| POEMAS DA INFÂNCIA   [Texto  de uma carta de Antonio Miranda dirigida a Cecília Vaquero, residente em Buenos  Aires, em 1962]   Ilustrações do chileno ROLAND GRAU,  do final do anos 50.       Querida  Cecília,   a amiga, certa vez, perguntou pelos  meus primeiros versos.  hoje disponho de  tempo (as aulas foram adiadas) e sinto vontade de dar uma olhada nos velhos  cadernos e aproveitarei para copiar-lhe algumas coisas.  a seleção não vai ser guiada por motivos  estritamente críticos mas – imagino – por razões sentimentais.  perdoe-me por isso.         O menino Antonio  Miranda em foto de fevereiro de 1948, com 7 anos de idade, em documento da  época...     Antonio Miranda aos 9  anos de idade, pouco depois de mudar para o Rio de Janeiro com a família,  morando numa chácara na zona rural de Nova Iguaçu, RJ (1949)     os meus primeiros versos escrevi-os  em 1948, em são luis do maranhão. não guardo quase nada daquelas primeiras  quadrinhas de rima incerta.  lembro-me  bem de umas que escrevi no navio que me trazia da minha terra natal [para o rio de janeiro], em princípios de  49, dedicados a uma flor.  
   em   1952 eu estudava no grupo escolar e desta época guardei alguns versos.  “publicava-os” à mão em cadernos de formato de revista tablóide pequeno, sob o  título Dois Amigos mas que, em  verdade, éramostrês pois auxiliavam com versos os meus colegas de classe éden  diniz e luis carlos não-sei-do-quê.       
 MÃE   Ant. Miranda            Mãe, nome puro como o céu,          Mãe, nome singelo.          Juro por tudo mais sagrado          Que serei sempre sincero.             Oh  minha mãe!                                                       Quanto  és boa,          Desde manhã até a noite          Sua voz em meus ouvidos, soa.     nestes versos eu, intuitivamente,  atrás da afeição idealizada de mãe, criticava suas repreensões.  minha professora de pintura divertia-se com  eles.   logicamente, tais poesias – se assim  as podemos catalogar – eram nada mais que o reflexo do mundo primário em que eu  vivia: a mãe, a casa, o cão, as aves, a árvores, a flor, etc.     
  A CASA             A casa é uma coisa           Que nós tanto amamos                Ela é um moradia           Que nós muito gostamos.             Em nossa casa           Onde nós sempre moramos           Nascemos nela           E nela nos acabamos.             Ah! Se eu pudesse!           Viver como as aves           Que vivem em ninhos           Na paz com beijos doces.      os dois primeiros quartetos chegam a  ser triviais, ingênuos, sem ser descritivos nem afirmativos. a última quadra,  porém, é a negação da casa: o desejo de evadir-se, de abandonar tudo aquilo que  a convenção me obrigava a amar.   os  versos daquela época [1952, com 11 anos] são “do contra”, sem happy end:     
 O  CÃO            Ah que belo animal!          Ah que lindo bichinho!          Foi papai quem me deu          Este sábio cãozinho.            Ele anda de dois pés          Persegue quem passa no caminho.          Quanto é sábio          Este animalzinho.                                                           Certo dia          Atrás do carro, corre          O mesmo dá marcha à ré          E o Lulu morre.   o interessante neste versos: as duas  quadras primeiras são a apresentação/exposição convencional do tema, a última  abandona o linear e ganha fôlego – a morte rápida do cão. o uso abusivo  [onomatopaico] dos erres (rr) colabora com o projeto.   O seguinte “poema” é curioso,  abstrato, sobre um tema adulto, sem nenhuma legitimidade, curioso pelo  paroxismo: 
 
               SAUDADE            Saudade,Terrível inimiga
          Que  nos persegue          Sempre,  toda a vida.            Quando  se sente saudade          Que vem do coração,          Um  leve impulso nos abala          Como  se fosse a paixão.       Antonio Miranda, aos  12 anos de idade.   
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