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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 


CÉSAR VALLEJO

 

CÉSAR VALLEJO

(1892-1938)

 

César Vallejo é o grande poeta da hispanidade, talvez o mais contido entre os mais produtivos — sem a excessividade magnífica de Neruda, sem o radicalismo experimentalista de Huidobro. Genial em todas as suas frases, desde Los Heraldos Negros (1919 e Trilce (1922), quando exercita um modernismo com ressábios simbolistas e um certo hermetismo sensual e auto-flagelador. Mas é na temporada européia, confrontando as correntes revolucionárias desde o dadaísmo e o surrealismo que ele conjuga um certo automatismo verbal com sua veia telúrica e social, executando um praxismo frasístico com os paradoxos da reflexão crítica, às vezes prosaica e irônica:   “¿Y la forense diéresis, la mano,/ mi patata y mi carne y mi contradicción bajo la sábana?”. Contrapondo (dialeticamente) “las individualidades colectivas” e as “colectividades individuales”, e ao “paso inmóvil en el borde del mundo”.  Em seguida confessa: “Algo te identifica con el que se aleja de ti”. Eu diria, em contrapartida, que também com o que se identifica o poeta: “Algo te identifica con lo que se aleja de ti”... Sem dúvida.  Talvez um resquício maniqueísta na constatação de sua formação católica:

     “¿Qué hay más desesperante en la tierra, que la imposibilidad en que se halla       el hombre feliz de ser infortunado y el hombre bueno de ser malvado?”

E responde, paradoxalmente: 

     “!Alejarse! ¡Quedarse! ¡Volver! ¡Partir! Toda la mecánica social cabe en estas palabras”.

Quem duvida? Justamente em suas duas última obras – Poemas Humanos (1939) e España, aparta de mi este cáliz (1939), em seu distanciamento da pátria, é que ele assume aquela universalidade/atemporalidade tão circunstanciada de seus versos mais engajados em que revela: “quiebro contra tu rigidez de doble filo/ mi pequeñez en traje de grandeza!”.

É sempre um atrevimento descabido traduzir poesia, mais ainda de um poeta como César Vallejo, desafio a que me entreguei com certa timidez. Durante o exercício, ocorreu-me o poema com que inicio esta entrega:


INTERTEXTUALIZANDO CÉSAR VALLEJO

INTERTEXTUALIZANDO CÉSAR VALLEJO

 

Poema de Antonio Miranda

 

 

“vagarían acéfalos los clavos”  CÉSAR VALLEJO

 

 

Inventei o verbo aindar

quando ainda havia verbos e havia caminhar.

 

Havia idas e regressos

e havia versos a desafiar

o tempo e seus retrocessos.

 

!Tengo el alma clavada por cien clavos…!

vocifera Vallejo com ou sem pregos

cravados na garganta e nas asas seqüestradas.

 

Ainda havia flores tranqüilas nas madrugadas

e a certeza de arrebóis transcendentes

despertando um morto de sua tumba,

havia dentes, impureza, sóis e um horto havia.

 

Um morto que voltava às trevas da existência

com as luzes infinitas de seu desprendimento,

substância em clara mutação. Ainda:

apodreciam “sueños que no tienen cuando”.

 

Aindando o inútil reverso

do Não-ser e sua essência.

 

 

(Chácara Irecê, Goiás, 2/7/2006)

 

 

 

 

 

 

Cartaz expuesto en la Casa de la Literatura Peruana (2016).

 

 

 

Vea/Veja ENSAIOS/ENSAYO:S::

INTERTEXTUALIZANDO A VALLEJO DESDE EL BRASIL… SOBRE LAS VANGUARDIAS  DEL SIGLO XX - Por ANTONIO MIRANDA 

CESAR VALLEJO Y LA PALABRA TRASMUTADA, por Alfredo Silva Estrada

 


TEXTOS EM PORTUGUÊS/ TEXTOS EN ESPAÑOL

 

 

Traduções de Antonio Miranda e Fernando Mendes Vianna

 

 

 

LOS HERALDOS NEGROS

 

César Vallejo

 

Hay golpes en la vida tan fuertes... Yo no sé!

Golpes como del odio de Dios; como si ante ellos,

la resaca de todo lo sufrido

se empozara en el alma... Yo no sé!

 

Son pocos, pero son... Abren zanjas oscuras

en el rostro más fiero y en el lomo más fuerte.

Serán tal vez los potros de bárbaros atilas;

o los heraldos negros que nos manda la Muerte.

 

Son las caídas hondas de los Cristos del alma,

de alguna fe adorable que el Destino blasfema.

Esos golpes sangrientos son las crepitaciones

de algún pan que en la puerta del horno se nos quema.

 

Y el hombre... Pobre... pobre! Vuelve los ojos, como

cuando por sobre el hombro nos Ilama una palmada;

vuelve los ojos locos, y todo lo vivido

se empoza, como charco de culpa, en la mirada.

 

Hay golpes en la vida, tan fuertes... Yo no sé!

 

A primeira etapa de sua produção poética é representada por Los Heraldos Negros. Nessas poesias ressalta a angústia do homem insatisfeito com a vida. Vive sua dor e a dos outros. Na sua produção poética, destacam-se: Trilce; Poemas Humanos; España, Aparta de Mí Este Cáliz. Entre suas novelas: El Tungsteno. A obra de Vallejo constitui não só o ponto mais alto de toda a literatura peruana, senão uma das aventuras estéticas mais profundas e geniais do século XX. Narrador, dramaturgo e ensaísta de talento, Vallejo foi sobretudo um imenso poeta, um dos maiores do idioma, deixando uma considerável marca na poesia contemporânea de âmbito hispânico. Morreu em Paris. 

 

 

 

OS ARAUTOS NEGROS

 

César Vallejo

Tradução de Fernando Mendes Vianna

 

 

Há golpes na vida tão fortes... Eu nem sei!

Golpes como do ódio de Deus; como se ante eles

a ressaca de quanto foi sofrido

se empoçara na alma... Eu nem sei!

 

São poucos, porém são... Abrem sulcos escuros

no rosto mais fero e no lombo mais forte.

