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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



JORGE DE LIMA

 

(1893 — 1953)

 

 

 

Jorge de Lima nasceu em União dos Palmares (AL), em 23 de abril de 1893. Filho de José Mateus de Lima, um senhor de engenho, e de Delmina Simões de Mateus de Lima. Cursou parte do primário no município natal, e viria a ser completado no Instituto Alagoano, em Maceió. Transferiu-se para o Colégio Diocesano de Alagoas, onde completou os “preparatórios”. Iniciou, em 1911, a faculdade de Medicina, em Salvador BA, concluindo-a em 1915, no Rio de Janeiro. Ainda em 1915 retorna a Maceió para exercer a medicina. Em 1919, elegeu-se Deputado Estadual pelo Partido Republicano de Alagoas, assumindo a Presidência da Câmara por dois anos. Em 1930, transferiu-se para o Rio de Janeiro por desavenças políticas, e ali na Capital exerceu a clínica médica e foi professor de Literatura Brasileira na Universidade do Brasil. O seu consultório na Cinelândia tornou-se famoso como centro de reunião de intelectuais e amigos. Após a queda do Estado Novo, militou na política, elegendo-se vereador no antigo Distrito Federal, pela UDN. Em 1944, candidatou-se sem êxito à Academia Brasileira de Letras. Em 1952, é fundada a Sociedade Carioca de Escritores (SOCE), da qual foi o primeiro presidente provisório. Faleceu em 15 de novembro de 1953 após longa enfermidade.

 

Em entrevista ao jornal Folha da Manhã, em 1952, Jorge de Lima disse que acordava às quatro da manhã; que só fazia visitas como médico; ouvia Mompou, Strawinsky, Bach, Mozart, Beethoven; Stendhal era o escritor estrangeiro de sua predileção. Sobre o Brasil, declarou que “É um país semicolonial, com as maiores possibilidades de ser uma verdadeira democracia e o maior país do futuro”. 

 

  

Para nós, todavia, pelo menos neste momento de nossa própria evolução, é Jorge de Lima o maior, o mais alto, o mais vasto, o mais importante, o mais original dos poetas brasileiros de todos os tempos.

Mario Faustino

 

Tudo entra no poema de Jorge de Lima concebido na febre que exalta, no sonho que dilata, no transe que confunde. E o passado junta-se ao presente. Memória e invenção, sonho e realidade, história e futuro, infância e ancestralidade confundem-se, como se, em verdade, o poeta formasse com o seu poema uma espécie de caos preparatório de onde surgirá um dia uma ordem ideal.

 

João Gaspar Simões, da apresentação ao livro Invenção de Orfeu

 

A partir do instante que ninguém tiver medo de assumir que reconhece e compreende a sua obra, aí Jorge de Lima estará sagrado como o poeta brasileiro que melhor sintetiza as possibilidades de invenção da língua portuguesa em terras brasileiras.

Salomão Sousa 

 

Bibliografia: XIV Alexandrinos, Artes Gráficas, 1914; O Mundo do Menino Impossível, Casa Trigueiros, 1925; Poemas, Casa Trigueiros, 1927; Novos Poemas, Pimenta de Melo & Cia., 1929; Poemas Escolhidos. Andersen Editores, 1932; Tempo e Eternidade, Livraria do Globo, 1935 - em colaboração com Murilo Mendes; A Túnica Inconsútil, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938; Poemas Negros, Revista Acadêmica, 1947; Livro de Sonetos, Livros de Portugal, 1949; Vinte Sonetos, ilustrações do autor, Editor V. P. Brumlik, 1949; Obra Poética, Editora Getulio Costa, - inclui produção anterior, juntamente com Anunciação e Encontro de Mira-Celi, 1950; Invenção de Orfeu, ilustração de Fayga Ostrower; Livros do Brasil, 1952. Constam aqui apenas as primeiras edições de sues livros de poemas, cabendo sinalizar que ele escreveu um livro sobre Castro Alves (Castro Alves — Vidinha), um sobre Anchieta (Anchieta), alguns outros ensaios, e cinco romances (Salomão e as mulheres, O anjo, Calunga, A mulher obscura, e Guerra dentro do beco). Sua obra tem gerado apresentações teatrais e musicais, cabendo destacar o espetáculo O Grande Circo Místico, de Edu Lobo e Chico Buarque de Hollanda, que está registrado em disco.

 

Página gentilmente organizada por Salomão Sousa.

VEJA TAMBÉM: JORGE DE LIMA EM ALEMÃO

LEIA ensaio de MARCO LUCCHESI: Sistema de Jorge de Lima>

INVENÇÃO DE JORGE DE LIMA,  por AFRANIO ZUCCOLOTTO - Resenha de: - LUIZ BUSATTO — Montagem em Invenção de Orfeu, Âmbito Cultural Edições Ltda., Rio de Janeiro, 1978.

Ver também>. O SONETO INOVADOR DE JORGE DE LIMA, por Fábio Lucas – Ensaios – publicado originalmente na revista Poesia Sempre 3, em 1994.

Veja tradução de poema de ROBINSON JEFFERS por Jorge de Lima.

 

 

 

Jorge de Lima, "Cavalos Alados", 1940

 

Injustamente, Jorge de Lima anda esquecido, mas venerado por especialistas e leitores mais bem informados. Ana Maria Paulino, em sua obra: JORGE DE LIMA, por Ana Maria Paulino. São Paulo: Edusp, 1995. (Col. Artistas Brasileiros, 1) atribui o fato ao “epíteto de “poeta cristão” a ele dedicado e a qualidade de “poesia religiosa” conferida a seus versos” que teria afastado “deles o leitor dos anos 60. Leitor mais interessado em obras cujo tema abordasse o momento político-social vivido pelo país.” E atualmente? A poesia atual descolou-se de ismos e se enveredou por caminhos heterodoxos, mas Jorge Lima é sempre uma referência para poetas jovens, a notar por sua presença em blogs e revistas eletrônicas.

Como disse o iluminado poeta:

“Como conhecer as coisas senão sendo-as?”

Outra faceta pouco conhecida do poeta é a de artista plástico, que fazia montagens e pintava telas, a exemplo desta imagem a seguir, colhida no supra citado livro de Ana Maria Paulino, exemplar da Col. A.M., cedida pelo bibliófilo Oto Reifschneider Dias.

Um manuscrito original de JORGE DE LIMA,
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

 

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS  /  TEXTOS EM ESPAÑOL 

                                    Veja também: TEXTS IN ENGLISH 

POÈME EN FRANÇAIS



 

EDUARDO SUED: Água-forte
Ilustrações  e versos de
JORGE DE LIMA
Extraídos de: LIMA, Jorge. As aparições. Rio de Janeiro: Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, 1966. Acervo de Obras Raras da Universidade de Brasília

 

O ACENDEDOR DE LAMPIÕES

 

Lá vem o acendedor de lampiões de rua!

Este mesmo que vem, infatigavelmente,

Parodiar o Sol e associar-se à lua

Quando a sobra da noite enegrece o poente.

 

Um, dois, três lampiões, acende e continua

Outros mais a acender imperturbavelmente,

À medida que a noite, aos poucos, se acentua

E a palidez da lua apenas se pressente.

 

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:

Ele, que doira a noite e ilumina a cidade,

Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

 

Tanta gente também nos outros insinua

Crenças, religiões, amor, felicidade

Como este acendedor de lampiões de rua!

 

 

CANTIGAS

 

As cantigas lavam a roupa das lavadeiras.

As cantigas são tão bonitas, que as lavadeiras ficam tão tristes, tão                              pensativas!

 

As cantigas tangem os bois dos boiadeiros! ¬

Os bois são morosos, a carga é tão grande!

O caminho é tão comprido que não tem fim.

As cantigas são leves ...

E as cantigas levam os bois, batem a roupa das lavadeiras.

 

As almas negras pesam tanto, são

Tão sujas como a roupa, tão pesadas como os bois ...

As cantigas são tão boas ...

Lavam as almas dos pecadores!

Lavam as almas dos pecadores!

 

 

ALTA NOITE QUANDO ESCREVEIS

               

À senhora Heitor Usai

 

Alta noite, quando escreveis um poema qualquer

sem sentirdes o que escreveis,

olhai vossa mão — que vossa mão não vos pertence mais;

olhai como parece uma asa que viesse de longe.

Olhai a luz que de momento a momento

sai entre os seus dedos recurvos.

Olhai a Grande Mão que sobre ela se abate

e a faz deslizar sobre o papel estreito,

com o clamor silencioso da sabedoria,

com a suavidade do Céu

ou com a dureza do Inferno!

Se não credes, tocai com a outra mão inativa

as chagas da Mão que escreve.

 

 

XV

 

A garupa da vaca era palustre e bela,

uma penugem havia em seu queixo formoso;

e na fronte lunada onde ardia uma estrela

pairava um pensamento em constante repouso.

 

Esta a imagem da vaca, a mais pura e singela

que do fundo do sonho eu às vezes esposo

e confunde-se à noite à outra imagem daquela

que ama me amamentou e jaz no último pouso.

 

Escuto-lhe o mugido ? era o meu acalanto,

e seu olhar tão doce inda sinto no meu:

o seio e o ubre natais irrigam-me em seus veios.

 

Confundo-os nessa ganga informe que é meu canto:

semblante e leite, a vaca e a mulher que me deu

o leite e a suavidade a manar de dois seios.

 

 

VINHA BOIANDO O CORPO ADOLESCENTE...

 

Vinha boiando o corpo adolescente,

belo pastor e sonho perturbado.

Deus abaixou-lhe os cílios alongados

para que ele dormindo flutuasse.

 

Ressuscita-o, Senhor, essa medusa

de sangue juvenil em rosto impúbere,

desterrado da vida, flor perdida,

irmão gêmeo de Apolo trimagista.

 

Seca-lhe a espuma que lhe inunda o peito

e as convulsões mortais que o imolaram

às Sodomas ardidas em seu leito.

 

Anjo adoecido, alheio dançarino

que dançasse em Gomorras incendiadas,

estás cansado; deita-te, menino!

 

 

A TRISTEZA ERA TANTA, TANTA A MÁGOA...

 

A tristeza era tanta, tanta a mágoa

que seu anjo da guarda resolvera

lutar com ele, lutar para lutar,

que o interesse da vida perecera.

 

Ave e serpente, círculo e pirâmide,

os olhos em fuzil e os doces olhos,

os laços, os vôos livres e as escamas.

 

Que doida simetria nesses ódios!

Que forças transcendentes aros e ângulos

alguém quis que lutassem nesse dia!

 

Ave e serpente, círculo e pirâmide:

 

Que divina constante simetria

nessa luta soturna, nessa liça

em que Deus reconstrói o eterno cisne!

 

 

O grande desastre aéreo de ontem

Para Cândido Portinari

 

Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivárius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o paraquedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranqüila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.

 

 

XVIII

 

Éguas vieram, à tarde, perseguidas,

depositaram bostas sob as vides.

