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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

POETAS DO AMAZONAS

Coordenação: Donaldo Mello  e  Inês Sarmet


Inês Sarmet
s/fotos do encarte do CD   A criação do mundo


 

THIAGO  DE  MELLO 

1926-2022


Amadeu Thiago de Mello nasceu na cidade de Barreirinha, no Amazonas, em 30 de março de 1926. Depois de fazer sua escolarização inicial em Manaus, foi para o Rio de Janeiro, onde veio a ingressar na Faculdade de Medicina, tendo desistido do curso no 4° ano. Viveu longos anos de exílio no Chile, onde permaneceu até a queda de Allende. É membro da Academia Amazonense de Letras e mora, há anos, em sua cidade natal, em casa projetada pelo arquiteto Lucio Costa. Vasta é a obra de Thiago de Mello, que acaba de receber bonita homenagem, realizada em 19 de abril de 2006, na Câmara dos Deputados, em Brasília, em comemoração aos seus 80 anos. Muitos de seus livros foram traduzidos no Chile, em Cuba, na Argentina, em Portugal, nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e na Inglaterra, entre outros países. Thiago de Mello é tradutor de Pablo Neruda, T.S. Eliot e Ernesto Cardenal, entre outros e sua obra também está apresentada em discos, alguns com locução do autor, como Poesias de Thiago de Mello (1963), Mormaço na Floresta ( 1986), Os Estatutos do Homem e Poemas Inéditos ( 1992) e A criação do mundo (2006).

 
Entre os livros de poesia publicados poderiam ser destacados: Silêncio e Palavra  (1951), Narciso Cego (1952), Vento Geral (reunião dos livros anteriores e mais três inéditos: Tenebrosa Acqua, O Andarilho e a Manhã e Ponderações que faz o defunto aos que lhe fazem o velório - 1960), Faz Escuro mas Eu Canto ( com 1ª edição em 1965 e muitas reedições),A Canção do Amor Armado ( 1ª edição em 1966), Os Estatutos do Homem (com desenhos de Aldemir Martins, 1ª edição em 1977), Horóscopo para os que Estão Vivos ( 1ª edição em 1966), Mormaço na Floresta ( 1ª edição em 1981), De uma vez por todas (1ª edição 1996 Prêmio Jabuti 1997) e Os Estatutos do Homem, em edição de luxo trazida a público pela Valer em 1999. Publicou também, vários livros em prosa , como Borges na Luz de Borges ( 1993) e  Amazonas, Pátria da Água ( edição de luxo, bilíngüe - português e inglês -, com fotografias de Luiz Cláudio Marigo, em 1991).
 

"Misturando prosa e poesia, crônica e até anúncio imobiliário, o amazonense de Barreirinha, o cidadão do mundo, o personagem de nossa época, o poeta de A Canção do Amor Armado penetra na memória, obtendo a síntese do urbano e do telúrico, do lírico e do social. Comprometido com a sua terra e com a sua gente, de uma vez por todas Thiago de Mello assume a expressão de um poeta verdadeiramente universal."  CARLOS HEITOR CONY.
 

“Precisamos do menino que você guarda em você e que ajuda a ser mais homem o homem que você é. Agüente o barco, querido amigo! Muitas madrugadas, cheias de orvalho macio, esperam por você. Andarilho da liberdade, você tem ainda muitos trilhos a percorrer; seus braços longos, muitas crianças a abraçar; suas mãos, muitos poemas a escrever."  PAULO FREIRE 
 

“Thiago de Mello é um poeta na contramão da modernidade e isso bastaria para distanciá-lo de seus pares, mas há ainda um fator circunstancial a considerar: desde que retornou do exílio, em 1978, voltou a viver na distante Barreirinha, pequena vila de 5 mil habitantes encravada no Baixo Amazonas, em pleno coração da floresta. Quando volta do sul do País, depois de voar até Manaus e de lá num pequeno avião até Parintins, o poeta ainda é obrigado a enfrentar uma longa viagem de barco, de mais de cinco horas, até chegar em casa.” JOSÉ CASTELLO

“A candente autenticidade de seus versos decorre, além do mais, da firme coerência que existe entre a obra e o modo de ser do poeta. Não se fechando em gabinetes, ele se põe por inteiro nessa luta em busca da justiça e da dignidade, e tem pago duro preço por isso, inclusive detenções arbitrárias e o amargor do exílio." ÊNIO SILVEIRA 

“Imenso, em sua ternura vestida de branco, o poeta passeia por entre a bruma da memória. E não tropeça, e não vacila, porque esse é o caminho que ele trilha, com seu andar cambaio de caboclo suburucu, desde sempre”. ZEMARIA PINTO

ARCO E LIRA AMAZÔNICOS

 

Comovi-me apreciando Thiago de Mello fazer leitura de seus poemas no Salão Nobre da Câmara Federal, em noite memorável. Ali, ineditamente, conseguiu o poeta amazônico-universal reunir a bancada do Estado do Amazonas, como assinalado aos presentes. E assim, transformar senhores deputados e senadores em intérpretes de um jogral, como simples colegiais – “de castigo” – declamando Os Estatutos do Homem.

Numa hora em que nosso país vive grande sofrimento e os políticos, em especial, estão desacreditados, ouviu-se soar profundo, na voz sumida de um senador em plena senectude: “Artigo VII - Por decreto irrevogável fica estabelecido/ o reinado permanente da justiça e da claridão,/ e a esperança será uma bandeira generosa/ para sempre desfraldada na alma do povo.”

