ARICY CURVELLO
BILINGUE PORTUGAIS – FRANÇAIS / PORTUGUÊS – FRANCÊS
Trad. Jean-Paul Mestas
(Da antologia bilíngüe “Reflexos da Poesia Contemporânea do Brasil, França, Itália e Portugal”, Lisboa, Universitária Editora, 2000, organização e tradução de Jean-Paul Mestas, escritor francês e professor universitário da Sorbonne)
Morfose
símiles, vozes, labirintos,
como alguém que um poema principia,
segues imagens ao confim do não,
dúbios, dúbios desenhos que mais são
lábios de noite ou silêncio
ou vozes de outra voz outra forma aparência
no meio da linguagem no meio do mundo
sombras de sombras são que te encontram
sentir sem poder de captura, mas verde é esse
beijo,
lento crescer de enigma
símiles vozes labirintos
como alguém que um poema principia
Forme
analogies, voix, labyrinthes,
tel quelqu’un commence un poème,
tu suis des images au borde de ce rien,
douteux, dessins douteux qui sont plutôt
lèvres de nuit ou silence
ou voix d’autre voix autre forme d’ apparence
au centre du langage au millieu de ce monde
des ombres d’ombres sont qui te trouvent
sentiment sans pouvoir de prise, mais vert
est être baiser,
lente croissance d’énigme
analogies, voix, labyrinthes
tel quelqu’um commence um poème
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Às vezes
o substantivo carece
de mais substantivos
o verbo de verbos
verbos de advérbios
as palavras fazem crescer o mundo
mas a língua não é a realidade
nem a arte se assemelha à natureza
criam outra
realidade que expande a realidade
(às vezes)
no branco da página
Parfois
le substantif a besoin
de plus de substantifs
le verbe de verbes
les verbes d’ adverbes
les mots font croître le monde
mais le langage n’ est pas la réalité
ni l’art ne s’assimile à la nature
ils créent une autre
réalité que grossit la réalité
(parfois)
au blanc de la page
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Movi mentos
Escorrega sempre
para
exemplo
o jogo do pensamento
sem ajuda permanecer
só o consegue raramente
jogam um jogo clariscuro
o pensamento e o mundo
ao morrer de uma mosca
no renascer de um musgo
a mente louca/mente
vai na viagem vigiando
miragens pela margem
vivemos
por
imagens
Mou vements
dérape toujours
par
exemple
le jeu de la pensée
sans apui permanent
réussit rarement seul
ils jouent un jeu clair-obscur
la pensée et le monde
ne meurent d’une mouche
ne renaissent d’une écume
l’esprit folle/ment
va en voyage en guettant
des mirages sur la rivage
nous vivons
pour
images
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Cézanne
jamais quis pintar
como um animal
porém
na dimensão que nos dá as coisas
repletas de reservas, inesgotáveis:
a do mundo em sua espessura
(não as só palavras em discurso)
massa sem lacuna:
um organismo de cores
a vibração das aparências não é o berço das coisas
escrevia enquanto pintor
o que não havia sido pintado ainda
(a criação do que existe é uma tarefa infinita)
Cézanne
ne voulut jamais peindre
comme un animal
toutefois
dans la dimension qu’ il donne les choses
pleines de retenue, inépuisables:
celle d’un monde dans son épaisseur
(pas seulement effets de style)
masse sans lacune:
un organisme de couleurs
la vibration des apparences
n’ est le berceau des choses
il écrivait en tant que peintre
ce qui n’ avait été peint encore
(créer ce que existe est une besogne infinie)
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(Das antologias bilíngües “Um mundo no coração/ Um monde au coeur”, Lisboa, Universitária Editora, 2001, e “Povos e Poemas/ Peuples et Poèmes”, idem, 2002, organização e tradução de Jean-Paul Mestas, escritor francês e professor universitário da Sorbonne)
Fluir
há o tempo gravado nas portas atrás das portas
no umbral da memória há o tempo
indecifrável há o tempo e há os homens
as pedras
e o que nelas se busca ler
há trovões sobre a noite há relâmpagos alguns sonhos
sobre o passado o futuro
o presente e o tempo um só
no limiar jamais atravessado
sinais em cinzas
dores ilegíveis
há pátrias e não se leva a pátria embaixo dos sapatos
nem pudeste em algumas palavras alguma vez
chamar companheiros agora impossíveis de chamado
outra vez há a lua metálica na vidraça
e a janela
inundada
amanhece outra vez
Flux
il y a le temps gravé dans les portes derrière des portes
dans le jambage de la memoire il y a le temps
indéchiffrable il y a le temps et il y a des hommes
les pierres
et ce qu’en elles on cherche à lire
il y a des coups de tonerre sur la nuit il y a des éclairs
quelques rêves
sur le passé sur le futur
el le present et le temps désert
au seuil jamais franchi
signes et cendres
souffrances illisibles
il y a des patries et la patrie ne s’ emporte pas á la semelle
des souliers
tu ne peux non plus en quelques mots en aucune fois
appeler des compagnons allors maintenant impossibles à appeler
il y a encore une lumière metalique dans la vitre
et la fênetre
inondée
naît une autre fois
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(Página revista e republicada em outubro de 2008)
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