Antonio Miranda no Museu Nacional de Brasilia,
foto de Zenilton Gayoso, jul. 2011
ENTREVISTA COM ANTONIO MIRANDA
por Oleg Almeida
“Maranhense por nascimento, homem do mundo por vocação, com trânsito principalmente pela América Latina”, como o caracteriza Anderson Braga Horta, Antonio Miranda é poeta, escritor, teatrólogo, ensaísta, pesquisador e professor universitário, diretor da Biblioteca Nacional de Brasília e idealizador da Bienal Internacional de Poesia organizado na capital brasileira. Nosso correspondente Oleg Almeida acaba de entrevistá-lo sobre o atual estado da poesia no Brasil e as tendências de seu desenvolvimento.
Oleg Almeida: Fala-se muito, em nossos tempos pós-modernos, no gradual declínio da cultura tradicional e, sobretudo, na presumível morte da poesia. Qual seria o seu diagnóstico: a poesia realmente está morta, internada na UTI ou, apesar dos pesares, bem de saúde?
Antonio Miranda:
Estamos na era da hipermodernidade. A poesia expande-se por novos suportes e formas de expressão, sem abandonar as vias tradicionais como o livro, o recital, as revistas. Continuam os cordelistas e repentistas ao lado de perfermers e grafiteiros, os sonetistas ao lado de jovens que mandam poemas pelo celular, livros impressos competindo com blogs. No fundo, acabam somando-se, relacionando-se ou dando a volta por cima, no caso dos blogueiros que se unem em antologia impressa... Nunca se escreveu e divulgou tanta poesia. Talvez não se venda tanto quanto em tempos passados, mas isso acontece com o CD, como na ausência de público nas salas de cinema. O cinema virou vídeo, a música tornou-se MP3 e a poesia em 140 toques. O soneto deu lugar ao poema cibernético. Mas todas as formas convivem e sobrevivem. Vivemos na era da diversidade.
OA: A poesia é uma das mais genuínas manifestações artísticas. Mas as artes em si são inúteis, tese lançada por Oscar Wilde e sustentada, até agora, por editores que dizem: “A poesia não vende”. Pessoalmente eu acho que a poesia não vende porque não tem preço, enquanto nossa amiga Thereza Christina Rocque da Motta, poeta e editora do Rio, alega que “a poesia não vende pouco, mas, sim, aos poucos”, ou seja, possui certo valor pecuniário. O que é que o amigo pensa disso?
AM:
Poeta escreve para ser lido, ouvido ou visto. Não escreve para vender. Mas é bom vender... ou ganhar algum sustento pelo exercício de sua função social. Alguns conseguem isso, ainda que raramente. Manuel de Barros e Thiago de Mello vendem bem. Os cordelistas vão de feira em feira e conseguem, alguns deles, viver de seu trabalho. Não sei se os poetas no auge do romantismo e do modernismo ganharam muito dinheiro. Imagino que os herdeiros de Drummond ganhem mais do que o poeta de Itabira. Os editores póstumos de Fernando Pessoa ganham muitos mais que o autor de Mensagem... Alguns herdeiros são sanguessugas e até prestam um desserviço à memória dos poetas... A crise do livro não é exclusividade da poesia. Os livros didáticos vão para o tablet, os romances estão virando e-books, mas as editoras continuam vendendo. Até mesmo poesia. E temos muitas editoras especializadas em poesia aqui e em muitos países, seja cobrando dos autores para a publicação, para uma coedição e até como empreendimento de risco... Creio que a melhora do nível de escolaridade e a difusão cultural entre neoleitores vão revitalizar melhor o avanço da leitura de poesia, seja em que suporte for, do que a choradeira dos preteridos à entrada do salão ou terreiro da festa...
OA: Qual é, a seu ver, o atual estado da poesia no Brasil? Há novas vertentes, novas ideias; há grandes nomes, ou não seria exagero afirmar que os gênios ficaram no século XX?
