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Encontro Regional da ABRALIC 2007

Literaturas, Artes, Saberes

23 a 25 de julho de 2007

USP – São Paulo, Brasil

 

Extraído de : http://www.abralic.org.br/enc2007/anais/14/13.pdf

 

 

AS CONTRADIÇÕES POÉTICAS

DE ANTONIO MIRANDA

 

Dra. Elga Pérez Laborde (UnB) 

 

Resumo:

 

A antipoesia de Antonio Miranda continua o caminho de liberdade criadora que iniciaram os poetas, desde a métrica da linguagem vulgar de Dante e da picante ironia de Quevedo, até a dos modernistas que seguiram as marcas selvagens de Whitman. O poeta admite-se como um oxímoro, e como tal,mantém viva sua constante irreverência jogando com as contradições. Com mais de uma vintena de

títulos publicados, em parte traduzidos ao espanhol, o atual Diretor da Biblioteca Nacional de Brasília trabalha com textos discursivos e visuais desde a década de 60 e comemora cinqüenta anos de poesia com uma trajetória de prestígio internacional, que inclui o mundo do espetáculo teatral e musical na

América Latina.

 

Palavras-chave: Antipoesia, irreverência, crítica social, esperpento.

 

 

A antipoesia de Antonio Miranda, como toda antipoesia, quebra as nossas

expectativas e nos surpreende com o paradoxo e sua forma de expressar e utilizar a linguagem para se referir à condição humana, às vivências próprias e às dos outros, às do indivíduo e às da comunidade do orbe, as vezes acentuando o elemento brasileiro, outras o latino-americano.

 

A ironia e o debate que acompanham seu pensamento poético nascem da

observação do mundo e suas distorções esperpênticas. Nascem do dissentir consigo

mesmo e da realidade do entorno, seja esse político, sexual ou social, como se evidência em Tu país está feliz (1970) ou em PER VER SOS (2003), ou nas Cantigas de escárnio e maldizer, São Fernando Beira-Mar (2004), as três obras publicadas e traduzidas ao\espanhol .

 

O verso livre dominante de seus discursos poéticos, sua pessoal maneira de

explorar e reinventar a linguagem, de fazer fluir o ritmo e o som tem permitido

musicalizar e dramatizar parte de sua produção, com as repercussões teatrais de sucesso continental que, particularmente em Venezuela, já possui uma trajetória histórica de seis lustros. Sempre com resposta favorável da crítica e do público.

Antonio Miranda continua o caminho de liberdade criadora que iniciaram os

poetas, desde a métrica da linguagem vulgar de Dante e da picante ironia de Quevedo, até a dos modernistas que seguiram as marcas selvagens de Whitman. O escritor faz da linguagem falada e da poética convencional uma trama reticular de subversão e de harmonia dos contrários que, pese as variáveis temáticas de sua obra, se mantém constante. Faz uma apropriação seletiva aberta da tradição poética universal sem seguir uma linha estética determinada senão a autêntica de criação pessoal, como se pode observar em Retratos (2004), onde a motivação é mais lírica, filosófica e referida a autores como Jorge Luis Borges, Calvino, Heidegger, quase todos poemas dedicados a seus amigos. Em “Borges” retrata o resultado de seus diálogos e divagações com os aspectos metafísicos do escritor argentino.

 

No labirinto dos espelhos

por caminhos multiplicados

ao infinito; lá no fundo

ou no começo .

Onde o tempo e o espaço

se confundem, porque

coexistem memórias

do olvido. ...

Lá está aquela máscara disforme

que encobre uma outra face

que oculta outras tantas mais

metamorfoses...

 

(2004: 11)

 

Meio século de produção literária mostra a batalha que tem enfrentado consigo

próprio. Em seu auto-retrato - Poesia no porta-retratos - encontramos reflexões

metatextuais nas quais analisa suas preocupações com a poesia, não sem sarcasmo, com autores de diferentes épocas e tendências:

 

Sempre

quase sempre

(nem sempre...)

eu me vejo ridículo

escrevendo poemas.

Mais ridículo ainda

lendo-os, relendo-os

infinitamente.

A poesia tornou-se um exercício

maneirista, narcisista, preciosista

masoquista e, para quebrar a rima

um precipício

um verdadeiro estropício

um hospício a céu aberto

(2004: 18).