Logo após as borboletas vespertinas,

gordas e veludosas como urtigas

 

sugar vieram o esterco fumegante.

Se as vísseis, vós diríeis que o composto

das asas e dos restos eram flores.

Porque parecem sexos; nesse instante,

 

os mais belos centauros do alto empíreo,

pelas pétalas desceram atraídos,

e agora debruçados formam círculos;

depois as beijam como beijam lírios.

 

 

XXVII

 

Há uns eclipses, há; e há outros casos:

de sementes de coisas serem outras,

rochedos esvoaçados por acasos

e acasos serem tudo, coisas todas.

 

Lãs de faces, madeiras invisíveis,

visão de coitos entre os impossíveis,

folhas brotando de âmagos de bronze,

demônios tristes choros nas bifrontes.

 

Tudo é veleiro sobre as ondas íris,

condores podem ser os baixos ramos,

montes boiarem, aços se delirem.

 

Vemos ao longe sombras, e são flâmulas,

lábios sedentos, lírios com ventosas,

ódios gerando flores amorosas.

 

 

Essa Negra Fulô

 

Ora, se deu que chegou

(isso já faz muito tempo)

no bangüê dum meu avô

uma negra bonitinha,

chamada negra Fulô.

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô! Ó Fulô!

(Era a fala da Sinhá)

— Vai forrar a minha cama

pentear os meus cabelos,

vem ajudar a tirar

a minha roupa, Fulô!

 

Essa negra Fulô

 

Essa negrinha Fulô!

ficou logo pra mucama

pra vigiar a Sinhá,

pra engomar pro Sinhô!

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô! Ó Fulô!

(Era a fala da Sinhá)

vem me ajudar, ó Fulô,

vem abanar o meu corpo

que eu estou suada, Fulô!

 

vem coçar minha coceira,

vem me catar cafuné,

vem balançar minha rede,

vem me contar uma história,

que eu estou com sono, Fulô!

 

Essa negra Fulô!

 

"Era um dia uma princesa

que vivia num castelo

que possuía um vestido

com os peixinhos do mar.

Entrou na perna dum pato

saiu na perna dum pinto

o Rei-Sinhô me mandou

que vos contasse mais cinco".

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô! Ó Fulô!

Vai botar para dormir

esses meninos, Fulô!

"minha mãe me penteou

minha madrasta me enterrou

pelos figos da figueira

que o Sabiá beliscou".

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô! Ó Fulô!

(Era a fala da Sinhá

Chamando a negra Fulô!)

Cadê meu frasco de cheiro

Que teu Sinhô me mandou?

 

— Ah! Foi você que roubou!

Ah! Foi você que roubou!

 

O Sinhô foi ver a negra

levar couro do feitor.

A negra tirou a roupa,

 

O Sinhô disse: Fulô!

(A vista se escureceu

que nem a negra Fulô).

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô! Ó Fulô!

Cadê meu lenço de rendas,

Cadê meu cinto, meu broche,

Cadê o meu terço de ouro

que teu Sinhô me mandou?

Ah! foi você que roubou!

Ah! foi você que roubou!

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

O Sinhô foi açoitar

sozinho a negra Fulô.

A negra tirou a saia

e tirou o cabeção,

de dentro dêle pulou

nuinha a negra Fulô.

 

Essa negra Fulô!

Essa negra Fulô!

 

Ó Fulô! Ó Fulô!

Cadê, cadê teu Sinhô

que Nosso Senhor me mandou?

Ah! Foi você que roubou,

foi você, negra fulô?

 

Essa negra Fulô!

 

 

VII

 

Alegria achareis neste poema

como poema ilícito, como um

corpo casual ou vão, como a memória

dura e acídula, como um homem se

conhece respirando, ou como quando

se entristece sem causa ou se doente,

ou se lavando sempre ou comparando-se

às dimensões das coisas relativas;

ou como sente os ombros de seu ser,

transmitidos e opacos, e os avós

responsabilizando-se presentes.

 

São alegrias rápidas. Lugares,

reencontrados países, becos, passos

sob as chuvas que não vos molharão.

 

 

A MÃO ENORME

 

Dentro da noite, da tempestade,

a nau misteriosa lá vai.

O tempo passa, a maré cresce,

O vento uiva.

A nau misteriosa lá vai.

Acima dela

que mão é essa maior que o mar?

Mão de piloto?

Mão de quem é?

A nau mergulha,

o mar é escuro,

o tempo passa.

Acima da nau

a mão enorme

sangrando está.

A nau lá vai.

O mar transborda,

as terras somem,

caem estrelas.

A nau lá vai.

Acima dela

a mão eterna

lá está.

 

 

LIMA, Jorge deInvenção de Orfeu.  Estabelecimento de texto e posfácio Fábio de Souza Andrade.  São Paulo: CosacNaif; Editora Jatobá, 2013.  672 + 16 f.  ISBN 978-85-0561-2 e 978-85-99786-06-3. Texto segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Projeto gráfico: Elaine Macedo e Nino Andrés. Fotos Aline Macedo e Nino Andrés.  Capa dura. 

 

11

 

Quem te fez assim soturno

quieto reino mineral,

escondido chão noturno?

 

Que bico rói o teu mal?

Quem antes dos sete dias

te argamassou em seu gral?

 

Quem te apontou pra onde irias?

Quem te confiou morte e guerra?

Quem te deu ouro e agonias?

 

Quem em teu seio de terra

infundiu a destruição?

Quem com lavas em ti berra?

 

Quem te fez do céu o chão

Quieto reino mineral?

Quem te pôs tão taciturno?

Que gênio fez por seu turno

antes do mundo nascer:

a criação do metal,

a danação do poder?

 

 

13

 

Existe um turno duplo (vos conjuro)

sobre chão de umbra negra regelada

por onde ambulam riachos sonegados

tão de túnel e tão de açudes roxos,

que ao terem montes, rodam-nos calados,

as cabeças silentes niveladas,

pois as bocas das águas afogadas

têm seus ecos nas rochas enterradas;

e o passeio prossegue vivo pelas

caladas trevas escondidas, sempre

pelas horas paradas, pelos catres;

e quando encontra pulsos os coagula,

desperta cascavéis, absorve vírus;

ali no fundo estão as lavadeiras,

coram crepes, estendem os cabelos,

tecem favos de ceras funerárias,

porém mal o rio passa elas se deitam,

sopram as velas, lambem seus cochichos,

e tudo é abelha nesse mel amargo

que trava as bocas, colhe mariposas,

e as mariposas rodam desfolhadas,

e as folhas cobrem sonhos corvejados;

corvejados somente? Também pregos,

martelos, panos pretos, também letras

douradas, também moscas, meu pai morto.

Ó pai, sabei que eu já medi em palmos

o meu tamanho pelos outros todos,

pelas outras medidas, - desmedidas

sombras desesperadas, desgrenhadas.

 

 

17

 

E esse rebanho de bezerros, cedo

recomeça constante sua estrada.

As horas moribundas já curvadas

deslizam nos ossuários. Tenho medo.

 

Ó vida tão confusa e tão lidada,

ó sombra tão compacta e tão rochedo,

de mim que choro que é que resta? Nada

e nada e nada mais do que antecedo.

 

Antecedo-me, esbarro-me em mim mesmo.

Filiei-me à eternidade sem querer,

e agora vago como se vaga a esmo.

 

Verto-me em ilha, vejo-me nascer,

retiro dessa ilharga verdadeira

a minha perdição por companheira.

 

 

35

 

Estávamos esquivados

dos asfaltes e bucólicas,

 

dos perenes naturais

elementos suportados.

 

Quisemos uma existência

fora de toda vontade,

 

testemunhas afastadas

sem nenhuma cerimônia,

 

um ar assim reflorido

sem o nosso assentimento,

 

uma fábula ofertada

uma graça acontecida,

 

estávamos encontrados

no plano do aceitamento

 

sem fuga premeditada

no entretanto aparição,

 

mas, eis tudo: não queríamos

a procura convocada

 

mas um dom desabrochado,

um consolo comovido

 

fora de toda esperança,

pés e mãos tão abolidos

 

nesse corpo manietado

que a infensa coisa fizesse

 

acordar a alma cansada.

 

 

De CANTO I, Fundação da Ilha – Invenção de Orfeu.

 

 

LIMA, Jorge de.  Poemas negros.  Prefácio: Gilberto Freyre. Posfácio: Vagner Camilo. Ilustrações: Lasar Segall.  São Paulo: Cosa Naif, 2014.  192 p.  ilus. 14x20 cm.   ISBN  978-85-99786-09-3  “ Jorge de Lima “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

CACHIMBO DO SERTÃO

 

Aqui é assim mesmo.

Não se empresta mulher,

não se empresta quartau

mas se empresta cachimbo

para se maginar.

Cachimbo de barro

massado com as mãos,

canudo comprido, que bom!

— Me dá uma fumaçada!

 

- Que coisa gostosa só é maginar!

Sertão vira brejo,

a seca é fartura,

desgraça nem há!

Que coisa gostosa só é cachimbar.

De dia e de noite, tem lua, tem viola.

As coisas de longe vêm logo pra perto.

 

O rio da gente vai, corre outra vez.

Se ouvem de novo histórias bonitas.

E a vida da gente menina outra vez

ciranda, ciranda debaixo do luar.

Se quer cachimbar, cachimbe sêo moço,

mas tenha cuidado! - O cachimbo de barro

se pode quebrar.

 

De
Jorge de Lima
O Poeta insólito. 
Fotomontagens de Jorge de Lima
/ edição
            organizada por Ana Maria Paulino.   São Paulo: Instituto de Estudos
            Brasileiros,       Universidade de São Paulo, 1987.      46 p.  formato 30x18 cm  
            Inclui trechos de poesia de Jorge de Lima e textos de Ana Maria Paulino,
            Mário de Andrade e Murilo Mendes sobre as fotomontagens do poeta.

 

De

INVENÇÃO DE ORFEU

 

CANTO I

 

XXVI

 

Qualquer que seja a chuva desses campos

devermos esperar pelos estios;

e ao chegar os serões de os fiéis enganos

amar os sonhos que restaram frios.

 

Porém se não surgir o que sonhamos

e os ninhos imortais forma vazios,

há de haver pelo menos por ali

os pássaros que nós identificamos.

 

Feliz de quem com cânticos se esconde

e julga tê-los em seus próprios bicos,

e ao bico alheio em cânticos responde.

 

E vendo em torno as mais terríveis cenas,

possa mirar-se as asas despenadas

e contentar-se com as secretas penas.

 

 

CANTO III

 

XVIII

 

No dia seguinte:

chamados da terra,

o poema de leva,

te dana, te agita,

te vinca de cruzes,

te envolve de nuvens.

Quem sabe aonde vai

parar no outro dia?

 

 

CANTO VI

 

CANTO DA DESAPARIÇÃO

 

I

 

Aqui é o fim do mundo, aqui é o fim do mundo

em que até aves vêm cantar para encerrá-lo.