Serão talvez os potros de bárbaros átilas;

ou os arautos negros que nos manda a Morte.

 

São as caídas fundas dos Cristos da alma,

de alguma fé adorável que o Destino blasfema.

Esses golpes sangrentos são as crepitações

de algum pão que na porta do forno se queima.

 

E o homem... Pobre... pobre! Volve os olhos, como

quando por sobre os ombros nos chama uma palmada;

volve os olhos loucos, e todo o vivido

se empoça, como charco de culpa, na mirada.

 

Há golpes na vida tão fortes... Eu nem sei!


 

 

A VIOLÊNCIA DAS HORAS

 

Tradução de Antonio Miranda

 

 

Todos estão mortos.

 

Morreu dona Antônia, a rouca, que fazia pão barato no burgo.

Morreu o padre Santiago, a quem prazia que o saudassem os jovens e as moças, respondendo-lhes indistintamente: “Bom dia, José! Bom dia, Maria!”

 

Morreu aquela jovem loura, Carlota, deixando um filhinho de poucos meses, que logo também morreu, oito dias depois da mãe.

 

Morreu minha tia Albina, que costumava cantar tempos e modos de herança, enquanto cosia pelos corredores, para Isidora, a criada de ofício, a honradíssima mulher.

 

Morreu um velho torto, seu nome nem lembro, mas dormia ao sol da manhã, sentado à porta do amolador da esquina.

 

Morreu Rayo, o cão de minha altura, ferido de uma bala perdida.

 

Morreu Lucas, meu cunhado na paz das cinturas, de quem me lembro quando chove e não resta ninguém em minha experiência.

 

Morreu em meu revólver minha mãe, em meu punho minha irmã e meu irmão em minha víscera sangrenta, os três ligados por um gênero triste de tristeza, no mês de Agosto de anos sucessivos.

 

Morreu o músico Méndez, alto e sempre bêbedo, que solfejava em seu clarinete toadas melancólicas, a cujo modulado adormeciam as galinhas de meu bairro, muito antes que o sol se fosse.

 

Morreu minha eternidade e a estou velando.



 

LA VIOLENCIA DE LAS HORAS

 

Todos han muerto.

 

Murió doña Antonia, la ronca, que hacía pan barato en el burgo.

Murió el cura Santiago, a quien placía le saludasen los jóvenes y la mozas, respondiéndoles: “Buenos días, José! Buenos días, María!”

 

Murió aquella joven rubia, Carlota, dejando un hijito de meses, que luego también murió, a los ochos días de la madre.

 

Murió mí tía Albina, que solía cantar tiempos y modos de heredad, en tanto cosía en los corredores, para Isidoro, la criada de oficio, la honrosísima mujer.

 

Murió un viejo tuerto, su nombre no recuerdo, pero dormía al sol de la mañana, sentado ante la puerta del hojalatero de la esquina.

 

Murió Rayo, el perro de mi altura, herido de un balazo de no se sabe quién.

 

Murió Lucas, mi cuñado en la paz de las cinturas, de quien me acuerdo cuando llueve y no hay nadie en mi experiencia.

 

Murió en mi revólver mi madre, en mi puño mi hermana y mi hermano en mi víscera sangrienta, los tres ligados por género triste de tristeza, en el mes de Agosto de años sucesivos.

 

Murió el músico Méndez, alto y muy borracho, que solfeaba en su clarinete tocatas melancólicas, a cuyo articulado se dormían las gallinas de mi barrio, mucho antes de que el sol se fuese.

 

Murió mi eternidad y estoy velándola.

 


 

 

NÔMINA DE OSSOS

 

Tradução de Antonio Miranda

 

 

Se pedia em alta voz:

—Que mostre as duas mãos de uma vez.

Isso não era possível.

 

—Que, enquanto chora, tomem a medida de seus passos.

Isso não era possível.

 

—Que pense um pensamento idêntico,

ao tempo em que um zero permanece inútil.

Isso não era possível.

 

—Que cometa uma loucura.

Isso não foi possível.

 

—Que entre ele e outro homem semelhante a ele,

se interponha uma multidão de homens como ele.

 

—Que o comparem consigo mesmo.

Isso não era possível.

 

—Que o chamem, enfim, por seu nome.

Isso não era possível.

 

 

 

NÓMINA DE HUESOS

 

Se pedía a grandes voces:

—Que muestre las dos manos a la vez.

Y esto no fue posible.

—Que, mientras llora, le tomen la medida de sus pasos.

Y esto no fue posible.

—Que piense un pensamiento idéntico, en el tiempo en que un cero permanece inútil.

Y esto no fue posible.

—Que haga una locura.

Y esto no fue posible.

—Que entre él y otro hombre semejante a él, se interponga una muchedumbre de hombres como él.

Y esto no fue posible.

—Que le comparen consigo mismo.

Y esto no fue posible.

—Que le llamen, en fin, por su nombre.

Y esto no fue posible.


 

 

EPÍSTOLA AOS TRANSEUNTES

 

Tradução de Antonio Miranda

 

 

Renovo meu dia de coelho

minha noite de elefante em descanso.

 

E, para mim, digo:

esta é minha imensidade em bruto, a cântaros,

éste é meu grato peso, que me buscara debaixo para pássaro;

este é meu braço

que por conta própria recusou ser asa,

estas são minhas sagradas escrituras,

estes meus alarmados testículos.

 

Lúgubre ilha me iluminará continental,

enquanto o capitólio se apóie em meu íntimo deslize

e a assembléia de lanças clausure meu desfile.

 

Mas quando eu morrer

de vida e não de tempo,

quando cheguem a duas minhas duas maletas

este há de ser meu estômago em que coube minha lâmpada em pedaços,

esta aquela cabeça que expiou os tormentos do círculo em meus passos,

estes esses vermes que o coração contou em unidades,

este há de meu corpo solidário

pelo qual vela a alma individual; este há de ser

meu umbigo em que matei piolhos natos,

esta minha coisa coisa, minha coisa tremebunda.

 

Entanto, convulsiva, asperamente

convalesce meu freio,

sofrendo como sofro da linguagem direta do leão;

e, posto que eu existi entre duas potestades de ladrilho,

convalesço eu mesmo, sorrindo de meus lábios.