AM:
Como disse Cora Coralina, do alto de seus mais de 80 anos, “os tempos atuais são infinitamente melhores”. Eu não vivo olhando pelo retrovisor, só quando preciso avançar. Edgar Morin nos lembra que a poesia se sustenta no passado, mas se projeta no futuro. Hoje temos grandes nomes, e muitos serão as glórias futuras pois é difícil um distanciamento para garantir quais os nomes que vão ficar. Manuel de Barros, Augusto de Campos, Thiago de Mello, Lêdo Ivo, Adélia Prado, Décio Pignatari, Armando Freitas Filho, Ruy Espinheira Filho, Frederico Barbosa, Armindo Trevisan, Ferreira Gullar, Affonso Romano de Sant´Anna, José Santiago Naud, Antonio Riserio, Affonso Ávila, Alberto da Costa e Silva, Hugo Mund Jr., Glauco Mattoso, Virgilio Maia, Antonio Fernando de Franceschi, Ariano Suassuna. Vou ficando por aqui, pois a lista é extensa e certamente outros grandes poetas de todos os sexos vão ficar irritados por não tê-los nomeado. Sem contar com os poetas-compositores musicais, os videopoetas, os que trabalham tanto no campo da integração da poesia com outros meios de expressão, como os que apoiam-se na convergência tecnológica em campos experimentais. Temos mais poetas vivos, hoje, do que em tempos passados, mas ainda não tiveram a seu favor o reconhecimento de sua obra.
AM:
OA: É relativamente fácil produzir um livro impresso ou virtual no Brasil. Entretanto o advento da impressão digital e das mídias eletrônicas tem feito um papel ambíguo: por um lado, tornou o acesso ao mercado livreiro menos elitizado; por outro lado, propiciou o aparecimento de muitos livros medíocres, dando início a uma espécie de polifagia literária. Minha opinião lhe parece por demais radical ou este problema existe mesmo? Como separar o joio do trigo na poesia?
AM:
Livros medíocres sempre existiram. E vão continuar sendo escritos. É assim também na música, na arquitetura, nas artes gráficas. Acho que faltam críticos e espaços para a crítica, em vez de elogios cruzados. Só o tempo decanta, sedimenta. Mas devemos reconhecer que existem grandes nomes do passado que foram enterrados com os autores. Apesar de que as paginas web oferecem muitos destes nomes, pois seria impossível seguir republicando-os em formato de papel. É como um iceberg que depende da base submersa para manter-se na superfície. Poesia é uma criação coletiva, mesmo quando o poeta escreve na solidão ou na sua torre de marfim. O poeta se alimenta de paideuma, do que leu, ouviu, tanto como fôrma quanto conteúdo, por mais original que pretenda ser. Importante é que alguns abram novos caminhos. Agora, longe dos ismos, a frente é mais ampla e difusa, mas extremamente vigorosa. No futuro, vai ser possível definir as tendências que vigoram atualmente, embora alguns (poucos) críticos possam antecipar-nos algumas dessas tendências. Neobarroco? Haikais reformulados, aforismos? Sonetistas renovados, letristas geniais, tecnólogos dos versos. Tem de tudo, para todos. E quando não há uma livraria na esquina, tem uma loja virtual à disposição.
OA: Resumindo, a Internet seria, nesse contexto, a força motriz da nova literatura ou, para assim dizer, um amigo da onça?
AM:
Certamente que a internet é uma força motriz e centrifugadora, mas os bares estão cheios de sessões de poesia, as boas livrarias também. A internet, além de oferecer conteúdos, também tem o poder de convocatória para promover encontros. Antes eu buscava estas oportunidades na imprensa ou esperava a chegada do convite pelo correio. Hoje recebo por e-mail. Vantagem na rapidez, mas resulta no mesmo fenômeno de atrair e reunir autores e público. Seja presencialmente, seja digitalmente. Mas cabe lembrar que a internet vem impondo novas formas de criação literária, além de promover a convergência tecnológica por amalgamar os gêneros literários. E não me venham com a história da massificação. A internet transformou o poeta no seu próprio editor e há de tudo para todos, ou quase todos. Não havia livrarias em toda parte, como não existem ainda computadores em todos os lares, mas levamos uma grande vantagem no acesso às obras em comparação com as possibilidades que existiam, se me lembro de minha juventude.
OA: Em 2008, a atenção de todo o Brasil se voltou a Brasília, onde acontecia um evento de porte internacional – a 1ª Bienal de Poesia. Como o amigo avaliaria os resultados desse evento: foram satisfatórios?