Em cada poço, dorme um cadáver, no fundo,

e nos vastos areais — ossadas de cavalo.

 

Entre as aves do céu: igual carnificina:

se dormires cansado, à face do deserto,

quando acordares hás de te assustar. Por certo,

corvos te espreitarão sobre cada colina.

 

E, se entoas teu canto a essa aves (teu canto

que é debaixo dos céus, a mais triste canção),

vem das aves a voz repetindo teu pranto.

 

E, entre teu angustiado e surpreendido espanto,

tangê-las-ás de ti, de ti mesmo, em que estão

esses corvos fatais. E esses corvos não vão.

 


 

DEMOCRACIA

 

PUNHOS DE REDES embalaram o meu canto

para adoçar o meu país, ó Whitman.

Jenipapo coloriu o meu corpo contra os maus-olhados,

catecismo me ensinou a abraçar os hóspedes,

carumã me alimentou quando eu era criança,

Mãe-negra me contou histórias de bicho,

moleque me ensinou safadezas,

massoca, tapioca, pipoca, tudo comi,

bebi cachaça com caju para limpar-me,

tive maleita, catapora e ínguas,

bicho-de-pé, saudade, poesia;

fiquei aluado, mal-assombrado, tocando maracá,

dizendo coisas, brincando com as crioulas,

vendo espíritos, abusões, mães-d’água,

conversando com os malucos, conversando sozinho,

emprenhando tudo que encontrava,

abraçando as cobra pelos matos,

me misturando, me sumindo, me acabando,

para salvar a minha alma benzida

e meu corpo pintado de urucu,

tatuando de cruzes, de corações, de mãos-ligadas,

de nomes de amor em todas as línguas de branco, de mouro ou de pagão.

 

 

De

ANUNCIAÇÃO E ENCONTRO DE MIRA-CELI

1943

 

                                      25

 

O Avô tinha sido um ancião convencional,

que se aterrou de sobrecasaca e polainas;

e a avó – uma menina pálida que morreu ao pari-la;

o pai fez algumas balada;

contam que tinha uma luneta para olhar ao longe.

Daí – a mão dobra a página do livro,

e a história da tetraneta finda com uma estocada no ventre:

há destinos travados, lenços quentes de lágrimas,

Quando a mão dobra a página, á rastros de sangue no soalho.

Esta é a mais nova das cinco.

Veja que os seios são como neve que nós nunca vimos

e ninguém nunca viu o pai que lhe fez um filho;

e o filho desta menina é este moço de luto.

Agora vire a página e olhe o anjo que ele possuiu,

veja esta mantilha sobre este ombro puro,

e estes olhos que parecem contemplar as nuvens

através da luneta avoenga. Veja que sem o fotógrafo querer

as cortinas dão a impressão de caras impressionantes

por detrás da gravura: um estudante de cavanhaque e  outro  de

                                                                                                [capa.

Repare bem o braço que ninguém sabe de onde

circunda o busto da moça e a quer levar para um lugar esconso.

Fixe bem o olhar com o ouvido à escuta para perceber  a   respiração grossa,

os gritos, os juramentos . . . A saia negra parece um sino de luto,

e o decote é a nau que a levou para sempre. E este fundo de água

pode ser o mar muito bem; mas pode ser as lágrimas do fotógrafo.

 

 

 

                                               51

 

                                      ETERNIDADE

 

 

                                      ELE   REVIU-SE:

                                      não era mais

                                      nem corpo

                                      nem sombra

                                      nem escombros.

 

                                      Como foi isso?

                                      Tudo irreal:

                                      um barco

                                      sem mar

                                      a boiar.                                    

 

                                      Ele sentiu-se:

                                      recomeçava.

                                      Vivera

                                      morrendo

                                      numa estrela.

 

                                      Ele despiu-se

                                      de quê

                                      De tudo

                                      que amara.

                                      Surdo-mudo

                                      cegara.

                                      Agora vê.       

 

  

 

 

Criaturas. 
Jorge de Lima. Evandro Carneiro.
Org. Soraia Cals.
   
Rio de           Janeiro: S. Cals, 2001.  
304 p.    ilus. foto p&b

 

Banhistas


Este poema de amor não é lamento
nem tristeza distante, nem saudade,
nem queixume traído nem o lento
perpassar da paixão ou pranto que há de

transformar-se em dorido pensamento,
em tortura querida ou em piedade
ou simplesmente em mito, doce invento,
e exaltada visão da adversidade.

É a memória ondulante da mais pura
e doce face (intérmina e tranquila)
da eterna bem-amada que eu procuro;

mas tão real, tão presente criatura
que é preciso não vê-la nem possuí-la
mas procura-la nesse vale obscuro.

 

Torso horizontal

Ó grande ser profundo, musa intacta
de fundidos cabelos, inconsútil,
teu pousado suspiro, sopro e lume,
tuas mãos enlaçadas, tua máscara,

sombra de antigas faces, minha essência,
cuidado! não despertes, não te mudes,
ó grande ser profundo, musa inclusa,
divina selva, tida como densa,

teu inerte abandono me acalenta
no escarvado do seio sempiterno,
nas roupagens talares que te vestem,

na palavra insofrida ainda imersa
nesse oceano de símbolos latentes,
oh! Grandeza de sombra que me sentes.

 

 

   PAI JOÃO

 

Pai João secou como um pau sem raiz.

Pai João vai morrer.

Pai João remou nas canoas,

cavou a terra,

fez brotar do chão a esmeralda das folhas:
—café, cana, algodão.

Pai João cavou mais esmeraldas que Paes Leme.
A filha de Pai João tinha um peito de vaca
para os filhos de yoyo mamar.
Quando o peito secou a filha de Pai João
também secou agarrada num ferro de engomar.
A pele de Pai João ficou na ponta dos chicotes.
A força de Pai João ficou no cabo da enxada e da foice.

 

A mulher de Pai João o branco furtou
para fazer mucamas.

O sangue de Paio João se sumiu no sangue bom

como um torrão de açucar bruto

numa panela de leite.

Pai João foi cavalo

para os filhos de yoyo montar.

Pai João sabia histórias tão bonitas

que davam vontade de chorar.

 

Pai João vai morrer.

 

Ha uma noite lá fora como a pele de Pai João.
Nem uma estrela no céu. Parece até mandinga de Pai João.

 

 

A AVE

 

Ninguém sabia donde viera a estranha ave.

Talvez o último ciclone a arrebatasse

de incógnita ilha ou de algum golfo;

ou nascesse das algas gigantescas do mar,

ou caísse de uma outra atmosfera,

ou de outro mundo ou de outro mistério.

Velhos homens do mar nunca a haviam visto nos gelos

nem nenhum andarilho a encontrara jamais:

era antropomorfa como um anjo e silenciosa

como qualquer poeta.

Primeiro pairou na grande cúpula do templo,
mas o pontífice tangeu-a de lá como se tange um
                    demônio doente.

E na mesma noite pousou no cimo do farol,
e o faroleiro tangeu-a: ela podia atrapalhar as naus.
Ninguém lhe ofereceu um pedaço de pão
ou um gesto suave onde se dependurasse.
E alguém disse: "Essa ave é uma ave má das que
         devoram o gado."

E outro; "Essa ave deve ser um demônio faminto."

E quando as suas azas pairavam espalmadas dando
         sombra às crianças cansadas,
até as mães jogavam pedras na misteriosa ave perseguida
         e inquieta.

Talvez houvesse fugido de qualquer pico silencioso entre
         as nuvens

ou perdesse a companheira abatida de seta.

A ave era antropomorfa como um anjo

e solitária como qualquer poeta.

E parecia querer o convívio dos homens

que a enxotavam como se enxota um demônio doente.

Quando a enchente periódica afogou os trigais,

alguém disse: "A ave trouxe a enchente."

Quando a seca anual assolou os rebanhos, alguém disse:
"A ave comeu os cordeiros."
E todas as fontes lhe negando agua,
a ave desabou sobre o mundo como um Sansão sem vida.
Então um simples pescador apanhou o cadáver macio e falou:
"Achei o corpo de uma grande ave mansa."
E alguém recordou que a ave levava ovos aos anacoretas.

Um mendigo falou que a ave o abrigara muitas vezes do frio.

E um nú: "A ave cedeu as penas para meu gibão."
E o chefe do povo: "Era o rei das aves,
         que desconhecemos."
E o filho mais moço do chefe que era sozinho e manso:

"Dá-me as penas para eu escrever a minha vida
tão igual à da ave em que me vejo
mais do que me vejo em ti, meu pai."

 

 

POEMA DE QUALQUER VIRGEM

 

As gerações da virgem estão tatuadas no ventre escorreito,

porque a virgem representa tudo o que ha de vir.
Ha arco-íris tatuados nas mãos, ha Babeis tatuadas nos braços.

A virgem tem o corpo tatuado por Deus porque é a semente do

         mundo que ha de vir.
Não há um milímetro do corpo, sem desenho e sem plantas
         futuras.

Não há um poro sem tatuagem: por isso a virgem é tão bella.

Vamos ler a virgem, vamos conhecer o futuro: reparai
          que não são enfeites, ó homens de vista curta.
Olhai: são tatuagens dentro

de tatuagens, são gerações saindo de gerações.

Quem tatuou a virgem ? Foi Deus no dia da Queda.

Vêde a serpente tatuada nela. Vêde o anjo tatuado nela.
         Vêde uma Cruz tatuada nela. Vede, senhores, que não
         pagareis nada. É o supremo espetáculo, meus senhores.
         Ensinarei os mistérios, as letras simbólicas até o ômega.
         Vinde ver o trabalho admirável gravado no corpo da virgem:
         a história do mundo, a estratosfera habitada, o magico
         Tim-Ka-Lu viajando na lua. Porque a virgem é admirável
         e tem tudo. Vinde senhores, que não pagareis nada.
         A imagem da inocência, da volúpia, do crime, da bondade,
         as representações incríveis estão no dorso da virgem,
         no pescoço, na face. Vão sair tumultos das tatuagens.
         E' um momento muito sério, senhores. Vão sahir grandes
         revoltas. Há um mar tatuado na virgem, com os sete dias
          da criação, com o dilúvio, com a morte. Vinde senhores,
         que não pagareis nada.

 

Senhores, hoje ha espetáculo no mundo.
Vamos ver a virgem, a virgem tatuada, a virgem tatuada por Deus.

Ela está nua e ao mesmo tempo vestida de tatuagens.
Meus senhores, a virgem vai se desdobrar em milênios.
Há intuições nas tatuagens, há poemas, há mistérios.
E' por isso que o espetáculo é bonito. E' por isso que a virgem

         vos atrai.
Vinde, senhores!

 

 

O GRANDE CIRCO MÍSTICO

 

O médico de câmara da imperatriz Thereza—Frederico Knieps—

resolveu que seu filho também fosse médico,

mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes,

com ela se casou, fundando a dinastia de circo Knieps
de que tanto se tem ocupado a imprensa.
Charlotte, filha de Frederico, se casou com o clown,
de que nasceram Marie e Otto.