 

 

EPÍSTOLA A LOS TRANSEÚNTES

 

 

Reanudo mi día de conejo

mi noche de elefante en descanso.

 

Y, entre mí, digo:

ésta es mi inmensidad en bruto, a cántaros,

éste es mi grato peso, que me buscara abajo para pájaro;

éste es mi brazo

que por su cuenta rehusó ser ala,

éstas son mis sagradas escrituras,

éstos mis alarmados compañones.

 

Lúgubre isla me alumbrará continental,

mientras el capitolio se apoye en mi íntimo derrumbe

y la asamblea en lanzas clausure mi desfile.

 

Pero cuando yo muera

de vida y no de tiempo,

cuando lleguen a dos mis dos maletas,

éste ha de ser mi estómago en que cupo mi lámpara en pedazos,

ésta aquella cabeza que expió los tormentos del círculo en mis pasos,

éstos esos gusanos que el corazón contó por unidades,

éste ha de ser mi cuerpo solidario

por el que vela el alma individual; éste ha de ser

mi ombligo en que maté mis piojos natos,

ésta mi cosa cosa, mi cosa tremebunda.

 

En tanto, convulsiva, ásperamente

convalece mi freno,

sufriendo como sufro del lenguaje directo del león;

y, puesto que he existido entre dos potestades de ladrillo,

convalezco yo mismo, sonriendo de mis labios.


 

 

SEM TÍTULO

 

Tradução de Antonio Miranda

 

 

E não me digam nada,

que se pode matar perfeitamente

posto que, suando tinta,

faz-se o que se pode, não me digam...

 

Voltaremos, senhores, a ver-nos com maçãs,

tarde a criatura passará,

a expressão de Aristóteles armada

com enorme coração de madeira,

a de Heráclito enxertada na de Marx,

a do suave soando rudemente...

É o que bem narrava minha garganta:

a gente pode matar perfeitamente.

 

Senhores,

cavalheiros, voltaremos a ver-nos sem pacotes;

até então exijo, exigirei de minha fraqueza

o acerto do dia, que,

conforme vejo, esteve já me esperando no leito.

 

E exijo do chapéu a infausta analogia da lembrança,

posto que, às vezes, assumo com sucesso minha imensidade chorada,

posto que, às vezes me afogo na voz de meu vizinho e padeço

contando em milhos os anos,

escovando minha roupa ao som de um morto

ou sentado bêbedo em meu ataúde.  

 

 

 

SIN TÍTULO

 

 

Y no me digan nada,

que uno puede matar perfectamente,

ya que, sudando tinta,

uno hace cuanto puede, no me digan…

 

Volveremos, señores, a vernos con manzanas;

tarde la criatura pasará,

la expresión de Aristóteles armada

de grandes corazones de madera,

la de Heráclito injerta en la de Marx,

la del suave sonando rudamente…

Es lo que bien narraba mi garganta:

uno puede matar perfectamente.

 

Señores,

Caballeros, volveremos a vernos sin paquetes;

hasta entonces exijo, exigiré de mi flaqueza

el acento del día, que,

según veo, estuvo ya esperándome en mi lecho.

Y exijo del sombrero la infausta analogía del recuerdo,

ya que, a veces, asumo con éxito mi inmensidad llorada,

ya que, a veces, me ahogo en la voz de mi vecino

y padezco

contando en maíces los años,

cepillando mi ropa al son de un muerto

o sentado borracho en mi ataúd…


 

 

SEM TÍTULO

 

Tradução de Antonio Miranda

 

 

Fiquei a esquentar a tinta em que me afogo

e a escutar minha caverna alternativa,

noites de tato, dias de abstração.

 

Estremeceu-se a incógnita em minha amídala

e padeci de uma anual melancolia,

noites de sol, dias de lua, ocasos de Paris.

 

E todavia, hoje mesmo, ao entardecer,

digiro sacratíssimas constâncias,

noites de mãe, dias de bisneta

bicolor, voluptuosa, urgente, linda.

 

E ainda

alcanço, aproximo de mim no avião de dois assentos,

na manhã doméstica e a bruma

que emergiu eternamente de um instante.

 

E todavia,

ainda agora,

na cauda do cometa em que ganhei

meu bacilo feliz e doutoral,

eis aqui que quente, ouvinte, tierro, sol e luado

incógnito atravesso o cemitério,

viro à esquerda, fendo

a erva com um par de endecassílabos,

anos de tumba, litros de infinito,

tinta, pluma, ladrilhos e perdões.

 

 

SIN TÍTULO

 

 

Quedéme a calentar la tinta en que me ahogo

y a escuchar mi caverna alternativa,

noches de tacto, días de abstracción.

 

Se estremeció la incógnita en mi amígdala

y crují de una anual melancolía,

noches de sol, días de luna, ocasos de París.

 

Y todavía, hoy mismo, al atardecer,

digiero sacratísimas constancias,

noches de madre, días de biznieta

bicolor, voluptuosa, urgente, linda.

 

Y aún

alcanzo, llego hasta mí en avión de dos asientos,

bajo la mañana doméstica y la bruma

que emergió eternamente de un instante.

 

Y todavía,

aún ahora,

al cabo del cometa en que he ganado

mi bacilo feliz y doctoral,

he aquí que caliente, oyente, tierro, sol y luno,

incógnito atravieso el cementerio,

tomo a la izquierda, hiendo

la yerba con un par de endecasílabos,

años de tumba, litros de infinito,

tinta, pluma, ladrillos y perdones.

 

 

 

NOTA DO TRADUTOR: existem muitas versões dos poemas de César Vallejo em diferentes edições. O autor corrigiu muitos de seus versos, além de erros tipográficos ou de transcrição que acontecem de uma edição para outra. Tenho duas “obras completas” do autor mas a de Raúl Hernández Novás (Poesia completa. La Habana: Editorial Arte y Literatura; Casa de las Américas, 1988) é a que registra todas as variações de textos de Vallejo e optei pelas versões que o erudito compilador e revisor preferiu em sua edição.

