O RESGATE DA BIENAL DO B DE POESIA
por ANTONIO MIRANDA
Ué, foi um poeta que acabou com a
Bienal Internacional de Poesia de Brasília??!!
FERREIRA GULLAR
O nosso grande poeta não queria acreditar... Eu fui visitar o autor do "Poema Sujo", em Copacabana, para explicar e desculpar-nos pelo cancelamento da II B1P, em que ele era o grande homenageado. Ele não acreditou. Revelei que já estávamos com o volume da antologia dos poetas convidados e que a edição era comemorativa de seus 80 anos de vida e de trabalho pela cultura brasileira. Que o poeta Salomão Sousa completara a empreitada de uma antologia de poesia goiana, pois queríamos promover a cultura de um estado brasileiro em cada Bienal, a exemplo da primeira que havia celebrado a poesia brasiliense. Ferreira Gullar manifestou então o desejo de escrever um texto para o jornal, mas eu o dissuadi. Não valia a pena. Eu continuava à frente da Biblioteca Nacional de Brasília e isso poderia comprometer-me, pareceria matéria encomendada. Haviam telefonado do Correio Braziliense pedindo explicações para o cancelamento, mas não meti o Secretário de Cultura na história.
0 Secretário Hamilton Pereira havia declarado publicamente, em mais de uma oportunidade — uma delas gravada em vídeo —, que iria apoiar a realização do único evento internacional na área da cultura, que já estava aprovado pela Lei Rouanet, com negociações avançadas com a Petrobras, que fora a patrocinadora exclusiva da I B1P. Ele fez esta declaração e até publicou no Diário Oficial o compromisso de repassar 1,5 milhão de reais, e montou um grupo de trabalho que logo iniciou a montagem da programação. Já contávamos com o apoio de várias embaixadas, comprometidas com a vinda de poetas da América Latina, da Europa, África e Ásia.
Não vamos entrar em detalhes quanto
às razões do cancelamento, que a
Secretaria ordenou, mas nunca
oficializou. Faltando poucos dias para a
inauguração, tivemos que mandar
e-mails e fazer telefonemas para
suspender tudo. Um tremendo fiasco.
0 Secretário depois deu mais de uma versão para o caso: que tinha outras alternativas, que não havíamos captado os recursos. Para que entendam, os recursos sempre vêm quando a instituição promotora dá o aval e negocia a liberação do dinheiro. Aconteceu assim com a
1ª BIP quando o Secretário Silvestre Gorgulho entrou em contato com a Petrobras e o sub-diretor Tetê Catalão foi conosco à sede da empresa em Brasília para fechar a concessão dos recursos...
Foi uma tremenda frustração. Muitos poetas, jornalistas, músicos e artista plásticos, videomakers e outros criadores mandavam e-mails, telefonaram e nos visitaram para buscar algum tipo de apoio, de pressão, de solidariedade. Uma dessas manifestações foi a do T-Bone Açougue Cultural. Amorim queria intermediar uma solução, dar apoio, sem nenhum espírito de contestação. E propôs a Bienal do B de poesia na rua, para não deixar passar o ano em branco, para minimizar a sensação de tristeza e fracasso. Queria envolver a própria Secretaria de Cultura como forma de dar uma versão pública do cancelamento como algo superável. Aceitei o apoio, desde que não houvesse qualquer animosidade ou enfrentamento. E partimos para a montagem do evento, para acontecer em três dias, nos espaços públicos das atividades abertas e interativas do
T-Bone cultural. Decidiu-se pela homenagem ao poeta Thiago de Mello, enviamos convites a poetas de várias partes do país e de outros países, e assim aconteceu. Três dias de muita atividade, com a participação de poetas, músicos, individual e coletivamente, com uma assistência fantástica, num clima de fraternidade, de espontâneo tributo à poesia.
A intenção era manter viva a proposta da Bienal Internacional de Poesia. Depois vieram poetas da Espanha e de Cabo Verde, que já tinham passagens compradas por seus governos e fizemos atos públicos no Instituto Cervantes e na Biblioteca Nacional de Brasília, sempre de forma mais adequada para as circunstâncias, sem acusar ninguém, centrados na promoção da poesia.
Por que faço esta declaração?
Para deixar o registro dos fatos,
por causa de outras versões
que foram veiculadas,
e para restaurar a verdade.
Telefonei para o Secretário Hamilton Pereira avisando que eu iria participar da Bienal do B... que seria um ato independente, sem nenhum espírito de provocação, até porque a Secretaria também estava sendo convidada a participar... Ele disse que entendia que era um direito da sociedade realizar o evento, mas... fez uma advertência velada: era um risco. De fato, não muito tempo depois de realizada a Bienal alternativa, ele me chamou ao seu gabinete, sem explicitar o motivo. Disse, então, que estava me exonerando do cargo de Diretor da Biblioteca Nacional de Brasília a meu pedido, para atender a uma solicitação minha!!! Aproximei-me , olhei nos olhos dele e disse: "0 senhor não é autoritário!"
Importante é que realizamos a Bienal do B, que mantivemos aceso o nosso sonho de sediar em Brasília uma empreitada cultural que já contava com apoio de muitas instituições, que partia da própria comunidade. Para finalizar, seria o caso de lembrar uma declaração que fiz na abertura da I BIP, ao lado do Governador Arruda: "Esta não é uma bienal chapa-branca. Poesia não rima com burocracia". Política cultural não é empreendedorismo estatal ou negócio de bastidores, é consenso, diálogo, apoio às forças vivas da cadeia criativa e produtiva. Haveremos de!!!
O maranhense Antonio Miranda é poeta e escritor. Foi premiado diversas vezes e mantém um dos melhores e mais completos sites sobre poesia brasileira e internacional.
Texto extraído do livro
1ª. BIENAL DO B aa poesia na rua. 26 a 28 de outubro de 2011.
Edição Vicente Sá. Edição e Realização T-BONE. Brasília, 2012.
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