E Otto se casou com Lily Braun, a grande deslocadora,
que tinha no ventre um santo tatuado.
A filha de Lily Braun—a tatuada no ventre—
quis entrar para um convento,
mas Otto Frederico Knieps não atendeu,
e Margarethe continuou a dinastia do circo
de que tanto se tem ocupado a imprensa.
Então, Margarethe tatuou o corpo
sofrendo muito por amor de Deus,
pois gravou em sua pele rósea
a Via-Sacra do Senhor dos Passos.
E nenhum tigre a ofendeu jamais;
e o leão Nero que já havia comido dois ventríloquos,
quando ela entrava nua pela jaula adentro,
chorava como um recém nascido.
Seu esposo—o trapezista Ludwig—nunca mais a pôde
         amar

pois as gravuras sagradas afastavam

a pele dela e o desejo dele.

Então, o boxeur Rudolf que era ateu

e era homem fera derrubou Margarethe e a violou.

Quando acabou, o ateu se converteu, morreu.

Margarethe pariu duas meninas que são o prodígio
         do Grande Circo Knieps.
Mas o maior milagre são as suas virgindades
em que os banqueiros e os homens de monóculo têm

         esbarrado;

são as suas levitações que a plateia pensa ser truque;

é a sua pureza em que ninguém acredita;

são as suas mágicas que os simples dizem que é o diabo;

mas as crianças creem nelas, são seus fiéis, seus amigos,
         seus devotos.

Marie e Helène se apresentam nuas,
dançam no arame e deslocam de tal forma os membros
que parece que os membros não são delas.
A plateia bisa coxas, bisa seios, bisa sovacos.

Marie e Helène se repartem todas,

se distribuem pelos homens cínicos,

mas ninguém vê as almas que elas conservam puras.

E quando atiram os membros para a visão dos homens,

atiram as almas para a visão de Deus.

Com a verdadeira história do grande circo Knieps

muito pouco se tem ocupado a imprensa.

 

 

 

ESPÍRITO PARÁCLITO

 

Queima-me Língua de Fogo!
Sopra depois sobre as achas incendiadas
e espalha-as pelo mundo
para que tua chama se propague!
Transforma-me em tuas brasas
para que eu queime também como tu queimas
para que eu marque também como tu marcas!
Esfacela-me com tua tempestade,
Espírito violento e dulcíssimo,
e recompõe-me quando quiseres,
e cega-me para que os prodígios de Deus se realizem,

e ilumina-me para que tua gloria se irradie!
Espírito, tu que és a boca de todas as sentenças,
toca-me para que os meus irmãos desconhecidos
         e longínquos e estranhos,

compreendam a minha fala para todos os ouvidos
          que criares!

Exceder-me-ei em meus limites,
crescerei em todas as distâncias,

serei a palavra transcendente, a profecia, a revelação
         e as realidades!

Devora-me, renova-me, ressurge-me em tua vontade
         criadora
diante da morte e diante do nada!
Aguça a minha intuição,
descansa em minhas pupilas,
agita a minha lentidão,
faze-me numeroso como tu,

cobre todo o meu corpo de pálpebras que espreitem
         todas as latitudes e longitudes
e expectativas e anunciações e partos e concepções
e gerações e séculos de séculos!
Ressurgirei de todos os ventres

e voarei no sentido da perpetuidade sobre as aguas
         e sobre as terras!

Desata-me, Espírito Paráclito! Corta os meus laços,
sopra a terra que há sobre a minha sepultura!
Enche-me de tua verdade e sagra-me teu moderno
         apóstolo!

Amo como poeta a forma com que te apresentaste
à assembleia do Cenáculo!
E sinto a tua presença,

a tua aproximação, a tua unção sobre a minha alma!

Dá-me tua fecundidade sobrenatural,

tua heroicidade e tua Luz!

Unge-me teu sacerdote,

teu soldado, teu vinho, teu pão,

tua semente, tuas perspectivas!

Espírito Paráclito, dedo da direita do Pai,

soergue as minhas pálpebras descidas e sopra sobre elas
         o teu hálito e tua essência!
Espírito Paráclito, amo-te, com os meus cinco sentidos,
com a minha imaginação,

com a minha memória e com os outros dons poéticos e

         proféticos e reconstituidores
que ultrapassam minha espessa matéria e meu espirito

         translúcido!

Sou teu ramo de oliveira que trazes dos dilúvios constantes
         da humanidade
e cujo óleo ungirá os meus iguais e os desiguais de meu

         tamanho!

Espírito Paráclito, tu que és o único pássaro que desce sobre

         mim na minha noite untuosa,

fura os meus olhos para que eu veja mais,
para que eu penetre a unidade que tu és,
a liberdade que tu és,
a multiplicidade que tu és,

para eu subir de minha pequenez e me abater em ti!

 

 

 

POEMA DO CRISTÃO

 

Porque o sangue de Christo

jorrou sobre os meus olhos,

a minha visão é universal

e tem dimensões que ninguém sabe.

Os milênios passados e os futuros

não me aturdem porque nasço e nascerei,

porque sou uno com todas as criaturas,

com todos os seres, com todas as coisas

que eu decomponho e absorvo com os sentidos

e compreendo com a inteligência

transfigurada em Cristo.

Tenho os movimentos alargados.

Sou ubíquo: estou em Deus e na matéria;

sou velhíssimo e apenas nasci ontem,

estou molhado dos limos primitivos,

e ao mesmo tempo ressoo as trombetas finais,
compreendo todas as línguas, todos os gestos,
         todos os signos,
tenho glóbulos de sangue das raças mais opostas.
Posso enxugar com um simples aceno
o choro de todos os irmãos distantes.
Posso estender sobre todas as cabeças um céu
         unânime e estrelado.

Chamo todos os mendigos para comer comigo,

e ando sobre as águas como os profetas bíblicos.

Não há escuridão mais para mim.

Opero transfusões de luz nos seres opacos,

posso mutilar-me e reproduzir meus membros
         como as estrelas do mar,
porque creio na ressurreição da carne e creio em Cristo,
e creio na vida eterna, amém.
E tendo a vida eterna posso transgredir leis naturais:

a minha passagem é esperada nas estradas,
venho e irei como uma profecia,
sou espontâneo como a intuição e a Fé.
Sou rápido como a resposta do Mestre,
sou inconsútil como a sua túnica,
sou numeroso como a sua Igreja,
tenho os braços abertos como a sua Cruz
         despedaçada e refeita

todas as horas, em todas as direções, nos quatro pontos

         cardeais;
e sobre os ombros A conduzo

através de toda a escuridão do mundo, porque tenho a luz

eterna nos olhos.
E tendo a luz eterna nos olhos sou o maior magico:
ressuscito na boca dos tigres, sou palhaço, sou alpha e

         ômega, peixe, cordeiro, comedor de

         gafanhotos, sou ridículo, sou tentado e perdoado,
sou derrubado no chão e glorificado, tenho

mantos de purpura e de estamenha, sou burríssimo

         como São Cristóvão e sapientíssimo Santo Tomas.
         E sou louco, inteiramente louco, para sempre, para
         todos os séculos, louco de Deus, amém.
E sendo a loucura de Deus, sou a razão das coisas, a ordem
         e a medida,
sou a balança, a criação, a obediência,

sou o arrependimento, sou a humildade,
sou o autor da paixão e morte de Jesus,
sou a culpa de tudo,
Nada sou.
Miserere mei, Deus, secundum magnam misericordiam tuam!

 

 

 

 

10 POEMAS EM MANUSCRITO.  Organizador: João Condé Filho. Rio de Janeiro: Edições Condé, 1945.  Folhas soltas, dobradas.  29x39 cm. Prefácio de Álvaro Lins.  Capa de Santa Rosa. 

Inclui poemas manuscritos de Abgar Renault, Cecília Meireles, Murilo Mendes e Augusto Meyer ilustrados por Tomas Santa Rosa; poemas de Jorge de Lima, Mário de Andrade e Vinicius de Moraes ilustrados por Percy Deane; poemas de Augusto Frederico Schmidt, Carlos Drummond de Andrade  e Manoel Bandeira ilustrados por Cândido Portinari. A clicheria foi executada por Latt & Cia Ltda e a impressão esteve a cargo do mestre  João Luis dos Santos, nas oficinas gráficas dos Irmãos Pongetti.  “Desta  edição foram tirados 15 exemplares F.C., numerados de I a XV e destinados ao prefaciador, aos poetas e aos ilustradores e 150 exemplares numerados de 1 a 150, compostos em papel Goatskin Parchment e com a rubrica do organizador. Exemplar n. 132. Col. bibl. Antonio Miranda. 

 

Poema de Jorge de Lima, ilustrado por Percy Deane.

                                                

        CANDIEIRO FAMILIAR

 

Nas noites de minha meninice

existe um grande candeeiro amigo,

que sobre a vasta mesa de jantar

ilumina o meu serão antigo.

 

As doces sombras dos meus se projetavam

na parede branquinha do salão.

O primeiro cinema que eu conheci

foram essas sombras de carvão.

 

À procura do velho candeeiro

vinham asas da mata se queimar;

vinham de longe insetos viajeiros,

borboletas de forma singular.

 

O candeeiro era a lanterna mágica,

que me fazia na parede branca

o homem grande que eu queria ser

e de que sou uma sombra, apenas uma sombra.

 

A ventania às vezes surpreendia

as janelas abertas do meu lar,

e então as doces sombras se moviam,

trêmulas, trêmulas a bailar.

 

Quem é lá? perguntavam.

- É a ventania que lá forte está.

E com o vento, como que entravam,

e se espalhavam pelos vãos da sala,

a mãe-preta, o pai joão, toda a senzala,

todas as sombras que não vivem mais.

 

 

 

LIMA, Jorge de.  Jorge de Lima. Apresentação de Salomão Sousa. [Jaboatão, PE: Editora Guararapes EGM, 2015? ]  40 p.  21x14.5 cm  ilus. col. Inclui poemas do autor e o          texto "Os reinos de Jorge de Lima", por Maria da Conceição Paranhos.  Edição alternativa, tiragem limitada.  Ex. bibl. Antonio Miranda.

Veja o E-BOOK: https://issuu.com/antoniomiranda/docs/jorge_de_lima

 

 

Imagem extraída  de

DIAS-PINO, WlademirA lisa escolha do carinho (Rio de Janeiro: Edição Europa, s.d.             20,5x20,5 cm.  33 f. ilustradas  (Coleção Enciclopédia Visual).  
Inclui versos de   poetas brasileiros

HADAD, Jamil Almansur, org.   História poética do Brasil. Seleção e introdução de  Jamil Almansur Hadad. �Lin�leos de Livrio Abramo, Manuel Martins e Claudio ������� Abramo.� S�o Paulo: Editorial Letras Brasileiras Ltda, 1943.� 443 p. ilus. p&b� “Hist�ria do Brasil narrada pelos poetas.�

HISTORIA DO BRASIL – POEMAS

 

CALABAR

 

Domingos Fernandes Calabar
eu te perdôo!
Tu não sabias
de certo o que fazias
filho cafuz
de sinhá Angela do arraial do Bom Jesus.