 

 

 

ESPAÑA, APARTA DE MÍ ESTE CÁLIZ

 

Niños del mundo,

si cae España —digo, es un decir—

si cae

del cielo abajo su antebrazo que asen,

en cabestro, dos láminas terrestres;

niños, ¡qué edad la de las sienes cóncavas!

¡qué temprano en el sol lo que os decía!

¡qué pronto en vuestro pecho el ruido anciano!

¡qué viejo vuestro 2 en el cuaderno!

 

¡Niños del mundo, está

la madre España con su vientre a cuestas;

está nuestra maestra con sus férulas,

está madre y maestra,

cruz y madera, porque os dio la altura,

vértigo y división y suma, niños;

está con ella, padres procesales!

 

Si cae —digo, es un decir— si cae

España, de la tierra para abajo,

niños, ¡cómo vais a cesar de crecer!

¡cómo va a castigar el año al mes!

¡cómo van a quedarse en diez los dientes,

en palote el diptongo, la medalla en llanto!

¡Cómo va el corderillo a continuar

atado por la pata al gran tintero!

¡Cómo vais a bajar las gradas del alfabeto

hasta la letra en que nació la pena!

 

Niños,

hijos de los guerreros, entretanto,

bajad la voz, que España está ahora mismo repartiendo

la energía entre el reino animal,

las florecillas, los cometas y los hombres.

¡Bajad la voz, que está

con su rigor, que es grande, sin saber

qué hacer, y está en su mano

la calavera hablando y habla y habla,

la calavera, aquélla de la trenza,

la calavera, aquélla de la vida!

 

¡Bajad la voz, os digo;

bajad la voz, el canto de las sílabas, el llanto

de la materia y el rumor menor de las pirámides, y aún

El de la sienes que andan con dos piedras!

¡Bajad el aliento, y si

el antebrazo baja,

si las férulas suenan, si es la noche,

si el cielo cabe en dos limbos terrestres,

si hay ruido en el sonido de las puertas,

si tardo,

si no veis a nadie, si os asustan

los lápices sin punta, si la madre

España cae —digo, es un decir—

salid, niños del mundo; id a buscarla!...

 

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ESPANHA, AFASTA DE MIM ESTE CÁLICE

 

Tradução de Gilfrancisco Santos

 

 

Crianças do mundo,

se a Espanha cai – digo só por dizer –

se cai

do céu abaixo seu antebraço que amarrem

pelo cabresto duas lâminas terrestres;

crianças, que idade a das frontes côncavas!

Como é cedo no sol que vos dizia!

Que veloz o ruído antigo em vosso peito!

No caderno que velho é o vosso 2!

 

Crianças do mundo, está

a mãe Espanha com o seu ventre às costas;

está nossa mestra com suas palmatórias,

está mãe e mestra,

cruz e madeira, porque vos deu a altura,

vertigem e divisão e soma, crianças;

ela está com ela, pais processuais!

 

Se cai – digo só por dizer – se cai

a Espanha, da terra para abaixo,

crianças, como cessareis de crescer!

Como o ano vai castigar o mês!

Como os dentes se reduzirão a dez,

a garatujas o ditongo, o pranto a medalha.

Como vai o cordeirinho continuar

preso pela pata ao grande tinteiro!

Como descereis as grades do alfabeto

até a letra em que a pena nasceu!

 

Crianças

filhos dos guerreiros, entretanto,

baixai a voz, que a Espanha está neste momento repartindo

a energia entre o reino animal,

as florezinhas, os cometas e os homens.

Baixai a voz, que está

com o seu rigor, que é grande, sem saber

o que fazer, e está em sua mão

a caveira falando e fala e fala,

a caveira, aquela que tem tranças,

a caveira da vida.

 

Baixai a voz, vos digo:

baixai a voz, o canto das sílabas, o pranto

da matéria e o rumor menor das pirâmides, e ainda

o das frontes que andam com duas pedras!

Baixai a respiração, e se

o antebraço desce,

se as férulas soam, se é a noite,

se cabe o céu em dois limbos terrestres,

se há ruído no som das portas,

se eu tardo,

se não vedes ninguém, se vos assustam

os lápis sem ponta, se a mãe

Espanha cai – digo só por dizer –

crianças do mundo, andai, a procurá-la! 

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TRILCE
EN ESPAÑOL / EM PORTUGUÊS

POEMA I            


QUIÉN HACE TANTA bulla y ni deja
Testar las islas que van quedando.

Un poco más de consideración
en cuánto será tarde, temprano,
y se aquilatará mejor
el guano, la simple calabrina tesórea
que brinda sin querer,
en el insular corazón,
salobre alcatraz, a cada hialóidea
    Grupada.

Un poco más de consideración,
y el mantillo líquido, seis de la tarde
DE LOS MÁS SOBERBIOS BEMOLES.
Y la península párase
por la espalda, abozaleada, impertérrita
en la línea mortal del equilíbrio.


POEMA II

Tiempo Tiempo

Mediodía estancado entre relentes.
Bomba aburrida del cuartel achica.
Tiempo tiempo tiempo tiempo.

Era Era.

Gallos cancionan escarbando en vano.
Boca del claro día que conjuga
Era era era era.

Mañana Mañana.

El reposo caliente aún de ser.
Piensa el presente guárdame para
Mañana mañana mañana mañana

Nombre Nombre.

Qué se llama cuanto heriza nos?
Se llama Lo mismo que padece
Nombre nombre nombre nombrE
.

POEMA III

 

Las personas mayores

¿A qué hora volverán?

Da las seis el ciego Santiago,

y ya está muy oscuro.

 

Madre dijo que no demoraría.

 

Aguedita, Nativa, Miguel,

cuidado con ir por ahí, por donde

acaban de pasar gangueando sus memorias

dobladoras penas,

hacia el silencioso corral, y por donde

las gallinas que se están acostando todavía,

se han espantado tanto.

Mejor estemos aquí no más.

Madre dijo que no demoraría.

 

Ya no tengamos pena. Vamos viendo

¡los barcos, el mío es más bonito de todos!

Con los cuales jugamos todo el santo día,

sin pelearnos, como debe de ser:

han quedado en el pozo de agua, listos,
fletados de dulces para mañana.