Como um solene violino Stradivarius, então ecoou alegre - aos oitenta anos -, o canto da lira thiaguiana, lançando (seta certeira) aos corações enternecidos um bálsamo revigorante: a poesia do “menino de Barreirinha”, uma vez , sempre. DONALDO MELLO, em  20 de maio 2006

 

Veja também: Poema “O Ofício de escrever” na seção de Poesia infanto-juvenil

 


ANICO HERSKOVITZ, 1988
Montevidéu, Uruguai)  Xilogravurfa 20x29 cm.  Acervo CAL.

ARTIGO 5º ESTATURO DO HOMEM,
do poema de THIAGO DE MELO.

Extraído de:  ACERVO DE ARTE – UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Análise Werngartner Ferreira et al.  Brasília, DF: Editora da UnB, 2014.  157 p. 24x24 cm. Capa dura.  ISBN 978-85-230-      1142-0  de Ciência da Informação, no prédio da Biblioteca Central.

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL


POEMS IN ENGLISH

TEXTO EM ITALIANO


 

LOS  ESTATUTOS  DEL  HOMBRE

 

Artículo 1


Queda decretado

que ahora vale la vida,
que ahora vale la verdad,
y que de manos dadas
trabajaremos todos

por la vida verdadera. 



Artículo 2


Queda decretado

que todos los días de la semana,
inclusive los martes

más grises, tienen derecho

a convertirse en mañanas

de domingo. 



Artículo 3


Queda decretado que,

a partir de este instante,
habrá girasoles en todas las ventanas,
que los girasoles tendrán derecho
a abrirse dentro de la sombra;
y que las ventanas deben permanecer

el día entero abiertas para el verde

donde crece la esperanza.  



Artículo 4


Queda decretado que el hombre
no precisará nunca más
dudar del hombre.
Que el hombre confiará en el hombre
como la palmera confía en el viento,
como el viento confía en el aire,
como el aire confía en el campo azul

del cielo.

El hombre confiará en el hombre
como un niño confía en otro niño.

 

 

Artículo 5

Queda decretado que los hombres
están libres del yugo de la mentira.
Nunca más será preciso usar
la coraza del silencio
ni la armadura de las palabras.
El hombre se sentará a la mesa
con la mirada limpia,
porque la verdad pasará a ser servida
antes del postre.

 

Artículo 6


Queda establecida,

durante diez siglos,
la práctica soñada por el profeta Isaías,
y el lobo y el cordero pastarán juntos
y la comida de ambos

tendrá el mismo gusto a aurora.



Artículo 7


Por decreto irrevocable
queda establecido el reinado permanente
de la justicia y de la claridad.
Y la alegría será una bandera generosa
para siempre enarbolada
en el alma del pueblo.



Artículo 8


Queda decretado

que el mayor dolor
siempre fue y será siempre
no poder dar amor

a quien se ama,
sabiendo que es el agua
quien da a la planta

el milagro de la flor.



Artículo 9


Queda permitido

que el pan de cada día
tenga en el hombre

la señal de su sudor.
Pero que sobre todo

tenga siempre
el caliente sabor

de la ternura.



Artículo 10

 

Queda permitido

a cualquier persona,
a cualquier hora de la vida,
el uso del traje blanco.
 


Artículo 11


Queda decretado,

por definición,
que el hombre

es un animal que ama,
y que por eso es bello,
mucho más bello

que la estrella de la mañana.

 

Artículo 12


Decrétase que nada

estará obligado ni prohibido.
Todo será permitido,

inclusive jugar con los rinocerontes

y caminar por las tardes

con uma inmensa begonia em la solapa.

 

Sólo uma coisa queda prohibida:

amar sin amor.

 

 

Artículo 13

 

Queda decretado que el dinero

no podrá nunca más comprar el sol

de lãs mañanas venideras.

Expulsado del gran bául del miedo,

el dinero se transformará

en una espada fraternal

para defender el derecho de cantar

y la  fiesta del día que llegó.

.

 

Artículo final

 

Queda prohibido

el uso de la palabra libertad,

la cual será suprimida de los diccionarios

y del pantano engañoso de las bocas.

A partir de este instante

la libertad será algo vivo y transparente,

como um fuego o un río,

o como la semilla del trigo

y su morada será siempre

el corazón del hombre.


(Tradução de Pablo Neruda, conforme constante em

Os Estatutos do Homem, Vergara & Riba Editoras, 2001) 

 

 

 

 

MELLO, Anisio.  Lira amazônica - Antologia. Vol. i        São Paulo: Edição Correio do Norte, 1970.   286 p.    Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

                RELVA DOURADA

Havia um pouco de céu
derramado pelo chão:
podia ser um arco-íris
crescendo cor no capim.
Parecia um grande pássaro,
um torso de animal nobre,
lembrava um vaso sagrado.
Era o milagre em silêncio:
um milagre longo e esguio
na claridão da manhã.
De repente era um pendão
atravessado no vento.
Feito de mito e de azul,
repousava em seu mistério
imóvel: porém chegava
como se fosse um clarim.
Tão simples como uma flor,
e límpido como o orvalho
— não era deusa nem pássaro
nem arco-íris nem mito;
mas simplesmente uma moça
serenamente estendida
dourada dentro do sol.