Se tu vencesses Calabar!
Se em vez de portugueses,
� holandeses!?
Ai! de nós!
Ai de nós sem as coisas deliciosas
que em nós mora:
redes,
rezas,
novenas,
procissões —
E essa tristeza, Calabar,
e essa alegria danada que se sente
subindo, balançado a alma da gente,
Calabar, tu não sentiste
essa alegria gostosa de ser triste!
 

������� (POEMAS ESCOLHIDOS � Adersen, Editores -
Rio de Janeiro, 1932)


RIO DE S. FRANCISCO

[RIO SÃO FRANCISCO ]

 

   E primeiro desceram pelo rio Opara
os homens que foram ferir a terra à procura de ouro,.
   E depois os que foram alçar a cruz para curar as chagas
que o ouro fez.
   Depois desceram feras à procura de escravos
e depois desceu um homem sonhador
   meu avô mameluco que parou em Cabrobó
       e meu deu dois olhos para ver meu rio
            e me deu coragem para viver só.
Então o povo crente ergueu cruzes nas margens
   e capelas
      e igrejas
         cemitérios.
            E eram antônios conselheiros e jesuítas,
                  e eram missões,
                    e era o povo ajoelhado
beijando a terra por onde os santos iam.

E todos eles defloraram o rio.
O garimpeiro deflorou a terra
o cangaceiro saqueou as vilas,
os capitães de mato deram caça aos negros,
os missionários conquistaram almas.
Bandeirantes. Bandeirantes. Bandeirantes.
   E o rio Opara ouviu do seu leito de pedras
      ladainhas de Canudos
         plangências de aboiado,
            metralhas de holandeses,
               bacamartes de jagunço,
                  sermões de missionários
e as grandes vozes de clangores rubros
   das maritacas
      seriemas,
         saracuras,
   e no fundo da silves hórrida de Martius
         o tapir arrancar e a suçuarana rugir.

Vem, vem meu Debret ver o pitoresco desse rio:
   o canoeiro pachola tocador de violão
   que vai às jacarezadas,
   e dá adeus com seu lenço vermelho
   às caboclas da margem.

Vem pintar Henderson uma pescaria de gererê,
             de poita,
   de grosseira,
      de tarrafa,
   mas tem cuidado que as piranhas podem comer os teus
painéis.

E vinde todos vós gostadores do ingênuo fugidio,
das cousas simples — Vila Risonha de São Romão,
Januária,
o Senhor Bom Jesus da Lapa protegendo os barranqueiros.
as canoas de Pirapora com as proas de cabeça de touro pra
   afugentar o caboclo dágua.
Nisso tudo passaram Halfeld e Saint-Hilaire com as 
   bandeiras da sabedoria,
      e viram na igreja Santa do Rosário
     a baita coroa do Imperador do Divino:

 

  “O Capitão de cavalos João Veloso saindo por sorte
imperador a mandou fazer à sua custa.”

             
 Vinde caçadores de lendas,
bandeirantes de todos os feitios:
o rio desce e as lendas descem com esse rio;
   aqui mataram padre Capela
   que recebeu os cunhos do Imperador para gravar moedas
   ali na casa de pedras de Entre-Montes
   aparece à meia noite
   um galo preto depenado gritando:
      Salvador! Salvador!
As almas dos holandeses
   passam enterrando tesouros nos penedos,
   a pedra de sino de Piranhas geme finados
   pelos que se afogaram perseguidos pelos capitães de mato,
   pelos que morreram à procura de ouro,
   pelos que morreram pelo Imperador.

          E o rio desce
e quando o dia nasce há florestas de mastros pelos cais:
          feiras,
          cegos cantando,
          gado pastando nos cercados,
          bodes pulando pelos morros,
          ovelhas descendo as encostas,
          potros correndo danados,
Passam engenhos pitorescos meu Debret:
          o Bandarra,
          o Mata-boi,
          o Cajuipe,
          o Papa-ovelha,
Passam tangedores de gado,
vaqueiros entoando o aboiado,
canoeiros recolhendo os traquetes que o Imperador achou bonitos.
      E são bonitos Debret.
      E é coragem meu amigo
      vê-los enfrentar os sorvedouros
      e as sarambiras recortadas de ventos.
Na pedra do Mateus naufragou Irênio
que vinha praguejando contra frei Doroteu.
      Corrente do Boqueirão.
Engenho do Brejo Grande.
                    Aningas.
                    Arrozais.
                    Garças,
             jaçanãs que emigram,
mulheres que vão de canoa ouvir o terço em Vila Nova,
       A canoa vai na zinga,
       a coringa molhada,
       os laezes das retrancas bem seguros
   e o canoeiro de lembrou de cantar a modinha.
À noite os vagalumes acendem luzes no mato,
        vagam fogos corredores,
        e nas noites de luar
        a lua boia na água...
        Jaciobá-espelho da lua
        por que te chamam Pão de Açucar?

 

E o rio desce,
E um dia os riachos,
as torrentes,
as nuvens,
os outros rios vêm visitar o rio Opara
E ele para de receber as águas
arreda as gentes das margens,
              cresce,
              corre rugindo nas pedras,
              e o povo treme de febre
              e ele entra doido no mar.

      Mas um dia, um dia enfim,
      deixa de chover no Piauí,
      não chove do Ceará,
      o bafo da terra queima,
      as nuvens se vão embora,
      e a seca devora tudo,
      devora as folhas e o gado,
      tira a camisa do pobre
      vende a honra das donzelas.

       Senhor! Dai-me o que comer!
Secou na terra a última raiz de mucunã
e eu sou capaz de assar meus filhos para comer.
Senhor! O vosso sol secou a minha língua,
        comeu as minhas entranhas,
        esquentou a concupiscência dos ricos contra as minha filhas
donzelas!

E o rio de São Francisco como o próprio São Francisco de Assis
não consente que se zombe do irmão sol
nem dos irmãos lobos da cidade.

         Tenho aqui água fresca, tenho aqui algum peixe
         meus irmãos.
         Tenho para os vossos bichos um restinho de ervasss
         no surrão.

E dá-lhes água e dá-lhe o pão do umbuzeiro
                    caroás,
                    gravatás,
                    e cajuís,
dá-lhes o peixe das parábolas,
                      mandís,
                      curumatás,
                      surubins.
                 E o gado come quipás,
                      chique-chiques,
                      mandacarús.
E o caboclo retempera as entranhas queimadas
                       com o refresco da jurema.
                           E o rio desce.
                           E volta o tempo da fartura.
                           E o homem esquece...
             E refloresce outra vez a alma do sertão:

Romarias a Nossa Senhora dos Prazeres,
pescarias a casseia pelas praias das coroas,
a acauã canta nas grotas,
a ema corre nas caatingas e capoeiras,
            Frei Doroteu renasce,
         o Conselheiro reaparece,
       e o povo volta de novo
    a tomar a bênção ao Padre Cícero.
E o rio, o grande rio como a alma do sertão
desce de Paulo Afonso com sete ataques de doido
e ruge, e espuma, e bate e dorme lá embaixo
como um gigante que sofre de ataques de convulsão.
                     —  Cachoeira de Paulo Afonso!
                     A água está doida.
                     Até os peixinhos fogem dela.
                     Até as pedras estremecem.
                     Até D. Pedro II teve medo da cachoeira.

      E o cearense desceu com uma turbina na mão.

Delmiro viu que o rio era o monge de Assis,
E viu que era preciso descruzar outra vez os braços do santinho.
E os braços edificaram a caatinga
e iluminaram os capões.
E quando o mestiço inspirado pelo santo
ia fazer o milagre da multiplicação
      e salvar o nordeste e remir o sertão,
o trabuco do irmão lobo calou o grito do homem.

Miserere me, Deus secundum magmam misericordiam tuam.

 

           (POEMAS ESCOLHIDOS – Adersen, Editores - Rio de Janeiro, 1932 )
 


 

 

  

TEXTOS EM ESPAÑOL

 

Retrato de Jorge de Lima aos 53 anos, por Silvia Meyer, 1946
De: JORGE DE LIMA, por Ana Maria Paulino. São Paulo: Edusp, 1995
(Col. Artistas Brasileiros, 1) Exemplar da Col. A.M., cedida pelo
bibliófilo Oto Reischneider Dias.


JORGE DE LIMA

(1895-1953)

 

 

Nacido en Maceió, estado de Alagoas, murió en Rio de Janeiro, víctima de cáncer y con elevado prestigio dentro de [as áreas de su ejemplar actuación médica, política y literaria. Artista multiforme (fue igualmente laborioso pintor y escultor), dejó una extraordinaria contribución poética, crítico-histórica y novelística. Ejerció también el magisterio y el periodismo, habiendo sido director de instrucción pública en su tierra natal y jefe de estudios de Ia Universidad de Brasil, en Rio de Janeiro. Descendiente de un antiguo linaje rural del Nordeste, su "infância de engenho", en Ia plantación paterna de cana de azúcar, explica su inclinación a Ia tierra natal y Ia simpatía hacia Ia raza negra. Se lanzó como escritor, siendo nino aún, con un soneto parnasiano, "O Acendedor de Lampiões", en 1907. "Essa Negra Fulô" (1928), que le granjeó éxito estupendo, nacional y mundial, tuvo en Ia artista argentina Berta Singerman una intérprete incomparable. A1canza, en sus años de madurez, el clímax deI verdadero genio. Inducido desde 1925 al Modernismo ya partir de los anos 30 a Ia militancia católica, suma a Ia herencia de los anos ochocientos sus bellos poemas regionales, nuevas conquistas formales y, en feliz asociación con Murilo Mendes, un libro de poemas religiosos: Tempo e Eternidade (1935). Otras dos ejemplos de esa religiosidad no sectaria son A Túnica Inconsútil (1938) y Anunciação e Encontro de Mira-Celi (1950). Pero ha de ser con Livro de Sonetos (1949) y Invenção de Orfeu (1952) que Ia excelsa inspiración del poeta alcanzará su punto culminante y su lugar definitivo, gracias a1 dominio técnico del verso, el poder onírico, Ia originalidad y el soplo épico bebido en Ias fuentes de Ia gran tradición del arte occidental. Obra completa publicada por Editora Nova Aguilar, de Rio de Janeiro.

Presentación: José Santiago Naud

 

 

 

Esa negra Fuló

 

Pues sucedió que llegó

(hace mucho, mucho tiempo)

con los negros de mi abuelo

una negra muy bonita

llamada negra Fuló.

 

¡Esa negra Fuló!

          ¡Esa negra Fuló!

 

¡Fuló! ¡Fuló!

(Era la voz de su Ama).