Na segunda parte levanta poeira, acrescentando:

Ferreira Gullar, por exemplo,

colocou o poema no liquidificador

na sua Luta Corporal. Tristan Tzara, o dadaísta

usou a tesoura porque não havia

a máquina picotadora...

Mallarmé lançou seus dados ao azar....

E.E. Cummings construiu edifícios verbais

e Sousândrade violentou a gramática...

 

(idem, 19)

 

Preocupam-lhe a iconoclastia de Leminsky, a hipocondria de Manuel Bandeira, se reconhece medíocre e chama às musas de defuntas ou de aposentadas. Sua visão desintegradora da realidade, seu humor negro, tal vez uma forma de desespero, o levam a uma dessacralização da poesia, que para ele

 

é um caminho viciado

ou é inovação e criação

(nunca inspiração)

e o poeta queima as próprias roupas

incinera as vãs convicções, crenças

deserta do mundo e suas ideologias

e destrói a própria torre de marfim

seu último refúgio.

 

(ibidem, 20)

 

Sua ars poética segue um rumo harmonizando a linguagem oral com o ritmo da poesia numa configuração onde a irregularidade, as licenças poéticas e a

intertextualidade literária e musical dão a tônica de escândalo, de grito de alarme de um novo século em crise, como fez no passado – na década dos 70 - em Tu país está feliz, uma obra vigente que finalmente está sendo montada em São Paulo. Não coloca limites lingüísticos nem morais, mas aponta para uma linguagem erudita e popular, produto de sua sólida formação acadêmica.

 

A poesia de Miranda cumpre com o rito de dar nome às coisas e se abre a todos os conceitos internos e externos do espaço humano. A partir de sua própria experiência no mundo projeta-se subjetiva, crítica e utópica, sobre a natureza e a política brasileiras.

 

Fica muito claro em outras duas obras: Brasil, brasis (1999) e Terra Brasilis, sobre oespaço, o tempo e os valores do Brasil (2004-2005 - ainda inédita, pode ser acessada no site http://www.antoniomiranda.com.br), um poema ensaio mais recente, onde alcança a dimensão da monumentalidade geográfica, histórica e política do maior país do sul de América. Seleciono um fragmento da obra:

 

Que história é essa do Brasil?

Do colonizador travestido de missionário?

Do aristocrata fantasiado de revolucionário?

Parece que a História é carente de exemplos

— não tem respostas nem explicações nada

que mitigue nossas aflições.

Não conhecemos heróis,

nem mártires, nem próceres

mesmo aqueles condestáveis

imortalizados em monumentos marmóreos

desconhecidos dos passantes

nada de bonapartismos, peronismos

nunca um Simón Bolívar,

jamais um Gandhi

Tiradentes, Pedro II, Caxias...

Todos são canibalizados

ou carnavalizados

isso é muito bom, muito ruim.

 

(Canto 52, intitulado Diacrítica)

 

A partir de uma outra perspectiva, Brasil se nos revela descarnado através de sua palavra ligada ao português vernáculo, pátrio, doméstico, subversivo, genuíno, quase em ritmo de samba, quase intraduzível, fora da ótica – exótico ou seja, fora de sim próprio, como registra em Brasil, brasis:

 

O Brasil que eu vejo se imagina

diferente em seus ínclitos fervores

mas que é, nas entranhas férteis

- horrores! -, miragens e estertores.

 

(1999: 9)

 

O poeta constrói uma dicção wagneriana, pomposa, grandiloqüente para definir linhas e esculpir uma fisionomia barroca, na expressão formal; crítica e paródica, no conteúdo; altissonante nas estruturas. Dá força à palavra comprometida com essa necessidade própria do esperpento de desconstruir e de encontrar esse nível de consciência que fala mais alto.

 

O estilo esperpêntico de Miranda difere do de Nicanor Parra, justamente nessebarroquismo do dizer. Parra caracteriza-se pela serenidade irônica e humorística do falar cotidiano do homem comum, confrontado, com sonhos e esperanças, frustrações e loucuras, no seu dia-a-dia com os conflitos da época. Miranda joga com o léxico popular, musical e folclórico do brasileiro de todas as partes, num afã mais lúdico, nem  por isso menos crítico, nem de conseqüências menos filosóficas:

 

O Brasil que se mostra não é

O que é, mesmo que verdadeiro.