AM:
AS I BIP foi um fenômeno que ainda falta avaliar em toda a sua extensão. Foi um ponto de partida. É difícil deslocar o eixo das coisas. Sair da hegemonia do Centro-sul e da costa atlântica para o interior, como queria JK ao prever Brasília como um ponto de irradiação central. Não há mais centralidade, a territorialização perdeu parte de sua vigência, até o tempo mudou: vivemos agora no não-lugar, no tempo relativizado pois é possível estar em linha e interativo como também virar “becape”. A ideia da I BIP foi reunir poetas, mas garantir que eles continuassem na rede. A II BIP, de 14 a 17 de setembro próximo, vai tentar consolidar esta proposta, na medida em que faremos sessões por videoconferência ou tvdigital, como manteremos os vídeos e os textos na página da BIP em caráter permanente.
OA: A 2ª Bienal de Poesia de Brasília se passará em setembro deste ano. Conte-nos um pouco sobre a programação dela.
AM:
Queremos oferecer um panorama da poesia que é praticada no Brasil, em Iberoamerica e em alguns países mais. Vamos ter participantes também de Cabo Verde, Moçambique assim como da Suécia, da Indonésia e de outros países mais remotos. Vamos promover leituras de poemas na Biblioteca Nacional de Brasília, em bibliotecas e escolas da perifieria, na rodoviária e na praça, nos bares e em universidades. Poesia visual, cordel, poesia pintada e vídeo. O melhor é ir ao nosso sitio que está sendo montado, com novidades à medida que chegam as confirmações para a montagem final da programação: http://bipbrasilia.com/
OA: A Bienal de Poesia reunirá não apenas vários poetas brasileiros, como também os representantes da lusofonia poética em geral. Que eu saiba, o português Luís Serguilha e a moçambicana Tânia Tomé já confirmaram sua vinda a Brasília. Será que os poetas de outros países e idiomas participarão da Bienal?
AM:
Sim, já temos grandes nomes como Humberto Ak´Abal da Guatemala, Juan Calzadilla da Venezuela, Clemente Padin do Uruguai, Corsino Fortes de Cabo Verde.. Melhor é ir ao sitio... Alguns nomes vêm pelsa embaixadas (Mèxico, Panamá, Espanha, etc) cujos nomes estão sendo confirmados, os poemas traduzidos ao português para uma apresentação pública bilíngue. Como aconteceu antes, vamos lançar o Poemário Oficial do evento e uma antologia de poesia goiana, oficial da BIP, organizada por Salomão Sousa. Na bienal anterior, lançamos uma antologia de Brasília e uma infanto-juvenil produzida pelos jovens.Além daquele magnífico volume da poesia visual intitulada OBRANOME organizada por Wagner Barja. Na III BIP vamos escolher outra região, entre as menos favorecidas em termos de divulgação de sua produção poética. Mas também estamos organizando um encontro de tradutores, outro com os editores, um seminário sobre poesia infantil. Etc, etc.
OA: Discutindo os destinos da poesia no mundo contemporâneo, deixamos de lado a personalidade do poeta Antonio Miranda. Os leitores da nossa revista estariam interessados em saber como é seu presente criativo e seus planos para o futuro.
AM:
Wally Salomão me fez uma dedicatória em um de seus livros, dizendo que eu sou um “oximoro concreto”. Pois é, eu cultivo a poesia textual, a visual, a satírica, a social e, apesar da idade, ainda faço incursões pela lírica amorosa. E pratico a poiesofia, o poema-ensaio além do poema-objeto. Tenho alguns heterônimos para dividir esta variedade. Até mesmo um pseudônimo que eu não revelo, pelo menos, por enquanto... E tenho no prelo, em vários países — Brasil, Venezuela, México — livros inéditos e antologias. E publico o tempo todo na minha página pessoal: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_ilustrada/poesia_ilustrada.html onde estão textos em português, mas também versões em russo (por Oleg Almeida...), em basco, em guarani, em alemão, italiano, francês, inglês, holandês ... e até em latim e tukano.
OA: Muito obrigado pela entrevista. Foi um prazer conversarmos. Desejo-lhe novos sucessos em seu nobre ofício de escritor e promotor cultural.
Entrevista feita com Antonio Miranda, em Brasilia, junho 2011, para publicação numa revista eletrônica.
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