—¡Ponle la colcha a mi cama,

ven a peinarme el cabello,

ven y ayúdame a quitarme

la ropa, negra Fuló!

 

¡Esa negra Fuló!

 

Esa negrita Fuló

se quedó para doncella,

para cuidar a su Ama

y la ropa dei Senor.

 

¡Esa negra Fuló!

¡Esa negra Fuló!

 

          ¡Fuló! ¡Fuló!

(Era la voz de su Ama).

—Ven a ayudarme, Fuló.

Ven a abanicarme el cuerpo,

que estoy sudando, Fuló.

Ven, ráscame los picores,

ven a quitarme las liendres,

ven a mecerme en la red,

ven y cuéntame una historia,

que tengo sueño, Fuló.

 

          ¡Esa negra Fuló!

 

          "Era un día una princesa

que vivía en un castillo

y era dueña de un vestido

con pececitos del mar.

Entró en la pata de un pato,

salió en la pierna de un pollo.

El señor Rey me ha mandado

que te cuente cinco más".

 

          ¡Esa negra Fuló!

          ¡Esa negra Fuló!

          ¿Fuló? ¿Fuló?

 

Anda y llévate a la cama

a los pequeños, Fuló.

"Mi madre me painó,

mi madastra me interró

por los higos de la higuera

que el sabiá se comió".

 

          ¡Esa negra Fuló!

          ¡Esa negra Fuló!

 

          ¿Fuló? ¿Fuló?

(Era la voz de su Ama

la que llamaba a Fuló)

¿Qué es del frasco de perfume

que tu Señor me mandó?

¡Eres tú quien lo ha robado!

¡Fuiste tú quien lo robó!

El Señor se fue a la negra,

a azotar al malhechor.

Ella se quitó la ropa,

el Señor dijo: ¡Fuló!

(Su vista se puso oscura:

más que la negra Fuló).

 

          ¡Esa negra Fuló!

          ¡Esa negra Fuló!

 

          ¿Fuló? ¿Fuló?

¿Qué es del pauelo de encaje

de mi cinturón, del broche,

de mi rosario de oro

que tu Señor me mandó?

¡Eres tú quien lo ha robado!

¡Fuiste tú quien lo robó!

 

          ¡Esa negra Fuló!

          ¡Esa negra Fuló!

 

El Señor se fue a azotar,

solo, a la negra Fuló.

Ella se quitó las sayas

y la blusa se quitó;

de dentro salió desnuda

aquella negra Fuló.

 

          ¡Esa negra Fuló!

          ¡Esa negra Fuló!

 

          ¿Fuló? ¿Fuló?

¿Qué ha sido de tu Señor

que Nuestro Señor me dio?

¿Eres tú quien lo ha robado,

eres tú, negra Fuló?

 

          ¡Esa negra Fuló!

 

 

LOS QUE ENCIENDEN FAROLAS

 

                Traducción de Anderson Braga Horta

                y José Jeronymo Rivera

 

!Viene el hombre que enciende farolas y puntúa

De luceros la calle, e infatigablemente

Imita al sol, y lunas y estrellas insinúa,

Cuando la vasta sombra ennegrece el poniente!

 

Una, dos, tres farolas enciende y continúa

Otras más encendiendo imperturbablemente,

Mientras la noche, poco a poco, se acentúa

Y la pálida luna apenas se presiente.

 

Triste ironía atroz que al alma humana irrita:

ÉI, que dora la noche y alumbra la ciudad,

Tal vez no tenga luz en la choza en que habita.

 

¡Tanta gente hay también que en las demás pretiende

Insinuar creencia, amor, felicidad,

Como ese hombre que pasa y farolas asciende!

 

 

CANTIGAS

 

                Traducción de José Jeronymo Rivera

 

Las cantigas lavan la ropa de las lavanderas.

¡Las cantigas son tan bonitas, que las lavanderas quedan tan tristes,

                                                                             tan pensativas!

 

Las cantigas tañen los bueyes de los boyeros!

¡Los bueyes son morosos, la carga es tan grande!

El camino es tan largo que no tiene fin.

Las cantigas son leves ...

Las cantigas llevan los bueyes, baten la ropa de las lavanderas.

 

Las almas negras pesan tanto, son

Tan sucias como la ropa, tan pesadas como los bueyes ...

Las cantigas son tan buenas ...

!Lavan la ropa de los pecadores!

!Lavan la ropa de los pecadores!

 

 

BIEN ENTRADA LA NOCHE CUANDO ESCRIBÍS

 

Traducción de Anderson Braga Horta

                y José Jeronymo Rivera

 

Bien entrada la noche, cuando escribís un poema cualquiera

sin sentir lo que escribís,

mirad vuestra mano — que vuestra mano no os pertenece más;

mirad como parece un ala que viniera de lejos.

Mirad la luz que a cada momento

sale de entre sus dedos curvos.

¡Mirad la Gran Mano que sobre ella se abate

y le hace deslizar sobre el papel estrecho,

con el clamor silencioso de la sabiduría,

con la suavidad del Cielo

o con la dureza del Infierno!

Si no lo creéis, tocad con la otra mano inactiva

las llagas de la mano que escribe.           

 

 

XV

 

Traducción de Anderson Braga Horta

                y José Jeronymo Rivera

 

 

La grupa de la vaca era palustre y bella,

una pelusa había en su mentón hermoso;

y en la frente lunada donde ardía una estrella

flotaba un pensamiento en constante reposo.

 

Es su imagen tan pura y sencilla centella,

que del fondo del sueño a veces yo la esposo

y se mezcla de noche a la imagen de aquella

que ama me amamantó con pecho generoso.

 

Escucho su mugido —un himno suave y santo—

y su dulce mirada que en la mía se fijó:

seno y ubre natales irrigándome amenos.

 

Los mezclo en esta ganga informe que es mi canto:

gesto y leche, la vaca y la hembra que me dio

la leche y la dulzura manando de dos senos.

 

 

VENÍA BOYANDO EL CUERPO ADOLESCENTE…

 

Traducción de Anderson Braga Horta

                y José Jeronymo Rivera

 

Venía boyando el cuerpo adolescente,

bello pastor y ensueño perturbado.

Dios bajó sus pestanas alargadas

para que él durmiéndose flotase.

 

Resucítalo, Dios, a esa medusa

de sangre juvenil en rostro impúber,

de la vida exiliado, flor perdida,

el gemelo de Apolo trismegisto.

 

Seca la espuma que le inunda el pecho,

la convulsión mortal que lo inmoló

a Sodomas ardidas en su lecho.

 

Ángel doliente, ajeno danzarín

que danzase en Gomorras incendiadas,

estás cansado y solo; ¡échate, niño!

 

 

TAL ERA SU TRITEZA, TAL LA PENA…

 

Traducción de Anderson Braga Horta

                y José Jeronymo Rivera

 

 

Tal era su tristeza, tal la pena

que su ángel de la guardia resolvió

luchar con él, apenas por luchar,

que el gusto de la vida extinto estaba.

 

Ave y serpiente, círculo y pirámide,

los ojos en fusil, los dulces ojos,

el lazo, el vuelo libre, las escamas.

 

iQué loca simetría en esos odios!

iQué fuerzas transcendientes aros y ángulos

quiso alguien que lucharan ese día!

 

Ave y serpiente, círculo y pirámide:

 

iQué divina constante simetría

en la lúgubre lucha, en esa liza

en que Dios reconstruye el cisne eterno!

 

 

EL NOMBRE DE LA MUSA


            Traducción deJorge Boccanera
         y Saúl Ibargoyen


No te llamo Eva,

no te doy nombre alguno de mujer nacida,

ni de hada ni de diosa ni de musa ni de sibila ni de tierras

nl de astros ni de flores.

Pero te llamo la que descendió de la luz de la luna

         para provocar las mareas

e influir en las cosas oscilantes.

Cuando veo los enormes campos de verbena agitando

         las corolas

sé que no es el viento que sopla, sino tu que pasas

         con los cabellos sueltos.

Amo contemplarte en los cardúmenes de las medusas

         que van hacia los mares boreales,

o en la bandada de gaviotas y pájaros de los polos,

         revoloteando sobre las tierras heladas.

No te llamo Eva,

no te doy nombre alguno de nujer nacida.

Tu nombre debe estar en los labios de ios niños

que nacieron mudos,

en las arenas movedizas y silenciosas que ya se fueron

         al fondo del mar,

en el aire lavado que sigue a las grandes borrascas,

en la palabra de los anacoretas que te vieron soñando

y murieron al despertar,

en la parábola que los rayos describen

y que nadie leyó jamás.

En todos esos movimienïos hay apenas sílabas

         de tu nombre secular

que escucharon cosas primitivas y no las transmiteron

         a las generaciones.

Esperemos, amigo, que los sembrados gratuitos renazcan,

y los animales de la creación se reconcilien

         bajo el mismo arco-iris:

entonces se oirá el nombre de esa a quien no llamo Eva

ni le doy nombre alguno de mujer nacida.

 

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Extraído de
Jorge de Lima 
Antología personal
México, DF: Universidad Autónoma Metropolitana, 1989. 
146 p.   (Col. Molinos de Viento)

 

 

Lámpara marina

 

Las noches quedarán inmensas.

La tristeza de las cosas será cada vez más profunda.

Ahora paseas por los jardines intemporales.

Y aqui las noches serán inmensas 

y la soledad del mundo tendrá una altura infinita.

Te veo desapareciendo, como arrastrada por lineas divergentes,

deshaciéndote misteriosamente como una sombra en la tarde.

Brujuleas muy lejos, lámpara marina,

bajo la última ventisca que te barrió de la tierra.

Las noches quedarán inmensas, oh, ¡ quedarán inmensas !
Inmóvil yaces mientras tanto, recostada y serena
y todo todavia está en ti: la misma boca amarga
los mismos ojos imprecisos, los mismos cabellos,
de tus innumerables retratos.
Y a través de esta inimaginable quietud serena
se desdobla tu infancia y todavia conservas
las manos transparentes,
de la primera comunión, los lábios entumidos
         de prometida casi impúber
y la secuencia fotográfica de cuando ensanchaste tus senos
y tu vientre y tu alma para contener un hijo. —
¡  Ah, las noches serán inmensas
y la tristeza de las cosas llenará el mundo!
Ahora frecuentas los tiempos infinitos e ilimitados de Dios.
Pero todavía repesas tu cuerpo en la última noche
         que te arranco de la vida.
Son los mismos senos, la misma frente, la misma
         boca desmayada,
         la misma secuencia de retratos que se
         interrumpen en fin.
No hay un solo fragmento de carne ni siquiera
         un miembro que más te pertenezca:
Dios te rapto en tu totalidad.        
Y mientras todo en ti se detuvo para nosotros,
tu eres la bailarina que Él arrebató entre los
         hombres y absorbió para Si
Y Ias noches quedarán inmensas y más tristes. ..