 

Aguardemos así, obedientes y sin más

remedio, la vuelta, el desagravio

de los mayores siempre delanteros

dejándonos en casa a los pequeños,

como si también nosotros

       no pudiésemos partir

 

POEMA VI

 

El traje que vestí mañana

no lo ha lavado mi lavandera:

lo lavaba en sus venas otilinas,

en el chorro de su corazón, y hoy no he

de preguntarme si yo dejaba

el traje turbio de injusticia.

 

A hora que no hay quien vaya a las aguas,

en mis falsillas encañona

el lienzo para emplumar, y todas las cosas

del velador de tanto qué será de mí,

todas no están mías

a mí lado.

                     Quedaron de su propiedad,

fratesadas, selladas con su trigueña bondad.

 

Y si supiera si ha de volver;

y si supiera qué mañana entrará

a entregarme las ropas lavadas, mi aquella

lavandera del alma. Qué mañana entrará

 

satisfecha, capulí de obrería, dichosa

de probar que si sabe, que si puede

                     COMO NO VA A PODER!

Azular y planchar todos los caos.

 

  

POEMA XVIII

 

Oh las cuatro paredes de la celda.

Ah las cuatro paredes albicantes

que sin remedio dan al mismo número.

 

Criadero de nervios, mala brecha,

por sus cuatro rincones cómo arranca

las diarias aherrojadas extremidades.

 

Amorosa llavera de innumerables llaves,

si estuvieras aquí, si vieras hasta

qué hora son cuatro estas paredes.

Contra ellas seríamos contigo, los dos,

más dos que nunca. Y ni lloraras,

di, libertadora!

 

Ah las paredes de la celda.

De ellas me duele entretanto, más

las dos largas que tienen esta noche

algo de madres que ya muertas

llevan por bromurados declives,

a un niño de la mano cada una.

 

Y sólo yo me voy quedando,

con la diestra, que hace por ambas manos,

en alto, en busca de terciario brazo

que ha de pupilar, entre mi dónde y mi cuándo,

esta mayoría inválida de hombre.

 

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TRILCE
em PORTUGUÊS

POEMA I
(de Trilce)

         Tradução de A. Pinheiro


QUEM FAZ TANTO BARULHO, e nem deixa
legar as ilhas que vão restando.
Um pouco mais de consideração
em quanto será tarde, recente,
e se aquilatará melhor
o guano, a simples calabrina tesórea
que brinda sem querer,
no insular coração,
salobre alcatraz, a cada hialóidea
golfada.

Um pouco mais de consideração
e o terriço líquido, seis dessa tarde
COM OS MAIS SOBERBOS BEMÓIS.
E a península empina-se
pelas costas, acabresteada, impertérrita,
numa linha mortal do equilíbrio.

 

Poema II

Tradução de Lucie de Lannoy

Revisão de . A. Müller


Tempo Tempo

Meio-dia estancado entre relentos.
Bomba enjoada do quartel deságua
Tempo tempo tempo tempo.

Era Era.

Gallos cantam escarvando em vão.
Boca de um claro dia conjuga
Era era era era.

Amanhã Amanhã.

O repouso ainda quente de ser.
Pensa o presente guarda-me para
Amanhã amanhã amanhã amanhã.

Nome Nome.


O que se chama quanto eriça-nos?
Chama-se O mesmo que padece
Nome nome nome nomE.

 

POEMA III

 

Tradução de Lucie de Lannoy

 

“E os adultos/a que horasvoltarão?

Toca as seis o cego Santiago,

E já está muito escuro.

Mãe disse quenão iria se demorar.

Aguedita, Nativa, Miguel,

Cuidado com ir por aí, por onde

Acabam de passar gangueando a suas memórias

dobradas penas,

Para o silencioso curral, e por onde

As galinhas que ainda estão se deitando,

Espantaram-se tanto.

Melhor fiquemos aqui.

Mãe disse que não iria se demorar.

Já não tenhamos pena.Vamos vendo
os barcos; o meu é o mais bonito de todos!

Com os quais brincamos todo o santo dia,

Sem brigas, como deve ser:

Ficaram na poça de água, prontos

Carregados de doce para amanhã.

Esperemos assim,obedientes e sem mais

Remédio, a volta, o desagravo

Dos adultos sempre dianteiros

Deixando-nos em casa, aos pequenos,

Como se também nós

Não pudéssemos partir”.


POEMA VI

 "O traje que vesti amanhã
Não o lavou minha lavadeira:
Lavava-o nas veias otilinas,
Ou num jorro do seu coração, enão vou
Já perguntar-me hoje se eu deixava
O traje turvo de injustiça.

Já em hora que não há quem vá às águas,
Em minhas pautas se empenacha
A tela para emplumar, e todas as coisas
Do abajur de tanto o que será de mim,
odas não estão minhas
Do meu lado.

Ficaram da sua propriedade,
Aplainadas, timbradas com sua trigueira bondade.

E se soubesse se há de voltar;
E se soubesse qual manhã entrará
Me entregará as roupas lavadas, aquela
Lavadeira da alma. Que amanhã entrará
Satisfeita, sapoti de olaria, ditosa
De provar que sabe sim, que pode sim
COMO NÃO VAI PODER!
Azular e quarar todo o caos”.

 

POEMA XVIII

 

 

“Oh, as quatro paredes da cela.
Ah, as quatro paredes albicantes

Que sem remédio dão ao mesmo número.

Criadouro de nervos, brecha má,
Pelos seus quatro cantos como tira
As diárias enferrujadas extremidades.

Amorosa chaveira de incontáveis chaves,
Se estivesses aqui, se visses até
Que hora são quatro estas paredes.
Contra elas seríamos contigo, os dois,
mais dois do que nunca. E nem chorarias,
Diz,libertadora!

 Ah as paredes da cela.
Delas me doem, no entanto, mais
 As duas longas que têm esta noite
Algo de mães que já mortas
Levam por bromurados declives,
Uma criança pela mão cada uma.

E apenas eu vou ficando,
Com a direita, que faz por ambas as mãos, em alto,
m busca de terciário braço
Que há de pupilar, entre meu onde e o meu quando,
Esta maioria inválida de homem”.