Por inteiro. Reflexo do reverso,

Em verso derradeiro.

Mineiro, pandeiro, izoneiro.

Adormecido em berço esplêndido.

Cabral inaugurou o shopping-center.

Verde-mar, areia ardente.

Recôncavos, serpentes.

Um mesmo território,

uma mesma língua

de sotaques e repentes,

idiossincrasias.

Fantasias!

 

(idem. 23)

 

Um discurso poético de resistência, ou antipoético, que de alguma forma resgata o espírito comum da rejeição da des-ordem estabelecida. Uma forma de resistência dos discursos dominantes, que exaltam virtudes e ignoram defeitos à sua conveniência. O mesmo discurso de resistência de Rabelais ou de Ramón del Valle-Inclán, autores malditos que, através da prosa, desacralizaram os artifícios da história oficial, os mitos de seus respectivos tempos e povos. O mesmo alarido de todas as épocas, utilizando às vezes a linguagem comum, ordinária, para provocar o absurdo e até a obscenidade em alguns poemas, como mecanismo de choque, sem deixar de ser literário.

 

O leitor pode experimentar múltiplas reações diante da sua antipoesia: assombro, mal-estar, desconcerto, riso. O humor negro não pode fugir dessa tendência própria da sátira, cuja intenção busca quase sempre corrigir a sociedade fustigando seus vícios, limitações e defeitos. Ainda que essa não seja com freqüência uma vontade consciente do poeta, há uma pressão interna que o leva em procura da verdade, como uma forma de oxigenar a existência. Nesse sentido, a antipoesia, como gênero satírico, expressa as coisas num tom zombeteiro. Como num ato de exorcismo para sair da escuridão, ou como diz o escritor: “inscrever um poema/ no coração de América/ e na consciência do mundo/ um poema sujo” (2003: 42). Concordo com o antipoeta: o poema sujo pode ser como uma vacina da alma, sem dúvida, o mais limpo de todos. Parece-me oportuno citar minhas próprias reflexões paratextuais do epílogo de PER VER SOS:

 

Lendo os “per-ver-sos” surgem algumas perguntas: quais são os

limites da poesia? Ou ainda, acaso a poesia tem limites? É suficiente

chamá-la de antipoesia? A poesia de Miranda pode produzir, às

vezes, constrangimento numa primeira reação do leitor, ou assombro

ou perplexidade, ou também riso. De qualquer forma trata-se de uma

linguagem racional e poética, nervosa e inesperada, disposta para o

anedotário e as vivências de um poeta que se confessa solitário, mas

ao mesmo tempo solidário. Uma linguagem que se torna torrencial

acumulação de palavras e conceitos sagrados e profanos para

expressar uma brasilidade que sabe das iras e demônios, dos sonhos e

amores, das frustrações e carências do ser humano. Nisso torna-se

universal. Sua desconstrução da linguagem e das estruturas

modernistas conjuga-se no desencontro das estruturas convencionais

inclusive das mentais de todo o establishment literário, social e

político. Dir-se-ia que Miranda dos “perversos” gosta de escandalizar

brincando; para ele construir é destruir à maneira de Whitman ou

como o Barbudo democrata.../ desprezando regras morais. Escreve,

projetando seu eu no espelho dessa verdade que permite a poesia: um

eu abjeto, incestuoso, narcisista, imoral diante da Morte, que celebra

a vida em todas as suas fases e clama pela sua parte impura e suas

limitações, tecendo o canto do mal. ( Laborde, 2003: 92)

 

A imagem do Brasil emerge mais crua e violenta em São Fernando Beira-Mar, que identificou genericamente como “Cantigas de escárnio e maldizer”, remitindo-se ao medievo e ao mesmo tempo à crônica policial misturada aos aconteceres políticos, de onde também pode ser alimentada a antipoesia, mostrando um quadro patético (pathos), das neurotizadas metrópoles de América. Assim nos leva do riso aos prantos:

 

Crianças com armas na mão.

Abandonados por Deus! Dilacerados,

pensamentos errantes, incredulidades.

Terroristas tramam seqüestros

de celebridades, para o regozijo

do homem da mídia enquanto

traficantes violam containers

e médicos amputam sepultos,

padres rezam missas solenes,

lêem homilias dominicais,

saem bugigangas chinesas de caixas,

voltam a crucificar Jesus, serram-no

ao meio, exibido na TV, para servir

de exemplo e admiração.

