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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



SOBRE DOIS POEMAS DE ANTONIO MIRANDA 

Por: Jayro Luna
   
 Antonio Miranda é o poeta de cuja poesia agora resolvo traçar alguns comentários. Busco dois poemas em sua vasta e rica produção. O primeiro é "Em Stonehenge", escrito em 1975 e o segundo é "Cubismo Verbal" em setembro de 2005; portanto,entre os dois textos existe uma distância temporal de praticamente 30 anos. Mas é justamente o tempo que une esses dois textos, ao contrário de separá-los. O tempo parece ser o tema que articula a visão poética ali inserida, o tempo, enfim, parece justapor-se sobre os dois poemas, de tal forma, que um poema se liga ao outro, na contigüidade metonímica e paradigmática.
   
 O próprio autor, em trabalho apresentado no VI Congresso Internacional de Humanidades (Chile), comenta em dado momento que o meio-século que tem se dedicado à poesia fez com que visse o tempo como elemento determinante do aspecto de registro da poesia com o mundo e com o conhecimento:
   
   "Estou há mais de 50 anos na obsessiva tentativa de produzir alguma poesia, enquanto continuo sendo um leitor de poetas e de tudo que contribua para a interpretação do mundo em que vivemos. E acredito na poiesofia (ou na poesofia): na poesia como registro e fonte do conhecimento. No momento estou colaborando num projeto de pós-doutoramento sobre o tema." (MIRANDA: 2004)
   
   Ruben Marcelo, citado em texto de Luiz Alberto Machado, observa na poesia de Antonio Miranda a existência duma espécie de missão poética, missão essa menos do que messiânica é, sim, programada, planejada na relação filosófica da consciência poética com o mundo, cujo resultado, a matéria poética é o amálgama concretizado e rico desse dialogismo.
   
  "(...) jamais se afasta da missão para qual nasceu destinado, a de re(criar) e ab(sorver) a alquimia dogmática das cousas invisíveis provindas da essência.
   Neste vasto e conturbado mundo onde um dos poucos bens da humanidade ainda é a Arte-Poesia, vez que os poetas/artistas são os semelhantes mais semelhantes a Deus"
 (MARCELO,R. apud MACHADO: 2004)
   
   Pois, de fato, os dois poemas escolhidos tratam desse amálgama e do tempo que é a pedra filosofal que toca a matéria a ser amalgamada. No primeiro poema, "Em Stonehenge" o poeta pergunta sobre a autoria daquela obra misteriosa, perdida na
   origem das eras, mas tão concreta aos sentidos do presente:
   
   "Quem ergueu estas pedras votivas / num esforço sobre-humano / e insano?".
   
   Ao final, o poeta observa como a distância no tempo é apenas um dado físico exterior, que existe uma sincronização entre os pensamentos do passado perdido na distância das eras e do presente que indaga-se:
   
    "eu, perplexo, buscando / o nexo / entre a fragilidade humana / e a vã materialidade / daquele monumento."
 
  
   Em "Cubismo Verbal", o poeta busca aplicar a concepção cubista de percepção da realidade para a composição de sua própria existência, na tentativa - sempre tentada, mas também sempre frustrada - da alma humana de compreender a dinâmica do tempo que se esvai ante a perplexidade de nossos sentidos:
   
    "Ver-se numa série de eventos passados / contíguos, consecutivos, recortados."
   
   Mais adiante no poema, uma das mais belas imagens poéticas do texto, Miranda nos apresenta o paradoxo do tempo no processo de cristalização, de concretização diante de nós por meio da memória:
   
   "Lado a lado, passado e presente / justapostos, interdependentes /numa continuidade impossível".
   
   Nos dois poemas, Miranda termina por reconhecer o fracasso da matéria diante do tempo, e o que nos resta é a espiritualidade, não aquela messiânica, mas aquela que Vico talvez definisse como poética:
   
   
                                                   "Em que momento
                                                    voltaremos a ser terra
                                                    regressaremos à comum
                                                    mineralidade?"
                                                                ("Em Stonehenge")
   
                                                    "(...)como um corpo no vácuo da memória
                                                     indefinidamente entre ir e vir.
   
                                                     Vejo as células mortas em minha pele
                                                     flácida."

                                                                 ("Cubismo Verbal")
   
   Convém observar um dado biográfico interessante nessa nossa breve apresentação desses dois poemas, que Antonio Miranda tem formação em biblioteconomia e em ciência da informação, portanto, tem conhecimentos teóricos e técnicos de como o registro é a base histórica e mais que isso, de como nossa civilização, nossa cultura, e até nossa humanidade está determinada pela capacidade humana de transpor da memória fugidia para a concretude material do suporte em que a informação se registra. Textos, pedras, monumentos, ossos e crânios, isso é o que fica como documento de nossa existência, de nossos pensamentos. Miranda acrescenta à fisicalidade de nossa derrota ante a morte um dado esperançoso: a poesia. É a poesia que apresenta a possibilidade de vencer a dureza concreta do que é exterior e nos supera. Pois o fazer poético é a estratégia do espírito criativo para recompor o tempo e o mundo.
   
   © Jayro Luna, 2005.
   
   REFERÊNCIAS

   
   MACHADO, Luiz Alberto. ANTONIO MIRANDA: RETRATOS & POESIA REUNIDA.
   In:
www.sobresites.com/poesia
 
   MIRANDA, Antônio. "Antônio Miranda Por Ele Mesmo" . Apresentado no VII CONGRESSO INTERNACIONAL DE HUMANIDADES, Universidade Metropolitana de Ciências de la Educación, Santiago do Chile, 3 e 10 de outubro de 2004.



 

 

 
 
 
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