Antonio Miranda

 

         “De uma sensibilidade delicadíssima, a que a arte e os costumes da Chian onde por muitos antos viveu não deixaram de imprimir finos vestígios, sua obra — musical, cheia de intenções, de descontentamentos do cotidiano, do imediato, do real, é uma viagem interior frágil e arriscada.
Nasce de uma poesia uma outra atmosfera de imagens novas. Os mais pungentes instantes ganham dentro dela uma expressão etérea.  Os espetáculos que conhecemos, aí são vistos em transparência, com num sonho lúcido, ao mesmo tempo feliz e completamente desiludido.
         Diz João Gaspar Simões que Fernando Pessoa se confessava discípulo de Pessanha: se alguma coisa de um repercute no outro é esse sentido do imponderável, essa abstração para além do sentimento, numa zona contemplativa e submissa, onde nem o mundo é apenas mundo, nem os homens apenas homens: uma transfiguração, uma absorção noutra realidade, talvez não totalmente isenta da profunda lição filosófica do Oriente.”                                                                    
CECÍLIA MEIRELES

 

                          CAMILO PESSANHA E O GRUPO DO “ORPHEU”:

 

         Chorai arcadas
       Do violoncelo!
       Convulsionadas,
       Pontes aladas
       De pesadelo...

       De que esvoaçam,
       Brancos, os arcos...
       Por baixo passam,
       Se despedaçam,
       No rio, os barcos...

       Fundas, soluçam
       Caudais de choro...
       Que ruínas (ouçam)!    
       Que se debruçam,
       Que sorvedouro!...

       Trêmulos astros...
       Solidões lacustres.
       — Lemes e mastros...
       E os alabastros
       Dos balaustres!

       Urnas quebradas!
       Blocos de gelo...
       — Chorai arcadas,
       Despedaçada,
       Do violoncelo.

       *

 

       Passou o outono já, já torna o frio...
       — Outono do seu riso magoado.
       Álgido inverno! Oblíquo o sol, gelado...
       — O sol e as águas límpidas do rio.

       Águas claras do rio! Águas do rio,
       Fugindo sob o meu olhar cansado,
       Para onde me levais meu vão cuidado?
       Aonde vais, meu coração vazio?

       Ficai, cabelos dela, flutuando
       E, debaixo das águas fugidias,
       Os seus olhos abertos e cismando...

       Onde ides a correr, melancolias?
       — E, refratadas, longamente ondeando,
       As suas mãos translúcidas e frias...

 

       *

       Ao meu coração um peso de ferro
       Eu hei-de prender na volta do mar.
       Ao meu coração um peso de ferro...
       Lançá-lo ao mar.

       E hei-de mercar um fecho de prata.
       O meu coração é o cofre selado.
       A sete chaves: tem dentro uma carta...
       — A última, de antes do teu noivado...

       A sete chaves, — a carta encantada!
       E um lenço bordado...  Esse hei-de o levar,
       Que é para o molhar na água salgada
       No dia em que enfim deixar de chorar...

       *

       Singra o navio.  Sob a água clara
       Vê-se o fundo do mar, de areia fina...
       — Impecável figura peregrina,
       A distância sem fim que nos espera!

       Seixinhos da mais alva porcelana,
       Conchinhas tenuamente cor de rosa,
       Na fria transparência luminosa
       Repousam, fundos, sob a água plana.

       E a vida sonha, reconstrue, compara.
       Tantos, naufrágios, perdições, destroços!
       — Ó fúlgida visão, linda mentira!

       Róseas uninhas que a maré partira...
       Dentinhos que o vai-vem desengastara...
       Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos...

       *

       Se andava no jardim,
       Que cheiro de jasmim!
       Tão branca do luar!

        ...............................
        ...............................

 

Eis tenho-a junto a mim.
       Vencida, é minha, enfim,
       Após tanto sonhar...

       Por que entristeço assim?...
       Não era ela, mas sim
       (O que eu quis abraçar)

       A hora do jardim...
       O aroma do jasmim...
       A onda do luar...

       *

       Voz débil que passas,
       Que humílima gemes
       Não sei que amarguras...

       Suspiras ou falas?
       Por que é o gemido,
       O sopro que exalas?

       Dir-se-ia que rezas.
       Murmuras baixinho
       Não que tristezas...

       — Ser teu companheiro?
       Não sei o caminho.
       Eu sou estrangeiro.

       — Passados amores? —
       Animas-te, dizes
       Não sei que temores...

       Fraquinha, deliras.
       — Projetos felizes?
       Suspiras.  Expiras.

 
*

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Página ampliada e republicada em abril de 2022

 

 

Página publicada em fevereiro de 2008

Página ampliada e republicada em março de 2008

 

 



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