 

CÉSAR VALLEJO

 

De
A DEDO
Tradução Amálio Pinheiro
(Edição bilingue)
São Paulo: Arte Pau-Brasil, 1988

 

 

LOS ANILLOS FATIGADOS

 

Hay ganas de volver, de amar, de no ausentarse,

y hay ganas de morir, combatido por dos

aguas encontradas que jamás han de istmarse.

 

Hay ganas de un gran beso que amortaje a la Vida,

que acaba en el âfrica de una agonía ardiente,

suicida!

 

Hay ganas de... no tener ganas, Señor;

a ti yo te señalo con el dedo deicida:

hay ganas de no haber tenido corazón.

 

La primavera vuelve, vuelve y se irá. Y Dios,

curvado en tiempo, se repite, y pasa, pasa

a cuestas con la espina dorsal del Universo.

 

Cuando las sienes tocan su lúgubre tambor,

cuando me duele el sueno grabado en un puñal,

¡hay ganas de quedarse plantado en este verso!

 

 

         (De Los Heraldos Negros, 1918)

 

 

OS ANÉIS FATIGADOS

 

Há sanhas de voltar, de amar, de não ausentar-se,

e há sanhas de morrer, combatido por duas

águas encontradas que jamais hão de istmar-se.

 

Há sanhas de um bom beijo que amortalhe esta Vida,

que acaba na áfrica de uma agonia ardente,

suicida!

 

Há sanhas de. .. não se ter sanhas, Senhor;

a ti eu indicio com o dedo deicida:

há sanhas de não haver-se tido coração.

 

A primavera volta, volta e ir-se-á. E Deus,

torto de tempo, se repete, e passa, passa

com a espinha dorsal às costas do Universo.

 

Quando as têmporas tocam seu lúgubre tambor,

quando me lanha o sonho gravado num punhal,

há sanhas de plantar-se fincado neste verso!

 

         (De Los Heraldos Negros, 1918)

 

 

 

ESPERGESIA                                                 

 

Yo nací un día

que Dios estuvo enfermo.

 

Todos saben que vivo,

que soy malo; y no saben

del diciembre de ese enero.

Pues yo nací un día

que Dios estuvo enfermo.

 

Hay un vacío

en mi aire metafísico

que nadie ha de palpar:

el claustro de un silencio

que habló a flor de fuego.

Yo nací un día

que Dios estuvo enfermo.

 

Hermano, escucha, escucha...

Bueno. Y que no me vaya

sin llevar diciembres,

sin dejar eneros.

Pues yo nací un día

que Dios estuvo enfermo.

 

Todos saben que vivo,

que mastico... Y no saben

por quê en mi verso chirrían,

oscuro sinsabor de féretro,

 

luyidos vientos

desenroscados de la Esfinge

preguntona del Desierto.

 

Todos saben... Y no saben

que la Luz es tísica,

y la Sombra gorda...

Y no saben que el Misterio sintetiza...

 

que él es la joroba

musical y triste que a distancia denuncia

el paso meridiano de Ias lindes a las Lindes,

 

Yo nací un día

que Dios estuvo enfermo,

grave.

 

         (De Los Heraldos Negros, 1918)

 

 

ESPERGESIA

Eu nasci um dia
que Deus ficou enfermo.

Todos sabem que vivo,
que não presto; e não sabem
desse dezembro em janeiro.
Pois eu nasci num dia em
que Deus ficou enfermo.

Há um vazio
em meu ar metafísico
que ninguém vai palpar:
o claustro de um silêncio
que fala à flor do fogo.
Eu nasci um dia
que Deus ficou enfermo.

Irmão, escuta, escuta...
Bem. Que não me vá embora
sem levar dezembros,
sem deixar janeiros.
Pois eu nasci num dia em
que Deus ficou enfermo.

Todos sabem que vivo,
que mastigo... E não sabem
por que em meu verso guincham,
escuro ressabio de féretro,
rumbudos ventos
desenroscados da Esfinge
inquisidora do Deserto.

Todos sabem... E não sabem
que a Luz é tísica,
e a Sombra é gorda
E não sabem que o Mistério sintetiza...
que ele é a corcova
musical e triste que denuncia à distância
o passo meridiano dos limites aos Limites.

Eu nasci um dia
que Deus ficou enfermo,
grave.

         (De Los Heraldos Negros, 1918)

 

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XIII

 

Pienso en tu sexo.

Simplificado el corazón, pienso en tu sexo,

ante el hijar maduro dei dia.

Palpo el botón de dicha, está en sazón.

Y muere un sentimiento antiguo

degenerado en seso,

 

Pienso en tu sexo, surco más prolífico

y armonioso que el vientre de Ia Sombra,

aunque la Muerte concibe y pare

de Dios mismo.

Oh Conciencia,

pienso, si, en el bruto libre

que goza donde quiere, donde puede.

Oh, escândalo de miel de los crepúsculos.

Oh estruendo mudo.

 

¡Odumodneutse!

 

 

         (De Trilce, 1922)

 

 

XIII

 

Penso em teu sexo.

Simplificado o coração, penso em teu sexo,

ante a ilharga madura do dia.

Palpo o broto de febre, está em sezão.

E morre um sentimento antigo

degenerado em senso.

 

Penso em teu sexo, sulco mais prolífico

e harmonioso do que o ventre da Sombra,

embora a Morte conceba e paira

de Deus mesmo.

Oh Consciência,

penso no bruto livre, sim,

que goza aonde quer, aonde pode.

 

Oh, escândalo de mel destes crepúsculos.
Oh estrondo mudo.

 

Odumodnortse!

 


         (De Trilce, 1922)

 

 

 

 

PIEDRA NEGRA SOBRE UNA PIEDRA BLANCA

 

Me moriré en París con aguacero,

un día del cual tengo ya el recuerdo.

Me moriré en Paris — y no me corro —

Tal vez un jueves, como es hoy, de otoño.

 

Jueves será, porque hoy, jueves, que proso

estos versos, tos húmeros me he puesto

a la mala y, jamás como hoy, me he vuelto,

con todo mi comino, a verme solo.