De
Jorge de Lima
POEMAS 
Rio de Janeiro: Editora Ronfino, 1952.  176 p.
Textos en español

 

 

LA MESA DEL POETA, LOS CONVIDADOS

Y EL ALIMENTO

 

No estovemos en la mesa, separados

uno del otro, sino del lado en que el Maestro

se sentare en la Cena.

Y cuando Él me diere el fruto

lo ofertaré a la Musa,

que lo repartirá con todos los comensales.

Y la primera mujer será así recordada

y asi será devuelto el fruto vedado.

La mesa no servirá para separar los huéspedes,

sino para que ellos junten las manos o pendan la cabeza

sobre el pecho del Maestro amado.

El leño que el árbol dio para hacer la mesa

será así redimido por la mano del Señor;

y después del banquete renacerá en el suelo,

y árbol será siempre la mesa con su eterno fruto

para los desterrados.

 

 

LA MUERTE DE LOS ELEMENTOS

 

Y ha de llegar un día en que la Tierra que acogió tu cadáver

estará vacía como un cementerio.

Y del agua que te bautizó y te sació la sed no restará una [gota.

Y el aire no envolverá la tierra ni las aguas;

y junto a los tres elementos que tantas veces en la vida

ni te dieron placer ni te dieron pesar,

indiferentes a tí como si no existiesen,

solo el fuego, el fuerte fuego invencible

puede acompañar tu espíritu y envolverlo.

Y llorarás en vano y rechinarás tus dientes.

 

 

ANTES DE SEMBRAR, MIRA

 

Antes de que lances la simiente en el suelo,

antes de que calcules los lucros de la mies,

y antes de que sumes el valor de las prendas que vas a dar

                                                                           [a tu amada

o las arcas que vas a llenar

y las cosas que vas a transformar,

observa bien el pequeño embrión del árbol:

a la sombra, el pastor tocando su gaita,

y la virgen derribada debajo de la fronda,

y el nieto del pastor subiendo por las ramas

buscando, entre el follaje, los nidos escondidos;

y los ramos bienhechores protegiendo nuevas cunas.

Mira el joven que se ahorca en una rama seca,

y el Bien y el Mal brotando siempre del árbol;

 

y las simientes, como en las sacras parábolas,

alimentando a las aves o secándose en las piedras;

y, siempre, ramos subiendo para la gloria de Dios,

y, siempre, raíces bajando para el hambre de la tierra.

 

 

 

De
Jorge de Lima
Mira-coeli. 
 Buenos Aires: Sociedad Editora Latino-americana, 1950.  
 150 p.

 

“He aqui por qué Mira-Cioeli no perde actualidad, y conserva su esencia revolucionaria, es decir, ser contra todas las guerras, proptencias y tiranias de todos los tempos, em el pasado, en el presente y em el futuro,. Se prodría decir que es éste um poema épico-místico, pues representa en verdade el trânsito del ser, desde su origen hasta sus fines em lo eterno de la Trinidad Divina”.
FLORINDO VILAL ALVAREZ

 

ANUNCIACIÓN DE MIRA-COLI

(fragmento)
 

Los grandes poemas aun permanecen intactos
y las grandes palabras duermen en las lenguas resecas.
Apenas se oyeron algunas lamentaciones;
pero precisamos de blasfêmias que estremezcan al Señor,
o de delírios de la más incruenta fiebre,
o, entonces, de gestos humildes que arranquen una clemencias de El.
Entre tanto, dispongo de una constelación de brazos,
de todos los colores y de todos los tatuajes, para traeros aquí.
Es aqui, en este valle, donde se conjura la rabia
y donde el amigo va y vuelve, siempre en la órbita de la amiga,
y quien duerme sossegado, sexo con sexo opuesto
sin miedo de adultério, de incesto
o de otros ambíguos climas.
Tórnase aquí efectiva esta urgencia divina
que me une a los que murieron y a los que se lavan en llamas.
Es aquí donde desaguan los ríos
y donde los ríos se comprenden de haber terminado.
¡ Y las alas comprenden sus vuelos
y la maternidade no esmutilada nunca,
y las vocês más tiernas resuenan por la entraña del valle!
Aquí todos los seres tienen órbitas dond nacen los cometas,
y a los labios de cualquier virgen se ofrecen jóvenes labios,
y de los vientres brota húmus, gloria de la Mesopotamia,
que el Señor hizo irrigar con su saliva sacra.
Por la noche las flores son vísceras
y pulsan como sanguíneos vasos;
muchas bajan de la ladera para fecundar los peces, que por la mañana son aves.
¡Si sois vírgenes, nacerán de vuestros flancos
constelaciones de gemelos
qaue imediatamente se transforman em constelaciones de amigos
sólo existente em las cartas de este fecundo valle!
Si tienes uno o dos hijos,
se desdoblarán lateralmente,
porque el soplo divino aun se infunde en el barro
y reposa sobe las primeras aguas.
Mas, cuando llegue el séptimo día,
descansaremos para mirar abrazados,
pupila contra pupila, dentro de nuestros seres,
la historia de la Creación en un nuevo comienzo.

 

POESIA SEMPRE – Revista Semestral de Poesia – Ano 2  Número 3 – Rio de Janeiro Fevereiro 1994 - Fundação Biblioteca Nacional. ISSN 0104-0626  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

ALINE      (Ante un retrato)

 

 

El abuelo había sido un anciano convencional
al que enterraron de sobrecasaca y polainas;
y la abuela, una muchacha clorótica que murió al parirla.
El padre compuso algunas baladas,
y cuentan que tenia un catalejo para mirar la lejanía.
(Aquí, la mano dobla la página del libro,

y la historia de la tataranieta termina con una estocada en el vientre:

Hay destinos trabados... pañuelos calientes de lágrimas...,

algún incesto..., una violación sobre un sofá antiguo...

Cuando la mano dobla la página, hay huellas de sangre en el suelo).

Esta es la más nueva de las cinco.

Ved que los senos son como alba nieve que nunca jamás contemplamos,

y nadie nunca vió el padre que le hizo un hijo;

y el hijo de esta muchacha es este mozo de luto.

Ahora, volved la página, y ved el ángel que él poseyó;

ved esta mantilla sobre este hombro puro;

ved estos ojos que parecen contemplar las nubes

a través del catalejo del abuelo.

Ved que, sin el fotógrafo quererlo,

las cortinas dan la sensación de caras impresionantes

por detrás del grabado:

un estudiante de perilla y otro de capa.

Y mirad bien el brazo que nadie sabe de dónde circunda el busto
de la moza y la quiere llevar para un rincón oculto.

Fijad bien la mirada, con el oído atento para percibir la respiración agitada,

los gritos, los juramentos...

La falda negra parece una campana de luto,

y el escote es la nave que se la llevó para siempre.
Y este fondo de agua, puede ser muy bien el mar;
pero pueden ser también las lágrimas del fotógrafo.

 

                Traducion al español por C. R. Arechavaleta y J. Torres Oliveros

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POÈME EN FRANÇAIS

 

JORGE DE LIMA, foto por Jorge de Castro


JORGE DE LIMA. — Né à Uniâo (Alagoas) en 1893. Mort à Rio de Janeiro en 1953.
Jorge de Lima fut tout d'abord connu dans sa province natale par ses sonnets aux rimes riches et au mètre bien conformiste, qui plurent tant aux parnassiens et sous-produits du début de ce siècle. Mais il ne chantait pas les motifs chers aux disciples de Leconte de Lisle dans ces parages tropicaux. Quand il se fixa à Rio de Janeiro, la vogue de Essa negra Fulô le révéla comme un poète régional des plus purs et le plaça parmi les meilleurs noms d'avant-garde. Il frôla même de près le surréalisme dans sa nouvelle l'Ange, qui remporta le prix de la Fonda¬tion Graça Aranha en 1934. Il aboutit enfin à un certain mysticisme sans s'éloigner toutefois de Fins-piration du folklore brésilien.
Infatigable travailleur, Jorge de Lima, docteur en médecine, publia des essais, des romans (Calunga, 1936), des recueils de poèmes les uns après les au¬tres; il a fait de la peinture, de la sculpture et de la politique. Il siégea au Conseil Municipal de Rio de Janeiro, où il représenta les tendances de la gauche démocratique-chrétienne.
Bibliographie : XIV alexandrinos, 1914; Poemas, 1925; O mundo de menino impossîvel (Le monde de l'enfant impossible), 1927; Novos poemas, 1928; Bangué, 1930; Essa Negra Fulô, 1940; Poemas escolhidos (Poèmes choisis), 1933; Tempo e eternidade (Temps et éternité), 1935; A Túnica inconsútil (La tunique indécousable), 1938; Poemas negros, 1947; Livro de sonetos, 1949; Invenção de Orfeu, 1952; Obra completa, 1958.

 

             LA CARRIÈRE DU VENT

 

         Il accourt, voici le vent
         qui chevauche as jument.
        
Sous l´aile de sa jument,
         ses vassaux femente le ban:
         le malheur en gémissant,
         le bonheur en souriant.


         Un cri se répercutant,
         échos le répercutant.

         Il accourt, voici le vent
         qui chevauche sa jument.
         Sous l´aile de sa jument,
         l´affliction des continentes,
         les calamités du temps
         suant sous leurs vêtements.


        
Un cri se répercutant,
         échos le répercutant.

         Il accourt, voici le vent
         qui chevauche sa jument.
         Sous l´aile de sa jument,
         un monde en commencement
         et un autre, agonisant.


        
En signe de ralliement,
         un cri se répercutant,
         échos le réprercutant.

         Il accourt, voici le vent,
         les siècles le talonnant.


        
Les cris de Dieu alternant
         avec les cris de Satan
         Et tous ces cris s´enchaînant.
         Un vent se répercutant,
         échos le répercutant.

 

         Il gronde, répercutant
         le vol des avions, porteur
         des tous leurs chevaux moteurs.
        
Le vent suit une carrière
         de vitesse et de poussière.
        
Et sur les ailes du vent
         court un long gémissement
         d´échos se répercutant.

 

         Il accourt, voici le vent
         que chevauche sa jument
         Or, qui arrive, à present,
         sur un mouton? Un enfant.


         Vent, laisse le cavalier
         retirer ses étriers!
         Mais le vent, damné brigand,
         continue en mugissant.

 

 


        
Trad. de LORRAINE, BernardPoèmes du Brésil  choisis, traduits et présentés par Bernard Lorraine.  Paris: Les Editions Ouvrières Dessain et Tolra, 1985.187 p.  (Enfance Hereuse des paus du monde)  13x21,5 cm.  Ex. Bibl. Nacional de Brasília.

 

TAVARES-BASTOS, A. DLa Poésie brésilienne contemporaine.  Antologie réunie, préfacée  et traduite par…   Paris: Editions Seghers, 1966.  292 p.   capa dura, sobrecapa.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

                FULO – LA - NÉGRESSE

Alors (il y a longtemps de cela)
A la ferme de grand-père
arriva

une jolie négresse
appelée Fulô-la-négresse.

 

                                      O Fulô-la-négresse !
                                      ô Fulô-la-négresse !