 

 

 

       AS DÁDIVAS GUARDADAS

                (Para Theresa)

De tudo quanto me trouxeste à vida
— aonde chegaste como chega um pássaro
grande e cantando a um campo triste
— eu guardo
o teu riso chegando e me esgarçando
a tristeza e esgarçando, de tão doce,
as brisas que passeavam pela noite
subitamente transformada em dia.

Guardo portanto a aurora. Guardo a infância
redescoberta em mim por tuas mãos
sepulta que ela estava sob sombras.
Guardo o primeiro cântaro de amor
que me fizeste florescer ao peito;
a dança do carinho que pousaste
pela primeira vez nas águas ermas
do açude fundo e velho dos meus olhos.
Guardo o meu nome escrito na ternura
de tua voz e guardo a tua voz
no recado eterno que me deste.
Guardo a poesia de passear contigo,
o teu braço no meu, pelas manhãs,
e guardo o roçagar das tuas roupas,
desfraldadas aos ventos que inventei.

De tudo o que me deste, guardo — se guardo —
como quem guarda o sangue com que nasce —
a alegria a bailar nas madrugadas
cheias de um sol que esplende em tua boca;
o silêncio ofegante da entressombra
envolvendo, amorosa, os nossos corpos
tão companheiros em perene abraço,
como outrora jamais eu pressentira,
feito de corpo e coração.

Eu guardo
as bandeiras que ergueste, balisando
o meu caminho torto, e as esperanças
— as esperança todas: a da casa
simples e grande e cheia de crianças,
guardada e resguardada pelo amor.

De tudo quanto me trouxeste à vida,
guardo-te o amor: como quem guarda um mar,
um mar alado, um mar feito de pássaros
voando, voando.  Assim te guarde o amor:

        como quem guarda um mar dentro do peito.

 

                 (Rev. “Manchete”, Rio de Janeiro, 28-1-560

 

 

EN ESPAÑOL

 

Unión LIBRE

www.unionlibre.rakumin.org/

No. 470 - 26 de abril de 2020

 

Curandero y fotografías Enrique Hernández-D’Jesús Thiago de Mello nació en 1926, en Barreirinha, Brasil, en el centro del corazón de la Selva Amazónica. Thiago de Mello es un patrimonio del Amazonas, de la poesía latinoamericana y del mundo, un poeta que ha transitado con su aptitud, con su palabra, su ética, su vida, su tierra y su gente. Tiene importantes libros publicados desde 1951. En el conjunto de su obra, se destacan: Está; Oscuro pero canto; La canción del amor armando; Bochorno en la floresta; Viento general y En un campo de margaritas; Noticias de la visita que hice en el verano de 1953 al río Amazonas y sus barrancos; Arte y ciencia de elevar cometas; Amazonía, La niña de los ojos del mundo; y El pueblo sabe lo que dice. Su poema Los Estatutos del Hombre fue editado en más de treinta países. Ha traducido al portugués a César Vallejo, Pablo Neruda, Ernesto Cardenal y Eliseo Diego, entre otros. Thiago de Mello piensa que el arte debe siempre servir a la vida; que además de su estética, debe tener también una finalidad ética.

 

Curandero y fotografías

Enrique Hernández-D’Jesús

 

 

LOS ESTATUTOS DEL HOMBRE 

 

                Thiago      de     Mello

 

Traducción de Mario Benedetti:

 

 

Artículo 1.

       

Queda decretado que ahora vale la vida,

Que ahora vale la verdad,   

Y que de manos dadas

Trabajaremos todos por la vida verdadera.

 

 

Artículo 2. 

 

Queda decretado que todos los días de la semana,  

Inclusive los martes más grises,   

Tienen derecho a convertirse em mañanas de domingo.

 

 

Artículo 3. 

 

Queda decretado que, a partir de este instante,      

Habrá girasoles em todas las ventanas, 

que los girasoles tendrán derecho

a abrirse dentro de la  sombra;    

y que las ventanas deben permanecer el día entero 

abiertas para el verde donde crece la esperanza.

 

 

Artículo      4.    

 

Queda decretado que el hombre   

No precisará nunca más      

dudar del hombre.     

Que el hombre confiará en el hombre   

como la palmera confia em el viento,    

como el viento confia en el aire,   

como el aire confia en el campo azul el cielo.

 

Parágrafo  único:       

 

El hombre confiará en el hombre  

como un niño confia en outro niño.

 

 

Artículo 5. 

 

Queda decretado que los hombres

están libres del yugo de la mentira.

Nunca más será preciso usar

La coraza del silencio  

ni la  armadura de las palabras.   

El hombre se sentará a la mesa    

con la mirada limpia,  

porque la verdad pasará a ser servida   

antes del postre.

 

 

Artículo 6. 

 

Queda establecida, durante diez siglos,  

La práctica soñada por el profeta Isaías,

y el lobo y el cordero pastarán juntos    

y la comida de ambos tendrá el mismo gusto a aurora.

 

 

Artículo 7. 

 

Por decreto irrevocable

queda establecido      

el reinado permanente

de la justicia y de la claridad.      

Y la alegría será una bandera generosa 

Para siempre enarbolada     

en el alma del pueblo.

 

 

Artículo 8. 