 

César Vallejo ha muerto, le pegaban

todos sin que él les haga nada;

le daban duro con un palo y duro

 

también con una soga; son testigos

los días jueves y los huesos húmeros,

la soledad, la lluvia, los caminos...

 

PEDRA NEGRA SOBRE UMA PEDRA BRANCA

 

Morrerei em Paris com aguaceiro

num dia do qual trago aqui a lembrança.

Morrerei em Paris — e eu não corro —

talvez na quinta, como hoje, de outono.

 

Será quinta, pois hoje, quinta, que proso

estes versos, os húmeros tenho postos

no malote e, jamais me vi, quanto hoje,

desde que venho vindo, tanto a sós.

 

          Morreu César Vallejo, lhe batiam
          todos sem que lhes fizesse nada;
          pegavam duro com um pau e duro

          também com um açoite; testemunham
           as quintas feiras e esses ossos húmeros,
          a solidão, a chuva, os caminhos...

 

 

INTENSIDAD Y ALTURA

 

Quiero escribir, pero me sale espuma,

quiero decir muchísimo y me atollo;

no hay cifra hablada que no sea suma,

no hay pirámide escrita, sin cogollo.

 

Quiero escribir, pero me siento puma;

quiero laurearme, pero me encebollo.

No hay toz hablada, que no llegue a bruma,

no hay dios ni hijo de dios, sin desarrollo.

 

Vámonos, pues, por eso, a comer yerba,

carne de llanto, fruto de gemido,

nuestra alma melancólica en conserva.

 

Vámonos! Vámonos! Estoy herido;

Vámonos a beber lo ya bebido,

vámonos, cuervo, a fecundar tu cuerva.

 

 

INTENSIDADE E ALTURA

 

Quero escrever, porém me sai espuma,

quero falar muitíssimo e me entalo;

não há cifra dita que não dê mais uma,

não há pirâmide escrita, sem seu talo.

 

Quero escrever, porém me sinto puma;

quero laurear-me, mas me cinjo de alho.

Não há voz tossida, que não chegue a bruma,

não há deus nem filho seu, sem desdobrá-lo.

 

Vamos embora, por isso, comer erva,
carne de pranto, fruto de gemido,
nossa alma melancólica em conserva.

Vamo embora! Vambora! Estou ferido;
Vamos, então, beber o já bebido,
vamos já, corvo, fecundar tua corva.
 

 

Traduções de

ANDERSON BRAGA HORTA

 

IDILIO MUERTO

 

Qué estará haciendo esta hora mi andina y dulce Rita

de junco y capulí;

ahora que me asfixia Bizancio, y que dormita

la sangre, como flojo cognac, dentro de mí.

 

Dónde estarán sus manos que en actitud contrita

planchaban en las tardes blancuras por venir;

ahora, en esta lluvia que me quita

las ganas de vivir.

 

Qué será de su falda de franela; de sus

afanes; de su andar;

de su sabor a cañas de mayo del lugar.

 

Ha de estarse a la puerta mirando algún celaje,

y al fin dirá temblando: “Qué frío hay... Jesús!”

Y llorará en las tejas un pájaro salvaje.

 

                                                              (Los Heraldos Negros)

 

 

IDÍLIO MORTO

 

Que faz a esta hora a minha andina e doce Rita

de junco e capulim;

hora em que me asfixia Bizâncio, e em que dormita

o sangue, como frouxo conhaque, dentro em mim.

 

Onde estão suas mãos que em atitude pia

engomavam brancuras por vir, no entardecer;

agora, nesta chuva que me esfria

a gana de viver.

 

Que será de sua saia de flanela, de seus

afãs; de seu andar;

de seu sabor de canas de maio do lugar.

 

Está decerto à porta a fitar a celagem,

e alfim dirá tremendo: “Que frio faz... meu Deus!”

E chorará nas telhas um pássaro selvagem.                                                        

          ------------------------------------------------------

 

 

LOS PASOS LEJANOS

 

Mi padre duerme. Su semblante augusto

figura un apacible corazón;

está ahora tan dulce...

si hay algo en él de amargo, seré yo.

 

Hay soledad en el hogar; se reza;

y no hay noticias de los hijos hoy.

Mi padre se despierta, ausculta

la huída a Egipto, el restañante adiós.

Está ahora tan cerca;

si hay algo en él de lejos, seré yo.

 

Y mi madre pasea allá en los huertos,

saboreando un sabor ya sin sabor.

Está hora tan suave,

tan ala, tan salida, tan amor.

 

Hay soledad en el hogar sin bulla,

sin noticias, sin verde, sin niñez.

Y si hay algo quebrado en esta tarde,

y que baja e que cruje,

son dos viejos caminos blancos, curvos.

Por ellos va mi corazón a pie.

 

(Los Heraldos Negros)

 

 

OS PASSOS DISTANTES

 

Dorme meu pai. E seu semblante augusto

parece um aprazível coração;

está agora tão doce...

se há nele algo de amargo, serei eu.

 

Há solidão no lar; nele se reza,

e notícia dos filhos não se tem.

Meu pai desperta, ausculta

a fuga para o Egito, o estancador adeus.

Está agora tão perto;

se algo distante há nele, serei eu.

 

E minha mãe passeia no quintal,

saboreando um sabor já sem sabor.

Está agora tão suave,

tão asa, tão saída, tão amor.

 

Há solidão no lar, assim sem bulha,

sem notícias, sem verde, sem infância.

E se há algo quebrado nesta tarde,

e que desce e que range,

são dois velhos caminhos brancos, curvos.

Por eles vai meu coração a pé.      

 

 

 

***

 

TRADUÇÕES DE IVO BARROSO

 

 

XVIII

 

0h las cuatro paredes de la celda.

 

Ah las cuatro paredes albicantes

 

que sin remedio dan al al mismo número.

 

Criadero de nervios, mala brecha,

por sus cuatro rincones cómo arranca

las diarias aherrojadas extremidades.

 

Amorosa llavera de innumerables llaves,

si estuvieras aquí, si vieras hasta

qué hora son cuatro estas paredes.

Contra ellas seríamos contigo, los dos,

más dos que nunca. Y ni lloraras,

di, libertadora!