 

O Fulô, ô Fulô !
(c'était la voix de madame)
— Range les draps de mon lit
lisse ensuite mes cheveux
aide-moi à ôter ma robe,
dépêche-toi, ô Fulô

O Fulô-la-négresse

 

Cette petite négresse

devint femme de chambre

pour s'occuper de madame

et repasser pour monsieur
                                       O Fulô-la-négresse!
                                       ô Fulô-la-négresse!

 

O Fulô, ô Fulô !

(c'était la voix de madame)

viens, aide-moi, toi, Fulô,

évente tout mpn corps

car j'ai bien chaud,

gratte ma démangeaison,

caresse des doigts mes cheveux,

viens balancer mon hamac,

raconte-moi une histoire,

car j'ai sommeil, ô Fulô !

                                      O Fulô-la-négresse!

 

« Il était une fois une princesse

qui habitait un château

et qui avait une robe

comme celle des petits poissons.

Il prit par la patte d'une oie

sortit jmr cell' d'un poussin

Le Roi-Seigneur m'ordonna

de vous çn dire plus cinq ».

                                        O Fulô-la-négresse!
                                        ô Fulô-la-négresse!

 

O Fulô, ô Fulô !
Dépêche-toi, fais coucher
tous ces enfants, ô Fulô !
« Ma mère m'avait peignée
marâtre m'ensevelit
par les figues du figuier
que le sabiâ becqueta ».

                                   O Fulô-la-négresse !
                                   ô Fulô-la-négresse !

 

O Fulô, ô Fulô ?
(c'était la voix de madame
appelant Fulô-la-négresse)
où est le flacon de parfum
que ton maître m'a donné ?

—Hélas, tu me l'as volé
c'est toi qui me l'as volé

                                     O Fulô-la-négresse !
                                     ô Fulô-la-négresse !

 

Le maître la vit
fouettée par l'intendant.
La négresse ôta sa robe.
Le maître s'exclama : Fulô !
(Sa vue devint toute noire
comme Fleur-la-négresse).

                                       O Fulô-la-négresse !
                                       ô Fulô-la-négresse !

 

O Fulô, ô Fulô ?

Et mon mouchoir de dentelle ?

Et ma ceinture, ma broche ?

Et mon chapelet en or

que ton maître m'a donné ?

— Hélas, tu me l'as volé !
C'est toi qui me l'as volé !

                                         O Fulô-la-négresse !
                                        ô Fulô-la-négresse !

 

Le maître est allé tout seul
fouetter Fulô-la-négresse.
La négresse ôta sa jupe
et après ôta sa blouse.
Voici que sortit de là
Fulô-la-négresse nue !

                                  O Fulô-la-négresse !

 

O Fulô, ô Fulô ?

Où est-il, où est ton maître

que Notre-Seigneur m'a donné ?

Hélas, tu me l'as volé !

C'est toi, Fulô-la-négresse !

                                          O Fulô-la-négresse !

 

«   POEMAS   NEGROS »

 

 

 

POÈME DE TOUTE VIERGE

 

Les générations de la vierge sont tatouées sur son ventre bien fait.

Parce que la vierge représente ce qui doit venir.

Il y a des navires tatoués aux mains, des bâtons sur les bras.

La vierge a le corps tatoué par le bon Dieu parce qu'elle est

la semence du monde à venir.

Il n'y a pas un millimètre de son corps qui ne porte un

   dessin et des plantes futures. Il n'y a pas un pore sans tatouage, voici pourquoi la vierge

                             est si belle.

Allons lire la vierge, allons connaître l'avenir : tâchez de
    voir qu'il ne s'agit pas d'ornements, ô l'homme à la vue
    courte. Regardez : ce sont des tatouages au-dedans
    d'autres tatouages, des générations venant d'autres géné¬rations.

Qui a tatoué la vierge ? ce fut le bon Dieu le jour de la chute.

Voyez le serpent tatoué dans sa peau. Voyez l'ange. Voyez
    une croix tatouée dans sa peau. Voyez messieurs et vous
    ne payerez rien. C'est le suprême spectacle, messieurs.

    Je vous apprendrai les mystères, les chiffres symboliques
    jusqu'à l'oméga.

Venez voir le travail admirable gravé sur le corps de la
    vierge : l'histoire du monde, la stratosphère habitée, le
    magicien Tin-Ka-Lou dans son voyage à la lune. Parce
    que la vierge est en tout admirable et possède tout.
    Venez, messieurs, et vous ne payerez rien.

L'image de l'innocence, de la volupté, du crime, de la bonté,
    les représentations incroyables sont toutes sur le dos de
    la vierge, sur le cou, sur les joues. Des étincelles
    vont sortir des tatouages. C'est un moment très grave, messieurs ! Attention aux éclairs ! Il y a une mer tatouée
    sur le corps de la vierge, et les sept jours de la création,
    et le déluge, et la mort.

Venez, messieurs, et vous ne payerez rien.

Messieurs, aujourd'hui il y a spectacle sur la terre.

Allons voir la vierge, la vierge tatouée, la vierge tatouée
    par le bon Dieu.

Messieurs, aujourd'hui il y a spectacle sur la terre.

Allons voir la vierge, la vierge tatouée, la vierge tatouée
    par le bon Dieu.

Elle est nue, quoique couverte de tatouages.

Messieurs, la vierge va se dédoubler en millénaires.

Il y a des institutions dans les tatouages, des poèmes de mystères.

Voilà pourquoi le spectacle est réjouissant. Voilà pourquoi
   la vierge vous attire.

« A TUNICA INCONSUTIL »

 

 

 

LE DERNIER SPECTACLE

 

Ce sera la chute des statues

et après la chute des statues, un silence infini.
Ce sera la vitesse interrompue.

Le cœur des mannequins saignera de découragement.
Hélas ! le souvenir des cours désertes et silencieuses
où la fillette aux tresses tient une fleur.

Hélas ! le souvenir de la vie déserte et du monde fini

et des cris sans oiseaux et de la mer coagulée.

Ce seront des pupilles lointaines, arrêtées et pétrifiées,

rien n'aura de couleur et il régnera une immense stupeur

sur les choses.

 

Il y aura des rictus, des mains crispées et des gestes

                                                         incompris

en attendant que les étoiles s'écroulent.
     De dessous le pavé de l'immense cour
le poète se redressera dans sa pâleur.

— Où est la fillette aux tresses tenant une fleur à la main ?

Il ne porte aucun regret

de la vie déserte

ni du monde fini.

Seul le poète a des gestes naturels

pour attendre que les étoiles s'écroulent

et demeurer devant le dernier spectacle.

 

(Inédit)

 

 

FONDATION DE L'ILE

 

 

 

Je veux m'apaiser, forces tournantes,
spires et tournoiements, anneaux et tours,
symétries des orbites violées,
pensée continuelle qui m'encercle
dans les eaux du passé et de l'avenir,
insomnies circulaires, vols dans la chambre
d'ailes et d'ailes autour de ma lampe.

 

Tout me fait mal : les nues cachant le globe opaque,

la faillite des choses fustigées,

l'éternelle complainte des espaces,

la vieillesse du temps, cette recherche

       pour comprendre ce qui est obscur, comme
       la nuit de la raison égarée, comme
       les ténèbres rouges des désespérés.

Ah, la fatigue qui vient du mouvement
      de la mémoire impatiente et orageuse,
      de la pensée éveillée, avec l'âme folle.
       L'âme étourdie devant la tourmente
      s'accroche au vent comme à un tronc d'arbre.
      L'âme étourdie veut mourir, mais hélas !
      l'orage redouble et l'âme ne meurt pas.

      En vain de cette traversée terrible
      naît la chanson continuelle. Désespoir
      de cette triste joie, vaine consolation.
      Explication emportée qui ne rassure pas
      l'oiseau noirci de la poussière du monde,
      qui, pour se laver de cette poussière,
       meurt emporté, lavé par la tempête.

 

« Invençao de Orfeu », Canto I, XXXVII

 

 

 

POÈMES RELATIFS
XXVI

Ombre enchantée, sur le déclin,

un certain jour, jour incertain.

Une déesse, par ses gestes,

par sa danse, par son orbite.

Il fallait ainsi la comprendre,

mais lorsque nous l'approchions,

elle, farouche, reculait.

Si nous cédions, elle venait

vers nous, mais sans nous effleurer.

Nous accourions alors, lubriques,

l'enlaçant presque : elle fuyait.

Vraie déesse par ses façons

de mentir et de s'absenter.

Un autre jour, jour incertain,

     nous l'emprisonnâmes soudain.
     Nous ignorons ce que tu es,
     mais voulons faire quelque chose
     de toi, terreur ou allégresse
     ou notre Vénus favorable
     ou notre sphère de vocables.
     Elle pleurait, ne voulait pas ;
     et les sanglots la dissolvaient.
     Nous descendons le long du ventre
     et de son sexe renaissons,
     — passage vierge de paroles.
     Elle était une vraie déesse,
     par la fureur de nos outrages.
     C'était une déesse et nul
     ne sut si on la viola.
     Une déesse, par le doute
     qu'elle mit en chacun de nous.

                        (Idem, CANTO III)

 

 

 

LA SIESTE DE YAYA

 

Yayâ est dans le hamâe en fibres de liane.
La servante chasse les moustiques  « piums »,
balance le hamac
et chante un air
si lent, si mou, si nonchalant,
que Yayâ a envie de dormir.
                   Avec qui ?

 

Quelle paresse, quelle chaleur !
Yayâ ôte sa chemise,
boit un peu d' « aluâ »,
noue son chignon,
éponge sa sueur,
saute dans le hamac.

La bonne odeur qu'a le corps de Yayâ !
 Quelle envie folle de dormir...

                   Avec qui ?

 

Odeur de miel venue de la maison aux chaudières de sucre.

L'ouistiti de Yayâ dort dans le creux d'une noix de coco.

Yayâ plonge dans le sommeil,

penche la tête,

le hamac s'ouvre

comme une gousse de caroubier.

 

La servante se tait,

chasse les « piums »,

fait cesser le ran-rin,

ouvre la fenêtre,

regarde l'écurie :

— une lourde paix sur l'écurie !

Très loin, l'oiseau « péitica » fait si-do

si-do... si-do... si-do...

Avant que Yayâ n'interrompe sa sieste

la négrillonne de Yayâ

balance le hamac,

chasse les moustiques « piums »,

chante un air

si lent, si nonchalant,

que Yayâ sans se réveiller

se gratte

s'étire

et s'ouvre tout entière dans le hamac en fibres de liane.
                   Elle rêve, de qui ?

 

« POEMES CHOISIS » - 1933.

 

Página ampliada e republicada em setembro de 2009; AMPLIADA E republicada em junho de 2011 - Ampliada e republicada em janeiro de 2014; ampliada e republicada em junho de 2015, AMPLIADA em setembro de 2016. Ampliada em novembro de 2017. Ampliada em junho de 2018

 


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