 

Queda decretado que el mayor dolor     

siempre fue y será siempre  

no poder dar amor a quien se ama,      

sabendo que es elagua

quien da a la planta el milagro de la flor.

 

 

Artículo 9. 

 

Queda permitido que el pan de cada día

tenga en el hombre la señal de su sudor.

Pero que sobre todo tenga siempre       
el caliente sabor de la ternura.

 

 

Artículo 10.

 

Queda permitido a cualquier persona,   

a cualquier hora de la vida,  

el uso del traje blanco.

 

 

Artículo 11.

 

Queda decretado, por  definición, 

que el hombre es un animal que ama,  

y que por eso es bello,

mucho más bello que la estrella de la mañana.

 

 

Artículo 12.

 

Decrétese que nada estará obligado ni prohibido.    

Todo será  permitido.

 

 

 



 
TEXTOS EM PORTUGUÊS

 

OS ESTATUTOS DO HOMEM

 

Poema que escrevi em 1964,                              

em protesto contra o terror da ditadura militar.   

É dedicado a Car/os Heitor Cony

 

 

Artigo I.

 

Fica decretado que agora vale a verdade,

que agora vale a vida

e que, de mãos dadas,

trabalharemos todos pela vida verdadeira.

 

 

Artigo II.

 

Fica decretado que todos os dias da semana,

inclusive as terças-feiras mais cinzentas,

têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

 

 

Artigo III.

 

Fica decretado que, a partir deste instante,

haverá girassóis em todas as janelas,

que os girassóis terão direito

a abrir-se dentro da sombra

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,

abertas para o verde onde cresce a esperança.

 

 

Artigo IV.

 

Fica decretado que o homem

não precisará nunca mais

duvidar do homem.

Que o homem confiará no homem

como a palmeira confia no vento,

como o vento confia no ar,

como o ar confia no campo azul do céu.

 

Parágrafo único:

O homem confiará no homem

como um menino confia em outro menino.

 

 

Artigo V.

 

Fica decretado que os homens

estão livres do jugo da mentira.

Nunca mais será preciso usar

a couraça do silêncio

nem a armadura de palavras.

O homem se sentará à mesa

com seu olhar limpo

porque a verdade passará a ser servida

antes da sobremesa.

 

 

Artigo VI.

 

Fica estabelecida, durante os milênios da vida,

a prática sonhada pelo profeta Isaías,

e o lobo e o cordeiro pastarão juntos

e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

 

 

Artigo VII.

 

Por decreto irrevogável fica estabelecido

o reinado permanente da justiça e da claridão,

e a esperança será uma bandeira generosa

para sempre desfraldada na alma do povo.

 

 

Artigo VIII.

 

Fica decretado que a maior dor

sempre foi e será sempre

não poder dar amor a quem se ama

sabendo que é a água

que dá à planta o milagre da flor.

 

 

Artigo IX.

 

Fica permitido que o pão de cada dia

tenha no homem o sinal do seu suor.

Mas que sobretudo tenha sempre

o quente sabor da ternura.

 

 

Artigo X.

 

Fica permitido a qualquer pessoa,

a qualquer hora da vida,

o uso do traje branco.

 

 

Artigo XI.

 

Fica decretado, por definição,

que o homem é um animal que ama

e que por isso é belo,

muito mais belo do que a estrela da manhã.

 

­

Artigo XII.

 

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.

Tudo será permitido,

inclusive brincar com os rinocerontes

e caminhar pelas tardes

com uma imensa begônia na lapela.

 

Parágrafo único:

 

Só uma coisa fica proibida:

amar sem amor.

 

 

Artigo XIII.

 

Fica decretado que o dinheiro

não poderá nunca mais comprar

o sol das manhãs vindouras.

Expulso do grande baú do medo,

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal

para defender o direito de cantar

e a festa do dia que chegou.

 

 

Artigo final.

 

Fica proibido o uso da palavra liberdade,

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas.

A partir deste instante

a liberdade será algo vivo e transparente

como um fogo, um rio,

como a semente do trigo

e a sua morada será sempre

o coração do homem.

 

(Poema transcrito como impresso no libreto do Cd A criação do mundo


 

LEÃO 

(21 de Julho a 20 de Agosto)

 

Leão é fogo, sonhos cerrados,

a rosa de amor feita de brasa.

A vida te será amável,

companheiro que avanças

sob o sortilégio do Sol.

 

A menos que sejas um Leão

cujos dias se cumprem

em certos pedaços de chão como o do Nordeste

da minha pátria, sob o sol da injustiça.

Mas é desgraça demasiada

para tão pouco horóscopo.

De resto, trata o meu zodíaco da vida,

que não é precisamente o que tu levas,

companheiro camponês.

Contudo, algo te digo: não te submetas,

dentes de esmeralda já se cravam

na entranha do latifúndio.

 

Quanto a ti, Leão poderoso,

sei que não calculas os momentos que vives,

não calculas nem medes,

confias nos teus átomos,

te encantam as turquesas,

ostentas a gordura,

esbanjas as suavidades.

Tuas razões terás, e são das fortes,

porque se nutrem da alheia desventura.

Mas não posso ocultar-te

que vejo fluidos escuros

baixando sobre tua cabeça.

Enquanto caminhas confiante,

levado por tua extrema ganância,

Saturno está só te olhando

com seu olho implacável.

Te recomendo, para começar,

empinar um papagaio agora mesmo,

pelo menos uma tarde por mês,

e publicamente.