Iras, arrependimentos, imprecações.

Assaltos, rezas, sobressaltos,

ruas desertas, ferrolhos, grades,

trancas, alarmes, circuitos

monitorados, escutas telefônicas.

(2004: 4)

 

Da segunda cantiga selecionamos um quadro da agressão cotidiana cada vez mais crescente na sociedade e por tanto mais presente na mídia:

 

Aquela bala perdida tinha um sentido;

aqueles mortos calcinados riam de nós;

policiais encapuzados sitiam quarteirões

abandonados, desovam cadáveres,

torturam, atiram em qualquer direção.

 

(idem. 5)

 

A terceira cantiga nos fala da náusea, do vômito e do sangue, do senhor delegado que reclama sua parte, as covas revelam os seus segredos/ os lixos desbordam e as fossas abertas/ mostram os seus mortos putrefactos. As imagens do jornal – outra prática antipoética – transferidas ao mundo da palavra viva, são os sujeitos que povoam o poema de hoje e também os do sarcasmo de sua juventude: “Tu país está feliz / tu país está feliz/ tu país está feliz/ tu país está feliz”// (Canção 14 de Tu pais está feliz) que se cantou e se volta a cantar com a mesma força expressiva dos que levam a utopia no coração e a

lucidez no pensamento:

 

...As guerras longe de aqui

nem se ouvem os tiros...

tu pais está feliz ...

A fome é coisa da Índia

desemprego não existe

não há favelas nem miséria

e tu dormes sobre um campo de petróleo.

Os problemas raciais estão mais ao norte/

a universidade está repleta de negros.

Tem ministros negros

embaixadores negros

tu não és negro, que te importa?...

Todos estamos completamente felizes....

 

(2004, 50,51)

 

Antonio Miranda rejeita a harmonia em toda sua produção poética como uma fórmula de reafirmar-se no desequilíbrio, na evasão de todo ordenamento artificial. Sua obra mostra a aceitação do conflito, das contradições, da dissonância reinante.

 

 

BIBLIOGRAFIA DO AUTOR

 

MIRANDA, Antonio. Tu país está feliz. Brasília: Editora Thesaurus, 11° Edição, 2ª em

português, 2004.

ISBN 85-7062-440-9

____ Tu país está feliz. Brasília: Editora Thesaurus, 10° Edição, em espanhol, 2001.

Comemorativa dos 30 anos do Grupo Rajatabla de Caracas, Venezuela.

ISBN 85-7062-283-X

____Brasil, brasis. Brasília: Ed. Thesaurus, 1999.

ISBN85-7062-191-4

____PER VER SOS. Brasília: Ed. Thesaurus, 2003.

ISBN 85-7062-386-0

____ São Fernando Beira-Mar, Cantigas de Escárnio e maldizer. Brasília: Ed. Thesaurus,

2004.

____Retratos & Poesia Reunida. Brasília: Ed. Thesaurus, 2004.

ISBN 85-7062-432-8

____Terra Brasilis, sobre o espaço, o tempo e os valores do Brasis. Acessível in:

http://www.antoniomiranda.com.br

 

BIBLIOGRAFIA TEÓRICA DE APOIO

 

BOSSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Editora Schwarcz, 2004.

CARRASCO, Ivan. Para leer a Nicanor Parra. Chile: Ed. Cuarto propio. Universidad

Nacional Andrés Bello, 1999.

COHEN, Jean. Estrutura da linguagem poética. São Paulo: Cultrix, 1966.

LOTMAN, Iuri. Teoria. A estrutura do texto artístico. Lisboa: Estampa, 1878.

PÉREZ –LABORDE, Elga. “Reflexões paratextuais”. In: Miranda, A. PER VER SOS,

Brasília: Editora Thesaurus, 2003.

____”Os brasis pluridimensionais de Antonio Miranda”. In: A questão teórica do

esperpento e sua projeção estética.Tese de doutorado, UnB, 2004.

____Quién le tiene miedo a la antipoesia? Quién le tiene miedo a Nicanor Parra?. In: Heranças e desafios na América Latina. Brasil-Chile. Brasília: Plano Editora, 2003. ISBN – 85-85946-85-7



 

 

 
 
 
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