 

Ah las paredes de la celda.

De ellas me duele entretanto más

las dos largas que tienen esta noche

algo de madres que ya muertas

llevan por bro murados declives,

a un niño de la mano cada una.

 

 

XVIII

 

Oh as quatro paredes desta cela.

Ah as quatro paredes alvacentas

que infalíveis recaem no mesmo número.

 

Chocadeira de nervos, brecha amarga,

pêlos seus quatro cantos como arranca

extremos todo dia aferrolhados.

 

Amorosa chaveira de inumeráveis chaves,

se estivesses aqui, visses até

que horas são quatro estas paredes.

Contra elas seríamos contigo, nós dois,

mais dois que nunca. Nem chorarias,

não é, libertadora!

 

Ah as paredes desta cela.

O que mais me dói delas no entanto

são as duas maiores que esta noite

têm algo de mães já mortas

que levam por declives bromurados

cada qual um menino pela mão.

 

Enquanto fico aqui sozinho,

com a direita, que serve pelas duas,

erguida, em busca do terceiro braço

que há de velar, entre meu onde e quando,

a maioridade inválida do homem.

 

 

La Araña

 

Es una araña enorme que ya no anda;

una araña incolora, cuyo cuerpo,

una cabeza y un abdomen, sangra.

 

Hoy la he visto de cerca. Y con qué esfuerzo

hacia todos los flancos

sus pies innumerables alargaba.

Y he pensado en sus ojos invisibles,

los pilotos fatales de la araña.

 

Es una araña que temblaba fija

en un filo de piedra;

el abdomen a un lado,

y al otro la cabeza.

 

Con tantos pies la pobre, y aún no puede

resolverse. Y, al verla

atónita en tal trance,

hoy me ha dado qué pena esa viajera.

 

Es una araña enorme, a quien impide

el abdomen seguir a la cabeza.

Y he pensado en sus ojos

y en sus pies numerosos...

¡Y me ha dado qué pena esa viajera!

 

 

A Aranha

 

Uma aranha tão grande que nem anda;

uma aranha incolor, mas cujo corpo,

uma cabeça e um abdómen, sangra.

 

Hoje a vi de bem perto. Com que esforço

para todos os lados

seus pés inumeráveis distendia.

E eu pensava nos olhos invisíveis,

os pilotos fatais daquela aranha.

 

Era uma aranha que tremia presa

em um fio de pedra;

o abdómen para um lado

e para o outro a cabeça.

 

Com tantos pés e a pobre não encontra

uma saída. E ao vê-la,

atónita em seu transe,

que pena que me deu essa andarilha.

 

Uma aranha tão grande, a quem impede

o abdómen de seguir com a cabeça.

E eu pensava em seus olhos,

em seus pés numerosos...

Que pena que me deu essa andarilha!

 

 

Extraído de
http://safraquebrada.blogspot.com/

Blogue de SALOMÃO SOUSA

 

 

 

 Piedra Negra Sobre Una Piedra Blanca

 

 Me moriré en París con aguacero,
un día del cual tengo ya el recuerdo.
Me moriré en París -y no me corro-
tal vez un jueves, como es hoy, de otoño.

 

 Jueves será, porque hoy, jueves, que proso
estos versos, los húmeros me he puesto
a la mala y, jamás como hoy, me he vuelto,
con todo mi camino, a verme solo.

                         

 César Vallejo ha muerto, le pegaban
todos sin que él les haga nada;
le daban duro con un palo y duro

 

 también con una soga; son testigos
los días jueves y los huesos húmeros,
la soledad, la lluvia, los caminos…

 

                   Del libro Poemas humanos (1939)

 

 

 

       Pedra negra sobre uma pedra branca

 

                         César Vallejo

 

Morrerei em Paris com aguaceiro,
de tal dia eu já tenho lembrança.
Morrerei em Paris - e não fujo -
Talvez uma quinta-feira, como é hoje outono.

Quinta-feira vai ser, porque hoje, quinta-feira,
que proseio estes versos, os úmeros deixei na pior
e, jamais como hoje, voltei,
com todo meu destino, a me ver só.

César Vallejo morreu, espancavam-no
todos sem que ele nada lhes fizesse;
nele davam duro com um pau e duro

também com uma soga; são testemunhas
as quintas-feiras e os ossos úmeros,
a solidão, a chuva, os caminhos...

                                      Versão: Salomão Sousa

 

 

 LA ARAÑA

 

 Es una araña enorme que ya no anda;

 una araña incolora, cuyo cuerpo,

 una cabeza y un abdomen, sangra.

 

Hoy la he visto de cerca. Y con qué esfuerzo

hacia todos los flancos

sus pies innumerables alargaba.

Y he pensado en sus ojos invisibles,

los pilotos fatales de la araña.

 

Es una araña que temblaba fija

en un filo de piedra;

el abdomen a un lado,

y al otro la cabeza.

 

Es una araña enorme, a quien impide

el abdomen seguir a la cabeza.

Y he pensado en sus ojos

y en sus pies numerosos...

¡Y me ha dado qué pena esa viajera!

 

                         César Vallejo, 1918            

 

 

A ARANHA

 

É uma aranha enorme que já não 

anda; uma aranha incolor, cujo

corpo,

uma cabeça e um abdômen, sangra.

 

Hoje eu a vi de perto. E com que

esforço para todos os flancos 

seus pés enumeráveis alargava.

E pensei em seus olhos 

invisíveis, os pilotos fatais da

aranha.

 

É uma aranha que tremia

fixa num fio de pedra;

o abdômen de um 

lado, e do outro

a cabeça.

 

Com tantos pés a pobre, e ainda não 

pode resolver-se. E ao vê-la

atônita em tal transe,

hoje eu senti pena dessa viajante.

 

É uma aranha enorme, a quem

impede o abdômen avançar a

cabeça. 

E pensei em seus

olhos e em seus pés 

numerosos...

E senti pena dessa viajante!

 

                   Versão: SALOMÃO SOUSA

 

 

 

 

 Página ampliada e republicada em agosto de 2008; republicada em fev. e em abril de 2009; Ampiiada e republicada em janeiro de 2013. Ampliada em setembro de 2016

 



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