Queres que eu te diga tudo?

Haverá um instante de inverno

em que sete astros se unirão

à esquerda da tua indiferença.

Sete astros, sete ventos,

sete nebulosas verdes,

sete segredos reunidos

contra tua força de homem,

que sempre foste sozinho,

que apenas contas contigo.

Vais ver enfim como te odeia

a multidão que te adula.

Vê se descobres um irmão,

vê se ainda podes ser irmão,

talvez possas, ainda é tempo.

Depende do teu coração,

se é que ainda o levas.

 

E tu, doce mulher de Leão,

não abandones assim tanto a cozinha:

inventa um guisado,

com aipo, ternura e orégano,

em fogo bem brando,

para o teu homem.

 

( transcrito de Horóscopo para os que estão vivos,

Martins Fontes)


Ilus. Inês Sarmet, com imagens constantes no livro Lucio Costa - registro de uma vivência.

 

MELLO, Thiago de.   Silêncio e Palavra.  4 edição revista pelo autor.  Manaus, AM: Valer  Editora, Cultura capa dura, sobrecapa.  Edições Governo do Estado do Amazonas,  2001.  134 p.            ilus. fotos com a imagem do autor em p&b.   “ Thiago de Mello “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

MELLO, Thiago deMormaço na Floresta.  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; São Paulo: Massao Ohno Editores, 1981  120 p.  (Coleção Poesia Sempre, volume 2)  14x20,5 cm.  “Orelha do livro por Ênio Silveira”.   “ Thiago de Mello “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

FOGO DE FRÁGUA

 

§. Sei que sou porque já fui

quando for no que serei.

O futuro se urde em mini

agora (quando? passou)

no centro fugaz da frágua

do presente, cujo fogo

se acende nas brasas

 

— que nunca se apagam —

e nas cinzas invisíveis

 

— que nunca se esfriam —

de tudo que já passou.

Sei que sou porque já fui

quando for no que serei.

 

        Verão no Porantim, -1980.

 

 

MELLO, Thiago de.  Num campo de margaridas.   Rio de Janeiro: Philobiblion, 1986.  123 p.   (Col. Poesia Sempre, 11)    14x21 cm.  .   “ Thiago de Mello “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

ME ASSOMBRO DE SER FELIZ

 

Perante o que não alcanço

discernir de mim, pergunto

por ti em meu ser, na esperança

de me saber.

 

Me responde

um cântico alado e livre

que vinca de verde o vento.

Pergunto quem sou:

 

um pássaro

me traz no bico o teu nome.

Docemente se desfaz

a precisão de indagar.

Inteira e livre a meu lado,

dormes, acordada em mim.

Já me basta com te olhar.

Me assombro de ser feliz.

 

 

MELLO, Thiago de.   Narciso Cego segundo do Romance do PrimogênitoRio de      Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1952.  59 p.  15x22,5 cm  “ Thiago de Mello “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

ARGILA

 

ARTEZÃOS negligentes esqueceram

em nós leves resquícios de imatéria:

 

mas essa frágil parte que se esquiva

da terrena prisão e tenta o voo

num arremedo de pássaro cego,

e que sem asas corta um outro espaço

tingido pelas cores dos enigmas,

logo retorna ao ver o seu impulso

anular-se ante a face do mistério.

 

Nestes regressos, triste se agasalha

entre os desvãos da argila e nos convence

de que estamos grotescamente fixos

no chão: berço, morada, e nosso além.

 

 

MELLO, Thiago de.  Vento Geral. Poesia 1951-1959.  Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1960.   193 p.  14xx21,5 cm.  “Desta 1ª. edição de Vento Geral foram tirados, fora de comércio, vinte exemplares em papel Westerpost, assinados pelo autor.” 

 

 

VIAGEM

 

Navego em nave de sonho

sobre os caminhos do mar.

Altas estrelas me guiam:

em que terras vou findar?

 

Noção de fim é precária

e impede rota segura,

todavia, colabora

na lida do velejar.

 

Fulge o sol: mar é cristal.

Entretanto, nunca espelha,

além da imagem do barco,

o que consome o barqueiro.

 

Segue o remo e raro fere,

entre os fúteis vagalhões,

a vaga preciosa vinda

das maiores profundezas.

 

E enquanto navego, lego

um pouco de minha carne

para nutrir esse mar

(porventura o enriquecendo).

 

Não que desvelo ou ternura

eu tenha por esse mar,

mas em tributo forçado

do que em mistério me oferta

(acaso me consumindo).

 

Luzes de faróis não logram

informar se longe, além,

é apenas e sempre mar

ou se praia encontrarei.

 

Navego em nave de sonho

sobre os caminhos do mar.

 

 

 

MELLO, Thiago de.  Poesia comprometida com a minha e a tua vida: pequena história natural do homem no fim que vem vindo do século vinte.  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.  87 p.  (Coleção Vera Cruz. Literatura Brasileir, volume 197) 16x23 cm.   


TIRANDO OS CINCO DA MÃO

Posso me olhar sem medo de me ver.

Já decidi não ajudar no engano.

Dói dizer. Mas é preciso.

 

Convivi com centenas, sobretudo

convivi comigo mesmo.

 

Pois de todos os que somos o que somos

ou que nos dizemos ser

 

—e desse dizer áspero e solitário

muitos constroem o seu morno ofício —,

pois de todos os que vamos no mesmo barco

ou pelas mesmas águas,

hoje, dia 22 de junho de 1973,

tirando os cinco dedos em que os conto

—(melhor será que não conte),

não boto a minha mão no fogo

   (nem na água) .

  por nenhum. 

Nem eles por mim.

 

 

MELLO, Thiago de.  Vento Geral. Poesia 1951-1981. Doze livros de poemas de Thiago de Mello.   Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1984.  470 p.  14x21 cm.    Capa de Eugênio Hirsch sobre uma fotografía de Antonine Monory.  “ Thiago de Mello “ Ex. Na bibl. Antonio Miranda

 

O CHÃO DO MUNDO

 

Rumo nenhum persigo. É quando sigo

as vias do mais trôpego sonhar

ou de fundos e rijos pensamentos,

chego sempre a mim mesmo; o clamor áspero

que me atraiçoa o límpido silêncio,

após ressoar em vão pelas paredes

da gasta e surda concha do infinito,

retorna, feito mágoa, à minha boca.

Não sei dar-me o que busco, se o não tenho.

 

A erva do tempo cresce, suavemente,

não tarda e o chão do mundo me devora.

Por isso quando em mim se faz mais noite,

minha face despida de seus medos

em sua própria treva se contempla,

onde lhe esplende a rude finitude.

 

Em meu ser, resignado, permaneço,

pois se tento fugir-me, eis que me vem

à boca o travo frio do negrume

que existe além de mim, e que me espera.

 

 

FOGO DE FRÁGUA

 

Sei que sou porque já fui

quando for no que serei.

O futuro se urde em mim

agora (quando? passou)

no centro fugaz da frágua

do presente, cujo fogo

se acende nas brasas

 

— que nunca se apagam —

e nas cinzas invisíveis

 

— que nunca se estriam —

de tudo que já passou.

Sei que sou porque já fui

quando for no que serei.

 

Verão no Porantim, 1980.

 

MELLO, Thiago deCadernos do refúgio.  s.l.: UNHCR / ACNUR Agência da ONU para Refugiados, 2007.  4 folhas de cartão tipo kraft, com poemas de Thiago de Mello (“O menino que se intromete no diálogo com os donos do mundo”, “Lei n. 9474, de 22 de julho de 1997” e trechos de um depoimento do poeta sobre o exílio e a repressão. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília.

 


Canção de Barreirinha

                  ANIBAL BEÇA

 

 

(Para  meu irmão Thiago de Mello,

no  ano  do seu 70° aniversário ,

e para Thiaguinho, enfermo no Rio de Janeiro) 

 

                                                   

Um largo afago me abraça

nas águas de Barreirinha

vem comigo o rio Negro

saudando as águas do Ramos.

Vim para encontrar o amigo

jogar a conversa dentro

do meu coração saudoso

que jogar conversa fora

poeta não joga não

Em pé na ponta do porto
o poeta já me espera
ornado da luz em aura
de carinho e de candura
Mas no semblante reflete
algo estranho em urdidura
Abraça e nada me diz
os seus olhos falam mais
que sua boca vivaz
Pressinto:
riso disfarçando pranto
canto molhado dos olhos
poros fervilhando eventos
ventos rendilhando auroras
horas desossando o tempo
teto cobrindo metáforas
pássaros riscando sílabas
voam cartesianamente
entre o gris de duas nuvens

Tudo se exaure impotente
(maduro chão de verdades)
perante as asas concretas
não há como se enfeitar
para a ciranda dos fatos
Somente o grão da ternura
germina a viva canção
na boca do coração:
caligrafia mais simples
na rima fácil do chão

E o poeta se disfarça
sabendo-se fingidor
Só não finge plenamente
por que é dor de vera dor
essa dor que agora sente
forjada na dor do amor

Uma lágrima vacila 
glaucos olhos fatigados
marejando águas domadas
Não quer rio de torrente
molhando a várzea do rosto
nem chuva de sal na pele
Que seja apenas a gota
(simples gota de regar)
lavando o lugar das rugas
canteiro de cicatrizes
que sabe de águas remotas
guardadas no barro frio
desse alguidar da memória

O aprendizado lhe diz
(no rastro a viva vivência)
pela boca de outro amigo
que as amargas não se leva
nem na conta nem no alforje
senão para o riso largo
que de rir também se chora

Mas há mazelas tinhosas
como as panteras de Borges
Cravam as unhas da angústia
no pátio do peito frágil
e fazem seu carnaval
de cinzas adormecidas

E aí só resta ao poeta
dançar a valsa dos ventos
trinar a flauta de vértebras
(emprestada a Maiakóvsky)
aquele tango argentino
que o seu compadre Manuel
entristecido tocou

Porque a certeza da festa
o remédio salvador
se faz da própria matéria
que serve a todo poeta
na alegria ou na dor:
tomar o pião na unha
domar o sino rebelde
(que zune na contramão
para os ouvidos do mundo)
colocá-lo em linha reta
nesse alegre sortilégio
que só da poesia cresce
nas ramas da claridão

E que assim seja  E será

Como poeta prevejo
augúrio azul de lianas
a brisa das cataléias
com seu frescor de lavanda
lavando a dor intestina
do teu caçula tão belo
poeta no decassílabo
nome gaio goitacaz
Thiago de Ana Thiago de Mello.

Como pai já antecedo
a vidência de profeta
coração já calejado
nas sinas de mala sorte
de certa bala perdida
cravada abaixo dos olhos
do meu querido Ricardo
(o Pimpa filho do meio)
Essa dor que compartilho
se iguala na dor antiga
vidente de mim me vejo
em ti querido Thiago

Na profecia dos sons
o Andirá todo levanta
soam tambores gambás
de ganidos mensageiros
são os cães de buenas-dichas
os cães de plumas e bênçãos
ligeiros cães telemágicos
levando o recado de ervas
força dos tambatajás
puçanga de pajelança
que a selva não deixa os filhos
(galhos da verde floresta)
sem o seu velho mormaço
Mormente os suburucus
mamotes sovados de ova
do peixe acari-bodó

 

Barreirinha, 11 de fevereiro de 1996

 

 

MELLO, Thiago deFAZ ESCURO MAS EU CANTO porque a manhã vai chegar.  Rio de Janeiro: Editôra Civilização Brasileira, 1965.  83 p.  (Coleção Vera Cruz (Literatura Brasileira) volume 96).  14x21 cm.  Apresentação de Pablo Neruda. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vascondelos.

 

         O PÃO DE CADA DIA

         Que o pão encontre na boca
         o abraço de uma canção
         inventada no trabalho.
         Não é fome fatigada
         fatigada de um suor que corre em vão.

         Que o pão do dia não chegue
         sabendo a resto de luta
         e a troféu de humilhação.
         Que o pão seja como flor
         festivamente colhida
         por quem deu ajuda ao chão.

         Mais do que flor, seja o fruto
         nascendo límpido e simples,
         sempre ao alcance da mão.
         Da minha e da tua mão.

 

         JANELA DO AMOR IMPERFEITO

         Alta esquina no céu, tua janela
         surge da sombra e a sombra faz dourada.
         Já não me sinto só defronte dela,
         me chega doce o fel da madrugada.

         Atrás dela te estendes alva e em sonho
         me levas desamado sem saber
         que mais amor te invento e que te ponho
         sobre o corpo um lençol de amanhecer.

         Doce é saber que dormes leve e pura
         depois da dura e fatigante lida
         que a vida já te deu. Mas é doçura

         que sabe a sal no mais azul do peito
         onde o amor sofre a pena malferida
         de ser tão grande e ser tão imperfeito.

 

MELLO, Thiago de.   De uma vez por todas. Verso e prosa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.   276 p.   15,5x23 cm.   ilus.Três  ilustrações colorida de Aldemir Martins.  Capa: Simone Villas Boas com desenho de Manduka.  ISBN 85-200-0414-8  . Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vascondelos.

 

Tudo o que me leva o livro
cabe na palma da mão
de uma criança: o lugar
de onde erguem os pássaros
 da inocência, em cujo canto
vai a liberdade da vida.

 

Da eternidade

Da eternidade venho. Dela faço
parte, desde o começo da vida
dos que me fizeram ser
até chegar ao que sou.
Transporto com a minha vida
a eternidade no tempo.
Menino deslumbrado com as águas,
os ventos, as palmeiras, as estrelas,
prolonguei sem saber a eternidade
que neste instante navega
no meu sangue fatigado.

    Santiago, 93.

 

MELLO, Thiago de.  A Lenda da Rosa.  Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1955.   121 p.  14x18,5 cm   . Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação da família de Francisco Vascondelos.

        
         infância e descoberta

         Era uma vez um mancebo
         que vivia neste mundo,
         no meio da multidão
         dos homens desabraçados,
         mas que nascera e crescera
         no cume de alto penhasco.

         De lá desceu forte e feito,
         mas um resto resguardando
         de infância dentro do peito
        

                  — o resto que sempre sobra,
                  mas são poucos os que guardam,
                  e por isso é que se perdem.

                   (Na essência da infância dorme
                   algo da essência da Rosa.)

         Deu-se, então, que esse mancebo
         descobriu que, além de abismo,
         o corpo também é ponte:

                   — caminho que leva ao bosque.           

 

 

 

1ª.  BIENAL DO B – A POESIA NA RUA.  26 a 28 de Setembro de 2012.   Brasília: Açougue Cultural T-Bone, 2011. 154 p. ilus. col.  17x25 cm. 

 

 

        Poema perto do fim

A morte é indolor
O que dói nela é o nada
que a vida faz do amor.
Sopro a flauta encantada
e não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
de não ter sido bom.
E no coração, neve.

 

 

 

Antonio Miranda recebendo um autógrafo de Thiago de Mello.

 

 

TEXTO EM ITALIANO 

 

Texto extraído de:

 

CHIOCCHIO, Anton Angelo.  Poesia post-modernista in Brasile.  Roma: dell´Arco, s.d.  40 p.  ilus. 12x17,5 cm.  “ Anton Angelo Chiocchio “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

IL SOGNO DELL'ARGILLA

 

IL vocabolo puro in cui riparo

si sottrae al mio giogo; e raro canto.

Che la parola della bocca è inutile

se il fiato non le viene su dal cuore.

 

Muto, contemplo le valenti imprese

di chi fonda cammini sopra i mari,

edifica città ed erge torri

dalla cui cima poter dominare

il mondo intero — e accorgersi ch'e piccolo.

 

Di fronte ai ciechi che dal duro suolo

strappano i tesori più riposti

nel quotidiano convivio dei buoi,

apprendendo da loro ad esser umili,

e, sceso il buio, dormono tranquilli,

rimango silenzioso, e tuttavia

in me qualcosa invidia il loro sonno.

 

Non mi compiango per sapermi torvo,

non rassegnato alla pace dei bruti.

So che morrò domani, ma non lodo

il mio viso che cela la paura.

Mi muove al canto vedere che l'ombra

cresce dentro di me, mentre un avaro

sol brilla occulto in cieli che intravedo

se l'argilla, grottesca e audace, sogna.

 

Veder sognare quest'argilla inutile

più che muovermi al canto, mi commuove.

 


MELLO, Thiago de.  Acerto de contas.   São Paulo: Global, 2015.
170 p.   ilus. p&b   13,5 x 22,5 cm.    ISBN 978-85-260-2209-6
Ex. bibl. Salomão Sousa

 

AS INSCRIÇÕES

Guardo inscrições indeléveis
no meu torso malferido.
Talho de olhar que sumiu,
diamante fino de faro,
palavra ardente de gume.
Lanhos de silêncio, o pingo
de chuva que não secou,
dos lápis de cor da infância.

Guardei, o tempo escondeu,
tinta invisível no espaço,
vazio que amor deixou.
Enganos de malquerenças,
bondades lavrando ofensas.

O risco fino, encolhido
num cantão de meu espanto,
é de um sonho pelo avesso.
Concedo que inscrito foi
pela ênfase da esperança.
Quando a lua mingua, punge.

Me dou bem com elas,
comigo caminham.
Indecifráveis, cantam,
o chão floresce.

 

QUEM SABE O RIO RESPONDE
              Para o Arteiro Menezes 

O que, pergunto ao rio, quer de mim
a Vida, aqui no Tempo, o que pretende
do meu passo cambaio ou que segredo
me deseja do sonho fatigado?
Quando me vê na beira do delírio,
finge que não me ouviu. Segue no vento
pastoreando os seus carneiros brancos.

Das águas ganho, de menino, o límpido
aconchego.  Entendo os seus silêncios.
Elas sabem que tenho os dias duros,
duros de tantos vãos padecimentos,
este verso, perdão, é de Bandeira
e sabe a queixa. Vida, se reclamo,
é dom meu passo enganador, eu te amo.

 

 

ESTRELA DE AMOR CADENTE

No céu do meu ocaso,
foi a que mais brilhou.
Inusitada estrela,
de luz quase insensata:
dei de acordar sonhando
que o seu fulgor durava
até o fim do meu sol.
No chão do meu peito
crescia dançando,
ardente bailarina.

Numa noite de esperanças
ela escapuliu do céu:
era cadente, nascera
de um dos acasos celestes.

Lua minguante a procuro
(era a que mais brilhava).
Nem o seu lugar vazio
encontro. Apagou.

 

NEM POR ISSO

O amor que me inventei não te levou
ao encontro do pássaro encantado
que em cântaro profundo te esperava.

As águas desse encanto jamais cessam,
nem se apagam estrelas que te guardam.

 

OUÇO ESTRELAS QUE CANTAM

                  Para Hermann Schultz,
meu editor alemão.
                               

Ouço estrelas que cantam
no aconchego do meu peito.
Os meus neurônios se espantam:
como podem coronárias
fatigadas de celebrar,
como se eu fosse um menino
que acabara de cortar
e aparar um papagaio,
este gosto deslumbrado,
que cresce, de amar a vida,
a que, de milagre, vivo,
a que me está por viver.

 

OS CORPOS DOURADOS

Sonhei (toda noite sonho
com quem vivi no meu dia)
que eu cuidava, amanhecia,
do meu vaso de açucenas
e dos três trevos lilases
que me deste.
Adivinhaste:
dou por ti junto de um.
Preferia estar sonhando
sozinho, quase dizia.
Mas calei sobressaltado
quando senti, perfumada,
a tua respiração
me orvalhando de esmeraldas
e vi os teus olhos pedindo
a flor que eu tinha guardada
no peito, só pra o sonho
da tua vinda, queria,
cantar dormindo os teus olhos
eram dois rubis serenos
dois símbolos amenos,*
mas me contive, no sonho
quando eu canto o sonho acaba.

Acabou? Todo estrelado
de açucenas e de trevos,
abriu-se um chão, o perfume
de erva molhada se ergueu
do abraço dos nossos corpos
dourados na escuridão.

              
            Wupertal, 1975
*No exílio, o Orlando Silva
me cantava todo dia.              

 

A ESTRELA DA MANHÃ DO EXÍLIO

Vi hoje pela primeira vez
a estrela da manhã nascendo
no anoitecer do exílio.

De repente ela me apareceu,
posso dizer que ela me chamou,
em frente da janela aberta.

Os passarinhos de Mainz
desfraldaram um canto novo
para receber o sortilégio
dessa estrela que precisa
do escuro para poder viver.

                    Mainz, 1974      

 

Foto extraída de:

MORDZINSKI, Daniel. A literatura na lente de Daniel Mordzinski. Textos de Adriana Lisboa e Victor Andresco. São Paulo: SESI-SP editora, 2015. 412 p. ilus. col. ISBN 978-82075-604-2 Textos em português e castelhano.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

*

 

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Página ampliada e republicada em dezembro de 2021

 
 
 
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